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Revista da SBPH
Print version ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.25 no.2 São Paulo July/Dec. 2022
https://doi.org/10.57167/Rev-SBPH.v25.484
PARTE I PANDEMIA: O CUIDADO E SEUS EFEITOS
Os efeitos do desamparo psíquico em profissionais da saúde no atendimento de pacientes com COVID-19*
The effects of psychic helplessness in health professionals in the care of patients with COVID-19
Lucas Jivago Lourenço FrancoI; Debora Lydinês Martins CorsinoII; Sílvia Nogueira CordeiroIII
IUniversidade Estadual de Londrina - Londrina/PR - lucasjivagolfranco@gmail.com
IIUniversidade Estadual de Londrina - Londrina/PR - deboralydines.mc@gmail.com
IIIUniversidade Estadual de Londrina - Londrina/PR - silvianc@uel.br
RESUMO
A infecção COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, foi responsável por uma pandemia de escala mundial, ocasionando grande impacto na sociedade como um todo, especialmente no âmbito da saúde. No que se refere aos profissionais da linha de frente no combate contra o vírus, sabe-se que eles foram uma das primeiras classes de trabalho afetadas pelo novo cenário. Nesse sentido, a presente pesquisa objetivou compreender os efeitos na saúde mental dos profissionais de saúde que vivenciaram o processo de cuidado de pacientes adoecidos pela COVID-19. O delineamento do estudo apresentou-se como descritivo, de natureza clínico-qualitativa. Utilizou-se de entrevistas semidirigidas, com questões abertas direcionadas a sete profissionais da saúde que atuavam no contexto de pandemia da COVID-19 em hospitais do Paraná. Os resultados e a discussão foram apresentados em forma de categorias, que foram estudadas a partir do método da análise de conteúdo de Bardin. Foi possível compreender que as vivências do ofício hospitalar para aqueles presentes na linha de frente da pandemia foram marcadas pelo desamparo psíquico, que trouxe sofrimento aos profissionais de saúde, decorrente das especificidades do tratamento dos pacientes com COVID-19, excesso de casos e falta de amparo dos órgãos competentes.
Palavras-chave: coronavírus; pandemia; profissionais da saúde; saúde mental.
ABSTRACT
The COVID-19 infection, caused by the SARS-CoV-2 coronavirus, was responsible for a worldwide pandemic, causing great impact on society as a whole, especially in the field of health. Regarding the professionals struggling against the virus in the frontline, it is known that they were one of the first working classes affected by this new scenario. Thereby, the present research aimed to understand the effects on the mental health of health professionals who experienced the process of caring for ill patients with COVID-19. The study design was presented as descriptive, of a clinical-qualitative nature. Semi-structured interviews were used, with open questions directed at seven health professionals who worked in the context of the COVID-19 pandemic in hospitals in Paraná. The results and discussion were presented in the form of categories, which were studied using the method of content analysis by Bardin. It was possible to understand that the hospital professional experiences, for those present on the front line of the pandemic, were marked by psychological overload, which brought suffering to health professionals, resulting from the specificity of treating COVID-19 patients, excess of cases and lack of support from the responsible agencies.
Keywords: coronavirus; pandemic; healthcare professionals; mental health.
Introdução
O Sars-CoV-2, vírus responsável por causar a infecção que se popularizou como COVID-19, teve seus primeiros casos anunciados em dezembro de 2019 (WHO, 2020). A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia no início de 2020, sob o cenário de 110 mil casos distribuídos em 114 países. No Brasil, declarou-se Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) no início de fevereiro de 2020, devido à rapidez do contágio da doença, que influenciou de maneira significativa a vida de bilhões de pessoas em todo o planeta (Brasil, 2020).
Destaca-se que, no momento do presente estudo, com a coleta tendo sido interrompida em maio de 2021, não havia ampla disponibilidade de vacinas e a dificuldade de encontrar um tratamento comprovadamente eficaz para o coronavírus fez da estratégia de distanciamento social a medida mais importante na intervenção para o controle do vírus. No entanto, essa estratégia não se aplica às equipes de assistência à saúde, principalmente para os profissionais que estão no cuidado direto de pacientes com suspeita ou com diagnóstico confirmado de Covid-19 (Teixeira et al., 2020).
