SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue51Conceptual analysis of the expression "socioemocional" in psychology articlesFrom the voice of the other: the social construction of disability in school author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.51 São Paulo July/Dec. 2020

https://doi.org/10.23925/2175-3520.2020i51p42-50 

ARTIGOS

 

Contribuições da pós-graduação sobre educação para o trânsito

 

Postgraduate contributions on traffic education

 

Contribuciones del Postgrado sobre educación para el tránsito

 

 

Adélia Suzana Barreiro Del SartoI; Sandra Regina Gimeniz-PaschoalII

IUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - São Paulo - SP - Brasil; adeliasuzana@pocos-net.com.br
IIUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - São Paulo - SP - Brasil; srg.paschoal@unesp.br

 

 


RESUMO

Os acidentes de trânsito permanecem causando elevada morbimortalidade, mas são previsíveis e preveníveis, como apontam as políticas públicas. A temática da educação para o trânsito é indicada para ser desenvolvida em todos os níveis de educação e é sugestiva para a prevenção destes acidentes. O objetivo desse trabalho foi investigar estudos pós-graduados brasileiros relacionados à temática da educação para o trânsito. Foi realizada busca no portal da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Foram estabelecidos como critérios de inclusão: estudos pós-graduados relacionados à temática educação para o trânsito, realizados em ambientes de educação formal, com estudantes, que se referissem ao país e que estivessem disponíveis integralmente no ambiente virtual. Foram encontrados 32 estudos e selecionados para análise seis dissertações e três doutorados. Verificou-se que o ano de 2015 concentrou mais publicações (4), predominaram estudos ligados a Programas de Engenharia Urbana (4), a região sudeste se destacou em relação ao número trabalhos (5) e todo os trabalhos estiveram voltados à contribuição para a prevenção de acidentes no trânsito. Concluiu-se que houve pequeno número de estudos pós-graduados no país diante de temática tão importante para a sociedade, indicando a necessidade de novos trabalhos, principalmente com o acompanhamento de ações realizadas e avaliação de seus impactos.

Palavras-chave: Educação; Saúde; Violência; Acidentes de trânsito; Prevenção de acidentes.


ABSTRACT

Traffic accidents remain causing high morbimortality, but they are predictable and preventable, as pointed out by public policies. The theme of traffic education is indicated to be developed at all levels of education and is suggestive for the prevention of these accidents. The objective of this work was to investigate Brazilian postgraduate studies related to traffic education. A search was carried out on the website of the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD). The inclusion criteria established were: postgraduate studies related to the theme of traffic education, carried out in formal education environments, with students, who referred to the country and were fully available in the virtual environment. This search found 32 studies, from which six dissertations and three doctorates were selected for analysis. It was noted that the year 2015 concentrated more publications (4), and that studies related to Urban Engineering Programs predominated (4), as well as the southeast region stood out regarding to the number of works (5) and that all works were focused on contributing to the prevention of traffic accidents. It was concluded that there was a small number of postgraduate studies in the country regarding such an important topic for society, indicating the need for new work, mainly with the monitoring of actions carried out and the evaluation of their impacts.

Keywords: Education; Health; Violence; Traffic accidents; Accident prevention.


RESUMEN

Los accidentes de tránsito permanecen causando elevada morbimortalidad, pero son previsibles y prevenibles, como apuntan las políticas públicas. La temática de la educación para el tránsito es indicada para ser desarrollada en todos los niveles de educación y es sugestiva para la prevención de estos accidentes. El objetivo de este trabajo fue investigar estudios postgraduados brasileños relacionados con la temática de la educación para el tránsito. Se realizó una búsqueda en el portal de la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD). Utilizando criterios de exclusión e inclusión, se identificaron ocho disertaciones. Se verificó que las disertaciones adoptaron diferentes delineamientos, en especial trabajos de naturaleza descriptiva. El público objetivo fue diversificado, siendo cuatro trabajos con jóvenes de la enseñanza fundamental. En todos los trabajos la educación fue identificada como una herramienta de prevención. En cinco trabajos los autores eligieron como objeto principal de estudio el comportamiento del conductor. La región sudeste quedó en evidencia, con la producción de cinco trabajos. Se concluyó que hubo un pequeño número de estudios posgraduados en el país ante una temática tan importante para la sociedad, indicando la necesidad de nuevos trabajos, principalmente con el seguimiento de acciones realizadas y evaluación de sus impactos.

