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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia no.45 Canoas Dec. 2014
ARTIGOS EMPÍRICOS
Fatores associados ao início da vida sexual ativa de escolares em uma cidade do sul do Brasil
Associated factors in the initiation of sexual activity of students in a city in southern Brazil
Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts; Giani Terezinha da Costa Scarin Ottoni; Gehysa Guimarães Alves; Lílian dos Santos Palazzo; Ana Maria Pujol Vieira dos Santos
Universidade Luterana do Brasil
RESUMO
Estudo transversal com objetivo de investigar a prevalência do início da vida sexual (IVS) e fatores associados em escolares da 7ª série da rede municipal de ensino. A amostra representativa de 1170 escolares foi analisada com regressão de Cox multivariada. A prevalência de IVS foi de 20,3%, sendo maior entre meninos (RP: 2,4 IC95%:1,86-3,06); cor de pele não branca (RP: 1,3 IC95%:1,05-1,64); uso na vida de álcool (RP: 2,3 IC95%: 1,68-3,24), tabaco (RP: 2,1 IC95%:1,62-2,61) e drogas ilícitas (RP: 1,6 IC95%:1,11-2,29); sentimento de discriminação (RP: 1,4 IC95%:1,01-1,96) e ideação suicida (RP: 1,3 IC95%:1,03-1,67); pais não sabem o que os jovens fazem no tempo livre (RP: 1,6 IC95%:1,28-2,08) e jovens que faltam a aula sem conhecimentos dos pais (RP: 1,6 IC95%:1,32-2,07). O sobrepeso/obesidade (RP: 0,7 IC95%:0,47-0,94) teve comportamento protetor para o início da vida sexual. O IVS precoce esteve associado com estilo de vida pouco saudável e má qualidade da relação dos jovens com seus pais.
Palavras-chave: Adolescente, Escolar, Comportamento sexual.
ABSTRACT
Cross-sectional study in order to investigate the prevalence of sexual debut (PSD) and associated factors in students from 7th grade of municipal schools. A representative sample of 1170 students was analyzed with multivariate Cox regression. The prevalence of PSD was 20.3%, which is higher among boys (PR: 2.4 CI95%: 1.86 - 3.06); non-white skin color (PR: 1.3 CI95%: 1.05- 1.64); use of alcohol (RP: 2.3 CI95%: 1.68 -3.24), tobacco (RP: 2.1 CI95%: 1.62 - 2.61) and illicit drugs (PR: 1.6 CI95%: 1.11 -2.29); feelings of discrimination (RP: 1.4 CI95%: 1.01 - 1.96) and suicidal ideation (PR: 1.3 95%CI: 1.03 to 1.67); parents do not know what the adolescent does in free time (RP: 1.6 CI95%: 1.28 to 2.08) and adolescents who miss class without parental knowledge (RP: 1.6 95% CI: 1.32 -2.07). Overweight/obesity (RP: 0.7 CI95%: 0.47 - 0.94) had a protective behavior to sexual debut. Early PSD was associated with unhealthy lifestyle and poor quality of the relationship of young people with their parents.
Keywords: Adolescent, Scholar, Sexual behavior.
Introdução
Na transição da infância para a adolescência, ocorrem importantes mudanças na vida do sujeito, como o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, elaboração da identidade pessoal e sexual, e exercício da sexualidade, intimidade e afetividade (Carlini, Gazal, & Gouveia, 2000). Neste período, vários fatores podem influenciar de modo adverso a saúde dos jovens, podendo contribuir para gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis – DSTs, uso de drogas e evasão escolar, que acabam comprometendo seu processo natural de crescimento e de desenvolvimento (Albino, Vitalle, Schussel, & Batista, 2005).
Tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, observa-se uma tendência da ocorrência, cada vez mais precoce, da menarca, expondo as jovens ao risco de gravidez. Aos 14 anos, aproximadamente, 90% das meninas já apresentaram a menarca (Roman et al., 2009). Paralelo a isso, verifica-se que o início da vida sexual também é precoce, sendo que a média para o sexo masculino é de 14 anos e 15 anos para o feminino (Hugo et al., 2011). Grande parte desses jovens não utiliza proteção adequada, expondo-se à gravidez e às doenças sexualmente transmissíveis – DSTs (Gonçalves et al., 2015; Teixeira, Knauth, Fachel, & Leal, 2006).
