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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.23 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2018

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i3p481-482 

DOI: 10.11606/issn.1981-1624.v23i3p481-482

EDITORIAL

 

Feminidade, maternidade e cuidados profissionais

 

 

A conhecida declaração de Freud sobre o seu fracasso em aportar uma resposta sobre o querer da mulher virou, de certa maneira, a marca registrada de sua própria criatura: a psicanálise. A feminidade pode ser considerada como a questão em aberto por antonomásia. Talvez a sua natureza inconclusa não redobre mais do que àquela inerente à própria psicanálise. Mas também – é claro – talvez seja possível afirmar a sua inversa, isto é, que a derivação constante da reflexão freudiana resulta do não-saber sobre o querer da mulher. Até agora, enquanto tal, a feminidade não foi objeto de discórdia por ocasião das rupturas e divisões que deram lugar às versões atuais da psicanálise. No entanto, ela acaba sempre despontando no horizonte mais ou menos indiretamente a cada bifurcação. O rompimento de Carl Jung com a psicanálise ocorreu por conta de uma discussão em certo sentido bem anterior à feminidade – o da natureza sexual da libido. Isso já o colocou fora de campo. Já outra história é aquela das diferenças entre as diversas versões até hoje. A linhagem kleiniana e aquela derivada da operação lacaniana de retorno à Freud, embora tenham se constituído a partir da divergência sobre vários pontos, sua singularidade acabou atrelada à maneira que cada uma tem de desdobrar a interrogação freudiana sobre a sexualidade feminina. Em certa medida, o dossiê temático deste número retoma em particular esse ponto de torsão da letra freudiana.

Por outro lado, é líquido e certo que Freud não deixou em aberto a questão do querer materno. Não tinha como, pois isso já era bem-sabido, de fato. Até o rei Salomão se valeu dessa convicção na hora de dirimir uma disputa pela pose de um bebê! No entanto, coube a Freud afirmar que o querer materno, ao se ocupar e se preocupar com esse filho, afinca suas raízes no Édipo da menina, no qual o pai desponta como uma figura diferente de quando se trata do menino. Dessa forma, Freud acabou avizinhando maternidade e feminidade. Justamente, aquilo que faz polêmica não só entre anglo-saxões e lacanianos, mas também no interior desses grupos, é o mesmíssimo resultado dessa operação: Freud acabou reduzindo feminidade à maternidade? Ou entre elas teria reconhecido uma disjunção mais ou menos radical?

Enquanto o francês Jacques Lacan tudo distanciou e diferenciou – a feminidade, a mãe, o falo, o pênis e o pai – para interrelacioná-los discursivamente na esteira da empreitada estruturalista que teve lugar no século passado e assim realocar o desejo no centro da experiência freudiana, Melanie Klein – a inglesa por adoção – tudo deslocou para o interior do corpo materno deixado atrás pela cesura natal. Mas, para além da diferença de onde situaram esses elementos, seja fora ou dentro das fantasmadas tripas maternas, ambos coincidiram sobre o fato de que todo recém-chegado depara-se com eles para assim tecer ou conquistar um lugar para si no mundo, diferentemente daquele sonhados pelos pais.

A diferença entre mãe e mulher não é dada. Ela – aliás como toda diferença psíquica – deve ser fabricada inconscientemente, no decorrer de um certo tempo, por todo recém-chegado, menino ou menina. Não há uma sem a outra, assim como tampouco há dia sem noite e vice-versa. Entre ambas há continuidade e diferença e por isso que todo cuidado materno implica – por princípio – em um a mais com relação a todo simples cuidado que, como sabemos, pode não ser tão simples assim.

Precisamente, esse dossiê também se faz eco desta outra questão prima-irmã da primeira e que, somente devido às mudanças na vida cotidiana com as crianças, acabou ganhando destaque nos debates: até que ponto os cuidados prodigados por babás ou profissionais de creches prolongam, ou não, os cuidados despendidos por uma mãe? Simples cuidados sanitários? Ou talvez cuidados e "algo a mais"; porém, sem chegar a priori a se igualar aos cuidados de uma mãe/mulher?

Certamente, a leitura desse dossiê deixará a desejar, como se diz, "Bingo, para o dossiê"! Mas, também, mais um ponto para Sigmund Freud, pois bem que ele disse que a feminidade dá o que falar!

 

Leandro de Lajonquière

 

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