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Estudos de Psicologia (Natal)

Print version ISSN 1413-294XOn-line version ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.25 no.1 Natal Jan./Mar. 2020

https://doi.org/10.22491/1678-4669.20200006 

10.22491/1678–4669.20200006

PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

 

Contexto de trabalho e custo humano na pós–graduação stricto sensu no estado do Ceará

 

Context of work and human cost in post–graduation stricto sensu in the state of Ceará

 

Contexto de trabajo y costo humano en la post–graduación stricto sensu en el estado del Ceará

 

 

Regina Heloisa Mattei de Oliveira MacielI; Sílvia Fernandes do ValeII; Tereza Glaucia Rocha MatosIII; Marcizo Veimar Cordeiro Viana FilhoIV

IUniversidade de Fortaleza
IISecretaria Municipal de Educação de Mossoró
IIIUniversidade de Fortaleza
IVFaculdade do Maciço de Baturité

 

 


RESUMO

A implantação de inovações na pós–graduação stricto sensu, pautada em uma forma de gestão que envolve avaliações institucionais e individuais objetivistas pode resultar em situações de trabalho exigentes que podem levar ao adoecimento dos docentes/pesquisadores. O objetivo da pesquisa foi analisar o contexto de trabalho dos professores da pós–graduação stricto sensu no estado do Ceará e seu custo humano. Participaram 238 professores vinculados a programas de pós–graduação de áreas e universidades diversas. Foram utilizadas as Escalas de Avaliação de Contexto e de Custo Humano no Trabalho do Inventário sobre o Trabalho e Riscos de Adoecimento. Os resultados mostraram que dos seis fatores que compõem as duas escalas, cinco foram avaliados de forma moderada/crítica e apenas um como satisfatório. Assim, as avaliações dos docentes parecem indicar que o trabalho na pós–graduação apresenta características que, de fato, podem levar ao adoecimento. É possível que esses riscos estejam relacionados à introdução da lógica gerencialista na avaliação da pós–graduação brasileira que, modifica o trabalho, seu sentido e a subjetividade dos docentes.

Palavras–chave: pós–graduação; trabalho docente; contexto de trabalho; custo humano.


ABSTRACT

The implementation of innovations in stricto sensu post–graduation courses, based on a management that involves objectivist institutional and individual evaluations may lead to demanding working situations that can make professors/researchers get sick. The aim of this research was to analyze the work context of post–graduation professors in Ceará (Brazil) and its human cost. A total of 238 professors that are part of different programs and universities took part in the research. The assessment scales of Context and Human Cost in the Workplace from the Workplace and Risks of Sickening Inventory were used. The results showed that five out six factors that constitute the two scales were evaluated as moderate/critical and only one was satisfactory. Thus, the professors' evaluations seem to indicate that the work in post–graduation courses may, in fact, lead to sickening. It is possible that these risks are related to the introduction of the managerialism logic in the Brazilian post–graduation evaluation, that modifies the work, its meaning and the professors' subjectivities.

Keywords: postgraduate studies; teaching work; work context; human cost.


RESUMEN

La implementación de innovaciones en el postgrado stricto sensu, basada en una forma de gestión que implique en evaluaciones institucionales e individuales objetivistas puede dar lugar a situaciones laborales exigentes y conducir a la enfermedad de los profesores/investigadores. El objetivo de esta investigación fue analizar el contexto laboral y su costo humano en los profesores de postgrado stricto sensu en el estado de Ceará. Los participantes fueron 238 profesores vinculados a programas de posgrado en diferentes áreas y universidades. Utilizamos las escalas de evaluación del contexto de trabajo y la de costos humanos en el trabajo del inventario sobre el trabajo y los riesgos de enfermarse. Los resultados mostraron que de los seis factores que componen las dos escalas, cinco fueron evaluados de manera moderada/crítica y sólo uno como satisfactorio. Por lo tanto, las evaluaciones de los profesores parecen indicar que el trabajo en los programas de posgrado presenta características que, de hecho, puede conducir a enfermedades laborales. Es posible que estos riesgos estén relacionados con la introducción de la lógica gerencial en la evaluación del postgrado brasileño que modifica el trabajo, su significado y la subjetividad de los profesores.

Palabras clave: postgrado; trabajo docente; contexto de trabajo; costo humano.


 

 

A pós–graduação stricto sensu é o lócus de uma formação de pessoal extremamente qualificado e com importância estratégica para o desenvolvimento do país. O trabalho docente nesse tipo de pós–graduação, embora tenha se mantido inalterado em termos de seu propósito básico: a formação de recursos humanos para a pesquisa e docência e produção de conhecimento, sofreu mudanças profundas na forma de gestão e supervisão dos programas de pós–graduação strictu sensu, trazidas por uma mudança de paradigma que se iniciou nos anos de 1990. É nesse período que a avaliação das pós–graduações brasileiras passa a pender menos para a formação de docentes e a focalizar, primordialmente, a produção de conhecimento e sua divulgação (Patrus, Dantas, & Shigaki, 2015).

A Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Profissionais de Nível Superior (CAPES), agência governamental que regulamenta a pós–graduação brasileira, modificou efetivamente sua forma de avaliação em 1996/1997. As mudanças implantadas seguiram uma tendência mundial que se iniciou nos anos 1950 nos Estados Unidos, estabelecendo regras baseadas no chamado "produtivismo acadêmico" (Patrus et al., 2015). Entende–se por produtivismo acadêmico um tipo de avaliação quantitativa dos docentes e pesquisadores de acordo com o que eles publicam em um determinado período (Kuhlmann, 2015), "se caracteriza pela excessiva valorização da quantidade da produção acadêmica, tendendo a desconsiderar a sua qualidade" (Patrus et al., 2015, p.2).