Palabras clave: Educación; Salud; Violencia; Accidentes de tráfico; Prevención de accidentes.


 

 

Introdução

A mobilidade é uma necessidade humana de adaptação e sobrevivência, ou seja, todas as pessoas precisam se locomover, mesmo aquelas que necessitam de ajuda. Com a modernidade houve modificações na maneira de transitar que afetaram diretamente a locomoção da sociedade, principalmente com os meios de transporte, sejam eles individuais ou de massa. A partir dessas transformações, a vida humana obteve muitas facilidades no ato de transitar, que possibilitaram a busca por novos produtos e tornaram mais fáceis a obtenção de serviços. Assim, o transitar não se resume a um ato isolado, mas possibilita o acesso a diferentes lugares e ajuda as pessoas a suprirem suas necessidades básicas, como educação, saúde e lazer, ou seja, democratiza o acesso aos serviços sociais (Vasconcelos, 2010).

O trânsito tem diferentes definições, Rozestraten (1988, p. 9) o define como "(...) o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas dentro de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes". De acordo com o mesmo autor, quando as pessoas não se comportam de maneira preventiva, aumentam os conflitos no trânsito e isso pode gerar violência e também potencializar as probabilidades de um acidente ocorrer. Explica que para ser considerado trânsito, é necessário ser em rua pública, fazer parte da trilogia homem, veículo e rua, e ainda com o objetivo de mobilidade. As regras são necessárias para organizar o espaço e também estabelecer as prioridades, portanto, é essencial que as pessoas respeitem essas normas para garantir a segurança coletiva. Rodrigues (2007) também indica que o trânsito perpassa a tríade homem, veículo e via, bem como a locomoção, a comunicação e o convívio social, por isso, explica que para se "[...] locomover com segurança e atender suas necessidades de deslocamento, as pessoas precisam comunicar-se com o espaço: enviar, receber e compreender as mensagens contidas nos diferentes atos de comunicação que orientam o trânsito" (Rodrigues, 2007, p. 14). Há uma ampliação do conceito trânsito ao indicar que "A convivência social baseada na cooperação e no respeito mútuo, é o princípio fundamental para compreender a natureza do trânsito. Trânsito é acima de tudo, um espaço de convivência social" (Rodrigues, 2007, p. 16).

O direito de ir e vir com segurança é um direito que é assegurado na legislação brasileira. Explicitado no Código de Trânsito Brasileiro - Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - artigo 1º, 29: "O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos, é dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar medidas destinadas a assegurar esse direito." (Brasil, 1997, p. 23).

Segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), os acidentes de trânsito ocupam atualmente o nono lugar entre as principais causas de morte em todas as faixas etárias no mundo. A cada ano provocam perda de 1,2 milhão de vidas e causam lesões não fatais em aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo inteiro. Cerca de metade (49%) das pessoas que morrem, nas vias pelo mundo, são pedestres, ciclistas e motociclistas. Os acidentes de trânsito são a principal causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos de idade e mais de 90% das mortes e lesões, no trânsito, ocorrem em países de baixa e média renda, embora esses países respondam por apenas 54% dos veículos registrados no mundo.

Sobre as estatísticas das mortes de crianças no trânsito, mais de 500 crianças menores de 18 anos de idade são mortas nas ruas e vias do mundo por dia e milhares de outras são feridas. As lesões causadas pelo trânsito são uma das principais causas de morte de crianças em sua segunda década de vida, e a grande maioria (95%) das mortes de crianças em acidentes de trânsito ocorre em países de baixa e média renda (OMS, 2017).

