Services on Demand
article
Indicators
Share
Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas Jan./Dec. 2018
ARTIGOS TEÓRICOS - PROSAÚDE
Construção de hidrelétricas e populações atingidas no Brasil: uma revisão sistemática
Construction of hydroelectric power plants and affected populations in Brazil: a systematic review
Fernanda Escobar Fernandes Barbosa1; Carmem Regina Giongo2; Jussara Maria Rosa Mendes3
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Este estudo possui o objetivo de realizar uma revisão sistemática dos artigos produzidos no Brasil nos últimos dez anos acerca dos grandes empreendimentos hidrelétricos e dos seus impactos às populações atingidas. A busca foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia e na Biblioteca Virtual de Saúde. Localizaram-se 329 trabalhos, sendo que 42 deles foram utilizados para o desenvolvimento deste estudo. Os resultados apontaram para uma equidade entre o número de artigos teóricos e empíricos, demonstrando que as revistas com maior número de publicações estão vinculadas a áreas interdisciplinares, envolvendo a geografia, o meio ambiente e a sociologia. Quanto aos principais resultados, identificou-se um declínio geral nas condições de saúde física e mental, a implantação de políticas reparatórias insuficientes e o papel do Movimento dos Atingidos por Barragens como estratégia de resistência social e política.
Palavras-chave: danos; atingidos; hidrelétricas.
ABSTRACT
This study aims to carry out a systematic review of the articles that have been produced in Brazil in the last ten years about large hydroelectric power plant projects and their impacts on populations directly or indirectly affected. A search for different articles was performed in the Virtual Health Library in Psychology and in the Virtual Health Library. A total of 329 studies were found, and 42 of them were used in this study. The results show evenness between the numbers of theoretical and empirical articles, which demonstrate that journals with the greatest number of publications are linked to interdisciplinary areas, involving geography, environment and sociology. As for the studies’ main results, an overall decrease in physical and mental health conditions, the implementation of insufficient reparative policies and the role of the Movement of People Affected by Dams as a strategy of social and political resistance were identified.
Keywords: Damages; affected populations; hydroelectric power plants.
Introdução
A degradação do meio ambiente, da biodiversidade, da flora e da fauna brasileira é uma preocupação real e recorrente nos últimos anos. O uso excessivo dos recursos naturais, somado a uma grande e verdadeira destruição do bioma brasileiro, resulta em consequências gravíssimas tanto para a natureza quanto para a população. Pessoas que vivem da terra e da pesca, entre outras atividades agropecuárias, ou que têm suas famílias e lares constituídos em áreas visadas pelos grandes empreendimentos de infraestrutura são as mais atingidas e sofrem diretamente os reflexos da desigualdade e da degradação ambiental (Giongo, Mendes, & Santos, 2015). Neste contexto, enquanto que para alguns o meio ambiente possui uma conotação mercantil, para outros, a natureza é fonte de subsistência, de sobrevivência e de conexão identitária (Santos, 2015). Ironicamente, estes últimos raramente são consultados antes da construção desses grandes empreendimentos, mesmo que isso resulte em prejuízos para as suas relações sociais, perda de suas identidades, incerteza com relação ao futuro, desolação e os danos à saúde (Vainer, 2007).
É nesse contexto de apropriação territorial que se encontram os grandes empreendimentos hidrelétricos que vêm se expandindo de forma crescente pelo território brasileiro. Nos últimos 50 anos, os planos de desenvolvimento no Brasil estiveram diretamente relacionados à concepção e à implantação de grandes empreendimentos de infraestrutura, como é o caso das hidrelétricas (Bermann, 2007; Vainer, 2007), já que a política de geração de energia elétrica elegeu como alvo principal os recursos hídricos (Alves & Justo, 2011). Além disso, para inserir-se no regime de mundialização, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, utilizou como estratégia a exploração de seus recursos naturais e a exportação de produtos de baixo valor agregado que consomem energia em larga escala, como é o caso do alumínio, do aço, do cimento e do ferro (Movimento dos Atingidos por Barragens [MAB], 2011), processo que resultou no aumento das desigualdades, dos impactos e dos riscos ambientais (Zhouri & Oliveira, 2007).
