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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas Jan./Dec. 2018

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PROSAÚDE

 

Grupo focal de psicologia em pacientes com insuficiência cardíaca

 

Psychology focal group in patients with heart failure

 

 

Ana Letícia Quatrin Finkler1; Aline Groff Vivian2

ULBRA - Canoas/RS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Insuficiência Cardíaca (IC) é definida como a falta de capacidade do coração para efetuar as demandas de sangue dos tecidos. Emocionalmente, pacientes acometidos de IC apresentam maior angústia devido à representação do coração, como o "órgão da vida". O objetivo deste estudo foi apresentar contribuições de intervenção psicológica em grupo focal, no contexto de insuficiência cardíaca. Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório, descritivo, com 10 participantes, de 63 a 82 anos, nível socioeconômico e escolaridade variados, residentes da região metropolitana de Porto Alegre, integrantes de um Programa Multidisciplinar. Foram realizados 14 encontros quinzenais, de março a dezembro de 2017. Os dados foram gravados e transcritos, submetidos à análise qualitativa de conteúdo. Destacou-se a importância da intervenção psicológica para promoção da saúde dos participantes, descrita como estratégia de apoio e espaço enriquecedor para trocas e reflexões, onde as experiências compartilhadas em termos emocionais, para além dos aspectos físicos foram evidenciadas.

Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca, Psicologia, Grupo Focal.


ABSTRACT

Heart Failure (HF) is defined as the heart's lack of ability to effect the blood demands of tissues. Emotionally, patients with HF use to have greater distress due to the representation of the heart, as the "organ of life". The aim of this study was to present the contributions of a psychological intervention in a focal group, in the context of heart failure. This is a qualitative, exploratory, descriptive study with 10 participants, aging from 63 to 82 years old, socioeconomic level and varied schooling, residents of the metropolitan area of Porto Alegre, members of a Multidisciplinary Program. Fourteen biweekly meetings were held from March to December 2017. Data were recorded and transcribed, submitted to a qualitative content analysis. The importance of the psychological intervention to health promotion of the participants was described, as a support strategy and enriching space for exchanges and reflections, where the experiences shared in emotional terms, besides the physical aspects were evidenced.

Keywords: Heart Failure, Psychology, Focus Group.


 

 

Introdução

A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma doença crônica, definida como a falta de capacidade do coração para efetuar as demandas de sangue dos tecidos (Garbin, Pelegrino & Dantas, 2007). Entre os seus principais sintomas estão a dispneia, os edemas e o cansaço. Tal condição faz com que as pessoas acometidas de IC encarem um declínio progressivo e incapacitante da sua condição física, e percebam sua vida limitada e ameaçada nas fases mais avançadas da doença (Mendes & Eufrásio, 2013). É um problema de saúde pública, que precisa de tratamento adequado e medidas de prevenção e promoção da saúde com o objetivo de reduzir o sofrimento individual e contribuir para a redução de internações e número de óbitos (Soares, Ferreira, Carvalho & Santos, 2016). Como medida preventiva, além da adesão ao tratamento, é importante que o paciente possua o conhecimento do que é insuficiência cardíaca e quais são seus sintomas, a fim de reconhecer as suas alterações. Desse modo, aumentam-se as chances de maior adesão ao tratamento e melhor prognóstico, o que também remete à redução de custos com novas internações (Custódio et al., 2015).

As mudanças no estado de saúde, vivenciadas no decorrer da vida, demandam do indivíduo a mobilização de recursos pessoais. Tais acontecimentos diferem conforme a fase da vida, significância da alteração e dos recursos pessoais, e podem gerar notáveis mudanças na trajetória de vida, pois colocam o indivíduo em uma situação de fragilidade. Do ângulo emocional, pacientes acometidos de IC apresentam maior angústia devido à representação do coração, sendo ele o "órgão da vida" (Mendes & Eufrásio, 2013). Sobretudo, em relação aos fatores de risco das doenças cardiovasculares, em especial a IC, uma forma de prevenção é a investigação dos fatores passíveis de mudança e as questões emocionais, ou seja, considerar a relação entre baixo suporte social, estresse, ansiedade e depressão e o risco de doenças cardiovasculares (Gorayeb et al., 2015).

A IC também pode ocasionar um desequilíbrio emocional, sendo que a ansiedade e a depressão configuram duas das principais demonstrações de sofrimento emocional frente à doença e ambas exercem forte influência no prognóstico e na recuperação. A ansiedade, enquanto a expressão de uma emoção frente a uma ameaça desconhecida e subjetiva, e a depressão, caracterizada por desesperança e falta de investimento em si e no futuro (Mendes & Eufrásio, 2013). Estudos comprovam que a prevalência de transtorno mental em pessoas com doenças físicas e crônicas é de mais de 40%, sendo mais frequente os transtornos de humor e ansiedade (Sadock & Sadock, 2007). Esta alta prevalência é justificada pelos múltiplos sentimentos experienciados pela pessoa frente à doença, havendo fatores como a hospitalização, estresse, tratamentos, expectativas em relação à evolução da doença, dentre outros (Moniz & Barros, 2005). Pesquisadores notaram taxas de prevalência de depressão maior de até 27% em pacientes hospitalizados com doenças cardiovasculares (Glassman, 2007, como citado por Straub, 2014). Sendo assim, é necessária uma correta identificação dos doentes em sofrimento emocional para que aconteça uma intervenção adequada. Para isto, utilizam-se instrumentos de medida para depressão e ansiedade, porém não desconsiderando o uso de entrevistas. É importante que os profissionais saibam diferenciar as reações de tristeza, comuns à compreensão da doença, da depressão propriamente dita, pois esta necessita de uma intervenção especializada. No que se refere à ansiedade, é necessário ter conhecimento quanto às características dos diferentes níveis de ansiedade, pois dessa forma é possível realizar uma intervenção adequada em cada nível (Mendes & Eufrásio, 2013).