Assim, no atual contexto dos programas, o docente/pesquisador tem de cumprir uma série de exigências que, mesmo relacionadas ao propósito básico da pós–graduação, passam a possuir um caráter mais objetivista (Ruza & Pinto, 2016). A proposta de avaliação envolveu a criação de várias plataformas e sistemas. Entre eles a criação e implantação da Plataforma Lattes, em que o pesquisador deve inscrever seu currículo e atualizá–lo periodicamente; do Coleta CAPES, sistema de coleta de dados sobre os programas de pós–graduação, também baseado na produção de cada docente, recentemente substituído pela Plataforma Sucupira; o Qualis Capes, sistema de avaliação de revistas científicas e, mais recentemente, o Quali livros.

A quantificação da produção docente passa, em primeiro lugar, pelo número de artigos publicados, pontuados de acordo com índices que representam a qualidade das revistas científicas em que foram publicados e, secundariamente, pelas outras atividades que o docente/pesquisador deve realizar: disciplinas ministradas, número de alunos orientados em suas teses e dissertações e sua qualidade, participação em eventos científicos, apresentações em congressos e participação em atividades de extensão, bem como o que se convencionou chamar de "inserção social", significando atividades voltadas ao público em geral com a ideia de disseminação e aplicação do conhecimento produzido (Lara, Quartiero, & Bianchetti, 2019; Vosgerau, Orlando, & Meyer, 2017).

Esse sistema é visto de forma diferente pelos pesquisadores. Há um grupo que considera o sistema positivo, argumentando que ele se constitui em um estímulo à produção científica e seus parâmetros são claros e objetivos. O segundo grupo acredita que se trata de um erro da política educacional, uma vez que a pressão por produção leva à divulgação de resultados incompletos e atrapalha o processo de reflexão na busca por novos conhecimentos relevantes. Há ainda um terceiro grupo que assume uma posição no meio do caminho, reconhecendo a necessidade da divulgação do conhecimento produzido por meio de publicações, mas denunciando os vícios do sistema (Patrus et al., 2015) como, por exemplo, a chamada "salami science" (ciência salame), em que o docente/pesquisador busca publicar o maior número de artigos possíveis, utilizando o mesmo conjunto de dados obtidos em uma única pesquisa. Vale salientar que o sistema de avaliação é responsável indireto pela distribuição de verbas e bolsas de pesquisa tanto para os programas de pós–graduação quanto para os pesquisadores.

Nesse sentido, quanto à natureza e os objetivos da pós–graduação, a pesquisa assume a posição central no projeto educacional no modelo de avaliação da CAPES, com efeitos negativos e positivos (Castro, 2012). Moraes e Oliveira (2016) entendem que o país ganhou maior robustez na área de Produção & Desenvolvimento (P&D) e um impulso em Conhecimento, Tecnologia e Inovação (CT&I) sem precedentes na sua história. Isso se traduziu na criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e nos grandes investimentos em bolsas e auxílios à pesquisa, mas pode ter efeitos negativos no que diz respeito ao tipo de disseminação e publicação dos resultados de pesquisas, bem como promover ingerências indevidas sobre o tipo de conhecimento produzido: pesquisa–se o que é mais rápido e fácil de publicar.

As atuais tendências e demandas da pós–graduação seguem três eixos principais: (1) a questão dos paradigmas científicos, (2) a implantação e implementação de uma lógica gerencialista no ensino superior e (3) a internacionalização da pós–graduação. O primeiro tem a ver com os modos de produção do conhecimento científico e tecnológico nas diferentes áreas. Um modo é o denominado acadêmico, impulsionado pelo pesquisador, baseado em disciplinas e nos seus interesses acadêmicos. Nesse caso, a produção do conhecimento segue um padrão linear da ciência básica à sua aplicação, e é o modelo mais tradicional. O outro modo é o contextualizado, focado em problemas interdisciplinares, a chamada ciência aplicada, em que os interesses de pesquisa são determinados externamente ao pesquisador e ligados a problemas práticos (Castro, 2012). A implantação da lógica gerencialista na educação superior é o que tem levado a pós–graduação a uma gestão baseada em metas de produção onde a qualidade fica em segundo plano e deve ser entendida no contexto de mudanças no próprio estado brasileiro na adoção do modelo neoliberal. Essa cultura, impregnada pela ideologia da excelência, atravessa o cotidiano docente e imprime uma busca infindável por um padrão de sucesso sempre mutável e pela necessidade contínua de superação do outro e de si mesmo (Ribeiro & Leda, 2016). A internacionalização apresenta–se como o terceiro grande eixo, levando os profissionais a buscarem parcerias com pesquisadores de universidades no exterior para a formação de redes de pesquisa. Essas mudanças podem ser vistas como uma adequação ao pensamento neoliberal que acabaram forjando transformações sistêmicas no modus operandi da pesquisa e na organização da ciência brasileira e têm impactado o ensino superior globalmente (Ramos, 2017).

Rego (2014) faz severas críticas à política de avaliação, ressaltando os impactos negativos que podem recair sobre os pesquisadores, universidades e revistas científicas. Essas consequências vão desde o clima de rivalidade instalado entre os pesquisadores, a qualidade do que é pesquisado e publicado, bem como sobre os destinos dos periódicos científicos e do conhecimento produzido na sua dimensão social.

Os principais atores que sofrem os efeitos da consolidação das mudanças ocorridas no contexto de trabalho da pós–graduação a partir dos anos 1990 são os professores/pesquisadores. Moraes e Oliveira (2016) afirmam que a produção científica se tornou uma "questão de estado", principalmente, devido à necessidade de aumento da competitividade empresarial, da inserção do país no cenário da globalização produtiva, da consolidação da pós–graduação e da criação dos fundos setoriais para pesquisa, de certo modo, subordinando a produção de conhecimento aos ditames do capital.