Em nosso país não é diferente, os acidentes de trânsito são um problema de saúde pública. Todos os dias, muitas pessoas sofrem sequelas provisórias e/ou permanentes e outras morrem. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2016, morreram 35.708 pessoas vítimas de acidentes de trânsito, sendo 87 menores de 1 ano, 522 na idade de 4 a 14 anos. Nesse mesmo ano, foram internadas 208.053 pessoas por lesões causadas por acidentes de transporte (Brasil, 2017). O Ministério da Saúde classifica acidentes e violências como "[...] causas externas de morbidade e mortalidade [...]" (Brasil, 2017). Os acidentes englobam vários tipos, como quedas, envenenamentos, acidentes de trânsito, entre outros. A violência é descrita pelo ministério como eventos considerados intencionais e compreendem agressão, negligência e lesão autoprovocada. No entanto, é abordado que tanto os acidentes quanto as violências são passíveis de prevenção. A OMS (2017) também indica que os acidentes de trânsito podem ser uma ocorrência cotidiana, mas são previsíveis e preveníeis.

O Código de Trânsito Brasileiro reconhece a necessidade de educar para o trânsito em todos os níveis de ensino quando estabelece em seu artigo 76 que:

A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, de União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação (Brasil, 1997, p.23).

Em 2001 foi criada a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências, que consiste em diretrizes e responsabilidades institucionais que valorizam medidas referentes à promoção da saúde e à prevenção de acidentes em todos os ciclos da educação. Enfatiza que "A mobilização das universidades para que induzam investigações atinentes aos acidentes e às violências, não só divulgando-as em suas publicações cientificas, mas de forma que contribuam, inclusive, para a melhoria e o aprimoramento da rede de serviços (Brasil, 2001, p. 41)".

A integração dos Ministérios da Educação e da Saúde em torno da necessidade de desencadear no país ações preventivas culminou com a promulgação, em 5 de dezembro de 2007, do decreto nº 6.286, nomeado como Programa da Saúde na Escola (PSE), com o objetivo de promover a integração e a articulação permanente da educação e da saúde, voltada para uma Educação Integral" (Brasil, 2007).

As Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito trazem um conjunto de orientações para nortear atividades pedagógicas voltadas ao tema do trânsito, preconizando essa temática sobretudo na educação infantil e no ensino fundamental (Brasil, 2009).

Em 2013 foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, as quais orientam e estabelecem diretrizes para uma base nacional comum, apresentando uma perspectiva importante do educar e do cuidar em todos os níveis de ensino:

Cuidar e educariniciam-se na Educação Infantil, ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Médio e posteriores. Cuidar e educar significa compreender que o direito à educação parte do princípio da formação da pessoa em sua essência humana. Trata-se de considerar o cuidado no sentido profundo do que Cuidado é, pois, um princípio que norteia a atitude, o modo prático de realizar-se, de viver e conviver no mundo (Brasil, 2013, p.18).

Considerando o alto número de acidentes de trânsito no país e no mundo, a indicação da importância da educação para sua prevenção e a necessidade de conhecer a produção científica nacional existente para avançar as pesquisas na área da educação, os objetivos desse trabalho foi investigar estudos pós-graduados brasileiros relacionados à temática da educação para o trânsito.

 

Método

Foi realizada pesquisa bibliográfica consultando o banco de dados do portal da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD - que foi desenvolvida e é coordenada pelo Instituto Brasileiro de Informação e Ciência e Tecnologia - IBICT, e integra os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil), no período de 2005 a 2017, com o descritor entre aspas "Educação para o trânsito".

Foram estabelecidos como critérios de inclusão estudos pós-graduados relacionados à temática da educação para o trânsito, realizados em escolas e/ou em ambiente de educação formal, tendo como público alvo estudantes, que se referissem ao país e que estivessem disponíveis integralmente no ambiente virtual.

Os critérios de exclusão foram estudos não ligados à pós-graduação, não relacionados à temática da educação para o trânsito, realizados e/ou abordando outros ambientes não ligados à educação formal, não abrangendo como público alvo estudantes, que não se referissem ao país e que não estivessem disponíveis integralmente no ambiente virtual.

