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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.45 Canoas Dec. 2014

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Fatores associados ao uso de drogas: depoimentos de usuários de um CAPS AD

 

Factors associated with the use of drugs: statements from users of a CAPS AD

 

 

Ana Kelen DalpiazI; Maria Helena Vianna Metello JacobII; Karen Daniele da SilvaIII; Melissa Pereira BolsonIV; Alice HirdesII

I Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul
II Universidade Luterana do Brasil. Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde
III Secretaria Municipal da Educação de Caxias do Sul/RS
IV CAPS I Dois Irmãos/RS

Endereço para contato

 

 


RESUMO

A pesquisa teve por objetivos identificar os fatores que influenciam e protegem do uso de álcool e outras drogas e identificar as ações que contornam o tratamento e a reabilitação de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e os instrumentos utilizados foram entrevistas semiestruturadas. Os resultados evidenciam como fatores de risco a tristeza, a solidão, as festas, o uso de substâncias na família e as companhias. Como fatores de proteção estão a família e os amigos, que também podem ser caracterizados como fatores de risco. O Centro de Atenção Psicossocial, além de oferecer acolhimento, atividades terapêuticas e educativas, apresenta duas características que facilitam o tratamento dos usuários, o território onde está localizado (de alta vulnerabilidade psicossocial) e a modalidade de atendimento (três turnos). Conclui-se que o tratamento oferecido subsidia a reabilitação psicossocial, reforçando a reconstrução de projetos de vida.

Palavras-chave: Usuários de drogas, Fatores de risco, Reabilitação.


ABSTRACT

This research aims to identify factors that influence and protect for alcohol and other drugs use. In addition, to detect its purpose is the importance of actions that outline treatment and rehabilitation of alcohol and other drugs users developed at Psychosocial Care Center. This is a qualitative research using semi-structured interviews. Risk factors for the outcome were sadness, loneliness, parties, family history of drugs use and companies. As protective factors are family and friends, which can also be seen as risk factors. Besides to provide care, therapeutic and educational activities, the Psychosocial Care Center has two features that facilitate users´s treatment: the territory where it is located (of high psychosocial vulnerability) and the type of service (three shifts). The conclusion is that the treatment offered subsidizes psychosocial rehabilitation, strengthening the reconstruction of life projects.

Keywords: Drug users, Risk factors, Rehabilitation.


 

 

Introdução

O uso nocivo do álcool provoca um número estimado de 2,5 milhões de mortes a cada ano, dos quais uma parte significativa está entre os jovens. É o terceiro principal fator de risco para mortes prematuras e deficiência no mundo. Os problemas relacionados ao uso de álcool podem ter impactos devastadores sobre os indivíduos e as suas famílias e podem afetar seriamente a vida da comunidade. O uso prejudicial do álcool é um dos quatro fatores de risco modificáveis e evitáveis mais comuns para as principais doenças não transmissíveis (DNT). Há também evidências emergentes de que o uso nocivo do álcool contribui para os problemas de saúde causados por doenças transmissíveis, como, por exemplo, tuberculose e HIV / AIDS (WHO, 2010). Nesse sentido, a dependência química emerge como um sério problema de saúde pública mundial, sendo uma ameaça potencial à qualidade de vida. A epidemia atual está associada a uma economia e política mundiais de drogas bastante complexa envolvendo o crime organizado, dificultando o seu controle e avaliação (Diehl, Cordeiro, & Laranjeira, 2011).

No Brasil, estudos demonstram que o consumo de álcool e outras drogas, exceto o tabaco, correspondem a 12% de todos os transtornos mentais graves na população acima de 12 anos e nos centros urbanos mundiais aproximadamente 10% da população consomem substâncias psicoativas independentemente da faixa etária, gênero, nível de instrução e poder aquisitivo (Organização Mundial da Saúde, 2002). Outros dados, mais recentes, do II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil (Carlini, 2006) que foi realizado nas 107 maiores cidades do país, com indivíduos entre 12 e 65 anos de idade, evidenciam que 12,3% dos entrevistados são dependentes de álcool, 75! relataram já terem bebido alguma vez na vida, 50% no último ano e 38% nos últimos 30 dias. Os dados também indicaram o uso de álcool em faixas etárias cada vez mais precoces. Entre as drogas ilícitas 8,8% dos entrevistados utilizam a maconha, sendo a droga mais utilizada.

Segundo os dados da segunda fase do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD, 2012), a maconha continua sendo a substância ilícita com maior prevalência de uso entre os brasileiros. Da totalidade da população adulta, 5,8% disse já ter feito uso da substância alguma vez na vida (significando 7,8 milhões de brasileiros adultos). Na população adolescente, esse número é de 597 mil indivíduos (4,3%). Quanto ao uso nos últimos 12 meses, 2,5% dos brasileiros adultos e 3,4% dos adolescentes declaram ter usado. Analisando o uso da cocaína uma vez na vida pelos adultos, o número é 3,8%, sendo que em relação ao uso de cocaína nos últimos 12 meses na população adulta observada é de 1,7%. Entre os adolescentes, 2,3% declararam ter utilizado pelo menos uma vez na vida a cocaína. Outro dado que merece atenção é o crescimento na quantidade e frequência de doses de bebidas alcoólicas ingeridas pela população. Em 2012, o percentil daqueles que declararam beber pelo menos uma vez por semana subiu 11 pontos percentuais, ou seja, 53% dos não abstinentes bebem ao menos uma vez por semana. Entre as mulheres, o crescimento relativo daqueles que consomem álcool com frequência foi mais significativo – de 27% delas em 2006 subiu para 38% em 2012. Nesse ano cresceu, também, a população que declarou ter experimentado bebida alcoólica com menos de 15 anos (22%). A maior precocidade na experimentação é aferível de maneira semelhante entre os sexos, contribuindo na considerável redução da proporção da população que declarou ter experimentado com 18 anos ou mais (idade permitida legalmente).