A exposição direta aos pacientes infectados fez dos profissionais hospitalares grupo de risco para a doença, sendo também afetados por fatores como cansaço físico, estresse psicológico, insuficiência e/ou negligência com relação às medidas de proteção e cuidado à saúde. Situação que traz como consequência um aumento significativo de sofrimento psíquico nestes profissionais (Teixeira, et al. 2020).
Esses fatores têm íntima relação com o cenário contemporâneo de crise econômica mundial, ac entuado pela expansão do modo de produção capitalista e neoliberal, que possibilitou processos de reorganização dos Estados marcados pelo desmonte das políticas sociais, aprofundamento da precarização do trabalho, retirada de direitos e ataques à democracia, pesquisa, educação e meio ambiente. Criou-se, portanto, um contexto propício para uma pandemia devastadora, que atingiu boa parte da população mundial afetada por não possuir condições mínimas para realizar o isolamento social, devido a situações precárias de trabalho, saúde e moradia (Pinto & Cerqueira, 2020).
Essa precariedade diz respeito à implementação da doutrina neoliberal, que se dá a partir da década de 70, marcada pela entrada do discurso de psicologização no campo econômico e político, trazendo intervenções profundas em relação ao estatuto social do sofrimento nos modos de socialização capitalistas. Esse processo identifica como falha moral a não correspondência das expectativas impostas com o ideal de existência do sujeito do desempenho, o "empresário de si" (Safatle, 2021).
O sujeito, portanto, sofre de uma eterna sensação de cansaço e insuficiência ao ter sua identidade formada e padronizada a partir do neoliberalismo. Nesta política do sofrimento, descobre-se que sua administração adequada e mensurada serve como um forte motor para a produção. Desse modo, faz-se uma gestão individualizada e instrumentalizada do sofrimento psíquico, primando pela supervalorização do consumo e da produção acima do bem-estar social (Dunker, 2021).
É a partir disso que, com a suspensão do "mundo existente" na pandemia, os profissionais da saúde acabam por ser engolidos pelos seus trabalhos, confinando-os em um período de crescentes demandas hospitalares. Essa situação se encaixa nas exigências das políticas neoliberais que, ao seguir uma tendência para além da economia, passa a legitimar sofrimentos úteis para a produtividade, caracterizando tanto os sintomas clínicos quanto o mal-estar existencial (Safatle, 2021).
Nesse contexto, os profissionais da saúde foram requeridos a atender demandas desgastantes, acentuadas pelo descaso dos órgãos competentes em realizar medidas de isolamento social e investimento no combate ao coronavírus, levando os sistemas funerário e de saúde de alguns estados à beira de um colapso (Pinto & Cerqueira, 2020; Kind & Cordeiro, 2020). Foi possível observar que a irrupção desses fatores coloca em evidência o desamparo psíquico do ser humano, intensificado pelo cenário traumático da pandemia.
Nesse sentido, frente à angústia e devido à demanda de amor e proteção, o sujeito recorre a recursos internos e/ou externos para construções imaginárias e simbólicas que lhe permitem lidar com o desamparo psíquico. Uma solução ilusória para essa fragilidade sentida pelo sujeito dá-se através do laço social, sendo construído por ele em associação com sua rede de relações intersubjetivas dentro do contexto em que está inserido, criado como reação às situações de desamparo (Ceccarelli, 2009).
Os laços sociais foram colocados em questão na pandemia, como consequência do déficit das condições materiais oriundas da falta de amparo técnico e dificuldades na gestão pública, aliadas ao excesso de trabalho. A situação descrita trouxe sobrecarga psíquica aos profissionais de saúde, sendo também fruto da necessidade súbita da mobilização de trabalhos de luto, não somente pelas perdas de pacientes, colegas e familiares, mas também pela perda simbólica relacionada ao desaparecimento das antigas rotinas, à restrição da liberdade de circulação e do convívio social (Dantas et al., 2020).
Em vista disso, será apresentado, no primeiro ponto, um recorte do conceito de angústia nos escritos freudianos enquanto um afeto que se destaca em situações de perigo sentidas pelo sujeito, que reage de maneira diferente perante essas vivências. Já no segundo ponto, será demonstrado o processo de construção da morte no ocidente, assim como ela se presentifica no ambiente hospitalar, impactando a imagem e o ofício do profissional da saúde.