Foram encontrados na busca 32 estudos, dos quais nove foram selecionados para serem incluídos neste trabalho, por atenderem aos critérios de inclusão. Os outros 23 foram excluídos, pelos seguintes motivos: quatro por ter autores repetidos; 13 por serem trabalhos de educação para o trânsito relacionados à mobilidade, acidentes e uso de álcool e direção fora do ambiente escolar e mais ligados a trabalhos sociais; um trabalho que não estava disponível integralmente no ambiente virtual e cinco trabalhos que não contemplavam os critérios de inclusão.

Os estudos selecionados tiveram as seguintes variáveis analisadas: a data de publicação, o nível do trabalho, o Programa de Pós-Graduação em que foi realizado, a região do país a que o Programa pertencia, o objetivo principal do estudo, o ambiente e os participantes.

 

Resultados e discussão

No Quadro 1 encontra-se a descrição sintetizada das variáveis analisadas dos estudos pós-graduados brasileiros selecionados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações sobre temática da educação para o trânsito.

Verifica-se que dos nove estudos selecionados, quatro foram publicados em 2015, dois em 2012 e um para cada ano: 2010, 2013 e 2014.

A produção de estudos, que teve pequena oscilação entre os anos de 2010 e 2014, com um maior número em 2015, não foi continuada nos anos de 2016 e 2017. Este pode ser um aspecto preocupante, pois os dados epidemiológicos indicam um panorama de elevada morbimortalidade por acidentes e violências no país, e em paralelo as prescrições ministeriais conclamam toda a sociedade e, em especial escolas e universidades, para auxiliar no sério problema que representam os acidentes de trânsito no país

Quanto ao nível dos trabalhos, seis foram mestrados e três doutorados.

A importância de produção de estudos pós-graduados está ligada, dentre outros aspectos, à possibilidade de repercussão para auxiliar na resolução de problemas da sociedade. Assim, mais estudos em nível de doutorado sobre a temática seriam bem vindos, pois quanto mais aprofundadas as pesquisas, mais chances de ampliação das possibilidades de contribuição.

Em relação aos programas de Pós-graduação em que as pesquisas foram realizadas, verificou-se que quatro estudos estavam ligados à Engenharia Urbana. Em programas de Ensino de Ciências (Matemática e Física) foram encontradas outras quatro pesquisas. Um trabalho foi realizado em programa de Pós-graduação em Educação.

Segundo a OMS (2017), os acidentes, além de causar luto e sofrimento e ser um problema de saúde pública, causam elevados custos econômicos. A solução se apresenta como um conjunto de medidas que envolvem várias áreas do conhecimento. E, pesquisas realizadas nos programas de Pós-graduação apresentam-se como as mais promissoras, pois podem contribuir para a realização de ações com métodos científicos, de modo a propor e implantar alternativas com o objetivo de promover a prevenção e atitudes congruentes com a paz no trânsito.

Em relação às regiões do país a que os Programas de Pós-graduação pertenciam, verificou-se que prevaleceu a região Sudeste, com frequência de cinco, sendo as seguintes instituições: UNESP, UFSCAR e USP. A seguir se verificou a região Sul, com frequência de três trabalhos e com as instituições: Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Caxias do Sul e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Região Nordeste esteve representada por um estudo, realizado na Faculdade de Juazeiro do Norte, no Ceará. As regiões Sudeste e Sul do país, bem como as Universidades Públicas, têm historicamente contribuído de forma prevalente para a produção de conhecimentos no país, nas mais diferentes áreas do conhecimento e temas de investigação. Entretanto, tal como o problema dos acidentes de trânsito está presente de forma alarmante em todo o país e se conta com instituições de ensino superior de prestígio em todas as regiões, um maior número de estudos distribuídos por todas as regiões poderia representar alento para o enfrentamento loco-regional das questões que a temática requer.

Os objetivos dos estudos contemplaram a educação para o trânsito no ambiente formal, todos os autores estavam preocupados em resolver o problema dos acidentes e violência no trânsito. Foi verificado que quatro autores realizaram projetos educativos de intervenção: um autor tratou do uso do álcool, habilidades sociais e os acidentes de trânsito; sendo que dois estudos investigaram a percepção dos alunos, responsáveis, professores e profissionais especialistas em trânsito sobre questões relacionadas à prevenção de acidentes de trânsito no entorno da escola, e dois autores realizaram pesquisas teóricas, investigaram documentos oficiais sobre educação para o trânsito.