De acordo com Cenci, Maurina e Wagner (2009), atualmente, o trabalho do psicólogo vai muito além de intervenções exclusivas no campo da saúde mental. Miyazaki, Domingos, Valerio, Santos e Rosa (2002), mencionam que o trabalho dos psicólogos em instituições de saúde surgiu na década de 1990 devido ao interesse de integração da Psicologia com a área médica. A Psicologia da Saúde é um campo de trabalho que viabiliza uma abordagem multidisciplinar, e vem crescendo bastante dentro da Psicologia. A partir da sua definição, "um subcampo da psicologia que aplica princípios e pesquisas psicológicas para melhoria, tratamento e prevenção de doenças" (Straub, 2014), pode-se dizer que a psicologia, além de estar avançando bastante na área da saúde, também está alcançando um papel preventivo, especialmente quando se trata de Doenças Crônicas Não Transmissíveis – DCNT (Straub, 2005, citado por Rudnicki & Sanchez, 2014). É uma área de especialização que trabalha embasada no tripé biopsicossocial e na dimensão espiritual, ou seja, visando a integralidade. Desse modo, atenta-se para fatores tais como sintomas, doença, genética, emoção, fatores cognitivos, atitudes, suporte social, adesão, estilo de vida, família, crenças espirituais, entre outros (Cenci, Maurina & Wagner, 2009).

No que diz respeito à atuação do psicólogo em equipes multiprofissionais, Gorayeb e Guerrelhas (2003) afirmam que esse trabalho tem conquistado reconhecimento na promoção da saúde e aumento da qualidade de vida dentro das instituições hospitalares, e também tem conseguido atender as demandas dos pacientes e da população institucional. Cenci, Maurina e Wagner (2009) ressaltam que o psicólogo, que atua nessa área, deve estar voltado também para os aspectos saudáveis dos seres humanos, de modo a reconhecer a importância das emoções positivas, como, por exemplo, a esperança, a criatividade, a coragem e a espiritualidade. Os autores afirmam que a valorização dessas características pessoais contribui para um melhor prognóstico e adesão ao tratamento por parte do paciente.

De acordo com a literatura, estudos corroboram a inserção do psicólogo em diferentes contextos relacionados à promoção da saúde. Um estudo realizado no contexto hospitalar por Fossi e Guareschi (2009), demonstrou alguns aspectos da inserção do psicólogo nas equipes de saúde, bem como sua prática profissional no contexto hospitalar, e apontou que as equipes de saúde relatam que, em alguns casos, não basta somente a ajuda médica para o tratamento ser bem-sucedido, partindo do pressuposto de que o ser humano é mais que um corpo físico, tornando assim indiscutível o atendimento integral. Outro estudo realizado por Tonetto e Gomes (2007), analisou a interação entre Enfermagem e Psicologia, firmada em um hospital, a fim de identificar aspectos que promovam a ação multidisciplinar, e os resultados mostram que a prática multidisciplinar depende de o psicólogo desenvolver uma visão integrada do processo saúde-doença, e adquirir capacidade de justificar procedimentos psicológicos de forma clara e objetiva.

Wottrich, Souza, Seelig, Vigueras e Ruschel (2007), realizaram um estudo sobre a inserção da psicologia em um programa de residência integrada em saúde, em um instituto de cardiologia do Rio Grande do Sul. Com base no convênio firmado entre o Ministério da Saúde e o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, estabeleceu-se a integração dos programas de Residência Médica em Cardiologia com os programas de Aperfeiçoamento Especializado em Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia. O Programa de Residência Integrada objetiva a orientação e acompanhamento das atividades de atenção integral à saúde, e apresentação de artigos, estudos sobre a prática multidisciplinar de atuação no sistema de saúde, levando em conta as políticas de saúde atuais, além das atividades de acompanhamento psicológico que ocorrem nas unidades do hospital. Desse modo, acredita-se que a psicologia atua estimulando a contemplação das questões psicoemocionais inerentes ao processo de adoecimento e hospitalização, auxiliando no entendimento do sujeito doente do ponto de vista biopsicossocial. A literatura aponta também a realização de um programa multiprofissional de prevenção da doença coronariana implantado no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia localizado na cidade de São Paulo, organizado a partir de palestras com diferentes profissionais de saúde, incluindo psicólogos, onde cada um colabora com a sua especialidade. Tal estudo aponta o importante papel das emoções, stress, e dos fatores de risco de uma maneira geral, além das dificuldades enfrentadas pelas pessoas em encontrar formas de desenvolver modificações pessoais em prol da saúde (Giannotti, 2002).

No que se refere às estratégias de promoção da saúde, Lervolino e Pelicioni (2001) apontam a importância da utilização de uma técnica de pesquisa qualitativa denominada Grupo Focal. Conforme os autores, é uma técnica utilizada para complementar informações, conhecer opiniões, atitudes, percepções e comportamentos relativos à saúde. De acordo com Backes, Colomé, Erdmann e Lunardi (2011), o campo de pesquisa qualitativa é composto por inúmeras possibilidades metodológicas, o que viabiliza um processo dinâmico e passível de novas maneiras de análise e coleta de dados. Dentre essas possibilidades, está o grupo focal, definido também como uma técnica de coleta de dados, que promove uma ampla problematização sobre um determinado tema ou foco específico, a partir da interação dos participantes.