O "Mental Health Gap Action Programme: scaling up care for mental, neurological and substance use disorders" prevê a identificação precoce e as intervenções de prevenção e tratamento para transtornos decorrentes do uso de drogas, por parte dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, previamente capacitados e o encaminhamento e apoio de supervisão dos especialistas em saúde mental (WHO, 2008). A Organização Mundial de Saúde, no Plano Global de Saúde Mental 2013-2020 prevê ações de promoção e prevenção relacionadas ao uso de álcool e outros drogas, como a implementação de programas de prevenção a violência doméstica, incluindo a atenção para a violência relacionada ao uso nocivo de álcool e a introdução de intervenções breves para o abuso de substâncias. (WHO, 2013).

O uso de drogas deve ser considerado, não como um problema individual, e sim, como um problema coletivo, de saúde pública, uma vez que aumenta o risco para problemas sociais, de trabalho, familiares, físicos e legais (Reinaldo & Pillon, 2008). O Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-ad) foi instituído pela portaria ministerial GM no 336/02 (de 19 de fevereiro de 2002) e constitui um serviço relacionado às demandas de saúde vinculadas ao uso de álcool e outras drogas para cidades com mais de 70 mil habitantes ou para aquelas localidades com cenários epidemiológicamente relevantes (Diehl et al., 2011). Nesse propósito, a presente pesquisa teve como objetivos identificar os fatores que influenciam e que protegem quanto ao uso de álcool e outras drogas; apontar os prejuízos causados pelo uso dessas substâncias; descrever as ações consideradas relevantes que contornam o tratamento e a reabilitação de usuários de álcool e outras drogas no CAPS ad Reviver, no município de Caxias do Sul, RS.

 

Método

A pesquisa caracterizou-se como um estudo qualitativo, do tipo transversal e descritivo, e integra o Programa de Educação para o Trabalho em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (PET-Saúde Mental) do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Saúde e a Universidade de Caxias do Sul/RS. Localizado a 127 km2 da capital do Rio Grande do Sul, o município de Caxias do Sul tem aproximadamente 500 mil habitantes distribuídos numa área de 1.645 km2 (IBGE, 2010). Caracteriza-se por ser um município com um importante polo metal mecânico no Estado, com exportação de veículos para diferentes países do mundo. Além dos serviços e tecnologias de ponta, encontram-se as pequenas propriedades rurais, onde são produzidas alimentos. Caxias do Sul está localizada em uma das maiores áreas de vitivinicultura de pequenas propriedades do Estado, denominado Serra Gaúcha. Apesar do município estar localizado em uma região desenvolvida, há bairros localizados na periferia onde vivem pessoas em situação de desemprego e de vulnerabilidade psicossocial, nos quais proliferam o uso e a comercialização de drogas.

Na área da saúde, conta com uma rede de quarenta e sete Unidades Básicas de Saúde, das quais, dezoito tem implantada a Estratégia Saúde da Família (ESF), totalizando trinta e duas equipes de Saúde da Família e quinze equipes de Agentes Comunitários de Saúde. Especificamente na área da saúde mental, dispõe de uma rede de serviços que contempla 4 CAPS: 1 CAPS infantil, 1 CAPS para atendimento de portadores de transtornos mentais graves e 2 CAPS ad 24 horas, além de 3 Serviços de Residenciais Terapêuticos. Na atenção terciária, existem hospitais com unidades de saúde mental, além de uma clínica psiquiátrica privada.

O CAPS ad Reviver é um serviço de atenção psicossocial voltado a atender e dar respostas às demandas de saúde de adolescentes, adultos e idosos com transtornos decorrentes do uso e dependência de álcool e outras drogas. O CAPS oferece atendimento diário, nas modalidades intensiva, semi-intensiva e não intensiva, conforme o Projeto Terapêutico Singular do usuário. Presta atendimento 24 horas à usuários de álcool e outras drogas e dispõe de ambulatório para desintoxicação e está localizado em um território com alta vulnerabilidade psicossocial.

Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram dez entrevistas semiestruturadas realizadas com usuários deste CAPS ad, no período de outubro de 2011 a março de 2012. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com agendamento prévio (dia, hora e local) com os usuários, selecionados a partir dos seguintes critérios de inclusão: ter participado de grupos de intervenção breve; estar inserido em um Projeto Terapêutico Singular (PTS) e participar de das atividades do CAPS ad de forma sistemática, no mínimo, há três meses, sem abandono do tratamento durante este período. As entrevistas foram realizadas no CAPS, com um tempo médio de duração de 40 minutos.