O Brasil situa-se entre os 24 países que produzem 90% de toda a energia disponível no mundo e é considerado o país com maior potencial hidrelétrico (Agência Nacional de Energia Elétrica [Aneel], 2015). O modelo energético nacional assenta-se na fonte hídrica e, por isso, 79% de toda a energia produzida nacionalmente advêm das mais de duas mil barragens construídas, que, por sua vez, produziram deslocamentos estimados de, no mínimo, um milhão de pessoas (MAB, 2004; Rothman, 2008).
Apesar de serem concebidas como uma alternativa energética limpa, renovável e como sinônimo de desenvolvimento, estão diretamente relacionadas ao sofrimento das populações atingidas, à degradação e às injustiças ambientais (Giongo et al., 2015). As barragens são, indubitavelmente, reflexo da acumulação do capital e de seus interesses, que são impostos a uma determinada classe social sem direito a outra escolha a não ser a de perder suas casas, seus vínculos e suas raízes (Nobrega, 2011). Este é um espaço de conflitos, de luta e de resistências (Delesposte & Magno, 2013) que são expressões cotidianas do atual sistema capitalista, que também se encontra refletido na construção de grandes obras que nada mais são do que a materialização dos interesses do capital.
A produção de trabalhos atrelados à temática da geração de energia e da implantação dos empreendimentos hidrelétricos está relacionada, muitas vezes, somente aos impactos ambientais, excluindo os impactos sociais e aqueles relacionados à saúde. Diante disso, este estudo possui o objetivo de realizar uma revisão sistemática dos artigos produzidos no Brasil nos últimos dez anos (período entre 31 de dezembro de 2006 e 31 de dezembro de 2016) acerca dos grandes empreendimentos hidrelétricos e de seus impactos às populações atingidas direta ou indiretamente por essas obras.
Método
Primeiramente, analisaram-se as bases de dados nacionais capazes de oferecerem resultados consistentes e atualizados no campo das Ciências Humanas e Sociais. Para a busca dos artigos, escolheu-se a Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia (BVS-Psi), que permitiu o acesso aos dados do Index Psi Livros, Index Psi Periódicos Técnico-Científicos, LILACS, PePSIC e Scielo, e a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), que permitiu o acesso às bases CUMED, Coleciona SUS, HISA, MEDLINE, REPIDISCA, LILACS e Desastres. A escolha dessas fontes ocorreu por elas serem consideradas as mais abrangentes entre as disponíveis até o momento e por agregarem canais consistentes de dados científicos. A BVS-Psi faz a indexação de teses, monografias, textos didáticos, entre outros, e permite realizar serviços de comutação e consulta a catálogos de periódicos nacionais. Entretanto, a busca nessa base não permite o filtro por data. A BVS, por sua vez, faz parte da Biblioteca Virtual em Saúde para América Latina e Caribe e oferece o acesso gratuito a artigos, teses, monografias, textos didáticos, entre outros. Na BVS, é possível realizar buscas com filtro de data.
A consulta às bases de dados empreendida para este artigo de revisão se deu no período de setembro de 2016 a março de 2017. As buscas dos artigos nas bases BVS-Psi e BVS foram realizadas através dos descritores "hidrelétricas or barragens", "hidrelétricas and atingidos", "hidrelétricas and danos", "barragens and atingidos" e "barragens and danos". Na sequência, acessaram-se separadamente as fontes secundárias de cada base considerando o período de publicação: Index Psi Periódicos Técnico-Científicos, PePSIC, LILACS e Scielo para a BVS-Psi, e CUMED, Coleciona SUS, HISA, MEDLINE, REPIDISCA, LILACS e Desastres para a BVS. Na BVS, utilizou-se o filtro opcional que busca apenas materiais caracterizados como artigos. Para a inclusão, consideraram-se os seguintes critérios: artigos científicos publicados nos últimos dez anos no Brasil, especificamente entre 31 de dezembro de 2006 e 31 de dezembro de 2016; estudos teóricos; estudos empíricos realizados no Brasil; artigos completos; e estudos que abordassem pelo menos um dos seguintes temas: saúde física, saúde mental, políticas reparatórias e/ou modos de resistência das populações atingidas. Os critérios de exclusão considerados foram: artigos que, embora publicados no Brasil, investigaram hidrelétricas localizadas em outros países; publicações realizadas antes ou depois do período delimitado, ou seja, de 31 de dezembro de 2006 a 31 de dezembro de 2016; estudos que disponibilizavam apenas resumos; estudos sobre temáticas não relacionadas às populações atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos.