Os objetivos e temáticas endossadas pelos estudos vão ao encontro das políticas públicas e diretrizes ministeriais do país, em especial as que constam na Política Nacional de Reduação da Morbimortalidade por acidentes e violências (Brasil, 2005) e do Programa Saúde na Escola (Brasil, 2007) O ambiente educacional formal foi o local de realização e/ou de citação em todos os estudos, sendo que predominaram os trabalhos realizados no ensino fundamental, ou seja, cinco deles, e no ensino médio, três deles, envolvendo de alguma forma alunos, mas às vezes também professores, familiares/responsáveis e documentos oficiais. Um trabalho também foi realizado na formação inicial universitária, em cursos de graduação em Pedagogia e em Fonoaudiologia.

Os ambientes formais de educação são ambientes favoráveis à aprendizagem de comportamentos de prevenção de acidentes no trânsito e de promoção da segurança, seja por sua capacidade de articular teoria e prática, seja pela multiplicidade de vivências que pode propiciar a todos os que participam da formação de pessoas nos diferentes níveis de ensino.

Os participantes dos trabalhos foram alunos do ensino fundamental, ensino médio e da universidade, com amostra que variou de 10 a 472 alunos.

A realização de pesquisas nos ambientes formais de educação pode beneficiar e produção de conhecimentos na universidade que sejam adequados à realidade da sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de que os resultados das pesquisas possam auxiliar mais diretamente à população que frequenta os locais de estudo. E, estes participantes podem ser desde os alunos até profissionais, responsáveis pelos alunos e a comunidade de entorno, para que todos sejam beneficiados diante das demandas que foram detectadas. As quatro intervenções encontradas nas pesquisas analisadas seguiram caminhos diferentes, no entanto, verificou-se que prevaleceu em três trabalhos o ensino das ciências e da educação para o trânsito e um autor usou um jogo digital para ensinar comportamentos preventivos no trânsito.

O uso da educação para o trânsito em conjunto com os conceitos do campo das ciências é corroborado por Anjos (2015), Ledur (2015), Urruth (2014) e Franco (2013). Uma das explicações é que no ambiente do trânsito existem algumas leis que podem ser descritas no comportamento das pessoas quando se utilizam dos meios de transportes, com por exemplo: o cinto de segurança (força) e a distância de frenagem. O ensino de ciências caracteriza-se pela apresentação de conceitos, leis e fórmulas, e acredita que esse tema aproxima situações de emergência do cotidiano. Ledur (2015) realizou uma pesquisa bibliográfica sobre a educação para o trânsito e o ensino de ciências em 15 estudos (artigos, dissertações e teses) e analisou seis coleções de livros didáticos de 2012, com o objetivo de verificar a exposição do tema em livros de ciências do 9º ano do Ensino Fundamental. O autor verificou que os estudos apresentavam poucas produções direcionadas para o enfoque transversal da educação para o trânsito, ou seja, o conteúdo era tratado de forma geral. O mesmo ocorreu com os livros didáticos, em que as situações de trânsito foram tratadas como informação complementar. O autor defende que é necessário vincular diretamente os efeitos das leis e as situações do trânsito como por exemplo: distância de segurança, tempo de frenagem, tempo de reação, velocidade entre outros. Sobre a transversalidade na educação para o trânsito:

O trânsito, compreendido de forma abrangente, pode ser inserido de forma transversal em todas as disciplinas, pois trata de um tema inerente à realidade de todas as pessoas. A relevância da educação para o trânsito conduz a um trabalho pedagógico que não se limita apenas ao estudo de regras e sinais mas que esteja voltado primordialmente para o exercício da cidadania (Ledur, 2015, p. 41).

O autor Urruth (2014) realizou um curso de física e educação para o trânsito, os conteúdos foram os mesmos, vinculando conceitos da física e educação para o trânsito, o trabalho foi realizado com alunos do 2 º e 3º ano do ensino médio, no horário inverso ao das aulas. Os autores evidenciaram melhora no conhecimento dos alunos comparando o pré-teste e o pós-teste, um comportamento que se destacou, nos dois trabalhos, foi que os alunos relataram estar usando o cinto de segurança no banco de trás.