O problema que se coloca aqui não é a produção do conhecimento científico em si. A questão é que se, por um lado, as mudanças na pós–graduação têm sido significativas e positivas para o país, por outro, pouco se sabe sobre os impactos das transformações sobre o contexto de trabalho e a que custo humano os avanços na pós–graduação podem ser celebrados.

O produtivismo acaba por ter consequências negativas sobre o trabalho, vida e produção do professor, uma vez que influencia as atividades desenvolvidas pelos professores–pesquisadores junto aos programas de pós–graduação (Sguissardi & Silva, 2009). Os docentes assumem múltiplos papéis nas instituições, o que, em conjunto com as exigências por publicações, resulta em um sentimento de angústia, tendo em vista que o tempo necessário para desempenhar essas atividades acaba por ocupar não apenas o espaço de tempo laboral, mas outras esferas da vida social do docente (Correa & Lourenço, 2016).

Maraschin e Sato (2013) destacam que o avanço do sistema de avaliação da pós–graduação, especialmente as mudanças relacionadas ao modo de trabalho, exige que o professor inverta algumas prioridades para atingir as metas e objetivos propostos. As autoras alertam para as consequências físicas, sociais e psicológicas do trabalho, dada as demandas e metas colocadas para os professores e universidades. Em nível institucional, por exemplo, pode–se destacar a desvalorização da graduação e o desatrelamento da tríade pesquisa–ensino–extensão. Além do plano ético no qual plágio, terceirização do trabalho e fraudes são incrementados.

Hoffmann, Zanini, Moura, Costa e Comorreto (2017), em um estudo sobre os riscos de adoecimento no magistério superior, encontraram associações entre esgotamento profissional e custo cognitivo do trabalho e a organização do trabalho e relações socioprofissionais. Afirmam que a sobrecarga de trabalho a que esses profissionais estão submetidos, seja por razões da legislação federal que lhes impõem parâmetros de avaliação, seja pelas mudanças ocorridas na relação entre produção de conhecimento e tecnologia, levam ao produtivismo desenfreado. Dessa forma, os profissionais podem estar expostos a diferentes graus de riscos de adoecimento.

Dada a importância do contexto de trabalho como origem do possível adoecimento docente, esta pesquisa tem por base teórico–conceitual a ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho. A ergonomia nasceu do diálogo de diferentes campos científicos e busca adaptar o trabalho ao homem, opondo–se à adaptação do homem à sua profissão (Wisner, 2004). A ergonomia da atividade, surgida na França, esteve articulada com o movimento operário europeu, buscando transformar as situações de trabalho e tentando atender a demandas sindicais na perspectiva de assegurar a saúde dos trabalhadores e de promover a melhoria nas condições de trabalho (Ferreira, Almeida, & Guimarães, 2013). Os fundamentos teóricos da ergonomia da atividade envolvem o próprio objeto, as estratégias individuais e coletivas, as concepções de ser humano, os ambientes de trabalho e o custo humano envolvido no trabalho.

O objeto é, em um sentido amplo, o trabalho humano. Entende–se o trabalho como um produto de uma ação individual e coletiva, um objeto complexo e multidimensional que não pode ser abarcado e compreendido por uma única disciplina (Ferreira et al., 2013; Wisner, 2004). O trabalho é um mediador da relação indivíduo e sociedade, é um processo dinâmico e possui um fim. Nesse processo, ocorre a interação do trabalhador/operador/agente com seu ambiente e, nessa interação, ocorre uma transformação recíproca do ser humano e do ambiente. O trabalho, assim entendido, pode ser fonte de constrangimentos e, ao mesmo tempo, de elos sociais essenciais para a realização do ser humano em sociedade. Os constrangimentos e as estratégias individuais e coletivas podem ter um custo elevado para o trabalhador e provocar adoecimentos.

Na psicodinâmica do trabalho (Dejours, 2007, 2010, 2017), a atividade é definida no "espaço" existente entre o que é prescrito e o que é real (Ferreira et al., 2013). A partir das questões oriundas desse espaço, emergem as estratégias individuais e coletivas, que são as respostas dos trabalhadores à situação de trabalho. Nessa abordagem, o ser humano é considerado um sujeito ativo que pensa sua relação com o trabalho, interpreta as situações e as condições nas quais se insere, reage e organiza–se cognitiva, afetiva e fisicamente em resposta a essas situações/condições.

Baseados nas ideias da ergonomia da atividade e psicodinâmica do trabalho, Ferreira et al. (2013) desenvolveram o Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). No inventário, o contexto de trabalho é composto por três dimensões, a saber: as condições de trabalho (CT), caracterizada pela infraestrutura, o apoio institucional e as práticas administrativas; as relações socioprofissionais (RS), caracterizadas pelas relações hierárquicas, interações coletivas com membros da equipe e de outros grupos de trabalho e relações externas com consumidores e; a organização do trabalho (OT), constituída pelos elementos prescritos que expressam as concepções e práticas de gestão de pessoas e do trabalho (a natureza da tarefa, as regras formais e informais, o ritmo e a produtividade esperados) (Ferreira et al., 2013).

Entende–se por Custo Humano do Trabalho (CHT) o que é dispendido pelos trabalhadores individual e coletivamente face as contradições existentes no contexto de produção que obstaculizam (custo negativo) e desafiam (custo positivo) a inteligência dos trabalhadores (Ferreira & Mendes, 2003). Esse dispêndio e exigências são compostos por três modalidades interdependentes: física (esforço corporal, dispêndios fisiológicos e biomecânicos exigidos pela atividade), cognitiva (dispêndio mental, resolução de problemas e aprendizagem necessária à realização das tarefas) e afetiva (dispêndio emocional, reações afetivas, sentimentos e estado de humor). Esses aspectos estão sempre presentes, mas em determinadas atividades, pode haver o predomínio de uma sobre as demais (Ferreira et al., 2013).