Diante dos resultados obtidos nas buscas, realizou-se a leitura dos títulos, dos resumos e dos textos completos. Nesta etapa, eliminaram-se os materiais que não disponibilizavam texto completo, que estavam repetidos entre as bases ou que não possuíam relação com o assunto pesquisado. No total das buscas, identificaram-se 329 trabalhos. Destes, 287 foram eliminados por não pertencerem ao período estipulado, por não abordarem o conteúdo investigado e/ou por estarem repetidos entre as bases. Dessa forma, dos 329 artigos encontrados, 42 foram aproveitados. Um exemplo dos materiais excluídos por assunto é o artigo intitulado "Efeito das cachoeiras e do pulso de inundação na estrutura das assembleias de peixes do Médio Rio Xingu, Amazônia oriental" (Barbosa et al., 2015), que não atende aos critérios de inclusão estipulados para este estudo. Outro exemplo de artigo excluído por assunto é "Modelo condutométrico para determinação da concentração de dióxido de carbono dissolvido no Reservatório Vossoroca, Brasil" (Vasconcelos Segundo & Froehner, 2016), que trata da construção e da aplicação de um modelo condutométrico em Vossoroca, no Brasil, sem abordar a temática das populações atingidas pela construção de hidrelétricas. De modo geral, os materiais excluídos tratavam de diferentes assuntos, como impactos ecológicos e ambientais, danos à biodiversidade local, engenharia e infraestrutura.
Com o intuito de refinar a análise dos 42 materiais aproveitados, criaram-se as seguintes categorias: 1) tipo de publicação e delineamento, na qual se classificou o material como artigo teórico ou empírico; 2) revista de publicação; 3) área de publicação, considerando, em primeiro lugar, a instituição de origem do estudo e, quando ela não estava especificada, a formação do primeiro autor; 4) ano de publicação; 5) temáticas dos objetivos principais, que foram analisadas e organizadas por categorias teóricas de acordo com a frequência de utilização; 6) instrumentos de coleta de dados, obtidos através do detalhamento metodológico dos estudos; e 7) principais resultados dos estudos, identificados através de análise de conteúdo dos estudos empíricos. Essa última categoria foi dividida em quatro subcategorias: danos à saúde; danos à saúde mental; políticas compensatórias; e modos de resistência. A categoria 7 foi analisada qualitativamente, enquanto que as demais categorias foram analisadas quantitativamente de acordo com a frequência que apareceram nos estudos aproveitados.
Análise e discussão dos resultados
Os artigos utilizados para a análise sistemática deste estudo estão especificados em ordem crescente de ano de publicação na Tabela 1.
Diante dessa seleção, serão apresentadas as análises gerais dos artigos conforme as categorias previamente delimitadas.
Tipo de publicação e delineamento
Quanto ao tipo de publicação, identificaram-se 22 artigos teóricos e 20 artigos empíricos. Dentre os artigos teóricos, encontraram-se estudos documentais, bibliográficos e discussões teóricas. Os estudos empíricos, por sua vez, abarcaram pesquisas exploratórias, descritivas, etnográficas e de levantamento. Diante disso, destaca-se que a grande participação dos estudos empíricos contribui na medida em que se levantam dados sobre a real situação das populações atingidas pela construção de hidrelétricas. Por outro lado, as publicações teóricas promovem reflexões importantes sobre a temática no Brasil, suas particularidades, possibilidades e limitações.