De acordo com Lervolino e Pelicioni (2001), a pesquisa qualitativa não trabalha com amostras de probabilidade, nem busca estudar a frequência com que determinado comportamento ou opinião ocorre, portanto, utiliza-se o grupo focal no entendimento da maneira como as percepções, opiniões e comportamentos se formam a respeito de um fato, serviço ou produto. Para Krueger (1988), um destaque para essa modalidade de coleta de dados é o fato de basear-se na tendência humana de formar opiniões e atitudes a partir da interação com outros indivíduos, contrário ao que acontece com dados obtidos através de questionários fechados ou entrevistas individuais, onde é solicitado que o indivíduo emita sua opinião sobre assuntos que talvez nunca tenha refletido antes. O autor afirma que, de uma maneira geral, as pessoas necessitam ouvir as opiniões alheias antes de formar as suas próprias opiniões e não é incomum que mudem sua concepção ou fundamentem melhor a sua posição inicial quando expostas a discussões dentro de grupos.

A equipe que conduz o grupo focal é formada por um moderador e este conta com o apoio de dois colaboradores, o relator que fica responsável por anotar os acontecimentos mais relevantes para a pesquisa, e o observador, que auxilia na observação da comunicação não verbal a fim de compreender a percepção e sentimentos dos participantes acerca dos tópicos discutidos, e, quando necessário, pode intervir no manejo do grupo. O moderador do grupo precisa ficar atento para que sejam abordados os tópicos inerentes ao foco do estudo, e isso precisa ocorrer da maneira menos diretiva possível (Krueger, 1988). Na maioria das vezes, os grupos contêm de seis a dez participantes, que possuam características comuns, e os encontros normalmente são semanais com duração de uma hora e meia (Carlini-Cotrim, 1996). Outro ponto importante, segundo os autores, é o fato de que os participantes do grupo precisam ser homogêneos nas características que interfiram na percepção do tema em foco, pois isso garante o clima harmonioso para a troca de experiências e opiniões de caráter particular. Entretanto, é de suma importância enfatizar que a ideia de homogeneidade em algumas características particulares não deve acarretar na busca de homogeneidade da percepção pessoal do problema. Portanto, o grupo deve ter um caráter semelhante, porém, não restritivo. É dever do moderador criar um ambiente oportuno para que distintas percepções e diferentes pontos de vista possam surgir, livre de qualquer forma de pressão para que os participantes cheguem em um consenso ou conclusão. Contudo, é necessário garantir um ambiente descontraído e propício para troca de experiências e concepções (Lervolino & Pelicioni, 2001).

Quanto à análise dos dados obtidos com o grupo focal, os mesmos são de origem qualitativa o que resulta na obrigatoriedade de analisá-los qualitativamente, ou seja, sem tratamento estatístico (Lervolino & Pelicioni, 2001). Sendo assim, existem algumas técnicas específicas para a análise dos dados de uma pesquisa qualitativa, embasadas em diferentes abordagens, entre elas está a Análise de Conteúdo, fundamentada na concepção de Laurence Bardin (Augusto, Souza, Dellagnelo & Cario, 2013). Segundo Bardin (2011), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que possibilita analisar as comunicações, através de procedimentos organizados e práticos de descrição do conteúdo das mensagens. Tal modalidade, viabiliza a inferência de conhecimentos referentes à condição dos entrevistados através dos dados de texto adquiridos nas entrevistas. Posteriormente, esses dados são reconstruídos em categorias temáticas, a fim de serem analisados e interpretados, identificando semelhanças e diferenças entre os participantes e respondendo as questões norteadoras da pesquisa em questão.

Diante do exposto, considera-se que as intervenções em grupos focais podem ser importantes para a promoção da saúde dos participantes. O objetivo do presente estudo foi apresentar as contribuições de uma intervenção psicológica em grupo focal no contexto de insuficiência cardíaca, relatar a estrutura de uma intervenção em grupo focal de Psicologia, e, fundamentado nos instrumentos utilizados, descrever especificamente o perfil sociodemográfico dos pacientes em termos de sexo, idade, ocupação e níveis de ansiedade, depressão e autocuidado.

 

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter exploratório e descritivo. Participaram do estudo dez pacientes diagnosticados com Insuficiência Cardíaca (IC), oito em 2017/1 e nove em 2017/2, porém sete desses participantes já integravam o grupo no primeiro semestre, totalizando apenas dois participantes novos, sendo dois homens e oito mulheres ao total, com idades entre 63 e 82 anos, todos residentes da região Metropolitana de Porto Alegre. Os participantes foram escolhidos por acessibilidade e o critério de inclusão foi aceitar voluntariamente participar dos grupos, consentir com a gravação dos encontros e das entrevistas, e ser participante dos grupos de intervenção com pacientes do ambulatório de insuficiência cardíaca do Programa de Reabilitação Cardiorrespiratória, onde recebem assistência por equipe multidisciplinar, composta por profissionais de Medicina, Fisioterapia, Educação Física, Biomedicina e Psicologia. O critério de exclusão foi ter idade inferior a 18 anos e não ter recebido o diagnóstico de insuficiência cardíaca. A coleta de dados foi realizada através da técnica de grupo focal, com encontros quinzenais e duração de uma hora, sendo todos gravados e transcritos na íntegra. Os grupos ocorreram em uma clínica-escola de Fisioterapia de uma universidade privada de Canoas, no decorrer de 1 ano, totalizando 14 encontros.