Para a análise dos dados foi percorrido o caminho metodológico operacionalmente proposto por Minayo (2010): a ordenação, a classificação e a análise final dos dados. A ordenação dos dados consistiu na transcrição das entrevistas gravadas, leitura e releitura do material transcrito, organização dos relatos com início de classificação e organização dos dados. A classificação dos dados foi operacionalizada por leitura exaustiva e repetida dos textos. Neste exercício foi realizada a apreensão das "estruturas de relevância" a partir das falas dos sujeitos. Tal esforço encaminha para um processo classificatório, buscando perceber conexões entre tais estruturas. Posteriormente, fizemos um enxugamento das classificações, interpretando o que foi colocado como mais representativo. A análise final permitiu fazer uma inflexão sobre o material empírico, coletado a partir das entrevistas, e o analítico, realizado a partir da busca de autores que discutem as questões presentes nas diferentes áreas temáticas, num movimento incessante que se eleva do empírico para o teórico e vice-versa.

Este trânsito que promove relações entre o teórico e o empírico, o concreto e o abstrato, o geral e o particular, a teoria e a prática, é o verdadeiro movimento dialético visando o concreto pensado. Minayo (2010) entende que o produto final é sempre provisório, e condicionado pelo momento histórico, pelo desenvolvimento científico, por sua pertinência a uma classe social e pela capacidade de objetivação.

A coleta de dados ocorreu após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul, sob o protocolo número 184/11. Foram garantidos aos entrevistados os aspectos éticos considerados em pesquisas realizadas com seres humanos, conforme determina a resolução 196/96 (BRASIL, 1996). Para garantir o anonimato, utilizou-se de pseudônimos E1 a E10. Obtivemos o consentimento informado, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos participantes.

 

Discussão dos resultados

No processo de análise dos dados, após a identificação das estruturas de relevâncias, foram identificadas quatro áreas temáticas, a saber: fatores que influenciam o uso de álcool e outras drogas; prejuízos causados pelo uso de drogas; fatores protetores ao uso de drogas; importância do CAPS ad na reabilitação de usuários de álcool e outras drogas. Essas são detalhadas a seguir, no texto.

Fatores que influenciam o uso de álcool e outras drogas

Os usuários do CAPS ad Reviver abordam nessa área temática alguns fatores de risco que podem influenciar o uso de álcool e outras drogas, tais como: alterações do humor (depressão e tristeza) e festas e companhias. Percebe-se que as alterações do humor (depressão e tristeza) são fatores associados a usuários do CAPS ad que iniciaram o uso de álcool e outras drogas na fase adulta; e as festas e companhias são fatores associados a usuários do CAPS ad que iniciaram o uso de álcool e outras drogas na fase da adolescência. No entanto, é importante esclarecer que nem sempre esses fatores estarão associados a essas fases, eles podem influenciar o uso de drogas em qualquer fase da vida. A depressão é um transtorno de humor que interfere no funcionamento normal do ser humano, pois causa dor e sofrimento. Pode também alterar a capacidade da pessoa realizar atividades cotidianas (como comer, dormir, trabalhar, relacionar-se com outras pessoas) e transformar sua própria opinião sobre ela mesma e sobre tudo ao seu redor (Nascimento, 2006). Ela pode ser um dos fatores que influenciam o uso de álcool e outras drogas, como se visualiza na seguinte fala: "eu entrei em depressão sem saber que eu estava com depressão. E depois é que eu vim a saber. E foi por isso que comecei a ingerir o álcool" (E4).

A tristeza é outro fator que pode influenciar o uso de álcool e outras drogas, tendo em vista a seguinte fala: "[...] o que me levou a usar [a droga] foi uma tristeza bem grande que eu tive. Eu tive uma tristeza tão grande que eu nem sabia o que fazer com ela, ela estava me dominando, então eu enchia a cara para ver se eu aguentava e não é por aí. E aí a gente começa. E aí eu descobri que eu sou alcoólatra, que foi a primeira vez que eu bebi" (E5). Todavia, é importante esclarecer que a tristeza e a depressão são fenômenos diferentes. A depressão é um transtorno do humor e a tristeza é um sentimento natural do ser humano, decorrente de alguma perda ou acontecimento desagradável. Muitas vezes esses eventos são vistos como sinônimos, pois a depressão nem sempre é reconhecida como doença, sendo cotidianamente associada como um fenômeno individual, como algo que pode ser superado apenas com a "força de vontade". Por outro lado, a tristeza nem sempre é vista como um sentimento natural, em determinados momentos é associada a um problema de saúde, ou seja, à depressão. Este transtorno do humor constitui-se em uma doença, que de acordo com a gravidade dos sintomas necessita de intervenção psicoterápica e/ou farmacológica ou ainda ambas. Esses dois pontos de vista apontam que a depressão e a tristeza são fenômenos que necessitam ser desmitificados, para que ocorra um efetivo tratamento da depressão evitando consequências como o uso de drogas ilícitas, e a aceitação do sentimento de tristeza como algo normal do ser humano, intrínseco à existência humana.