Revista de publicação
As três revistas que mais publicaram os artigos utilizados por este estudo foram: Ambiente & Sociedade (nove artigos), Estudos Avançados (cinco artigos) e Sociedade & Natureza (cinco artigos). A revista Ambiente & Sociedade é uma publicação trimestral da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade que possui foco interdisciplinar. A revista Estudos Avançados, por sua vez, publica edições quadrimestrais e está vinculada ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Já a revista Sociedade & Natureza publica temáticas pertinentes ao campo da geografia e áreas afins.
As revistas que publicaram dois artigos foram: Cadernos de Saúde Coletiva; Ciência e Saúde Coletiva; Revista Brasileira de Ciências Sociais; e Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Já as revistas que publicaram um único artigo foram: Psicologia & Sociedade; Organizações & Sociedade; Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana; Revista de Administração Pública; Mercator; Revista Brasileira de Saúde Ocupacional; Serviço Social e Sociedade; Revista Pan-Amazônica de Saúde; Revista Brasileira de Recursos Hídricos; Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology; Boletim de Ciências Geodésicas; Varia História; Tempo Social; Interações (Campo Grande); e Cadernos de Saúde Pública. Diante disso, é possível identificar um vasto campo de oportunidades de publicações em periódicos voltados para as questões de saúde pública, saúde coletiva, saúde mental e serviço social. Esse cenário possivelmente representa a carência de estudos sobre a saúde das populações atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos, bem como a baixa atuação de profissionais da saúde no processo de licenciamento ambiental.
Estudos recentes têm apontado que no decorrer da implantação dos empreendimentos hidrelétricos pouca ou nenhuma atenção tem sido direcionada às questões sociais e de saúde, revelando uma fragilidade na legislação vigente no Brasil e na inserção de equipes multidisciplinares nos estudos de impactos ambientais. Corrobora com este debate as análises realizadas por Silveira e Araújo (2014), sobre o conteúdo exposto na Lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente) e na Resolução nº. 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama, 1986), que claramente negligencia as "questões relacionadas à saúde humana, durante os processos de licenciamento de grandes projetos de desenvolvimento" (Conama, 1986, p.3830). Na prática, apesar de as resoluções Conama 1/86 e 237/97 atribuírem aos órgãos ambientais o direito de cancelar ou suspender uma licença ambiental em função dos riscos socioambientais, os relatórios e as análises exigidas formalmente avaliam apenas os impactos diretos ao meio ambiente, na medida em que os danos à saúde são vistos como resultado indireto dos impactos ambientais (Barbosa, Barata, & Hacon, 2012). Alguns aspectos contribuem para essas fragilidades, como a baixa participação dos órgãos da saúde no processo de licenciamento ambiental, a ausência de uma ferramenta e de critérios específicos para a avaliação dos impactos na saúde, a exigência da participação e avaliação do setor de saúde direcionada apenas para algumas regiões do Brasil, além das pressões sofridas para a rápida liberação das obras. Esses aspectos demonstram que as questões relacionadas à saúde e às populações atingidas pelos empreendimentos ainda são secundárias e incapazes de serem condicionantes ao licenciamento ambiental (Silveira & Araújo, 2014).
Área de publicação
A área que mais realiza publicações é a geografia (oito artigos), seguida por medicina (cinco artigos), engenharia (cinco artigos), sociologia (cinco artigos), psicologia (quatro artigos) e ciências sociais (quatro artigos). Posteriormente, encontram-se os campos da ecologia e recursos naturais e ambiente e sociedade com dois artigos em cada área. As áreas com apenas um estudo publicado foram: antropologia, biologia, saúde pública, ciência política, história, planejamento e gestão do território e ciências da saúde.