Os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE, preencheram a ficha de dados sociodemográficos e a fim de verificar os níveis de ansiedade e depressão, responderam à escala Beck de Ansiedade (BAI).Tal instrumento é constituída por um inventário de 21 itens que avalia níveis de sintomas de ansiedade com as seguintes opções de resposta: "Absolutamente não", "Levemente: Não me incomodou muito", "Moderadamente: Foi muito desagradável, mas pude suportar" e "Gravemente: dificilmente pude suportar". Também preencheram a Escala Beck de Depressão (BDI), que consiste em um inventário de 21 itens com 4 alternativas que sugerem graus crescentes de gravidade de depressão. Por fim, realizaram a Escala de Autocuidado para Insuficiência Cardíaca (EAC-IC), constituída por três seções. A primeira seção é formada por 10 questões referentes à frequência com que o paciente segue as recomendações recebidas sobre IC. A segunda seção é composta por três questões principais acerca da IC, contendo opções "sim" e "não" para a existência de sinais e sintomas, se a resposta for sim o paciente é direcionado a uma seção de perguntas com respostas em uma escala Likert variando de 1 (não reconheci) a 4 (reconheci imediatamente). Na terceira seção existem seis perguntas relacionadas à confiança e autoconhecimento acerca da IC, seus sintomas e adesão ao tratamento. Ao final de cada semestre, foi realizada entrevista semiestruturada e individual, construída com base na literatura sobre o tema com tópicos preestabelecidos e um roteiro composto por questões referentes à percepção individual de cada um acerca do diagnóstico de insuficiência cardíaca, mudanças no estilo de vida, estratégias de enfrentamento e rede de apoio. Os grupos focais têm sido utilizados em várias áreas do conhecimento, pois são reconhecidos como um espaço privilegiado no alcance de noções grupais a respeito de uma determinada temática (Backes et al., 2011). Os participantes do estudo em questão integram o Programa de Reabilitação Cardiorrespiratória, onde também recebem atendimento de outras áreas, cada qual com suas especificidades. Resumidamente, a Fisioterapia aplica protocolo de treinamento muscular respiratório e periférico, a Medicina relata protocolo de triagem pré e pós-treinamento físico, a Biomedicina orienta os pacientes quanto à fase pré-analítica dos exames laboratoriais e educação em saúde em termos gerais e a Educação Física aplica protocolo de condicionamento físico global. A Psicologia visa proporcionar intervenção em grupo focal para troca de informações e percepções acerca das repercussões da insuficiência cardíaca na vida dos pacientes. O objetivo geral do programa é melhorar a qualidade de vida e reduzir a morbi-mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca.

Os grupos focais de Psicologia foram conduzidos por 1 moderadora, 1 observadora e 1 relatora, havendo revezamento dos papéis entre a equipe a cada novo grupo. Os dados coletados através da gravação e transcrição dos grupos e das entrevistas individuais, foram posteriormente classificados na categoria: contribuições da intervenção psicológica em grupo focal e nas subcategorias temáticas: Conceito de Psicologia, Psicoeducação sobre as Emoções, Psicoeducação sobre a Insuficiência Cardíaca, Autocuidado, Relações Interpessoais, Qualidade de Vida (autoestima, sentimentos positivos e negativos, pensar e aprender, aparência e imagem corporal), submetidas a análise qualitativa de conteúdo de Bardin (2011). A sistematização dos relatos, ocorreu através de dois juízes que classificaram separadamente em cada categoria os relatos, entretanto para os casos e discordância, usou-se um terceiro juiz. Os procedimentos de coleta de dados foram realizados respeitando os procedimentos éticos, diretrizes e normas estabelecidas na Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, sob o número CAAE: 53116716.4.0000.5349, de 2016.

 

Resultados

O público-alvo compreendeu 10 pacientes diagnosticados com insuficiência cardíaca, sendo 8 mulheres e 2 homens, com idades entre 63 e 82 anos, todos residentes da região Metropolitana de Porto Alegre.

 

 

A tabela 1 apresentou a caracterização sociodemográfica dos participantes. Em relação ao estado civil, 4 são casados (40%); 4 viúvas (40%) e 2 divorciados (20%). O nível de escolaridade variou desde ensino fundamental incompleto 1 (10%), ensino fundamental completo 6 (60%), até ensino médio completo 3 (30%). Quando se trata de ocupação, 6 (60%) são aposentados; 1 (10%) é representante comercial; 3 (30%) não exerce atividade remunerada.

 

 

A tabela 2 apresentou os resultados dos instrumentos BAI, BDI e EAC-IC. Quanto aos níveis de ansiedade, a maioria dos participantes apresentou nível mínimo (7), seguido de leve (1), moderado (1) e grave (1). Em relação à depressão, a maioria dos participantes teve nível mínimo (6), seguido de leve (3), moderado (1) e nenhum grave. Na escala de autocuidado (EAC-IC), a média dos resultados foi de 63, com pontuação mínima de 49 e máxima de 79. Somente 3 participantes (30% da amostra) apresentaram resultado satisfatório (≥70), sendo que 1 participante não preencheu a escala de autocuidado.

Intervenção psicológica em grupo focal no contexto de insuficiência cardíaca

A partir do encaminhamento pelo serviço de cardiologia e fisioterapia, os pacientes participaram de 14 encontros quinzenais, com duração de uma hora. A estrutura dos grupos consistiu em um momento inicial com dinâmicas de grupo, utilização de recursos tais como vídeos, músicas e cartazes e discussões através de tópicos específicos seguidas de fechamento pelo moderador. Foram aplicados os instrumentos (BAI, BDI e EAC-IC) a fim de investigar os níveis de ansiedade, depressão e autocuidado e identificar a necessidade de psicoterapia individual, pois havia a possibilidade de encaminhamento para Serviço-Escola de Psicologia localizado no mesmo prédio onde os grupos foram realizados. O participante que apresentasse nível grave nos instrumentos, seria encaminhado para atendimento. A estrutura da intervenção foi semelhante, nos dois semestres foram utilizadas dinâmicas de apresentação para iniciar os grupos, no primeiro, utilizou-se a dinâmica denominada "Conhecendo e Aprendendo", com o objetivo de promover uma maior integração entre os participantes. No primeiro momento da dinâmica, explicou-se que seria uma oportunidade de conhecer e aprender mais uns dos outros e que deveriam então, ao receber um objeto que passaria de mão em mão (utilizou-se uma bola de pelúcia), falar seu nome, revelar alguma característica sobre si e prestar a atenção na apresentação dos colegas. Destacaram-se as seguintes falas desse momento: "Meu nome é W. Eu gosto muito de conversar, trocar ideias" (W., 69), "Meu nome é A. e eu gosto muito de conversar e fazer crochê" (A., 68). No segundo momento da dinâmica, foi solicitado que cada um apresentasse o colega ao lado, repetindo o seu nome e o que ele revelou sobre si no momento anterior. Após, foi feito o fechamento, ressaltando para o grupo a importância de saber ouvir com atenção. No segundo semestre, como forma de apresentação, utilizou-se uma luva cirúrgica cheia de ar em forma de balão com os seguintes itens escritos nos dedos da luva: nome, idade, ocupação, lazer e livre, a qual passava de um integrante para o outro. Destacou-se a fala de um dos participantes: "Meu nome é F., tenho 64 anos, sou do comércio, trabalho com vendas e entregas. Quando há possibilidade, eu sou pai e mãe de 3 adolescentes, então eu gosto de sair com eles pra serra ou pra praia" (F., 64).