Nas últimas décadas, em todo o mundo, em decorrência do aumento de gestação na adolescência, essa passou a ser considerada como importante problema de saúde pública (Lawlor & Shaw, 2004). Diante desta realidade, e para que ocorra uma iniciação sexual segura, é fundamental que os adolescentes tenham acesso a métodos contraceptivos e a informações referentes aos riscos advindos de relações sexuais desprotegidas. Assim, poderão vivenciar o sexo de maneira saudável, além de assegurar a prevenção da gravidez indesejada e das DSTs/AIDS. No entanto, estudos têm mostrado que o conhecimento sobre prevenção existe, mas o uso irregular e inadequado dos métodos de proteção, torna-o ineficaz (Castro, Abramovay, & Silva, 2004; Pinho et al., 2002; Teixeira et al., 2006).
Entre os fatores que estão associados ao início precoce da vida sexual, podese citar a baixa inserção socioeconômica, a cor da pele não branca, o frágil vínculo familiar e escolar e o uso de drogas lícitas e ilícitas (Gonçalves et al., 2008; Heilborn, Aquinino, Bozon, & Knauth, 2006; Madkour, Farhat, Halpern, Godeau & Gabhainn, 2010; Sasaki, Leles, Malta, Sardinha, & Freire, 2015). Assim, a fim de contribuir para um maior conhecimento sobre o problema e subsidiar a elaboração de ações preventivas no âmbito escolar, o presente estudo teve como objetivo investigar a prevalência de início da vida sexual e sua associação com fatores demográficos, familiares, psicossociais e estilo de vida em escolares de sétima serie da rede municipal de ensino em uma cidade da região metropolitana do Sul do Brasil.
Método
O delineamento utilizado foi o estudo transversal, tendo como população alvo os 2.282 alunos matriculados na sétima série da rede pública municipal do ensino fundamental de Gravataí, em 2005, atualmente denominada de oitavo ano. Para o cálculo do tamanho da amostra, foram utilizados como parâmetros: prevalência de 50% para início da vida sexual, erro máximo aceito de +3,0% e nível de significância de 0,05, totalizando 728 sujeitos. Com o objetivo de minimizar o efeito da amostragem por conglomerado, uma vez que se considerou a turma sorteada como um cluster, foi utilizado um efeito de delineamento de 1,5. Para compensar possíveis perdas, ampliou-se a amostra em 20%, chegando-se a 1.312 escolares. Como esse número representava, aproximadamente, a metade dos alunos da 7ª série, optou-se por sortear um número de turmas que correspondesse à metade mais uma de todas as turmas de cada uma das 15 regiões administrativas do município, sendo selecionados 1.366 alunos. Em função das perdas ocorridas (14,3%), a amostra final foi composta por 1.170 estudantes, tendo poder de 80% para detectar significância estatística em razões de prevalências com magnitude igual ou superior a 1,5.
Os dados foram coletados, em 2005, por acadêmicos e mestrandos da área da saúde, previamente capacitados, com auxilio de instrumentos, autoaplicáveis, respondidos em sala de aula, e a avaliação antropométrica. O primeiro questionário continha perguntas do instrumento elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Global School-based Student Health Survey, desenvolvido para avaliar a saúde de escolares. Desse instrumento, foram retirados os possíveis fatores associados ao início da vida sexual do escolar (OMS, 2005).
O segundo questionário forneceu dados referentes à inserção econômica, baseada na proposta da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas-ABEP, classificando as famílias nas classes A, B, C D e E (http://www.abep.org/). Em função do pequeno número de adolescentes nas categorias extremas, estas foram agrupadas em A/B, C e D/E.
O terceiro instrumento, o Body Shape Questionnaire (BSQ), foi validado por Conti, Cordás e Latorre (2009) para adolescentes brasileiros, sendo utilizado para avaliar a preocupação com a imagem corporal. BSQ recebe uma pontuação que é classificada em quatro grupos: (1) não preocupados com a imagem corporal (<81 pontos); (2) levemente preocupados (81 a 110 pontos); (3) moderadamente preocupados (111 a 140 pontos; e (4) extremamente preocupados (>141 pontos) (Cooper, Taylor, Cooper, & Fairbum, 1987). Para o presente estudo, essas categorias foram reagrupadas em: não preocupados (< 81 pontos) e preocupados com a imagem corporal (> 81 pontos).