Para a caracterização de um transtorno depressivo maior, cinco (ou mais) dos seguintes sintomas devem estar presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer. Dentre os sintomas estão: humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo ou por observação feita por outras pessoas; acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias; perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias; insônia ou hipersonia quase todos os dias; agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias; fadiga ou perda de energia quase todos os dias; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada quase todos os dias; capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias; pensamentos recorrentes de morte ideação suicida recorrente sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio (DSM V, 2014).

Entretanto, destaca-se que o uso de drogas pode servir também a outros propósitos como de recreação e experimentação. O uso de drogas para recreação é caracterizado como algo social e relaxante, em que não há outros problemas relacionados, e o uso experimental é caracterizado como os primeiros episódios de uso, que são passageiros e não numerosos (Silva, 2003). O adolescente experimenta o álcool ou outra droga, pois o período que atravessa se caracteriza pelo desafio às instituições em geral, e pela busca de novas sensações e descobertas (Mendes, Martini, Carraro, & Spricigo, 2010).

Os motivos que levaram os usuários do CAPS ad a usar drogas na adolescência foram apenas dois: as companhias e as festas. As companhias podem ser um dos fatores determinantes ao uso de drogas, pois o uso das mesmas pode ocorrer pela primeira vez influenciada por alguém que a use. Isso é evidenciado na seguinte fala "foi através de um conhecido meu. [...] Ele me convidou para ir a casa dele para experimentar esse tal de crack. Eu nunca tinha usado daí ele me chamou e fumou primeiro e depois me deu" (E2). Isto é corroborado pela literatura, como apontam Silva (2010), constatando que o primeiro contato com as drogas ocorre principalmente pelo fato dos adolescentes terem amigos que usam drogas, ocasionando uma pressão de grupo na direção do uso. As festas também podem ser um dos fatores que influenciam o uso de drogas, pois é um espaço onde o álcool e outras drogas são usadas naturalmente e em excesso, como algo benéfico.

Diante do exposto, ressaltamos que a depressão e a tristeza devem ser reconhecidas como fatores distintos, com características próprias, e que a fase da adolescência merece atenção por ser o momento mais vulnerável ao uso de álcool e outras drogas. É necessário conscientizar o adolescente acerca do cuidado que se deve ter em relação às companhias, festas e ao uso de álcool e outras drogas; e a população em geral acerca da depressão enquanto doença, que precisa ser tratada para evitar consequências, e da tristeza enquanto sentimento natural que deve ser vivido e não escondido. É oportuno enxergar o desejo e o dano: o envolvimento grupal, os papéis da escola e da família, e a mídia não podem ser vistos de forma simplista e isolada, e o comportamento de risco pode trazer efeitos cumulativos das substâncias toxicas e sua inerente relação com a vulnerabilidade (Schenker & Minayo, 2005).

Prejuízos causados pelo uso de álcool e outras drogas

Neste tópico, os usuários do CAPS ad Reviver expõem os prejuízos causados pelo uso de drogas em suas vidas. Dentre os prejuízos citados pelos usuários, destacaram-se os danos causados à saúde; aos relacionamentos interpessoais e laborais.

Os danos causados à saúde correspondem às consequências clínicas ocasionadas pelo uso de drogas. Esses envolvem os sintomas físicos e psíquicos causados tanto pelo uso quanto pela abstinência das drogas. Já os danos causados aos relacionamentos interpessoais dizem respeito aos problemas gerados nas relações sociais e afetivas, em decorrência da mudança de comportamento do usuário de drogas. Laranjeira (2010) aponta que, para grande parte dos especialistas, a dependência de drogas é considerada uma doença cerebral com persistentes mudanças na estrutura e função do cérebro. Além de trazer graves consequências para a saúde, a droga é responsável por mudanças acentuadas na interação do indivíduo com seus familiares, afetando suas relações sociais e até mesmo profissionais. Para a saúde, as consequências do uso drogas podem ser devastadoras (Pratta & Santos, 2009). Estudos mostram que o uso contribui para o aumento das taxas de mortalidade e para a redução da expectativa de vida. Entre 2006 e 2010 o uso de drogas, foi responsável por mais de 40.000 mortes no Brasil. Dessas, 84,9% foram causadas pelo consumo de álcool; 11,3%, pelo consumo do fumo; 1,18% pelo uso de cocaína; e outras drogas foram responsáveis por 1,6% dos óbitos (Confederação Nacional dos Municípios, 2012).

O uso de drogas é considerado um fator de risco para o desenvolvimento de diversas doenças, entre elas: cânceres, distúrbios psiquiátricos, problemas de coração, pulmão, entre outras. O usuário sofre ainda, com uma série de sintomas causados pelo uso de drogas, como explicitado nas falas a seguir: "[...] eu fico magro, emagreço mais rápido. Não como. Dá muitos tremores, já me deu convulsão, parada cardíaca" (E3). "Ansiedade, compulsividade" (E10). Cada droga produz diversos efeitos físicos e psíquicos no organismo, podendo ser mais ou menos graves, conforme um conjunto de variáveis relacionadas ao consumo. Entre os principais sintomas clínicos causados pelo uso de drogas estão: a) álcool: tremores, ansiedade, taquicardia, vômitos, alterações de humor, confusão mental (Diehl et al., 2011); b) nicotina: inquietação, irritabilidade, ansiedade (Pressman & Gigliotti, 2011); c) maconha: ansiedade, inquietação, depressão (Zuardi & Crippa, 2011); d) cocaína e crack: depressão, ansiedade, letargia, esgotamento físico, perda de peso (Alves et al., 2011).

