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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.11 no.20 São Paulo June 2006

 

RESENHA

Daniele de Brito WanderleyI 

FBDC - Salvador

Endereço para correspondência

 

 

Teperman, Daniela Waldman. Clínica psicanalítica com bebês – uma intervenção a tempo São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2005

 

Clínica psicanalítica com bebês - uma intervenção a tempo é um gostoso convite a partilhar com a autora Daniela Teperman suas tantas indagações acerca da polêmica clínica do infans.

Situar essa clínica precoce no seu contexto atual em que tantos são os modelos de atendimento não é tarefa simples; tanto mais quando a autora se propõe, ao longo de todo o texto, dialogar com os diversos autores, lançando mão de questões muito pertinentes para quem já trabalha com bebês ou já começa a sentir-se fisgada por essa prática, mas ainda não a exerce.

É assim que Daniela Teperman traz à tona as diferentes contribuições no campo da observação de bebês. Passando por Esther Bick e Winnicott, analisa o trabalho de autores que se dedicam à psicoterapia mãe/bebê como Cramer, Palácio Espasa e Rosine Debray, destacando que estes últimos focam sua práxis na interação mãe-bebê, enquanto autores como Françoise Dolto, Caroline Eliacheff, Myriam Szejer e Catherine Mathelin dão um enfoque maior à palavra e à simbolização. Ainda em torno das modalidades de atendimento, a autora investiga a clínica da Estimulação Precoce, numa rica discussão entre o instrumental e o estrutural, tomando como referência essencial as produções teórico-clínicas dos Centros Lydia Coriat, em contraponto com práticas de estimulação do discurso médico-científico, em que o sujeito aparece foracluído.

Seguindo sua investigação em torno dessa nova modalidade clínica na psicanálise, Daniela Teperman levanta muitas indagações – Uma intervenção precoce pode ser preventiva? Quando é precoce tratar? O que prevenimos? A psicanálise pode ser uma prática preventiva? – e, para respondê-las, oferece-nos um debate com diversos autores para, enfim, concluir que “Lançamos mão da prevenção na clínica com bebês quando os pais não puderam pré-venir (tomando emprestado um termo usado por Cláudia Hohenkhol) um sujeito em seu bebê” (p. 84). Mais adiante, nas suas reflexões acerca do papel do psicanalista e da função da estimulação na clínica com bebês, distingue as duas práticas fazendo a seguinte ressalva: “Propomos então que devemos “estimular” os pais em seu saber inconsciente sobre o bebê, em sua possibilidade antecipatória, e acreditamos que o bebê, recebendo os efeitos diretos a partir da nova posição ocupada pelos pais, torna-se mais “estimulante” para estes... sugerimos, assim, que o analista leve adiante essa “estimulação” que os pais não puderam pilotar” (p. 103).

Ainda com uma busca questionadora a respeito da prática do psicanalista com os bebês, Daniela Teperman indaga: De que lugar o bebê é tomado? Que tipo de intervenção a escuta psicanalítica permite efetuar diretamente com o bebê? E a resposta está na clínica, uma clínica cada vez mais a tempo, iniciada na Escola Terapêutica Lugar de Vida, um Núcleo de Intervenção Precoce, de onde retira os fragmentos clínicos que nos apresenta ao final do livro. A autora parece concluir, refletindo sobre sua posição teórica nesse campo das intervenções precoces: “Entendemos que, na clínica psicanalítica com bebês, a ênfase não recai sobre o bebê ou sobre os pais, não se trata de intervir na “relação” ou na “interação” entre estes, mas de voltar o olhar para a estrutura simbólica na qual o bebê está inserido, para o lugar em que o Outro se coloca ou é colocado pelo bebê: a intervenção ocorre no laço do bebê com o Outro.” (p. 151).

Atualmente os psicanalistas têm se dedicado mais a essa temática da intervenção pais-bebês, embora ainda haja muito questionamento a respeito da sua indicação, da sua pertinência e da própria prática, já que a psicanálise se faz através da escuta, e um bebê se caracteriza justamente pela ausência de linguagem. Nesse caso, concluem: trata-se de uma clínica dos pais e, portanto, de adultos. Também não se trata de analisar no bebê um sujeito do inconsciente, haja vista que um bebê é apenas um sujeito suposto, a se constituir.

Poderíamos então sustentar a idéia de um sofrimento psíquico num psiquismo em constituição? E, nesse caso, seria pertinente a intervenção de um psicanalista? Seria necessária uma mudança de enquadre para atender essa nova demanda sem perder a ética e os princípios da psicanálise?

Formular essas perguntas é essencial para que os profissionais da área de saúde que atendem a primeira infância possam reconhecer a pertinência de um encaminhamento para tratamento psicanalítico nessa fase da vida. Sabe-se que as crianças antes da idade escolar dificilmente chegam aos consultórios de psicanálise. Entretanto, também acompanhamos o percurso dos pais cujos filhos apresentam dificuldades de ordem psíquica desde cedo, percebendo que eles detectam as situações de sofrimento e buscam orientação, principalmente com pediatras ou neurologistas.