A maturidade sexual foi autoavaliada utilizando a ficha de Tanner (Tanner, 1962), possibilitando a identificação de cinco estágios que foram reagrupados em fase inicial (estágios um e dois), fase de aceleração (estágio três) e fase de desaceleração (estágios quatro e cinco). A ficha de avaliação antropométrica também continha dados referentes à cor da pele autorreferida. Os adolescentes foram pesados com balanças digitais Seca, da UNICEF. A altura foi medida com auxílio de estadiômetro de metal, com precisão em milímetros. Todas as técnicas foram recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1995). Para a avaliação do estado nutricional, foi calculado o índice de massa corporal (IMC) e avaliado com as curvas do NCHS, segundo sexo e idade em meses (Brasil, 2008). Os jovens foram categorizados em três grupos: baixo peso (<percentil 15), eutróficos (entre percentil 15 e 85) e sobrepeso/obesidade (>percentil 85).
Para as análises uni e multivariadas, foi utilizada a regressão de Cox modificada para estudos transversais, a fim de verificar a associação do início da vida sexual e fatores demográficos, familiares, psicossociais e estilo de vida. A análise multivariada foi realizada segundo um modelo hierarquizado, composto por quatro etapas. Na primeira etapa, foram introduzidas as variáveis: sexo, cor da pele autorreferida e inserção econômica. Na segunda etapa, introduziram-se o estado nutricional, a percepção da imagem corporal, o recebimento de orientação sobre gestação e DSTs/AIDS na escola, sentimento de serem entendidos pelos pais e se os mesmos sabiam o que os jovens faziam em seu tempo livre. Na terceira etapa, ingressaram no modelo as variáveis: o uso na vida de álcool, tabaco e drogas, e, na última etapa, os fatores: sentimento de discriminação, ideação suicida e falta às aulas sem conhecimento dos pais.
Participaram da etapa seguinte à introdução no modelo, aquelas variáveis que apresentaram associação com o desfecho com nível de significância <0,10. Uma vez incluídas, permaneceram até a última etapa da regressão. Para o modelo final, consideram-se somente as que apresentaram nível de significância <0,05 na etapa em que foram incluídas inicialmente.
Como etapas anteriores à coleta dos dados foram realizadas reuniões com o corpo diretivo das escolas para esclarecimentos sobre o estudo e com os pais ou responsáveis pelos alunos, para a obtenção da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo é parte integrante de um projeto maior denominado "A saúde do Escolar da Rede Pública Municipal de Gravataí RS", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil (n. 2004-375H).
Resultados
Características dos adolescentes
A prevalência de início de vida sexual foi de 20,3%, sendo que 6,8% haviam mantido relações nos últimos 12 meses e a grande maioria utilizou camisinha (82,3%) e algum método contraceptivo (85,7%) na ultima relação sexual (tabela 1). As idades dos escolares da amostra variaram de 12 a 18 anos, com média de 14 anos (DP: + 1,13 anos). Essa foi de 13,9% (DP: + 1,63 anos) para início de vida sexual. Entre as meninas, foi de 13,4 anos e, entre os meninos, de 12,6 anos (DP: + 1,14 anos), sendo essa diferença estatisticamente significativa.
Em relação às características dos escolares, 52,5% eram do sexo feminino, 47,4% não se consideraram brancos e a classe econômica predominante das famílias foi a C (58,8%). A maioria encontrava-se eutrófica, sendo o excesso de peso mais prevalente do que o baixo peso. A avaliação da imagem corporal mostrou que 23,6% estavam insatisfeitos e mais de 80% dos jovens sentiram-se orientados pela escola sobre gestação e HIV/DSTs. Porém, quase metade raramente ou nunca se sentia entendida por seus pais, cerca de 74% dos escolares referiram que esses sabiam o que eles faziam em seu tempo livre e 20% informaram que faltavam à escola sem o conhecimento da família.