Os participantes desses dois trabalhos eram menores de 18 anos, considerando o ano escolar, no entanto, o que se percebeu nas intervenções foi a ausência de tratar a situação do pedestre frente às leis da física, considerando que o principal papel desses alunos é o de pedestre e/ou de passageiro.

A criança é um grupo vulnerável, tanto em relação aos aspectos físicos, cognitivos e afetivos, pois está em pleno desenvolvimento, por essas peculiaridades precisa ser cuidada. Quando se trata do público infantil e juvenil, a participação da família se mostra indispensável para proteger as crianças nas vias, podem ensinar a discriminação de riscos desde cedo e, ainda, os comportamentos dos pais e adultos são modelos

Cerca de 500 crianças menores de 18 anos são mortas nas vias do mundo por dia e outras milhares são feridas, por isso, o cuidado com as crianças e os jovens é um dos componentes mais importantes do Pacote de Medidas para Salvar Vidas da OMS:

Limitadas por seu desenvolvimento físico, cognitivo e social, as crianças estão mais expostas ao risco no trânsito do que os adultos, fisicamente as crianças tendem a ser mais suscetíveis ao traumatismo craniano grave do que os adultos; podem ter dificuldades em interpretar imagens e sons que podem afetar seu discernimento quanto à proximidade, velocidade e direção dos veículos em movimento e, à medida que crescem, os adolescentes podem estar propensos a se arriscar (OMS, 2017, p. 42).

O entorno da área escolar é um ambiente que tem grande fluxo de pedestres e veículos, e o modo como as crianças fazem as viagens rotineiras à escola merece atenção, porque os riscos de se envolverem em acidentes tendem a aumentar. Algumas crianças vão caminhando, outras usam o transporte coletivo e ainda têm as que vão em veículos particulares. As pesquisas de Montmorency (2008) e Zani (2011) trataram da percepção das crianças, dos professores, dos responsáveis e especialistas sobre a segurança no trânsito e como se dá a escolha de realizar o percurso. Na pesquisa de Motmrency (2008) a educação apareceu como primeiro critério por todos os grupos estudados - responsáveis, educadores e especialistas.

Zani (2011) explicou que o espaço escolar é um local que merece atenção dos responsáveis e especialistas, ao passo, que é o destino diário das crianças. A autora salienta a importância do trabalho envolvendo essa temática para subsidiar planejamento de ações que incluam toda a comunidade escolar, envolvendo também os órgãos públicos e o serviço de fiscalização.

Outra autora que se preocupou com o tema foi Rosa (2011), que estudou sobre as variáveis que influenciam o modo de transportes das crianças. Foram apontadas as seguintes variáveis: a percepção de segurança do bairro, a disponibilidade de automóveis nas residências, os hábitos e a cultura dos pais em relação ao uso dos modos (veículos) motorizados e o fator de maior impacto foi a distância entre a casa e a escola. A autora apontou a importância do conhecimento do ambiente escolar para oferecer subsídios técnicos voltados à segurança no trânsito para administradores e responsáveis pela segurança viária. Os trabalhos tiveram o objetivo de favorecer informações para ações de planejamento e intervenções de prevenção de acidentes, principalmente os atropelamentos que acontecem nessas áreas.

Vários fatores influenciam e aumentam os riscos de acidentes de trânsito, como o uso do celular enquanto dirige, alta velocidade, não uso dos equipamentos de segurança e a associação da bebida alcoólica e direção. Este último comportamento tem causado muitos acidentes e vítimas; apesar das leis mais severas e das punições, muitas pessoas ainda continuam a beber e dirigir. O tema "direção veicular e bebida alcoólica" foi objetivo de estudo de Silva (2015), que realizou um estudo para investigar uso do álcool, comportamentos de risco no trânsito e habilidades sociais. Aplicou três questionários (Questionário do Comportamento do Motorista-QCM, Questionário de Avaliação de Habilidades Sociais - Comportamentos e Contextos para Universitários -QHC - Universitários e Alcohol Use Disorders Indentification Test - AUDIT) em 472 estudantes universitárias, dos cursos de Fonoaudiologia e de Pedagogia. Os resultados mostraram que as médias significativamente maiores de comportamentos de erros, lapsos e violações, eram das universitárias que faziam uso de álcool em relação às que não faziam. O autor salientou a importância de conteúdos de prevenção ao uso de álcool e acidentes de trânsito na formação universitária. A pesquisa foi composta com uma população praticamente homogênea em relação ao sexo.