Ano de publicação dos estudos
A distribuição dos estudos por período indica que o ano de 2012 obteve o maior registro de publicações, com sete artigos, seguido pelo ano de 2016, quando foram publicados seis artigos. Os demais anos analisados mantiveram uma média de três artigos.
Temáticas dos objetivos principais
A análise dos objetivos principais dos estudos mostrou que as categorias teóricas mais investigadas são as seguintes: conflito ambiental, violência e movimentos sociais (11 artigos); impactos à saúde e à qualidade de vida (nove artigos); política, desenvolvimento e exploração da água (oito artigos) e danos e transformações sociais, territoriais e ambientais (seis artigos). Os temas deslocamento compulsório e identidade e licenciamento ambiental contaram com a publicação de dois artigos cada, enquanto as temáticas conceito de atingido, política energética nacional e indenizações, escoamento de barragens e participação popular e sustentabilidade contaram com apenas uma publicação. Diante disso, percebe-se que, por um lado, a maioria dos estudos revela o processo violento e violador dos direitos humanos através do qual os empreendimentos hidrelétricos têm sido implantando no Brasil, e, por outro, evidencia-se uma carência em estudos que possam apontar caminhos legais e políticas públicas concretas para a transformação desse cenário.
Instrumentos de coleta de dados
Dentre os 20 estudos empíricos, predominaram as metodologias qualitativas (16 artigos), seguidas pelas metodologias quantitativas (três artigos) e, na sequência, pela abordagem mista (um artigo). Nesse contexto, grande parte dos estudos fez uso de mais de um instrumento de coleta de dados, comumente triangulando dados provenientes de análise documental, entrevistas e observações. Os principais instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram entrevistas, observações, análise documental e registros fotográficos. Frente aos dados apresentados, observa-se a carência de estudos longitudinais, quantitativos e que abrangessem mais de um empreendimento hidrelétrico. Tal investigação poderia ser viabilizada através da mobilização de pesquisadores em diversos estados brasileiros, possibilitando um olhar ampliado sobre a construção de hidrelétricas e os danos às populações atingidas. Destaca-se, ainda, que os estudos analisados possuem uma forte tendência descritiva, abrindo espaço para investigações de cunho interventivo.
Principais resultados dos estudos
A análise dos principais resultados apresentados nos estudos foi dividida em quatro eixos temáticos: danos à saúde; danos à saúde mental; estratégias de reparação/políticas compensatórias; e modos de resistência.
Os artigos que abordaram aspectos relacionados aos danos à saúde das populações atingidas pela construção de hidrelétricas destacaram o aumento de doenças transmissíveis entre os atingidos por barragens, como a malária e a esquistossomose. A propagação de animais que transmitem doenças também aumentou nesses lugares. Além disso, doenças sexualmente transmissíveis aparecem, além de enfermidades causadas pela falta de saneamento básico. Em dois artigos, a intoxicação foi encontrada como uma das doenças disseminadas nas áreas de construção de hidrelétricas. Ademais, em um dos artigos são citados ferimentos causados pelo confronto com a polícia nos casos de manifestações dos movimentos sociais que foram violentamente reprimidos.
Com relação aos danos à saúde mental das populações atingidas, o suicídio aparece em três artigos. Além disso, questões de ansiedade, pauperização, alcoolismo e abuso de drogas, invisibilidade, depressão, estresse, desigualdade de gênero, marginalização social e violência – inclusive a violência policial, havendo, até mesmo, relatos de desaparecimento de pessoas e prisão de líderes de movimentos sociais. Dentre os aspectos relacionados aos danos à saúde mental estão os deslocamentos forçados, pois, apesar de serem oferecidos acessos aos serviços como supermercados, igreja, hospital, saneamento básico, entre outros, as populações sofrem pela perda de sua cultura e território originais, lembrando com saudosismo do rio. Estes espaços de vida, trabalho e cultura eram fontes de subsistência a partir da pesca, mas também tinham uma conotação histórica e cultural para aqueles que viviam no seu entorno. Histórias eram contadas sobre o rio, que também era lugar de encontro e de socialização dos moradores. Ainda sobre a saúde cabe destacar a carência de estudos que integram a perspectiva da saúde do trabalhador ou que considerem as interfaces entre saúde física e saúde mental.
