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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.10 no.18 São Paulo June 2005

 

EDITORIAL

 

A escola deve ajustar-se à idiossincrasia infantil para assim levar os pequenos pelo caminho do desenvolvimento psicológico normal. Esta ilusão pedagógica é nova, pois outrora se pensava que as crianças iam à escola porque deviam escolarizar seus espíritos para entrar no mundo dos adultos. Ambas as afirmações, embora o pareçam, não são equivalentes.

Ir à escola sempre teve algo de brincadeira. Mais ainda porque os pedagogos de antanho sabiam d'isso, faziam de conta - com maior ou menor simpatia ou … carranca - que a escola era, ao contrário, coisa séria, isto é, coisa de gente grande. Os guris, rápidos - pelo fato de ser seres baixinhos - para farejar o desejo … de brincadeira, entravam no espírito escolar, espécie de caricatura do mundo. Além de seus anedóticos folclores, a dramática escolar se reduzia a fazer de conta que éramos gente grande. A escola reduplicava, assim, o próprio jogo do mundo, uma vez que não o sendo de fato, nós mesmos brincamos de sermos adultos. É claro, sempre há os que não sabem/não podem/não querem brincar e para nada saber d'isso grudam-se a qualquer ortodoxia pedagógica de plantão para nela gozar.

Belo paradoxo: brincando de sermos os grandes que ainda não éramos, acabamos escolarizando nossas existências! Assim foi que apreendemos os números, as regras ortográficas, a pedir licença e a ficarmos calados com ar sério quando um outro fala, mesmo não estando interessados no assunto. Em suma, aprendemos a nos sustentar na brincadeira pelo simples prazer de brincar sem ilusão alguma, pois passamos a saber que nunca seremos suficientemente grandes para assim chegarmos a ser nós mesmos.

Hoje, ao contrário, pensa-se que os adultos devemos convencer as crianças com argumentos racionais da necessidade de aprender coisas de adultos. Os adultos se convertem em velhos explicadores de necessidades diversas. Dessa forma, a escola não só perde sua graça e as crianças se entediam, senão que também elas - como qualquer de nós - passam a renegar, como podem, a obrigação de ser, precisamente aí, em que uma norma psicológica os supõe ser.

Os adultos, quando renunciamos à brincadeira de sermos grandes, esvaziamos a escola e a vida junto às crianças de seu espírito dramático. Os guris passam a se dar de cara com a obrigação de vir a ser psicologicamente desenvolvidos, isto é, velhos sem por isso poderem brincar de ser grandes. Assim, tentam se defender como podem para não caminhar de forma resignada para a morte - ou como dizia Freud, viajar para o Pólo Norte vestidos com roupas de verão e munidos com os mapas dos lagos italianos. Renegam dos números, das regras ortográficas e dessas coisas que nos possibilitam brincar na vida com a impossibilidade de nunca sermos gente suficientemente grande.

É precisamente na impossibilidade de sermos suficientemente grandes - nesse espécie de não lugar - que os adultos nos devemos implicar para, dessa forma, poder acompanhar os guris na travessia para o mundo adulto. Reconhecendo esse fardo para si, a leveza esvazia o ser e, assim, o adulto passa a dar provas - experimentar, provar e testemunhar - da mestria do significante, responsável por fazer despontar o desejo entre as banbolinas do amor e do rigor. É no reconhecimento dessa implicação onde algo de clínico também reside no cenário educativo. Pois é, nada mais nem nada menos que nos entregar ao jogo (do) mestre do quero-quero.

Leandro de Lajonquière

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