Segundo o Boletim Estatístico "Mulheres no Trânsito", as mulheres são mais prudentes e cuidadosas e se envolvem menos em acidentes de trânsito, como demonstra as estatísticas de 2017, do total de 384 mil indenizações pegas pelo Seguro DPVAT, apenas 25% foram para vítimas do sexo feminino. Em casos de morte a diferença é ainda maior: 82% das vítimas são do sexo masculino (Brasil, 2018, p. 4).

Os autores Martins e Loremetti (2016) analisaram 4.347 fichas de atendimento de ocorrências envolvendo os acidentes de trânsito em uma cidade no interior do Paraná, os dados encontrados indicam que existe maior prevalência do número de acidentes em homens, pois a maioria das vítimas foram do sexo masculino 67,0%, sendo do sexo feminino 32,9%.

A educação para o trânsito foi incluída nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) como tema local transversal. Anjos (2015) defende a transversalidade é coloca que ela pode contextualizar o ensino de educação para o trânsito com outras disciplinas, com isso aplica a realidade e o cotidiano do aluno. A transversalidade está presente nas Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito no Ensino Fundamental:

A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade) (Brasil, 2009, p. 12).

Souza (2010) defendeu três ideias sobre o tema: primeiro que a educação para o trânsito deve ser imprescindível para reduzir o número de acidentes no trânsito, segundo o autor acredita que a educação para a prevenção não tem a importância que deveria ter, e terceiro é preciso aperfeiçoar os conteúdos programáticos para se possa realmente ensinar de modo que os alunos irão realizar as ações aprendidas.

A preocupação com os jovens nos trabalhos pesquisados vem ao encontro das indicações da OMS (2017, p. 41) de que "Os acidentes de trânsito são a principal causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos de idade".

Em termos de técnicas de coleta e de análise de dados, predominou a utilização do questionário, sendo seis trabalhos com objetivos distintos: identificar características da população estudada, conhecer comportamentos e avaliar programas educativos.

Gunther (2003) indica que o questionário é instrumento bastante utilizado e pode permitir identificar características das pessoas e de uma população mais ampla. Cozby (2003, p.179) indica que o pré-teste é uma maneira de estabelecer comparação e "pode-se calcular um índice de mudança do pré-teste para o pós-teste", assim, medir a eficácia da intervenção. Em relação à pesquisa documental, Cozby (2003) também indica que o conhecimento do que já foi estudado e realizado pode ajudar a tornar as ideias mais claras.

 

Considerações finais

Neste trabalho foram identificadas nove estudos sobre a temática da educação para o trânsito, dentre inúmeros estudos pós-graduados que são realizados no país, indicando que todos os autores se preocuparam em dar suporte e respostas a um problema da sociedade, de modo a contribuir para a solução ou diminuição dos acidentes de trânsito, e envolveram população diversificada para além dos alunos, como professores e familiares. Entretanto, esse número de estudos pós-graduados no país é pequeno, diante de temática tão importante para a sociedade.

Ainda que seja uma amostra pequena de estudos e tenha havido diversificação de temáticas, indica-se a necessidade de estudos que investiguem o comportamento do pedestre, pois este papel é exercido por todos os participantes do trânsito, uma vez que o condutor ou motociclista em algum momento também estará exercendo este papel. Além disso, indica-se a necessidade de novos trabalhos acadêmicos adotarem diferentes perspectivas metodológicas, pois, um aspecto importante para as intervenções preventivas é a avaliação dos resultados, com possibilidade de replicação em futuros trabalhos sobretudo no nível de doutorado, que incluam o acompanhamento das ações realizadas e a avaliação de seus impactos.