Em ambos os semestres, o "Conceito de Psicologia" foi trabalhado através da dinâmica Brainstorm (tempestade de ideias), na qual os participantes foram convidados a falar livremente o que sabiam sobre a Psicologia. Foi enfatizado que não existia certo ou errado naquele momento, pois o propósito era que fosse construído coletivamente o significado. Ressaltam-se as seguintes falas do grupo de 2017-1: "orientação em palavras, escutar o que a gente está passando", "estudo do comportamento humano", "se conhecer", "saber quem eu sou", "ajuda", "conversar" e "amor ao próximo". Em 2017-2, foi dito pelos participantes: "estudo da vida", "ajuda", "carinho", "amor", "saúde", "confiança", "mente", "calma", "entender o próximo", "tranquilidade" e "compreensão". O fechamento foi norteado pelo significado da palavra Psicologia, conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), enfatizando o bem-estar psicológico, breve explicação sobre Inteligência Emocional, esclarecimento sobre a diferença da Psicologia aplicada em grupos e psicoterapia individual.

No encontro em que se realizou a "Psicoeducação sobre as Emoções", utilizou-se o "Baralho das Emoções", um instrumento composto por 21 cartas masculinas e 21 cartas femininas. Cada carta descreve, em forma de desenho, uma emoção específica através da expressão do rosto. No grupo do primeiro semestre, utilizou-se somente as emoções denominadas primárias, ou básicas, sendo elas: amor, alegria, raiva, tristeza, nojo e medo. Foi solicitado que cada integrante escolhesse uma carta entre todas sem saber de qual emoção se tratava e a partir da carta sorteada falasse sobre o significado daquela emoção e/ou algum acontecimento que o remetesse a ela. Desse modo, surgiram as seguintes falas: Alegria: "Eu acho assim, por mais problemas que a gente tenha, a gente tem que dominar a nossa mente e uma maneira de dominar a nossa mente é pensar coisas boas" (M., 75). Medo: "Eu não sei se eu tenho medo de alguma coisa... Acho que tenho medo de perder alguém da minha família, mas fora disso, não" (N., 70). Amor:

Bom, falar do amor? O que eu vou falar do amor... O amor é tudo né, a gente parte daquele princípio que tem na bíblia, a gente tem amor pelos filhos, amor pelos pais, amor pelo cachorro, faz parte vida da vida gente o amor. Quem é que vive sem? Ninguém. (F., 64)

Nojo: "Eu tenho nojo de barata!" (A., 68). Raiva: "Raiva eu tenho de gente fingida, falsa, que mente e inventa as coisas!" (J., 82). Tristeza: "Eu só fico triste quando eu vejo alguém na família passando por alguma dificuldade e eu não tenho condições de ajudar, mas dificilmente eu fico triste" (A., 77).

No grupo de 2017-2, optou-se por utilizar todas as cartas que compõem o baralho, sendo sorteada pelos participantes as seguintes emoções: Saudade: "A saudade é uma coisa... é ruim e é boa. É ruim porque tem pessoas que tu nunca mais vai ver e aí como tu sabe a dor é maior" (E., 63). Alegria: "Tudo tá bom para mim. Pode estar chovendo como pode estar sol, é a natureza. Para me tirar fora do sério tem que ser uma coisa muito grave" (M., 75). Ansiedade: "Eu sou muito ansiosa. Daí qualquer coisa, uma coisa assim, se eu tenho que fazer alguma coisa no outro dia, aí de noite eu não consigo dormir porque tem que fazer aquilo" (M., 68). Esperança: "A gente sempre tem esperança de dias melhores. Hoje foi meio ruim, mas amanhã vai ser bem melhor" (L., 77). Cansaço:

É uma das coisas que eu tenho sentindo e que modificou minha vida assim. Eu quando comecei a ficar doente, deu um revertério, aconteceu tantas coisas, eu tinha cansaço e tudo porque quando eu tive problemas eu andava uma quadra e tinha que sentar (F., 64)

O objetivo da Psicoeducação das emoções foi ensinar os participantes a identificar, validar e quantificar suas emoções e aprender a adequar as suas reações comportamentais de uma maneira saudável de modo que produzissem um impacto favorável no contexto em que estavam inseridos. Além do mais, esclarecer que todas possuem um papel fundamental na vida das pessoas, comunicando suas necessidades ou motivando a ação.

As temáticas: "Psicoeducação sobre Insuficiência Cardíaca" e "Autocuidado", foram abordadas através de vídeos educativos, questões norteadoras sobre os temas e dinâmica "Complete a Frase", com os seguintes estímulos iniciais: "Este período da minha vida está sendo...", "Quando tenho uma dificuldade, eu...","O que mudou na minha vida após saber da insuficiência cardíaca...", "Me surpreendi por conseguir...", "A vida me ensinou que..." e "Como foi para mim receber a notícia da insuficiência cardíaca..."), com a finalidade de proporcionar um espaço de escuta e troca de informações, percepções e sentimentos acerca da IC. Salienta-se algumas falas dos participantes de ambos os semestres:

Dinâmica complete a frase: Quando eu tenho uma dificuldade, eu...