Existem ainda diversos fatores associados ao uso de drogas que podem contribuir para o agravamento dos problemas de saúde de um usuário. Entre eles estão as comorbidades psiquiátricas e o poliuso de substâncias. O desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas como a esquizofrenia, os transtornos do humor, de ansiedade, de alimentação, de conduta e de déficit de atenção é considerado comum para o dependente químico (Cordeiro & Diehl, 2011). Além disso, cabe destacar, que o uso de drogas é considerado um fator de risco importante para o suicídio. Nesse sentido, considerando que ambas as situações, o uso de drogas e o suicídio estão carregadas de vulnerabilidades, estigmas e preconceitos, cabe compreender os suicídios relacionados ao uso, abuso e dependência de drogas para atuar na prevenção desse fenômeno (Diehl, 2011).

É fundamental atentar para o fato de que o usuário de drogas está exposto a outros riscos em decorrência do uso de drogas, além daqueles que consideramos estar diretamente relacionados. O outro prejuízo apontado pelos usuários do CAPS ad Reviver se refere aos danos causados aos relacionamentos interpessoais. Como já citado, os danos causados aos relacionamentos interpessoais ocorrem devido à mudança de comportamento do dependente químico, uma vez que a droga passa a ser o centro da sua vida. Para Laranjeira (2010), a partir do instante em que o usuário desenvolve dependência de drogas, o uso passa a ser compulsivo e acaba destruindo as melhores qualidades da própria pessoa, contribuindo para a desestabilização da sua relação com a família e com a sociedade. Percebe-se que o usuário passa a ter dificuldades em manter suas relações, o que pode provocar fragilização ou até mesmo o rompimento de vínculos familiares e afetivos, como fica evidenciado na seguinte fala: "Eu tinha uma estrutura, o meu pai era advogado bem sucedido, depois meu pai faleceu, sabe? Então, eu fiquei na rua, sabe? Fiquei morador de rua" (E7). Para as relações familiares, além do rompimento de vínculos, o uso de drogas pode contribuir para altos níveis de conflito interpessoal, violência doméstica, abuso, negligência infantil, separação, divórcio, dificuldades financeiras e legais, entre outros (Reinaldo et al., 2008). A dependência química faz ainda com que o usuário perca a credibilidade e a confiança da família, o que pode dificultar a participação da família no tratamento (Filizola et al., 2006).

As relações de emprego também podem ser afetadas devido ao uso de drogas, uma vez que o dependente químico sofre com o estigma que carrega por ser usuário de substâncias psicoativas. Isso pode dificultar uma oportunidade de vaga de emprego ou até mesmo prejudicar sua permanência em um, já que o uso de drogas pode ser responsável por faltas ao trabalho, atrasos, conflitos com os colegas, etc. Os prejuízos ficam ainda mais evidentes ao pensarmos que o desemprego consiste também em um fator desestruturante da organização familiar e pode, portanto, desencadear crises e sofrimento psíquico (Souza, Kantorski, & Mielke, 2006). Percebe-se que os problemas ocasionados pelo uso de drogas nas relações interpessoais podem afetar diversas áreas da vida do usuário, levando ao sofrimento e ao isolamento social, conforme apontado na fala a seguir: "Perda de empregos, perda de confiança da família, ir para um ponto que a família começou a me largar de mão, perda total da confiança da família, eu já estava me sentindo sozinho no mundo" (E1).

Conclui-se que é emergencial pensar ações em saúde que superem a visão de um modelo centrado na cura da doença e na queixa do usuário, tratando apenas os sintomas clínicos, e que de fato, se desenvolvam iniciativas que considerem o sujeito como um ser integral, visto que os prejuízos ocasionados pelo uso de drogas afetam diversas áreas da sua vida. Nesse sentido, a Atenção Primária à Saúde constitui-se em um palco privilegiado para o desenvolvimento de ações de promoção e prevenção ao uso de álcool e outras drogas.

Fatores protetores ao uso de drogas

Nesta área temática, os usuários do CAPS ad Reviver relataram os fatores de proteção que os auxiliam a evitar o uso de drogas no momento presente. Dentre esses fatores, destacaram-se a família e os amigos. São múltiplos os fatores relacionados com o envolvimento dos jovens no uso de drogas que estão constantemente em movimento: ora aparecem como fatores de risco, ora como protetores, entre eles: a mídia, a vida em área de risco, o grupo social, a escola e a família (Costa et al., 2012).

Existem fatores que podem ser considerados de risco e fatores protetores quanto ao uso de drogas. Os fatores de risco são determinados pela combinação de características de um indivíduo ou grupo do qual faça parte, e da probabilidade do uso de drogas a que estão expostos em algum momento da vida. Já os fatores de proteção, objetivam fortalecer a determinação dos indivíduos para negar ou evitar a progressão de riscos, inibindo comportamentos autodestrutivos e diminuindo a influência de fatores de risco. Cabe destacar que os fatores protetivos não são apenas o contrário dos fatores de risco. Eles variam ao longo do desenvolvimento psicológico e social do indivíduo, podendo causar impactos diferentes em cada fase do desenvolvimento, sendo considerados mais ou menos relevantes, conforme dado momento específico da vida do sujeito (Campos & Figlie, 2011).