 

Referências

Anjos, D. M. (2015). Aplicações das funções afim e quadrática na educação para o trânsito. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte.         [ Links ]

Barbosa, R. E. (2015). Jogando para transitar seguro: uma experiência de educação para o trânsito. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.         [ Links ]

Brasil. (1997). Código de Trânsito Brasileiro. CTB. Recuperado de: em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm.         [ Links ]

Brasil. (2005). Ministério da Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências: Portaria MS/GM n.737, de 16/5/01, publicada no DOU n.96 seção 1E de 18/5/2001a. 2. ed. Brasília, DF, 2005. (Série E. Legislação de Saúde).         [ Links ]

Brasil. (2007). Lei n. 6.286, de 05 de dezembro. Programa Saúde na Escola. Diário Oficial da União.         [ Links ]

Brasil. (2009). Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes nacionais da educação para o trânsito, Ministérios das Cidades, Brasília, 2009. Recuperado de: http://www.viasseguras.com/educacao/educacao_ao_transito_regulamentacao/diretrizes_nacionais_da_educacao
_para_o_transito/portaria_denatran_147
        [ Links ]

Brasil. (2013) Diretrizes curriculares nacionais gerais da educação básica/ Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e educação integral. Recuperado em: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file        [ Links ]

Brasil. (2017). Ministério da Saúde. DATASUS - Departamento de informática do SUS. Recuperado em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6940&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10        [ Links ]

Brasil. (2018). Salvar VIDAS - Pacote de medidas técnicas para a segurança no trânsito. Brasília, DF: Organização Mundial da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde. Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Recuperado em: https://www.afro.who.int/sites/default/files/2018-05/9789275320013-por.pdf        [ Links ]

Cozby, P. C. (2003). Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Franco, E. T. A. (2013). Ações educativas para promover o agir comunicativo na interface matemática e trânsito: pesquisa sobre a própria prática. Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista, Bauru.         [ Links ]

Günther, H. (2003). Como elaborar um questionário. Brasília, DF: UnB/Laboratório de Psicologia Ambiental, 2003. Recuperado em: https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/lapsam/Texto_11_-_Como_elaborar_um_questionario.pdf.         [ Links ]

Ledur, R. J. (2015). Educação para o trânsito no ensino de ciências: proposta de uma unidade de ensino potencialmente significativa. Dissertação de Mestrado, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul.         [ Links ]

Martins, M. R., & Lorensetti, A. C. C. O. (2016). Perfil epidemiológico das vítimas de acidentes de trânsito de Maringuá-PR. Revista Uningá, 47,12-18. Recuperado em: http://revista.uninga.br/index.php/uninga/article/view/1275.         [ Links ]

Montmorency, C. M. L. B. (2012). Análise da percepção de segurança de trânsito em áreas escolares, com a utilização de ferramenta milticritério. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.         [ Links ]

Rodrigues, J. (2007). Educação de trânsito no ensino fundamental. Livro do professor. Gráfica Brasil, Brasília.         [ Links ]

Rozestraten, R. J. A. (1988). Psicologia do Trânsito - Conceitos e processos básicos. São Paulo, EPU. Editora da universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Silva, A. G. (2015). Habilidades sociais e comportamento do motorista entre universitárias usuárias e não usuárias de bebida alcóolica. Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista, Marília.         [ Links ]

Souza, J. L. D. (2010). Sobre a forma e o conteúdo da educação para o trânsito no ensino fundamental. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Carlos.         [ Links ]

Urruth, S. G. H. (2014). Física e segurança no trânsito: um curso de física e educação para o trânsito para jovens e adultos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul.         [ Links ]

Vasconcelos, E. A. (2010). O que é trânsito. Editora Brasiliense, Brasília.         [ Links ]

Zani, K. K. G. (2012). Análise de percepção das comunidades escolares sobre segurança de trânsito no entorno das escolas do município de São Carlos. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 27 de agosto de 2018
Aprovado em: 30 de julho de 2020

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License