No que diz respeito aos hábitos de vida, mais da metade dos adolescentes referiu já ter usado álcool, sendo menos frequente a experiência com cigarro e bastante incomum o uso de drogas ilícitas, sendo que apenas 27 informaram haver experimentado. O sentimento de discriminação foi referido por 21,0% dos jovens e a ideação suicida por 10,9%.
Fatores associados ao início da vida sexual
Na primeira etapa da regressão multivariada, foram incluídas no modelo três variáveis, sendo que duas demonstraram associação significativa (Tabela 2). O sexo masculino apresentou uma prevalência quase 2,4 vezes maior de início da vida sexual do que o sexo feminino e os escolares não brancos tiveram uma frequência 31% maior do desfecho do que os brancos.
Na segunda etapa, das seis novas variáveis inseridas no modelo de regressão, apenas duas mostraram associação estatisticamente significativa (Tabela 2). O excesso de peso (sobrepeso/obesidade) apresentou um comportamento de fator protetor para o início da vida sexual, sendo que esses jovens apresentaram uma prevalência 33% menor de IVS do que os eutróficos. O fato de os pais raramente saberem ou não saberem o que os escolares faziam no seu tempo livre contribuiu para um aumento do desfecho em 63%.
Na terceira etapa, além das variáveis previamente selecionadas, foram incluídas outras três (Tabela 3). Embora parte da magnitude da associação apresentada na análise univariada tenha sido perdida na multivariada, constatou-se que tanto o uso na vida de álcool, quanto de tabaco e drogas ilícitas são fatores associados ao início da vida sexual. Os adolescentes que já haviam experimentado álcool ou tabaco apresentaram mais que o dobro de prevalência do desfecho que seus pares de referência e, nos que haviam experimentado drogas ilícitas, encontrou-se um aumento de 59%.
Na última etapa, as três variáveis incluídas se associaram ao desfecho. Em relação ao sentimento de discriminação e à ideação suicida, os jovens que apresentaram esses fatores tiveram respectivamente 40% e 31% mais início de vida sexual. Para os que faltaram às aulas sem conhecimento dos pais, o desfecho foi 65% mais frequente do que entre aqueles que nunca faltaram.
Discussão
A idade do início da vida sexual dos escolares de Gravataí foi semelhante à encontrada em alguns estudos nacionais (Carvalho, Farias, & Guerra-Junior, 2007; Gonçalves et al., 2008; Hugo et al., 2011; Souza, Fernandes, & Barroso, 2006). Em Maringá (PR), estudo mostrou que 37,5% das meninas e 44,4% dos meninos, entre 12 e 14 anos, já haviam iniciado sexualmente e 10%, entre 10 e 14 anos (Düsman et al., 2008). Em pesquisa realizada com adolescentes de Santa Catarina (Camargo, Giacomozzi, Wachelke, & Aguiar, 2010) e de São Paulo (Bergamin & Borges, 2009; Paiva, Calazans, Venturi, & Dias, 2008), a média foi de 14 anos e nove meses. O sexo masculino iniciou a vida sexual mais cedo (Hugo et al., 2011), confirmando o que foi encontrado no presente estudo, em que os meninos iniciaram mais precocemente do que as meninas.
Além do sexo, outro fator que influência no início da vida sexual é a cor da pele. Pesquisa realizada sobre a população brasileira revelou que os afrodescendentes iniciam mais precocemente a vida sexual. Entre os adolescentes, 53% dos negros revelaram que já haviam se iniciado sexualmente antes dos 14 anos, sendo que, entre os adolescentes brancos, foi de apenas 25,7% (//www.saúde.gov.br). Em outro estudo, realizado na periferia das cidades de Florianópolis, Itajaí e Balneário Camboriú (SC), também os afrodescendentes haviam se iniciado sexualmente mais cedo (14 anos e seis meses comparado com 14 anos e 11 meses em branco) e possuíam mais relações amorosas esporádicas, enquanto os brancos mantinham mais relações sexuais (Camargo et al., 2010). Em Pelotas (RS), os jovens de cor negra ou parda iniciaram mais precocemente sua vida sexual dos que os demais (Gonçalves et al., 2008), semelhante ao encontrado em Gravataí.