As relações afetivas podem contribuir de maneira significativa para manter o usuário longe das drogas. Além do apoio e do suporte emocional, os familiares e amigos servem como motivação para que o dependente busque tratamento. Para Veloso e Monteiro (2010), acreditar que exista algo ou alguém que os assiste, é o que mantém a esperança deles na cura da dependência. E é essa crença que os faz visualizar possibilidades e lhes garante coragem para buscar a abstinência, aceitando a realidade e as responsabilidades. A família é considerada um importante fator de proteção quando os vínculos afetivos permanecem entre o usuário e seus familiares, fornecendo elementos essenciais para a reabilitação como amparo, carinho e proteção. Assim, torna-se um estímulo para que o dependente permaneça longe das drogas, conforme as falas a seguir: "Eu penso muito nos meus filhos" (E9); "Minha esposa" (E10); "[...] Minha família, meus filhos". (E3). Dentre as características que definem a família como um fator protetor foram relacionados à ligação positiva entre seus membros, o acolhimento, a confiança, o relacionamento familiar que evite críticas severas e desmedidas, as regras consistentes e claras e o ambiente de sustentação emocional (Campos & Figlie, 2011).

A família deve ser considerada um dos pilares das ações destinadas à reconstrução de vida dos usuários de álcool e outras drogas, devendo ser incluída não apenas como apoio ao tratamento, mas também como foco de atenção, reconhecendo-se a sua importância enquanto estrutura social (Veloso & Monteiro, 2010). Corroborando nossos achados, um estudo com jovens em situação de risco demonstrou que dispor de informações adequadas sobre o tema "drogas" por meio da unidade familiar parece crucial à prevenção do uso experimental entre adolescentes e jovens em situação de risco (Sanchez et al., 2010).

As amizades também são consideradas como um fator de proteção pelos usuários. Percebe-se que os amigos aparecem como fator protetivo quando, além de prestar apoio, eles próprios evitam as drogas e não estão de acordo com o seu uso, conforme explicitado nas falas a seguir: "O que me ajuda é ter amigos que não usam, você estar com os amigos que não usam. Você não ficar sozinha [...] porque a partir do momento que se começa a ficar muito sozinha, você começa a ter as fissuras que te arrastam para a garrafa e elas arrastam mesmo. Então a gente precisa da companhia de alguém e sempre alguém que não use" (E5); "Não se misturar com pessoas que usam isso, porque eu conheço várias. Então eu, no meu momento de hoje, eu não vou me misturar mais com essas pessoas". (E2). Cabe destacar, que nem sempre a família e as amizades serão fatores de proteção. Ambientes familiares onde há uso de drogas e aprovação por pais ou irmãos, disfunção familiar, falta de envolvimento dos pais na vida dos filhos, expectativas irreais a respeito do desenvolvimento, baixa ligação com seus membros, falta de regras, disciplina e supervisão, também são considerados fatores de risco (Campos et al., 2011). Outros fatores de risco são aqueles amigos que são considerados como um modelo para o usuário, mas que apresentem comportamento de risco para o uso de drogas como a tolerância, a aceitação ou consumo também podem influenciar a utilização dessas substâncias.

Conhecer os fatores de risco e de proteção ao uso de álcool e outras drogas é essencial para o planejamento de ações preventivas, uma vez que são esses fatores que irão determinar o risco de exposição ou proteção ao uso dessas substâncias. A partir da fala dos usuários do CAPS ad Reviver, reconhece-se a emergência de fortalecer e recuperar os vínculos familiares e afetivos, tornando-os fatores protetivos, de forma a contribuir para a prevenção ao uso de drogas. Entendemos que toda e qualquer ação em saúde pressupõe a interação de diversas políticas sociais, uma vez que a conquista de uma vida saudável ultrapassa a ausência de doença, compreendendo o bem-estar físico, mental e social de todo cidadão.

A importância do CAPS na reabilitação do usuário de álcool e outras drogas

Os usuários apontam nessa área temática como fatores principais proporcionados pelo CAPS Reviver à sua reabilitação as atividades educativas e terapêuticas, o atendimento especializado, o desenvolvimento do vínculo com os profissionais e o resgate da autoestima. A modalidade de tratamento oferecida proporciona aos usuários segurança e, principalmente, o resgate da autoconfiança e da valorização necessárias para o caminho da reabilitação psicossocial. Corroborando nossos achados, traz-se a experiência de gestão da Redução de Danos (RD) – que é uma forte estratégia na formação dos CAPS ad – na qual vários usuários de drogas diminuem, e não raro abandonam, o uso de drogas ao experimentarem um contexto no qual se sentem acolhidos e cuidados. A proposta da RD foca na direção da produção de saúde, considerada como desenvolvimento de regras autônomas do autocuidado, constituindo uma construção coletiva e comum para as experiências dos usuários de drogas, formando um elo indissociável entre gestão e atenção (Passos & Souza, 2011).