Quanto às estratégias de reparação/políticas compensatórias frente aos impactos provocados pela construção da barragem hidrelétrica, os reassentamentos foram um dos pontos mais ressaltados nos artigos. Entretanto, em vários estudos analisados, as estratégias de reparação ou políticas compensatórias foram criticadas por serem ineficientes ou por não estarem funcionando como deveriam. Em um dos artigos, menciona-se que os reassentamentos ocorrem em espaços geograficamente distantes daqueles onde as pessoas viviam originalmente, o que demanda novas formas de subsistência e de agricultura, resultando em um grande impacto na vida da população atingida. Além disso, as estruturas de vida e as relações sociais que existiam antes da construção da hidrelétrica não são recuperadas. A população, na maioria das vezes, não possui a oportunidade de participar das decisões sobre os seus próprios destinos, que são tomadas por outras pessoas. Em casos em que houve indenização, esta foi ineficaz. Critica-se, em um dos artigos, o fato de que os reassentamentos recuperam (quase nunca totalmente) o espaço físico, ignorando os outros inúmeros aspectos de vida da população atingida.
No que se refere aos modos de resistência das populações atingidas, o MAB aparece com frequência em alguns desses artigos, bem como as ocupações, os movimentos sociais, os protestos e o apoio das Organizações Não Governamentais (ONGs). A violência policial é um fator que ganha destaque em alguns dos artigos. Movimentos sociais são violentamente reprimidos e existem casos, inclusive, de desaparecimento e morte de líderes políticos. Cabe destacar que são esses movimentos sociais que buscam denunciar os impactos ambientais e sociais que surgem com a construção de hidrelétricas.
Cabe destacar que a análise dos resultados dos artigos selecionados corrobora com estudos e debates recentes desenvolvidos por Bermann (2007), Vainer (2007), Zhouri e Oliveira (2007), Karpinski (2008), Delesposte e Magno (2013), Giongo et al. (2015) entre diversos outros, apontando para a urgente construção de políticas públicas no campo da proteção e promoção dos direitos humanos das populações atingidas pela construção de hidrelétricas no Brasil.
Considerações finais
Os resultados encontrados apontaram que existe uma equidade entre os artigos teóricos e empíricos e que as revistas com maior número de publicações estão vinculadas às áreas interdisciplinares da geografia, do meio ambiente e da sociologia. Similarmente, a área do conhecimento com maior número de publicações foi a geografia, o ano com maior número de publicação foi 2012 e os temas mais investigados nesse campo foram conflito ambiental, violência e movimentos sociais. Quanto aos principais resultados apresentados pelos estudos selecionados, identificou-se um declínio geral nas condições de saúde física e mental, a implantação de políticas reparatórias insuficientes e o papel do MAB enquanto estratégia de resistência social e política. Através deste estudo, concluiu-se que, apesar dos danos causados pelos empreendimentos hidrelétricos no Brasil e das evidências dos prejuízos e das injustiças sociais e ambientais causadas às populações atingidas, a participação da psicologia e das ciências humanas nos estudos publicados é baixa e poderia assumir maior expressividade.
Referências
Agência Nacional de Energia Elétrica. (2015). Energia Hidráulica. Aneel. Recuperado em: 10 abril de 2017, de <http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par2_cap3.pdf> [ Links ].