Repercussões psíquicas e orgânicas foram verificadas em decorrência da obesidade na infância e na adolescência. Em Gravataí, o sobrepeso/obesidade esteve associado ao retardo da iniciação sexual, apresentando um comportamento de proteção, em semelhança ao encontrado por Escrivão, Oliveira, Tadder e Ancora (2000). Por outro lado, a percepção da imagem corporal não se associou com o desfecho. Pesquisa na França, com mais de 12 mil pessoas, para investigar o impacto do peso extra na atividade sexual mostrou que mulheres obesas têm 30% menos chance de ter parceiro sexual, utilizam menos métodos anticoncepcionais e apresentam risco quatro vezes maior de gravidez indesejável. Outro dado, não menos importante, é o fato de que os homens obesos têm suas relações sexuais sem proteção, e taxa de DSTs cinco vezes maior, embora tenham relatado menos parceiros quando comparados com os de peso normal (Bajos, Wellings, Laborde, & Moureau, 2010). Algumas possíveis causas são baixa alta estima e falta de cuidado com a prevenção da gravidez e das DSTs. Isso ocorre, possivelmente, em função da dificuldade de negociar o uso de métodos protetivos com o parceiro por medo da rejeição. Adolescentes obesos são sexualmente inseguros, realizando substituição dos conflitos pelo alimento (ABESO, 2010).
Em relação às orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis recebidas na escola, observa-se neste estudo, que a maioria dos entrevistados informou ter recebido alguma instrução. A escola, juntamente com a televisão, foram as principais fontes de informações para sobre a temática HIV/AIDS, mostrando a importância do ambiente escolar para a abordagem de questões que envolvem sexualidade. Esse espaço é considerado como o melhor ambiente para as ações de educação sexual com os adolescentes, visto que passam ali muito tempo, além de se sentirem mais confortáveis para discutir os assuntos relacionados à sexualidade, pois estão no grupo de iguais com o qual possuem maior afinidade (Chaves, Bezerra, Pereira, & Wagner, 2014). A educação sexual é uma excelente estratégia para a prevenção de problemas relacionados ao desenvolvimento dos jovens, embora as escolas apresentem dificuldades, pois os docentes não são capacitados para discutir esses temas (Costa, Lopes, Souza, & Patel, 2001). A sexualidade deve ser abordada por professores de qualquer disciplina, constituindo-se em um tema transversal que extrapola as fronteiras disciplinares (Altmann, 2001).
A orientação sobre sexualidade é importante, pois quanto mais tarde ocorrer a iniciação sexual, maiores são as chances dos jovens, de ambos os sexos, usarem preservativos (Carvalho et al., 2007; Paiva et al., 2008). O não uso de métodos de proteção, muitas vezes, ocorre por dificuldade em negociar com maior eficácia seu uso com o parceiro (Heilborn et al., 2006; Chalem et al., 2007). A orientação sexual instituída precocemente tem o potencial de minimizar as intercorrências que podem comprometer a saúde sexual e reprodutiva do adolescente (Souza et al., 2006). Mesmo em tempos de AIDS e de um discurso social de incentivo ao exercício sexual, os jovens ainda estão vulneráveis e iniciam a vida sexual expondo-se a riscos, pois, embora tenham as informações necessárias para se protegerem, não incorporaram os usos e os costumes sexuais considerados seguros (Cedaro, Vilas Boas, & Martins, 2012). Apesar da reconhecida importância das orientações sobre sexualidade e métodos anticoncepcionais, neste estudo não houve associação entre o início da vida sexual e as orientações recebidas na escola sobre gestação e HIV.