Estudos sobre o contexto de trabalho e custo humano são relevantes, uma vez que o contexto influencia as emoções, o humor e os afetos do trabalhador, o que pode facilitar ou dificultar as interações sociais e o desenvolvimento de um clima propício ao bem–estar no trabalho. Já um custo humano alto pode gerar problemas de adoecimento. O ambiente de trabalho é entendido como o contexto de produção de bens e serviços. Ele é o ambiente sociotécnico no qual se realiza a atividade de trabalho, sendo o lócus material, organizacional e social onde operam a atividade de trabalho e as estratégias individual e coletiva de mediação utilizada pelos trabalhadores na interação com a realidade de trabalho (Ferreira & Mendes, 2003). Para lidar com o custo humano do trabalho, os trabalhadores desenvolvem estratégias de mediação individuais e coletivas, definidas por Mendes (2007) como regras construídas e conduzidas pelos trabalhadores para que possam suportar o sofrimento sem adoecer, normalmente marcadas por sutileza, engenhosidade, diversidade e inventividade. Caso essas estratégias sejam ineficazes, os trabalhadores podem vivenciar sofrimento e, até mesmo, adoecer (Antloga, Maia, Cunha, & Juliana, 2014).

O quadro de tendências da pós–graduação strictu sensu e as modificações implantadas na avaliação de docentes/pesquisadores e programas, leva a questionar como se caracteriza o atual contexto de trabalho na pós–graduaçãoe qual o custo humano para os docentes. Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar o contexto de trabalho e o custo humano em professores de programas de pós–graduação strictu sensu, especificamente do estado do Ceará.

 

Método

Participantes

A população pesquisada insere–se em cursos e programas de pós–graduação stricto sensu no estado do Ceará. Foram excluídos da pesquisa as faculdades, centros universitários e institutos federais de ciência e tecnologia. O motivo de tal exclusão deu–se pelo fato de que tais organizações acadêmicas, em linhas gerais, não realizam pesquisas institucionalizadas, com algumas exceções. Além disso, as universidades ainda são responsáveis pela maior parte dos cursos e programas de pós–graduação no Brasil. De acordo com a Plataforma Sucupira, em 2017 (junho a agosto), existiam 137 cursos e/ou programas desse tipo no estado, com a atuação de 2.331 docentes.

Os participantes foram 238 professores (cerca de 10% da população) vinculados a cursos e/ou programas de pós–graduação stricto sensu que atuavam há pelo menos um ano na educação superior e exerciam atividades na graduação e pós–graduação stricto sensu em Instituições de Ensino Superior do estado do Ceará. Os professores participantes possuíam idade média de 48,97 anos (DP = 10,40 anos), sendo que 57,14% do grupo eram do sexo masculino e 77,31% casados. Quanto à formação acadêmica, 51,68% possuíam doutorado e 47,06%, além de serem doutores possuíam pós–doutorado. Apenas 1,26% dos participantes disseram possuir apenas o título de mestre. O que, de certa forma, é surpreendente e isso se deve ao fato de terem sido entrevistados também professores dos mestrados profissionais, onde é permitida uma porcentagem pequena de mestres, desde que tenham uma boa experiência no mercado. A média de tempo de serviço na atual instituição de ensino superior era de 15,50 anos (DP = 10,04), sendo que 24,37% trabalhavam na instituição entre 16 e 26 anos. Os dados socioprofissionais dos participantes são apresentados na tabela 1.

 

 

Instrumentos

Como instrumento foi utilizado um questionário socioprofissional com questões relacionadas a sexo, idade, estado civil, tipo de instituição (pública ou privada), titulação (mestrado, doutorado ou pós–doutorado), modalidade do programa (acadêmico ou profissional), tempo de serviço na atual instituição e carga horária semanal. Além desse questionário o instrumento continha duas escalas pertencentes ao ITRA. O ITRA é composto de quatro escalas, sendo elas: Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT), Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST) e Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT) (Ferreira & Mendes, 2003). Em função do objetivo da pesquisa, foram utilizadas apenas a EACT e a ECHT. As respostas aos itens das escalas se referem à frequência de ocorrência da afirmativa e são do tipo Likert de cinco pontos, tendo como extremidades: "1" (nunca ocorre) e "5" (sempre ocorre).

A EACT é composta por 31 itens, dividida em três fatores: Organização do Trabalho (OT, 11 itens) que avalia a divisão e conteúdo das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho; Relações Socioprofissionais (RP, 10 itens) que expressam os modos de gestão do trabalho, comunicação e interação profissional e; Condição de Trabalho (CT, 10 itens), que avalia a qualidade do ambiente físico, posto de trabalho, equipamentos e materiais disponibilizados para a execução do trabalho. No estudo original, os fatores dessa escala apresentaram boa consistência interna com Alfas de Cronbach acima de 0,75 (Ferreira & Mendes, 2003).

A ECHT, por sua vez, é composta por 32 itens, dividida em três fatores: Custo Afetivo (CA, 12 itens) que avalia o dispêndio emocional, sob a forma de reações afetivas, sentimentos e de estados de humor; Custo Cognitivo (CG, 10 itens), que abrange o dispêndio intelectual para aprendizagem, resolução de problemas e tomada de decisão no trabalho e; Custo Físico (CF, 10 itens), definido como dispêndio fisiológico e biomecânico imposto ao trabalhador pelas características do contexto de produção. Os fatores dessa escala no estudo original apresentaram Alfas de Cronbach acima de 0,84 (Ferreira & Mendes, 2003).

Foram considerados os seguintes critérios de avaliação na EACT e na ECHT: acima de 3,70 a avaliação foi considerada negativa/grave; entre 2,30 e 3,69, moderada/crítica e; abaixo de 2,29, positiva/satisfatória (Mendes & Ferreira, 2008).