Alves, A. D., & Justo, J. S. (2011). Espaço e subjetividade: estudo com ribeirinhos. Psicologia & Sociedade, 23, 181-189. [ Links ]
Barbosa, E. M., Barata, M. M. de L., & Hacon, S. de S. (2012). A saúde no licenciamento ambiental: uma proposta metodológica para a avaliação dos impactos da indústria de petróleo e gás. Ciência & Saúde Coletiva, 17(2), 299-310. [ Links ]
Barbosa, T. A. P., Benone, N. L., Begot, T. O. R., Gonçalves, A., Sousa, L., Giarrizzo, T., & Montag, L. F. D. A. (2015). Effect of waterfalls and the flood pulse on the structure of fish assemblages of the middle Xingu River in the eastern Amazon basin. Brazilian Journal of Biology, 75(3), 78-94. [ Links ]
Bermann, C. (2007). Impasses e controvérsias da hidroeletricidade. Estudos Avançados, 21(59), 139-153. [ Links ]
Conama (1986). Resolução Nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Recuperado em: 10 abril de 2017, de <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html> [ Links ].
Delesposte, A. G., & Magno, L. (2013). "Ocupar de novo para defender o que é nosso": a histórica resistência às barragens da comunidade rural Casa Nova, Guaraciaba-MG. Sociedade & Natureza, 25(2), 267-289. [ Links ]
Giongo, C. R., Mendes, J. M. R., & Santos, F. K. (2015). Desenvolvimento, saúde e meio ambiente: contradições na construção de hidrelétricas. Serviço Social & Sociedade, 123, 501-522. [ Links ]
Karpinski, C. (2008). Hidrelétricas e legislação ambiental brasileira nas décadas de 1980-90. Revista Percursos, 9(2), 71-84. Recuperado em: 10 abril de 2017, de <www.periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/download/1557/1463> [ Links ].
Movimento dos Atingidos por Barragens. (2004). Ditadura contra as populações atingidas por barragens aumenta a pobreza do povo brasileiro. MAB. Recuperado em: 10 abril de 2017, de <http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/DitaduracontrapopulacoesatingidasporBarragens.pdf> [ Links ].
Movimento dos Atingidos por Barragens. (2011). História do MAB: 20 anos de organização, lutas e conquistas. MAB. Recuperado em: 10 abril de 2017, de <http://www.mabnacional.org.br/historia> [ Links ].
Nobrega, R. da S. (2011) Os atingidos por barragem: refugiados de uma guerra desconhecida. REMHU – Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 19(36), 125-143.
Rothman, F. D. (2008). Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa: Ed. UFV. [ Links ]
Santos, M. C. dos (2015). O conceito de "atingido" por barragens: direitos humanos e cidadania. Revista Direitos e Praxis, 6(11), 113-140. [ Links ]
Silveira, M., & Araújo, M. D. de, Neto (2014). Licenciamento ambiental de grandes empreendimentos: conexão possível entre saúde e meio ambiente. Ciência & Saúde Coletiva, 19(9), 3829-3838. [ Links ]
Vainer, C. B. (2007). Recursos Hidráulicos: questões sociais e ambientais. Estudos Avançados, 21(59), 119-137. [ Links ]
Vasconcelos Segundo, E. H. de, & Froehner, S. J. (2016). Modelo condutométrico para determinação da concentração de dióxido de carbono dissolvido no Reservatório Vossoroca, Brasil. Engenharia Sanitária e Ambiental, 21(3), 479-487. [ Links ]
Zhouri, A., & Oliveira, R. (2007). Desenvolvimento, conflitos sociais e violência no Brasil rural: o caso das usinas hidrelétricas. Ambiente & Sociedade, 10(2), 119-135. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: fernandaefb@hotmail.com
Recebido em março de 2018
Aprovado em setembro de 2018
1 Fernanda Escobar Fernandes Barbosa – Estudante do curso de Serviço Social. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600 – Térreo – CEP: 90035-003. Contato (55) 51 3308.2925.
2 Carmem Regina Giongo – Pós-Doutoranda em Psicologia Social e Institucional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600 – Térreo – CEP: 90035-003. Contato (55) 51 3308.2925. E-mail: ca.aiesec@gmail.com
3 Jussara Maria Rosa Mendes – Professora no Programa de Pós Graduação em Psicologia Social e Institucional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600 – Térreo – CEP: 90035-003. Contato (55) 51 3308.2925.