O uso de preservativo na ultima relação sexual nos escolares de Gravataí foi superior ao encontrado entre os adolescentes escolares da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (IBGE, 2011), mas ainda longe do ideal, que seria a manutenção da medida protetiva sempre. Em estudo multicêntrico, realizado nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador, o uso do preservativo na primeira relação foi de 80,7% entre as moças e 88,6% entre os rapazes. Porém, quando avaliada a última relação, esses números caíram para 38,8% e 56%, respectivamente (Teixeira et al., 2006). Além disso, em escolares na Espanha, a idade de iniciação sexual teve implicações na saúde sexual dos jovens. O uso do preservativo foi reduzido consideravelmente na medida em que a idade do início sexual diminuiu. Quando esse início é anterior aos 15 anos, há maior risco de contrair um DST pela falta do uso do preservativo (Espada, Morales, & Orgilés, 2014). Em Portugal, a maioria dos adolescentes escolares (89,1%) usou algum método contraceptivo na primeira relação sexual e os participantes que se iniciaram aos 13 anos foram os que mais referiram não ter utilizado contraceptivos (Ferreira & Torgal, 2011). Em escolares de Canoas (RS), 49,4% dos jovens referiram ter mantido relações sexuais sem preservativo poucas vezes ou apenas em uma ocasião isolada nos últimos anos. A prevalência de exposição ao risco de DST-HIV/AIDS, encontrada neste estudo, pode ser considerada elevada (Chinazzo, Câmara, & Frantz, 2014). Os jovens não costumam usar preservativos, o que prejudica a saúde dos adolescentes, criando hábitos que poderão se estender pela vida adulta (Coutinho, Santos, Folmer, & Puntel, 2013). No entanto, as meninas têm uma atitude mais favorável ao uso do preservativo que os meninos (Camargo et al., 2010).
A escolaridade parece ser um dos determinantes na iniciação sexual, pois mulheres que interrompem seus estudos, sem completar o ensino fundamental, tiveram iniciação sexual, em média, dois anos antes das que prosseguiram os estudos ou começaram cursos superiores (Berquó & Barbosa, 2008). A baixa escolaridade também vem sendo apontada como fator de risco para a iniciação sexual precoce (Gonçalves et al., 2008; Hugo et al., 2011). Observou-se neste estudo que para os jovens que faltam as aulas, o início da vida sexual foi 65% mais frequente do que aqueles que nunca faltaram.
Os escolares de Gravataí, que afirmaram que seus pais não sabiam ou raramente sabiam o que eles faziam no tempo livre, iniciaram mais precocemente sua vida sexual. O frágil vínculo familiar, bem como o monitoramento ineficaz ou ausente dos filhos parece estar associado ao adiantamento da primeira relação sexual, como enfatiza Romer et al.,(2005), corroborando com os resultados do presente estudo. Acredita-se que a qualidade da comunicação e do relacionamento com os pais influência fortemente a vida do jovem, pois eles são os primeiros modelos de vida e transmissores de valores. As características familiares podem ser fatores de proteção ou risco para o jovem, pois é no ambiente familiar que surge a herança de atitudes e os exemplos para os adolescentes (Vitalle, 2003). As questões familiares, tais como os valores parentais no tocante às práticas sexuais de adolescentes e a presença de irmão ou irmã que já passou por gravidez antes de uma união, são aspectos que precisam ser incorporados na formulação de políticas de saúde reprodutiva e sexual voltadas aos adolescentes, pois mostraram ser determinantes na iniciação sexual dos jovens (Borges, Latorre, & Schor, 2007).
Talvez seja necessário ressignificar valores para que os pais possam olhar para os adolescentes com maior atenção. Geralmente, os jovens reconhecem a sua influência em seus comportamentos sexuais e a maioria aponta a falta ou a deficiente comunicação entre eles como fator de risco para comportamentos pouco saudáveis (Dias, Matos, & Gonçalves, 2007). Em função disso, é preciso investir na família como um espaço essencial na formação do indivíduo. Assim, são necessárias políticas públicas que invistam na aproximação dessas com o ambiente escolar para que possam estar mais presentes na vida dos jovens, já que a iniciação sexual não é um projeto individual, mas, sobretudo, socialmente determinado, estando centrado na família e nas relações sociais (Bergamim & Borges, 2009). É importante que os pais possam acompanhar seus filhos, conhecendo suas atividades escolares, de lazer, suas amizades, e, especialmente, participem de suas vidas. Para que isso seja possível, é necessário que passem mais tempo com seus filhos ou qualifiquem o tempo que passam com eles, pois é na família que os adolescentes encontraram apoio e segurança para enfrentar os conflitos da própria idade (Souza et al., 2006).