Angústia: afeto privilegiado no cotidiano hospitalar
O confronto com a morte é uma experiência que coloca o sujeito diante do limite humano: a realidade da finitude da vida, o desamparo. A experiência com a morte é singular e difícil de ser simbolizada e subjetivada, o que torna necessário um tempo para a elaboração. A angústia é um afeto privilegiado nessa experiência, na medida em que dá o tom para as vivências psíquicas de um sujeito que passa por situações de perda ou separação (Oliveira, 2020).
As primeiras formulações sobre o afeto em questão ocorrem nos Estudos sobre a histeria de Breuer e Freud (1894/1980). Nesses textos, anteriores à estruturação da teoria metapsicológica da psicanálise, a angústia foi abordada dentro de uma entidade clínica de sintomatologia própria (irritabilidade, ansiedade, expectativa angustiante e ataques de angústias diversos) denominada "neurose de angústia". Ela possui fonte orgânica e se origina como reação a traumas, repetindo-se cronicamente. Esta abordagem foi estabelecida devido à insuficiência do uso de fatores externos enquanto explicação para o surgimento e manutenção da angústia (Lourenço, 2009).
Naquele momento, a angústia foi compreendida como uma excitação resultante de uma disfunção que invade a psique, expressando-se como um "sentir-se mal", podendo apresentar sudorese, vertigem, distúrbios respiratórios, tremores, pânico noturno, entre outros indicadores. Entre as condições etiológicas para a aparição da neurose de angústia, Freud (1894/1980) observou uma que aparenta ser a única de natureza não sexual: a neurose que emerge como produto da sobrecarga de trabalho.
Assim, quando há esforço exaustivo, como, por exemplo, o cuidado de enfermos durante noites em claro, a energia libidinal, por ser pouco resistente ao cansaço, é transformada de tal maneira que não consegue mais lidar com a excitação somática, desligando-se da representação e causando uma irrupção de afetos. Essa energia excessiva e desligada pode ser considerada um substrato primordial para a angústia (Freud, 1894/1980).
Nas "Conferências Introdutórias à Psicanálise", Freud (1916-1917/2014) voltou a abordar o afeto, agora sob a primazia dos aspectos psíquicos devido à abordagem metapsicológica presente na investigação psicanalítica. Assim, o autor compreendeu o afeto a partir da elevação de tensão no sujeito, oriundo dos conflitos internos sentidos como ameaças. A angústia, portanto, passou a ser considerada um estado de expectativa a um perigo indeterminado, sentido como interno ou externo.
Foi apenas no segundo momento da teorização que Freud (1926/2014) em "Inibição, Sintoma e Angústia", olhou para o conjunto de observações clínicas de seu período para retificar algumas de suas conclusões sobre o tema. O autor primou pelo argumento de que este afeto consta em uma reação à sinalização de perigo, de modo que o Eu defensivamente aplica investimento na liberação de desprazer em forma de angústia ao perceber representantes psíquicos apreendidos como causas de conflitos ou possíveis ameaças.
Freud ressaltou que a angústia possui importância primordial na formação do infante, visto que é o afeto que indica o perigo desde o momento do nascimento, e torna-se modelo para as situações de perigo posteriores, existindo, portanto, anteriormente aos conflitos intrapsíquicos e não sendo produto deles. Assim, para o autor, o afeto de angústia tem a capacidade de ser atualizado de acordo com as vivências traumáticas presentes na história do sujeito, sendo despertado quando situações análogas aos estados de perigos passados ocorrem (Freud, 1926/2014).
O estado de perigo, para Freud, incide na verificação da angústia pelo infante ao se ver abandonado e sem segurança frente a possíveis ameaças; logo, sem o cuidador que sempre satisfez suas demandas, essa ausência representa situação de aflição. A sensação de angústia, então, revela-se como produto do desamparo psíquico do infante, construída conforme suas vivências, além de ser essencial para a preparação do ser humano, pois visa a autopreservação (Freud, 1926/2014).
Neste sentido, a angústia foi compreendida como uma expectativa do trauma ao mesmo tempo que se trata da "reprodução atenuada" dele, um sinal de ajuda a partir do que foi experienciado passivamente, podendo ser interpretada como uma repetição que objetiva uma participação mais ativa do sujeito perante as atribulações vividas (Freud, 1926/2014).