Procedimentos

Todos os professores foram convidados a participar da pesquisa por meio de um e–mail que explicava os objetivos e a importância da participação e fornecia um link para uma página na internet de domínio privado, para quem desejasse participar. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o instrumento (questionário socioprofissional e as duas escalas) ficaram disponibilizados durante quatro meses do ano de 2017 na ferramenta Google Drive.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Fortaleza – UNIFOR (Parecer nº 2.066.532) e foi desenvolvida com base nos preceitos instituídos pela resolução 466/2012.

Análise dos Dados

Os dados foram analisados com o auxílio do programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22,para Windows. Foram realizadas análises estatísticas descritivas das escalas e dos dados socioprofissionais. Foram computados testes "t" e análises de variância (ANOVA) para a verificação das relações entre as escalas e as variáveis socioprofissionais. No caso das análises de variância, foram computadas, também, as diferenças entre os grupos pelo teste de Bonferroni.

 

Resultados

A tabela 2 mostra as análises resultantes das estatísticas descritivas de cada escala e seus respectivos fatores.

 

 

A média geral da EACT indicou uma avaliação do contexto de trabalho moderada/crítica (M = 2,76; DP = 0,58). Conforme a avaliação dos professores, o seu contexto de trabalho foi considerado moderado/crítico nos três fatores, mas se mostrou ligeiramente mais crítica no fator Organização do Trabalho. A média do fator OT foi 3,23 (DP = 0,59), situando–se na faixa de avaliação moderada/crítica. O segundo fator, Condições de Trabalho, também foi considerado moderado/crítico (M = 2,59; DP = 1,01), embora alguns itens tenham sido avaliados satisfatoriamente. No fator Relações Socioprofissionais, a avaliação foi moderada/crítica, tendo obtido a média de 2,42 (DP = 0,68), a menor média dos três fatores da EACT.

A Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT), composta por três fatores: custo cognitivo, afetivo e físico, apresentou uma avaliação geral moderada/crítica (M = 2,71; DP = 0,66). O fator Custo Cognitivo destacou–se negativamente, pois foi pontuado com a média mais elevada (M = 3,80; DP = 0,86) em relação aos demais fatores. O Custo Afetivo apresentou uma avaliação de moderada/crítica (M = 2,34; DP = 0,82) e, por fim, o fator Custo Físico foi avaliado como satisfatório (M = 2,08; DP = 0,78), indicando que os participantes apresentam pouco dispêndio fisiológico e biomecânico para desenvolver suas atividades.

Em termos das relações entre as médias das escalas e variáveis socioprofissionais, verificamos a existência de diferenças de avaliação entre os professores do sexo feminino e masculino no fator Organização do Trabalho da EACT. As mulheres obtiveram média (M = 3,32; DP = 0,62) superior à dos homens (M = 3,16; DP = 0,55) (t(Student) = –2,890; gl = 236; p = 0,004). Não foram encontradas diferenças significativas entre as médias de homens e mulheres nos outros fatores tanto da escala EACT quanto da escala ECHT.

A idade, por outro lado, apresentou diferenças significativas entre as médias dos diferentes grupos na escala ECHT, especificamente no fator Custo Afetivo (ANOVA: F = 7,381; gl = 3; p = 0,000), mas não na EACT. Na comparação entre os grupos (Bonferroni), verificamos que as médias que diferem são as dos grupos dos mais jovens (abaixo de 40 anos, M = 2,66; DP = 0,80) e o grupo dos mais velhos (acima de 56 anos, M = 1,78; DP = 0,66). O estado civil dos participantes não se mostrou determinante nos julgamentos tanto da EACT quanto da ECHT.

Para analisar as diferenças nas médias dos participantes quanto à titulação, eliminamos o grupo que possuía apenas mestrado, por apresentar uma frequência de apenas três participantes, e comprovamos que não há diferenças entre os julgamentos daqueles que possuem apenas o doutorado e os que possuem pós–doutoramento nas duas escalas.

O tipo de instituição (pública ou privada) resultou em diferenças significativas nas médias do fator Condições de Trabalho da EACT (t(Student) = 5,913; gl = 236; p = 0,000), sendo que os docentes de universidades privadas julgam suas condições de trabalho como piores (M = 2,74; DP = 0,07) do que os docentes das públicas (M = 1,74; DP = 0,12). A modalidade do programa onde os participantes atuam (acadêmico ou profissional) também não foi determinante dos julgamentos nas duas escalas aplicadas.

Em relação ao tempo de serviço na instituição de ensino superior, a comparação das médias entre os grupos mostrou que há diferenças significativas no fator Organização do Trabalho da EACT (ANOVA: F = 4,078; gl = 3 p = 0,008) e no fator Custo Afetivo da ECHT (F = 4,430; gl = 3; p = 0,005). Nesses fatores, na comparação por Bonferroni, verificamos que os participantes com tempo de serviço no magistério acima de 27 anos tiveram uma avaliação mais positiva da Organização de Trabalho (M = 3,19; DP = 0,12) do que os outros grupos (M(<=5 anos)=3,22, DP = 0,11; M(6–15 anos)=3,50, DP = 0,06 e M(16–26 anos)=3,54, DP = 0,09) e mais positiva do Custo Afetivo do trabalho (M(>=27 anos)=1,94; DP = 0,12; M(<=5 anos)=2,50, DP = 0,12; M(6–15 anos)=2,43, DP = 0,08 e M(16–26 anos)=2,27, DP = 0,12).

Foram também identificadas diferenças estatisticamente significativas entre a variável carga horária e o fator Organização do Trabalho da EACT (ANOVA: F = 4,478; gl = 3; p = 0,004) e no fator Custo Afetivo da ECHT (ANOVA: F = 5,599; gl = 3; p = 0,001). Os participantes com menor carga horária de trabalho apresentaram uma avaliação mais positiva da Organização do Trabalho (M(<18 horas=3,02; DP = 0,12; M(18 a 32 horas)=3,51, DP = 0,06; M(33–47 horas)=3,41, DP = 0,08 e M(>47 horas)=3,48, DP = 0,15) e do Custo Afetivo envolvido no trabalho (M(<18 horas=1,83; DP = 0,12; M(19 a 32 horas)=2,48, DP = 0,08; M(33–47 horas)=2,32, DP = 0,08 e M(>47 horas)=2,15, DP = 0,18).