Em relação ao estilo de vida, nesta pesquisa, encontrou-se associação com o início da vida sexual precoce e o uso na vida de drogas lícitas e ilícitas, resultado que se confirma em várias pesquisas nacionais e internacionais (Cruzeiro et al., 2010; Miozzo, Dalberto, Silveira, & Terra, 2013; Taquette, Vilhena, & Paula, 2004). A idade da primeira relação sexual foi menor entre os adolescentes de Pelotas (RS) que faziam uso de maconha, cocaína e bebidas alcoólicas quando comparados com os não usuários destas substâncias (Cruzeiro, Souza, & Silva, 2008). No grupo dos que consumia bebidas alcoólicas e fumavam houve o maior percentual de adolescentes que já iniciou a vida sexual. Além disso, a baixa escolaridade e o histórico de abuso sexual também estiveram associados ao início da vida sexual ativa (Ferreira & Torgal, 2011).
Expectativas escolares, sociais ou familiares pouco reais podem criar nos adolescentes sentimentos de rejeição, discriminação e de que a vida é injusta. Como consequência, podem desenvolver depressão, ideação e planejamento suicida. O indivíduo com ideação suicida não está buscando a morte e, sim, procura acabar com seu sofrimento (Cury, 2005). Entre os escolares de Gravataí, a ideação suicida foi referida por 10,9%, sendo que a prevalência de iniciação foi 31% maior do que entre os que não referiram. Da mesma forma, os jovens que se sentiram discriminados, tiveram 40% mais de IVS do que seus pares de referência. É possível que esses jovens busquem o contato sexual como consequência de sua carência afetiva, em uma tentativa de se sentirem menos infelizes.
Como o delineamento utilizado no presente estudo foi do tipo transversal, as associações aqui discutidas devem ser interpretadas com cuidado, pois os fatores investigados não podem ser os considerados como causas da iniciação sexual. Outro aspecto a ser ressaltado é que fizeram parte desta investigação adolescentes que frequentavam as escolas municipais e, portanto, podem apresentar características distintas de jovens de escolas privadas e daqueles que se encontram fora do ambiente escolar. Em especial esses últimos, tendem a já terem iniciado sua vida sexual, sendo a gravidez um dos fatores que contribui para a interrupção dos estudos tanto de meninos quanto de meninas (Berquó & Barbosa, 2008; Gonçalves et al., 2008; Hugo et al., 2011). Apesar dessas limitações, como a amostra estudada é representativa dos escolares de escolas públicas municipais, acredita-se que os resultados aqui apresentados possam ser extrapolados para outros municípios com características semelhantes.
Foi identificado que os meninos, os jovens que se autodeclararam como não brancos, os que relataram experiência com drogas lícitas e ilícitas, os com dificuldade na relação com seus pais e os que se sentiam discriminados e os com ideação suicida apresentaram mais alta prevalência de iniciação sexual. Esses resultados apontam a necessidade de políticas públicas promotoras da saúde dos jovens, desenvolvendo ações que incentivem práticas sexuais seguras e que incidam positivamente em seu comportamento sexual (Campo-Arias, Ceballo, & Herazo, 2010). Para isso, é necessário que os profissionais da área da saúde e da educação sejam capacitados para trabalhar com a diversidade de modos de viver a adolescência e a sexualidade dos jovens. Com isso, será possível a implantação de programas mais seguros e eficazes, articulando um trabalho em rede, sem esquecer das famílias e da comunidade, importantes aliados dos profissionais neste universo chamado adolescência.
Referências
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Endereço para contato
E-mail: daerts.md@gmail.com
Recebido em fevereiro de 2015
Aceito em maio de 2015
Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts: Médica, Doutora, Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde/ULBRA.
Giani Terezinha da Costa Scarin Ottoni: Enfermeira, Mestre, Mestrado em Saúde Coletiva/ULBRA.
Gehysa Guimarães Alves: Socióloga, Doutora, Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde/ULBRA.
Lílian dos Santos Palazzo: Médica, Doutora, Curso de Medicina da ULBRA/Canoas.
Ana Maria Pujol Vieira dos Santos: Bióloga, Doutora, Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde/ULBRA.