O CAPS ad objetiva oferecer atividades terapêuticas e preventivas à comunidade, prestando atendimento diário aos usuários do serviço e familiares, oferecendo cuidados personalizados de acordo com o Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada usuário (modalidades intensiva, semi-intensiva e não intensiva), garantindo aos mesmos, atenção e acolhimento, proporcionando condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem de tais cuidados, além de, promover ações educativas e preventivas, que visem à reinserção social, atenuando o preconceito em relação ao uso de álcool e outras drogas (Brasil, 2004). A reabilitação proporcionada pelo CAPS ad é estrategicamente direcionada para a RD, seja através do afastamento do contexto social que favorece a utilização de álcool e outras drogas, ou pelo suporte terapêutico que produz reflexão ao mesmo tempo em que oferece subsídios para mudanças subjetivas.

As reflexões sobre o consumo de substâncias, na lógica da RD, fortalecem o potencial de mudança do usuário, incidindo na autoestima, demonstrando a possibilidade da conquista gradativa do autocontrole em relação às drogas consumidas e da minimização dos danos relacionados a este consumo (Alves, 2005). O CAPS ad tem fundamental importância para a construção do conhecimento, afirmando que os profissionais atuantes neste serviço são responsáveis pela busca de estratégias que possibilitem aos usuários a concepção sobre drogas, esclarecendo o que não é, e o que é droga, os motivos explícitos e implícitos para seu consumo, fazendo com que os usuários sejam responsáveis pelo seu tratamento, reabilitação emocional, social e física (Vieira et al., 2010).

As entrevistas evidenciam o papel do CAPS na educação em saúde. No serviço são realizados grupos, oficinas terapêuticas, assim como, o atendimento individual dos profissionais para a disseminação de informações e conhecimento: "O CAPS incentiva muito a pessoa a diminuir bastante o uso do álcool, o uso da bebida [...] me ajudou bastante a diminuir pelo menos o uso da bebida [...]. Têm psicólogos aí, têm uns atendimentos muito bons, grupos terapêuticos. Ajudam bastante a gente. (E1). Define-se por educação em saúde a construção de conhecimentos em saúde, que propõe à população a apropriação sobre o tema, aumentando a autonomia das pessoas em relação ao seu cuidado de acordo com suas necessidades (Brasil, 2005). De acordo com Alves (2005), é um recurso por meio do qual os profissionais da saúde utilizam-se para difundir o conhecimento científico, atingindo a vida cotidiana das pessoas, oferecendo subsídios para a adoção de novos hábitos e condutas de saúde. Para que essas mudanças possam acontecer, é necessário que se obtenha uma aprendizagem significativa que possibilite a aquisição de conhecimentos e de informações (Teixeira, 2007).

À medida que se desenvolvem ações em educação em saúde, consequentemente aumenta o conhecimento dos usuários sobre as drogas e suas implicações gerando modificações na concepção dos mesmos frente à sua realidade e o reconhecimento das situações vivenciadas evidencia a responsabilização de cada um no tratamento: "Aqui tem profissionais para tirar as dúvidas que a gente tem. Depois [...] aqui ninguém é preso, tu podes sair à hora que tu quiseres. Só que aqui eles te ensinam a ter responsabilidade [...]" (E3); "Eu vim para o CAPS porque eu quis [...]" (E9); "[...] O CAPS para mim é ótimo, é um tratamento muito bom, é um tratamento que eu me sinto com liberdade [...]". (E10). Nestes relatos, podemos observar nas falas dos usuários a liberdade de escolha implícita. A liberdade deve ser regulada pelos próprios indivíduos, os quais precisam ser estimulados a tomar decisões sobre a sua própria vida (Oliveira, 2005).

O atendimento individualizado pelos profissionais, bem como as oficinas e grupos terapêuticos disponibilizados pelo CAPS atuam como instrumento de reabilitação, não só auxiliando na abstinência e na ocupação diária, mas também na descoberta das potencialidades dos usuários, possibilitando atividades laborais, em busca da conquista da reinserção social: "O CAPS para mim é minha vida hoje, eu fico de segunda a sexta aqui, eu saio novo, nem penso em droga porque não faz mais parte. O CAPS foi tudo em matéria de médico, de psiquiatra, de psicóloga, de Assistente Social, de alimentação, de vestuário, de aulas de culinária, aulas de educação física, aulas de pintura, desenho. O CAPS foi tudo para mim, se eu não tivesse o CAPS, eu nem estaria aqui hoje" (E7).

As oficinas terapêuticas são atividades realizadas em grupo, de acordo com o interesse, necessidade dos usuários e disponibilidade do serviço. São supervisionadas por um ou mais profissionais, monitores e/ou estagiários e constituem-se como uma das principais formas de tratamento no CAPS, tendo como objetivo a interação sociofamiliar, a expressão de sentimentos e o resgate da cidadania (Brasil, 2004). As oficinas terapêuticas em Saúde Mental devem ser desenvolvidas também em serviços de Internação e Hospital-dia, em função da ocupação e ociosidade e somente podem ser consideradas de tal forma se possibilitarem aos usuários um local de fala, expressão e acolhimento (Lappann-Bottil & Labate, 2004). Tais oficinas têm o potencial de empoderamento dos usuários na reconstituição dos seus projetos de vida e de suas relações (Veloso et al., 2013).