 

Discussão

Os resultados expressam a complexidade do trabalho docente na pós–graduação stricto sensu. No fator Condições de Trabalho, observamos que dos 10 itens da escala, oito apresentaram avaliações moderada/crítica. Dentre as maiores médias, destacam–se: equipamentos precários, material de consumo insuficiente, instrumentos de trabalho insuficientes para realizar as tarefas e condições de trabalho precárias. Assim, para os docentes da pós–graduação, as condições materiais de realização do trabalho são insuficientes e precárias e, de acordo com os resultados das comparações realizadas, isso é mais verdade para os docentes das universidades privadas em comparação com os das públicas. O que possivelmente se deve ao fato de que nas universidades privadas a lógica gerencialista existe por si, independente de ser uma exigência do sistema de avaliação estatal da pós–graduação.

Há, portanto, um descompasso entre as demandas do trabalho na pós–graduação e as condições de trabalho. Diante de uma lógica gerencialista orientada por metas e resultados (mais evidente nas universidades privadas), as metas de produtividade não se coadunam com as condições materiais de realização do trabalho, provocando, evidentemente, um mal–estar nos docentes. O custo humano para manter tal estrutura pode ser elevado e os resultados alertam sobre o perigo de tal situação. Nesse sentido, Dejours (2007) afirma que no âmbito de um processo de trabalho existe uma discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, e que essa mobilização depende, na verdade, dos impulsos afetivos e cognitivos da inteligência. Dito isto, supomos que a mobilização subjetiva frente às condições de trabalho precárias pode impactar na construção da subjetividade do trabalhador.

Constata–se que os meios para a realização do trabalho são precários (moderada/crítica) na percepção dos professores. Porém, o trabalho precisa acontecer, as metas precisam ser alcançadas, as pesquisas precisam ser realizadas em um contexto laboral, a priori, inadequado ou sem os recursos necessários.

Independente das competências e habilidades do trabalhador, ele é pressionado para realizar o trabalho, mesmo que resulte em um serviço ou produto de qualidade duvidosa. Nessa perspectiva, Dejours (2007) alerta para as fontes de sofrimento no trabalho, dentre elas destaca as pressões sociais do trabalho, na qual o trabalhador sabe desenvolver sua atividade, no entanto é constantemente impedido de executar sua tarefa pelos obstáculos criados pelos colegas, individualismo e sonegação de informações.

No fator Organização do Trabalho (OT), os itens com avaliações moderada/crítica foram: falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho, fiscalização do desempenho, normas para execução das tarefas rígidas e número de pessoas insuficiente para realizar as tarefas. Ainda nesse fator, dos 11 itens, três apresentaram avaliação negativa/grave, a saber: ritmo do trabalho excessivo, tarefas cumpridas com pressão de prazos e forte cobrança por resultados. Esses itens expressam o modelo gerencialista que vem sendo implantando e legitimado na organização do trabalho do professor na pós–graduação. Os resultados encontrados permitem inferir a existência de um processo de precarização do trabalho. Processo esse que parece abarcar a intensificação do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo, bem como a neutralização da mobilização coletiva contra o sofrimento (Dejours, 2007). É interessante notar que o fator Organização do Trabalho foi julgado mais negativamente pelas mulheres em comparação aos homens, indicando que as docentes mulheres têm maiores dificuldade na sua adaptação a essas condições. Por outro lado, esse mesmo fator foi considerado mais negativo em docentes com menos tempo de trabalho e, consequentemente, de menor idade, e por aqueles com uma carga semanal de trabalho maior. Parece haver, portanto, uma naturalização e adequação à organização do trabalho com a passagem do tempo no serviço. Mas isso não invalida o efeito negativo da organização do trabalho, de tal forma que aqueles que passam menos tempo nas atividades julgam a organização mais positivamente.

Esses resultados levam à discussão da importância da relação entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico (Dejours, 2010). A concepção de funcionamento psíquico proposta por Dejours (2010) ancora–se em um modelo de homem que faz de cada indivíduo um sujeito sem outro igual, portador de desejos e projetos enraizados em sua história singular, de acordo com aquilo que caracteriza a organização de sua personalidade, e reage à realidade de maneira estritamente original. Assim, os constrangimentos impostos pela organização do trabalho acabam, sem dúvida, influenciando seu bem–estar.

No que tange ao fator Relações Socioprofissionais, os itens, comunicação entre os professores insatisfatória, falta de integração no ambiente de trabalho e disputas profissionais no local de trabalho,foram avaliados de forma moderada/crítica. Isto parece indicar que o coletivo de trabalho pode estar sendo enfraquecido. De acordo com Duarte e Mendes (2015), um coletivo se constrói com base em um grupo de regras que não estão prescritas, mas que são acordadas pelos trabalhadores, conforme se relacionam entre si e com seu trabalho. A partir de um coletivo de trabalho bem articulado, é possível viabilizar a construção de novas formas de gerir a organização do trabalho e de produzir mudanças concretas no estabelecimento da organização. O enfraquecimento do coletivo de trabalho pode resultar em sentimentos de desamparo, dificuldade em buscar ajuda com os colegas, enfraquecimento das relações de confiança e dos vínculos, individualismo, isolamento e, por fim, falta de reconhecimento por parte da gestão e principalmente dos pares. Todos esses aspectos podem proporcionar um empobrecimento do sentido do trabalho devido à falta de integração e excesso de disputas (Dejours, 2010). Ribeiro e Leda (2016) alertam que essas vivências no trabalho são um caminho que pode fortalecer a competitividade dentro da organização, a fragilização do coletivo e a naturalização da rivalidade entre os pares. Esse tipo de contexto pode levar o trabalhador a abstrair–se do sofrimento alheio por uma atitude de indiferença, logo, de intolerância para com o que provoca seu sofrimento (Dejours, 2007).