Como todo mundo aqui, eu enfrento a dificuldade. Eu acho que nós temos que lidar com dificuldades todos os dias. É uma coisa aqui, outra ali. É claro que existem vários tipos de dificuldades, aquelas que são possíveis de ser resolvidas, aquelas que você pode resolver e aquelas que são do cotidiano, todo dia. (F., 64)

Autocuidado:

E depois que eu comecei a me tratar, porque eu acho que a pressão estava alta eu não tratava quase a pressão e aí quando eu comecei a tomar remédio direitinho, aquela falta de ar que eu tinha, que quando eu saía do banho eu tinha que me segurar e ficar que eu não podia nem... eu não tenho mais.

Psicoeducação IC: "Ah, foi terrível! Porque é o seguinte, assim ó, eu não conseguia caminhar e não conseguia respirar, eu saía aqui e eu tinha que ir andando me escorando, nas paredes né, sentando em qualquer lugar, entendeu?" (F., 64). "Calma, tranquila! É que não adianta, a gente tem que aceitar, é pior a gente se desesperar: Ai meu Deus! Então, não, bem tranquila..." (L., 77). Podem-se perceber as diferentes percepções dos participantes acerca do diagnóstico de IC, sendo este um fator trabalhado nos grupos, de modo que o moderador sempre reforçava a importância de que diferentes pontos de vista aparecessem nos grupos, pois a finalidade não era de que se chegasse em um consenso, e sim de que cada um pudesse formar a sua própria opinião a partir das falas dos colegas.

A temática das "Relações Interpessoais" foi trabalhada nos grupos com enfoque no apoio social e estratégias de enfrentamento da doença. Seguem algumas falas dos participantes:

Sabe o que eu faço? Às vezes eu fico sentada, ou se não eu saio, vou ali na casa do meu filho tomar um chimarrão. A gente conversa e a gente tá... é um lugar que traz paz para a gente. (L., 77)

"Eu também estou sempre alegre, sempre brincando. Claro tem os meus momentos de preocupação. E quando eu me deprimo, claro, eu vou procurar uma vizinha, vou tomar um chimarrão" (E., 63).

Apoio eu sinto aqui né? Participando aqui com vocês, aqui né? Como é que a gente diz, esse novo procedimento né? Eu tenho muito apoio né? A gente tem apoio! E as minhas filhas elas dizem pra mim: mãe, se cuida né? Faz direitinho como tu tem que fazer né? (W., 69)

Em relação à temática "Qualidade de Vida", optou-se por explorar a dimensão psicológica (autoestima, sentimentos positivos e negativos, pensar e aprender aparência e imagem corporal). A autoestima e demais dimensões da qualidade de vida foram trabalhadas através de dinâmicas seguidas de discussão acerca dos tópicos preestabelecidos. No grupo de 2017-1, optou-se por utilizar a dinâmica: "Para quem você tira o chapéu? ", que ocorreu da seguinte maneira: colocou-se vários chapéus, com um espelho colado dentro, distribuídos em cima da mesa e foi solicitado que cada participante, um de cada vez, virasse o seu chapéu e ao olhar para dentro dele e se deparar com a imagem que aparecesse para eles, dissesse se tiravam ou não o chapéu para a aquela pessoa, mas sem revelar a identidade da mesma. Algumas falas dos participantes durante a realização da dinâmica: "Eu tenho que tirar. Se eu não tirar quem vai tirar, essa pessoa já foi bem melhor, já teve mais saúde, já foi mais nova, mas quero viver mais ainda e continuar bem" (A., 68). "Eu tiro o chapéu pra ela porque é uma pessoa forte graças a Deus, ela já passou por muitas dificuldades, mas continua aqui e está muito alegre por ter a companhia de vocês" (L., 77).

Acerca desse mesmo tema, a dinâmica escolhida para o grupo do segundo semestre foi denominada "Presente". Embrulhou-se uma caixa de presente de modo a ficar bonita e chamativa e com conteúdo para ser distribuído uniformemente no final da dinâmica (optou-se por paçoca integral sem açúcar e um bilhete com uma mensagem positiva e de agradecimento). Cabe salientar que a dinâmica foi ajustada e adaptada para o grupo em questão, construída com base nas vivências anteriores. O coordenador iniciou a brincadeira dizendo: "Meu grupo querido, hoje eu quero presentear uma pessoa muito especial pela qual eu sinto muito carinho – abraça a pessoa e entrega o presente. Após, o coordenador pede silêncio e continua a brincadeira lendo o parágrafo número 1: Parabéns, você tem muita sorte! Foi premiado com este presente! Sabemos que alegria compartilhada é alegria dobrada, portanto, quero que você entregue esse presente para uma pessoa desse grupo que você considera ALEGRE! Após o presente ser repassado o coordenador pede silêncio novamente e lê o parágrafo número 2: ALEGRIA! Hoje é festa, pessoas como você transmitem otimismo e alto astral! Parabéns!!! Com toda a sua alegria, passe o presente para uma pessoa desse grupo que você considera INTELIGENTE, e assim o presente foi passando de mão em mão, cada vez com uma qualidade a ser atribuída a algum participante e após o último participante receber o presente, foi solicitado que o mesmo o abrisse e distribuísse para todo o grupo.