O CAPS desempenha papel importante também no resgate da autoestima, da autoconfiança e valorização pessoal, desperta a solidariedade, ao mesmo tempo em que possibilita a troca de experiência, a comunicação e a inter-relação entre os usuários, reforçando vínculos entre usuários, serviço e profissionais: "Eu me sinto bem vindo aqui, [...] eu botei na cabeça que eu nunca mais vou chegar aqui e dizer para ela [enfermeira] que eu bebi". (E9); "[...] Sinto assim que posso algumas vezes ajudar outras pessoas que estão em situação pior que a minha [...]". (E10). A troca de experiência e vivências durante as atividades de grupo levam os usuários a reflexões. O aprendizado em grupo resulta da convivência e da aderência de seus membros, eclodindo como estratégia real na produção do cuidado em saúde (Teixeira, 2007).

As análises efetuadas para este estudo permitem inferir que o CAPS ad, além de oferecer acolhimento, atividades terapêuticas e educativas, apresenta duas características que facilitam a procura por ajuda dos usuários – o território onde está localizado e a modalidade de atendimento. No que tange ao território, está estrategicamente situado em um bairro onde vivem pessoas em situação de vulnerabilidade psicossocial, com alta demanda de procura por atendimento em razão do uso de substâncias psicoativas. Por outro lado, o CAPS ad Reviver foi um dos primeiros CAPS ad do Estado que ofereceu a modalidade de atendimento em três turnos. Ou seja, a conjunção desses dois fatores propicia uma inserção no território que é relevante para o tratamento e reabilitação de pessoas em uso de substâncias psicoativas.

 

Considerações finais

Os resultados evidenciam que um mesmo fator pode tanto constituir-se como um fator de risco como de proteção ao uso de álcool e outras drogas. Isso é evidenciado nos dados coletados com usuários do CAPS ad, que apontam as amizades – amigos e companhias – tanto como fatores de risco como de proteção. Essas podem ser um fator de risco quando influenciam o uso de drogas, e um fator de proteção quando não são favoráveis a esse uso e representam uma rede de apoio. Além disso, foram apontados como fatores de risco os sentimentos de tristeza, a depressão e as festas, e como fatores de proteção, a família e os amigos. O uso de drogas pode causar incontáveis prejuízos na vida dos sujeitos, expondo-os às situações de riscos e de violência, contribuindo para o desenvolvimento de doenças físicas e psíquicas, prejudicando as relações interpessoais e provocando fragilização e rompimento de vínculos. Também pode causar um grande impacto social contribuindo para o aumento da mortalidade e para redução da expectativa de vida, para o aumento dos gastos com saúde e previdência social, além de acidentes de trânsito. É imprescindível que as ações de prevenção ao uso de drogas relacionem esses prejuízos ao uso dessas substâncias, enfatizando a compreensão dos danos a que os sujeitos estão expostos.

Os usuários do CAPS ad apontam que as diferentes modalidades de tratamento oferecidas pelo serviço subsidiam o caminho à reabilitação psicossocial. Essa reabilitação é direcionada também, para a RD, pois o serviço afasta o usuário do contexto que favorece o uso de drogas, propicia suporte terapêutico, o qual produz mecanismos favoráveis a mudanças subjetivas, demonstrando a possibilidade da conquista gradativa do autocontrole em relação à utilização das drogas. O saber adquirido através do conhecimento e de ações de educação em saúde e intervenções terapêuticas auxilia os usuários no resgate da autonomia e da autoestima, na responsabilização pelo seu tratamento e na reabilitação psicossocial As práticas terapêuticas desenvolvidas pelo CAPS estimulam a troca de experiências, a comunicação e as inter-relações, estabelecendo vínculos entre usuários, profissionais e o serviço. Fica evidente a importância do CAPS ad Reviver à luz do diálogo franco e da experiência de profissionais que dão assistência à saúde de indivíduos que fazem uso abusivo ou são dependentes de drogas e/ou álcool.

Vale ressaltar que, apesar dos dados relevantes que este estudo apresenta, em razão dos critérios de inclusão dos sujeitos, elencados no projeto, os participantes constituem um grupo particular que apresenta aderência ao tratamento e ao CAPS. Assim, ao usarmos uma amostra não aleatória, de certa forma limitamos os achados às especificidades da população estudada.

 

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Endereço para contato
E-mail: alicehirdes@gmail.com

Recebido em março de 2015
Aceito em abril de 2015

 

 

Ana Kelen Dalpiaz: Assistente Social, Residente na Ênfase de Atenção Básica em Saúde Coletiva junto a Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul.
Maria Helena Vianna Metello Jacob: Educadora Física, PhD em Fisiologia Humana, Professora do PPG Promoção da Saúde ULBRA.
Karen Daniele da Silva: Assistente Social da SMED de Caxias do Sul/RS.
Melissa Pereira Bolson: Enfermeira CAPS I Dois Irmãos/RS.
Alice Hirdes: Enfermeira, Doutora em Psicologia, Professora do PPG Promoção da Saúde ULBRA.

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