A questão do reconhecimento assume uma dupla perspectiva. A primeira refere–se à falta de reconhecimento, principalmente pelos pares, o que pode proporcionar um esvaziamento de sentido do trabalho e até seu empobrecimento. A validação da inventividade no e do trabalho passa pelo reconhecimento tanto da chefia quanto dos pares e esses dois modos de reconhecimento não são equivalentes (Dejours, 2010). O reconhecimento da chefia é um reconhecimento da utilidade, é a percepção da realização de um trabalho útil que a gestão proporciona ao trabalhador ao reconhecê–lo. O dos pares é um reconhecimento da habilidade, da inteligência, do talento pessoal, da originalidade e até mesmo da beleza. Este é o reconhecimento feito por aqueles que dominam o ofício e reconhecem, no coletivo de trabalho, a ética e estética do trabalho.

A segunda perspectiva é que o reconhecimento traz também um benefício no registro da identidade, isto é, naquilo que torna o trabalhador um sujeito único. Ele não é uma reinvindicação secundária dos que trabalham. Muito pelo contrário, mostra–se decisivo na dinâmica da mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho. Dessa forma, do reconhecimento depende o sentido do sofrimento. Quando a qualidade do trabalho é reconhecida, também os esforços, as angústias, as dúvidas, as decepções e os desânimos adquirem sentido (Dejours, 2007, 2010, 2017).

Em síntese, o contexto de trabalho na pós–graduação stricto sensu apresenta–se, a partir da percepção dos docentes, com condições de trabalho precárias para as demandas previstas para a pós–graduação, com uma organização do trabalho perpassada por uma lógica gerencialista de intensificação do trabalho e busca por resultados e, possivelmente, enfraquecido em suas relações socioprofissionais.

As atividades de trabalho realizadas em um contexto produtivo requerem e exigem dos que trabalham esforços e competências. Assim, o custo humano é imposto aos trabalhadores sob forma de constrangimentos para suas atividades e têm impacto sobre as vivências de bem–estar e mal–estar no trabalho (Ferreira et al., 2013), como mostram os resultados obtidos na ECHT.

O Custo Afetivo é entendido como o dispêndio emocional, sentimentos e estados de humor exigidos ou gerados em função da atividade de trabalho (Ferreira et al., 2013). Dos 12 itens avaliados, cinco apresentaram uma avaliação mais negativa, a saber: disfarçar os sentimentos, ser obrigado a lidar com a agressividade dos outros, ter custo emocional, ter controle das emoções e ter que lidar com ordens contraditórias. Os resultados parecem dialogar de forma estreita, e na mesma direção, com os itens das relações socioprofissionais, da escala de contexto de trabalho, nos quais se pode observar um contexto de trabalho em que a comunicação entre os professores é percebida como moderada/crítica, faltando integração no ambiente de trabalho e com disputas profissionais no local de trabalho. A partir dos dados, observamos que grande parte do dispêndio emocional está relacionada principalmente aos pares. Além do mais, os resultados desconstroem uma representação social de que o trabalho na pós–graduação se dá sem grandes tensões e conflitos.

Percebemos também que, além das habilidades e competências previstas para a atuação no contexto da pós–graduação strictu sensu, os professores empreendem muitos esforços emocionais para a realização de suas tarefas, como mostram os julgamentos no fator Custo Afetivo. O trabalho aqui é entendido como um mediador da relação indivíduo–sociedade. No entanto, se essa mediação é perpassada por uma tensão emocional isso pode implicar em efeitos nos processos de constituição da subjetividade e na elaboração da experiência de trabalho.

O fator Custo Afetivo se mostrou significativamente mais elevado entre aqueles que estão na profissão docente há menos tempo e, portanto, de menor idade. Isto pode estar indicando que a adaptação à profissão nos seus estágios iniciais exige mais dos docentes. Com o tempo e experiência, essa condição vai se tornando mais leve. Mas, como já discutido em relação ao fator Organização do Trabalho, o custo afetivo se mostra menos proeminente para aqueles com carga horária semanal menor, o que corrobora o que foi discutido acima sobre sua importância para os docentes da pós–graduação strictu sensu, embora seus efeitos decaiam com a experiência no trabalho.

Observamos que o trabalho do docente na pós–graduação stricto sensu tem um custo predominantemente cognitivo. Sua alta carga cognitiva revela aspectos do trabalho que implicam em situações complexas nas quais interagem diversas atividades. Dos 10 itens da escala sobre o custo cognitivo, sete foram avaliados negativamente e com classificação de risco grave. Os quatro itens de maior média na escala indicam também constrangimentos da organização do trabalho. Assim, o professor é constantemente obrigado a enfrentar desafios intelectuais, manter a concentração mental, usar a criatividade e empreender esforços mentais de forma contínua. Tais ações, de forma intensificada, podem interferir significativamente nas vivências de sofrimento no trabalho. De acordo com Ribeiro e Leda (2016), o docente tem sido paulatinamente submetido a um cotidiano laboral intensificado e precarizado, delineado por novas formas de controle, cada vez mais veladas e sutis.

O fator Custo Cognitivo refere–se ao dispêndio mental, resolução de problemas e aprendizagens (Ferreira et al., 2013). Para Bastos (2004), a cognição é um termo genérico utilizado para designar todos os processos envolvidos no conhecer. O conceito envolve processos conscientes, inconscientes e sociais. A cognição social constitui–se na construção do conhecimento e na organização da vida cotidiana das pessoas e de si próprio. Para a realização de suas tarefas na pós–graduação, os docentes são estimulados constantemente a seremcriativos, precisam de concentração mental e encontram–se tendo de superar desafios intelectuais frequentemente.