O desenvolvimento e o fechamento do tema deram-se a partir da troca de informações em que se destacou a percepção dos participantes acerca dos aspectos psicológicos da qualidade de vida:

Eu estou muito feliz, a primeira vez que eu fui na esteira eu aguentei dois minutos com muito sacrifício, depois seis minutos e hoje dez minutos, eu só pensava que não iria desistir e isso pra mim isso é um prêmio uma vitória. Aumentou a minha autoestima né. (M., 75)

Às vezes o negativo é importante para a gente perceber que nem tudo está indo bem e poder pensar para melhorar. Se aquilo tu pode ou não pode. (F., 64)

Ao final de cada semestre, ainda foram realizadas as entrevistas semiestruturadas e individuais com questões sobre o diagnóstico de IC (impacto, percepção e mudanças), qualidade de vida, rede de apoio, estratégias de enfrentamento, planos de vida e participação nos grupos.

Contribuições do grupo focal

O espaço de trocas e reflexão propiciado aos participantes dos grupos foi descrito como enriquecedor:

Desde que comecei aqui, eu tava bem pior, então aqui, como diz o doutor, a troca de experiência e a troca de ideias os beneficiados somos nós mesmos, cada um se enriquece com alguma coisa, nós aqui enriquecemos a nossa saúde. (F., 64)

A intervenção da psicologia foi percebida como estratégia de apoio e suporte para os participantes:

Os grupos me deram mais confiança, acreditar que eu posso melhor, isso foi um apoio imprescindível pra mim, vocês me ajudaram muito, me ajudaram muito, eu tenho certeza disso, as conversas, os filmes, tudo que foi proposto, aquilo ajuda muito a gente. (A., 68).

Eu gostaria de ter um psicólogo pra mim todo dia, porque assim ele me orienta na minha vida, entendeu? Ele me ajuda na minha vida, a psicologia pra mim foi uma das melhores coisas que tá acontecendo aqui, entendeu?... Porque dá uma ajeitada na cabeça da gente. (F., 64)

No que se refere às contribuições do grupo focal para a promoção da saúde dos participantes, destacaram-se as seguintes falas:

Eu chego em casa, conto pra minha filha né, falo né, procuro fazer aquilo que vocês tão falando pra nós né então pra mim foi ótimo, ótimo mesmo porque a cabeça da gente muda né, muda em tudo! Por exemplo, eu sou muito caseira, tô sempre em casa e aí a gente vem pra cá e recebe outro estímulo, então foi muito bom. (N., 70)

"Coisas que a gente aprende né? Desabafos, a gente conversa, expressa opiniões e eu acho muito bom isso aí, tu poder expressar aquilo que tu está sentindo, naquela hora naquele dia" (E., 63).

As experiências compartilhadas em termos emocionais, para além dos aspectos físicos, foram destacadas pelos participantes dos grupos:

E referente ao grupo de vocês, foi mais um enriquecimento na minha vida, foi uma coisa boa! Então assim, mais um enriquecimento de conhecimento na minha vida, porque quando vocês falam as coisas, eu presto muito bem a atenção, eu quero penetrar sabe? Quero penetrar no que vocês estão falando e quero absorver aquilo, porque é um conhecimento rico e que é bom, que faze bem! (F., 64)

 

Discussão

De acordo com os resultados apresentados através das falas dos participantes, e com base na literatura, tornou-se possível apresentar as contribuições de uma intervenção psicológica em grupo focal no contexto da insuficiência cardíaca, assim como, relatar a estrutura de uma intervenção em grupo focal de Psicologia e fundamentado nos instrumentos utilizados, descrever especificamente o perfil sociodemográfico dos pacientes em termos de sexo, idade, ocupação e níveis de ansiedade, depressão e autocuidado.

A literatura aponta que a IC também pode ocasionar um desequilíbrio emocional, sendo que a ansiedade e a depressão configuram duas das principais demonstrações de sofrimento mental frente à doença e ambas exercem forte influência no prognóstico e na recuperação (Mendes & Eufrásio, 2013). No presente estudo os níveis de ansiedade e depressão apresentados pelos participantes foram baixos, de modo que a maioria apresentou nível mínimo em ambos os instrumentos utilizados. Estudos demonstram que entre os doentes acometidos de IC a prevalência de depressão varia de 15% a 36% e tal variação estaria relacionada com as diferenças existentes entre o público estudado, a metodologia utilizada para fins diagnóstico e de classificação para a depressão ou até mesmo o contexto em que são realizados os estudos (Konstam, Moser & De Jong, 2005). Assim sendo, cabe salientar que os participantes do grupo em questão estão com a doença estabilizada e recebem assistência multiprofissional, diferente dos pacientes hospitalizados, que conforme a literatura, apresentam níveis mais altos de depressão e além do mais, pessoas com doenças dessa natureza constantemente oscilam entre fases de internação e fases de estabilidade da condição clínica, justificando assim que os sintomas depressivos tendem a apresentar mudanças conforme o estado de saúde (Thomas, Friedmann, Khatta, Cook & Lann, 2003). Igualmente, em relação aos baixos níveis de ansiedade apresentados pelos participantes, é importante enfatizar que a literatura aponta a ansiedade como sendo uma comorbidade comum com a IC, porém em pacientes hospitalizados, ou seja, que também não estejam com a doença estabilizada (Riedinger, Dracup & Brecht, 2002). Outro ponto que necessita ser destacado é que o presente estudo não teve como foco principal mensurar os níveis de ansiedade e depressão, objetivou apenas descrever o perfil da pequena amostra em questão.