Atualmente, com o avanço da farmacologia, tem sido comum diagnosticar o TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), ou mesmo o transtorno bipolar, em crianças muito pequenas, que logo iniciam o uso de medicação psiquiátrica para supressão dos sintomas, sem ao menos serem encaminhadas para tratamento psicológico. Essas condutas têm não só impedido que sintomas como agitação, birras ou transtornos do sono possam ser reconhecidos como manifestações da criança inseridas num discurso familiar, como também impossibilitado que os pais se impliquem mais no sofrimento de seus filhos.

Por outro lado, as equipes multidisciplinares que atendem o bebê e sua família começam a indagar-se sobre fenômenos que aparecem em sua clínica e resistem às condutas médicas que têm se iniciado com uma vasta investigação diagnóstica – que comporta uma série de exames, muitas vezes invasiva para uma criança tão pequena. Entre esses fenômenos destacamos as intolerâncias alimentares, diarréias e /ou obstipações recorrentes, transtornos de sono ou mesmo crises de perda de fôlego. Apesar de constatarem a impotência diante de tais situações, os profissionais raramente associam tal sintomatologia a um aspecto psíquico. Mesmo entre aqueles que reconhecem um componente emocional, poucos são os que encaminham esses casos para tratamento psicológico, a não ser depois de alguns anos de persistência dos sintomas. O mesmo acontece com os quadros de caráter mais evidentemente relacional como as recusas alimentares precoces, as apatias e depressões nas crianças pequeninas, ou mesmo quadros reconhecidamente psicossomáticos.

Quando nos detemos no campo da psicopatologia, percebemos que os quadros de grandes dificuldades de ordem psíquica permitem o avanço teórico-clínico da concepção mesma do aparelho psíquico. Assim, foi em 1943 que Kanner (apud Lopes, 1995) descreveu o autismo infantil precoce, enfatizando um fracasso na interação e na comunicação com o outro desde a mais tenra idade (antes dos três anos de idade). O autismo surge, desde então, como entidade nosográfica, e tem impulsionado inúmeros estudos, todos inconclusivos do ponto de vista da etiologia ou de uma clara determinação orgânica. Os pesquisadores têm concordado mais com o fato de se tratar de uma multifatorialidade (Laznik, 2004,

Assunção 2004). Apesar de sua pequena prevalência, o autismo tem promovido amplas discussões, tanto no meio médico como no psicanalítico, advindo daí inúmeras contribuições, entre elas, as de detecção cada vez mais precoce.

Da mesma maneira, o campo da saúde mental encontra hoje o desafio de intervir mais cedo, diminuindo assim o impacto da patologia para o sujeito, para a família e para a sociedade. Surge mundialmente o conceito de psiquiatria, psicologia ou psicopatologia perinatal, que designam, segundo Golse (2002), os mecanismos que permitem ao adulto influenciar o bebê ou ao bebê influenciar o adulto e até a constituírem juntos círculos viciosos psicopatológicos. Voltada para o período anterior e para o período subseqüente ao nascimento, essa especificidade clínica tem se concentrado, nas últimas décadas, em pesquisas, estudos e na clínica orientada para bebês, no sentido de compreender patologias no início do seu aparecimento, para que a terapêutica seja mais eficaz e os efeitos patológicos menos graves.

Se, para Freud (1933), o desafio era pensar uma clínica com crianças – já que o infantil ele tratou nos adultos, o caso Hans tendo sido uma primeira aproximação com a criança –, a nós talvez caiba a tarefa de determinar a natureza e os limites da clínica com bebês, o que exigirá um trabalho mais extenso e cuidadoso. Sabe-se que os aportes da teoria lacaniana muito contribuíram para o avanço na clínica psicanalítica, especialmente no que se refere à clínica das psicoses, um limite para Freud, mas que atualmente tem levado a muitas teorizações a respeito da clínica do autismo e das psicoses infantis. Neste momento, a clínica com o bebê e sua família surge então como um próximo desafio em que podemos nos concentrar nos anos a seguir.

 

Referências bibliográficas

Assunção, F. (2004). Comunicação no Congresso de Neurologia e Psiquiatria Infantil – Vitória/ES. Texto não publicado.

Freud, S. (1933). Esclarecimentos, orientações e aplicações. Novas conferências introdutórias. Vol XXII. Rio de Janeiro: Imago. 1969, pp. 167-91.

Golse, B. (2002). O que temos aprendido com os bebês. In: Corrêa, L. F.; Corrêa, M. H. G. e França, P. S. Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos. Saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L. G. E., p. 118.

Laznik, M-C. (2004). A voz da sereia. Salvador, BH: Ágalma.

Lopes, A, G. (1995). O autismo segundo Leo Kanner. Letra Freudiana. Rio de Janeiro: Revinter. 1995. pp. 3-8.

 

 

Endereço para correspondência
Daniele de Brito Wanderley
R. Des. Baldoíno de Andrade, 211 apto. 40
40180-157 Salvador BA
tels (71)32457655 e (71)87071969
danielebw@hotmail.com

Recebido em março/2006.
Aceito em abril/2006.

 

 

I Psicanalista, especialista em psicopatologia do bebê e psiquiatria infantil (França). Docente do curso de pós-graduação da FBDC - Salvador, dirige a Coleção De Calças Curtas, da editora Ágalma, e integra o GNP – Grupo Nacional de Psicanálise com a pesquisa multicêntrica sobre indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil.

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