Os estudos cognitivos alertam para a rica diversidade humana nos seus processos de perceber, integrar e reagir aos acontecimentos (Bastos, 2004). As restrições a essa diversidade, sempre necessárias a qualquer empreendimento coletivo, devem ser controladas para não gerar as disfunções que tornam as organizações prisões psicológicas e contextos nocivos ao desenvolvimento e à plena realização do potencial das pessoas.

Os resultados encontrados, com um julgamento mais negativo no fator Custo Cognitivo, levam a refletir sobre a relação entre as condições e organização do trabalho (EACT) e o custo cognitivo (da ECHT). Como salientado nas análises sobre o contexto de trabalho, as condições de trabalho são percebidas como precárias. Não obstante, o trabalhador tem um alto custo cognitivo para realizar suas tarefas. Esse descompasso sugere maior aprofundamento, pois não se sabe a que custo real o trabalho é realizado.

Por fim, o fator Custo Físico, embora classificado como satisfatório, apresentou quatro itens de uma escala de 10 com avaliação moderada/crítica. Esses itens indicam aspectos físicos da realização da atividade de trabalho, como ministrar aulas, escrever e deslocar–se no ambiente de trabalho.

Em síntese, a dedicação exacerbada ao trabalho pode ser compreendida como reflexo da captura da subjetividade dessa categoria de trabalhadores pelas novas demandas impostas pela implementação dos princípios gerencialistas na educação superior. Ribeiro e Leda (2016) alertam para o fato de que o docente cooptado por essa lógica produtivista, acaba por naturalizar e a identificar–se com o trabalho intensificado, por meio de metas elevadas, transformando–se, não raramente, em um algoz de si mesmo e de seus pares.

 

Considerações finais

Os resultados obtidos parecem indicar que o contexto de trabalho do professor na pós–graduação stricto sensu é perpassado por uma naturalização da lógica gerencialista aplicada à pós–graduação a partir dos anos 1990. No que se refere às condições de trabalho, percebemos sinais de precarização. Em relação à organização do trabalho, a intensificação do trabalho apresenta–se de forma notória e, no que tange as relações socioprofissionais, há indícios de enfraquecimento dos coletivos de trabalho.

O custo humano desse tipo de trabalho também apresentou índices que merecem ser aprofundados. O custo afetivo aponta para o tensionamento na realização da atividade docente. O custo cognitivo, na proporção em que expressa as principais características do trabalho do professor na pós–graduação, também alerta sobre a necessidade de aprofundar a investigação e discussão sobre as consequências psíquicas da intensificação do trabalho dos docentes da pós–graduação strictu sensu. O custo físico foi o único fator que não apresentou avaliações negativas na percepção dos docentes participantes.

Os resultados mostraram que as condições de trabalho dos professores da pós–graduação strictu sensu estudados são percebidas como inadequadas, críticas, o que deve impedir a realização de um trabalho de qualidade, principalmente no que se refere à organização do trabalho. Esse resultado é um indício do que Maraschin e Sato (2013) apontam quanto às modificações na avaliação da pós–graduação, o que muda desfavoravelmente a organização do trabalho desses profissionais. Esse fator pode ser a explicação para o resultado que mostra que os professores se sentem emocional e cognitivamente esgotados.

Dentre as limitações do estudo, destaca–se que foi realizado com uma amostra pequena se comparada à população de professores de pós–graduação stricto sensu atuantes no Brasil e no estado do Ceará. Muitos programas não disponibilizam os e–mails dos professores em seus sites oficiais, o que dificultou a coleta de dados. Além disso, havia e–mails incorretos ou desativados e muitos dos e–mails enviados não chegaram aos seus destinatários. Alguns cursos e/ou programas não mantinham a relação dos docentes em seus sites oficiais.

Uma outra limitação diz respeito à escolha do instrumento utilizado na pesquisa. O ITRA não possibilita identificar as estratégias de defesa empregadas para fazer frente ao contexto e aos custos humanos presentes no trabalho. Portanto, são necessárias pesquisas que tenham como objeto as estratégias de mediação individuais e coletivas e os impactos dessas estratégias nas vivências de bem–estar e mal–estar no trabalho. A análise detalhada do funcionamento dessas estratégias pode mostrar o quanto elas podem contribuir para tornar aceitável aquilo que não deveria sê–lo. Por isso, as estratégias defensivas cumprem papel paradoxal, porém capital, nas motivações subjetivas da dominação (Dejours, 2007).

Por último, é importante investigar com maior profundidade os impactos da cultura gerencialista no trabalho do professor e, sobretudo, identificar as possibilidades e os limites do docente no enfrentamento da lógica produtivista que permeia seu cotidiano laboral (Ribeiro & Leda, 2016). A preservação do coletivo do trabalho é uma importante fonte de resistência e uma proteção contra o estado de servidão.

 

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Recebido em 23.fev.18
Revisado em 06.out.19
Aceito em 14.abr.20

 

 

Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel, Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo – USP, Pós–doutora pela Universidade do Porto, Portugal, é Professora da Universidade de Fortaleza − UNIFOR. Endereço para correspondência: Rua Rangel Pestana, 2424, Água Fria, Fortaleza. CEP: 60.833–012 Telefone: (85) 9921–4949. Email: reginaheloisamaciel@gmail.com
Sílvia Fernandes do Vale, Doutora em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, é Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho – LET/UNIFOR, e Gestora Educacional da Secretaria Municipal de Educação de Mossoró– RN. Email: sfvale@hotmail.com; sfvaleunifor@gmail.com
Tereza Glaucia Rocha Matos, Doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelona, Espanha, é Professora da Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Email: terezamatos@unifor.br
Marcizo Veimar Cordeiro Viana Filho, Doutor em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, é Diretor Acadêmico na Faculdade do Maciço de Baturité – FMB. Email: marcizoveimar@yahoo.com.br

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