A literatura aponta que o conhecimento do paciente acerca de sua condição de saúde, no caso a IC, bem como o reconhecimento de seus sintomas propicia a adesão ao tratamento, melhorando até mesmo o prognóstico (Custódio et al., 2015). No que se refere ao autocuidado, somente 3 participantes (30% da amostra) apresentaram resultado satisfatório (≥70), sendo que 1 participante não preencheu a EAC-IC. Conforme Dickson, Buck e Riegel (2014), citado por Linn, Azollin e Souza (2016), entre os fatores que mais exercem influência no desenvolvimento de habilidades de autocuidado estão o conhecimento acerca da IC e vivências e competências de autocuidado voltadas para a nova condição de vida gerada pela doença e para que tais fatores sejam alcançados, os autores afirmam que o componente central são ações educativas trabalhadas por profissionais da área da saúde a fim de promoverem no paciente o gerenciamento de seu cuidado próprio, aumentando assim a qualidade de vida e a diminuição da mortalidade. Acredita-se que os grupos colaboraram para o desenvolvimento de tomada de consciência acerca da importância do autocuidado e do papel que ele exerce no processo saúde doença, pois os grupos contemplaram os temas Psicoeducação sobre IC e Autocuidado, porém referente ao resultado da EAC-IC, a mesma foi respondida pelos participantes somente antes do início da realização dos grupos com suas respectivas temáticas e não foi novamente aplicada após o término dos grupos, o que pode justificar o resultado obtido na escala.

Embora os estudos de Gianotti, (2002) e Santos, Santos, Rossi, Lélis e Vasconcellos (2011), destaquem o papel do psicólogo em equipe multidisciplinar, a exemplo do que foi realizado no presente trabalho, não foi encontrado estudo recente na literatura revisada acerca da estrutura da intervenção e sobre cada um dos temas trabalhados nos grupos. Entretanto, Cenci, Maurina e Wagner (2009), ressaltam que o psicólogo que atua nessa área deve estar voltado também para os aspectos saudáveis dos seres humanos, reconhecendo a importância das emoções positivas, como por exemplo a esperança, a criatividade, a coragem e a espiritualidade, de modo que a valorização dessas características pessoais contribui para um melhor prognóstico e adesão ao tratamento por parte do paciente. Sendo assim, pode-se afirmar que tais aspectos, citados pelos autores, foram abordados e explorados nos grupos, corroborando com a literatura.

No que se refere à estrutura do grupo, os participantes foram selecionados a partir do encaminhamento pelo serviço de cardiologia e fisioterapia de uma Clínica Escola, corroborando o que aponta a literatura, dado que de acordo com Lervolino e Pelicioni (2001), o recrutamento e seleção dos participantes para realização de grupo focal acontece a partir do estabelecimento de uma clara definição do grupo social do qual se pretende estudar e pode ocorrer de diversas formas, sendo uma delas, através do atendimento em serviços de saúde. Ainda de acordo com os autores, o grupo focal é uma técnica utilizada para complementar informações, conhecer opiniões, atitudes, percepções e comportamentos relativos à saúde. Contudo, em termos das contribuições dos grupos, os participantes destacaram a importância desse espaço de trocas e reflexão e no que se refere às estratégias de promoção da saúde, a contribuição da psicologia foi destaque entre os participantes. Custódio et al. (2015), afirmam que se tratando de pacientes com doenças cardiovasculares, o objetivo da promoção da saúde é a melhoria da morbilidade e mortalidade e a diminuição ou se possível, extinção do impacto negativo na vida do paciente, pois por ser uma doença que afeta um órgão vital, o indivíduo irá deparar-se com o fato de que não será possível voltar a ter as mesmas condições que possuía antes, acarretando assim, na necessidade de adquirir novos hábitos de vida.

 

Considerações finais

Este estudo apresentou as contribuições de uma intervenção psicológica em grupo focal no contexto da insuficiência cardíaca com pacientes de um ambulatório de Cardiologia da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS, integrantes de programa multidisciplinar e descreveu o perfil da amostra estudada, em termos de sexo, idade, ocupação, níveis de ansiedade, depressão e autocuidado, apresentando a estrutura dessa intervenção. As contribuições do grupo foram destacadas como ações promotoras da saúde dos participantes. Apesar do número pequeno de pacientes, foi possível detalhar em profundidade os aspectos trabalhados nos grupos, bem como estabelecer uma vinculação da equipe com os mesmos, evidenciada pelas verbalizações dos participantes durante os grupos e nas entrevistas semiestruturadas individuais realizadas ao final de cada semestre. Cabe ressaltar a relevância da inserção da Psicologia no Programa Multidisciplinar, a qual configura-se como satisfatória, visto que viabilizou a descoberta de potencialidades e a ressignificação da vida, resultando em feedbacks positivos os quais evidenciaram que o intuito de promoção de qualidade de vida foi alcançado na intervenção proposta. Além disso, os participantes apresentaram boa adesão aos grupos de modo a manterem assiduidade e participação ativa nos mesmos.

Futuramente, pode-se elaborar um manual de intervenção em grupo focal para a promoção da saúde no contexto da insuficiência cardíaca, a partir da estrutura proposta no presente estudo. As contribuições do profissional de Psicologia também podem ser destacadas, tanto para a equipe, como para a formação integrada do profissional que realiza intervenções multidisciplinares promotoras de saúde. Salienta-se também a importância da interdisciplinaridade no campo da saúde, um paradigma no qual diversas áreas do conhecimento seguindo um objetivo comum, estabelecem uma colaboração articulada no mesmo nível e até mesmo simultaneamente nas intervenções, diferindo da abordagem multidisciplinar, a qual não exige necessariamente que haja linearidade nos assuntos, de modo que as contribuições do médico, psicólogo, fisioterapeuta, entre outros profissionais, ocorrem de forma não linear entre si, podendo ocorrer até mesmo em momentos distintos.

 

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Endereço para correspondência
E-mail
: analetíciafinkler@gmail.com

Recebido em setembro de 2018
Aprovado em outubro de 2018

 

 

1 Ana Letícia Quatrin Finkler: Acadêmica do Curso de Psicologia. ULBRA. Canoas/RS.
2 Aline Groff Vivian: Doutora em Psicologia. Professora no curso de Psicologia e Medicina da ULBRA/Canoas.

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