Esse breve percurso foi feito visando às contribuições da abordagem freudiana da angústia enquanto afeto psíquico originado na reação a perigos indeterminados e suas possíveis relações com as vivências dos profissionais da saúde durante a pandemia. A partir disso, o próximo ponto pretende discutir uma dessas fontes de perigo que se faz presente no hospital e mobiliza diversas reações e modos de agir: a morte.
A morte no ocidente e sua influência na atuação do profissional da saúde
A circunscrição da morte no contexto hospitalar se deu no advento da modernidade, a partir do século XIX. Da Idade Média até os dias de hoje, a concepção de morte mudou radicalmente pois, se antes a morte era familiar e presente no cotidiano, agora passa a ser negada, ocultada e distanciada através de um longo processo histórico. Assim, sua presença passa a ser recebida em conjunto com as ideias de falência do corpo, dos métodos de atenção à saúde, das relações sociais etc. (Ariès, 1977/2012).
Os significados atribuídos ao temor da doença e da morte fizeram com que a sociedade contemporânea utilizasse o saber e técnica científicos como refúgio ou uma maneira de diluir a impotência sentida diante das representações de morte e sofrimento. Percebe-se uma dissociação entre a efemeridade da vida, a naturalidade do adoecimento e a inevitabilidade da morte, como se fossem elementos heterogêneos sem complementação (Ariès, 1977/2012).
A morte deixou de ser vista como um limite natural para o sofrimento, sendo construída em paralelo a este num contexto impregnado pelo pessimismo existencial das sociedades industriais. Ao aparecer junto com o sofrimento, causa perplexidade no sujeito, visto que há uma idealização comum sobre o processo de morrer (Pitta, 1999).
Portanto, compreende-se a construção social de um processo de trabalho do profissional da saúde, responsável, por meio dos aparatos técnico-científicos, de prolongar a vida até onde puder, afastando a dor, a doença, a morte, escondendo-as nos hospitais e UTIs, reforçando, então, suas características incômodas e míticas (Ariès, 1977/2012; Pitta, 1999).
Esse processo resulta em um homem moderno desaparelhado para lidar com as contingências da morte, impactando o dia a dia do profissional de saúde, que lança mão de estratégias, inconscientes e conscientes, para lidar com o que seria um padrão socialmente aceitável de morte, luto e adoecimento (Pitta, 1999). Considera-se aqui que a posição subjetiva ocupada pela pessoa na relação dela com o adoecer é influenciada por sua singularidade, sua rede de relacionamentos interpessoais e o contexto em que se insere (Simonetti, 2004).
É então possível adaptar a afirmação de Freud (1915/2020) sobre a perturbação da relação que se mantém com a morte, quando o sujeito é abalado em suas expectativas ao lidar com esse processo, especialmente quando envolve um grande número de mortes.
O caráter irrepresentável da morte influi nessa construção, pois "no fundo, ninguém acredita em sua própria morte, ou, o que vem a ser o mesmo: no inconsciente, cada um de nós está convencido de sua imortalidade" (Freud, 1915/2020, p. 117). Essas circunstâncias corroboram a posição cultural convencional que o homem ocidental assume de deixar a morte de lado, buscando eliminá-la, não elaborando, portanto, sua própria condição enquanto ser efêmero.
As situações que causam angústia, como perdas e separação, têm um registro devido às experiências presentes na história do sujeito, porém a angústia diante da morte não tem esse mesmo registro. Assim, essa situação a que reage o Eu é captada como um estado de perigo e diz respeito ao sentimento de abandono do sujeito "pelas forças do destino -, de modo que não há mais segurança contra todos os perigos" (Freud, 1926/2014, p. 52).
Freud (1926/2014) também configurou o conceito de "inibição", como resultado da restrição ou diminuição de uma função do Eu, não necessariamente patológica, que atinge funções básicas, com o objetivo de evitar a angústia. O excesso de tensão sentido pelo sujeito ocasiona no rebaixamento da libido. Assim, quando o Eu deve lidar com um trabalho psíquico que lhe requer grandes exigências, como o luto, há uma supressão de afeto que empobrece a energia libidinal disponível em prol da sua manutenção, com a possibilidade de desencadear estados depressivos e melancólicos (Freud, 1926/2014).
Por fim, Freud (1917/2016, p. 78) aponta que o luto diz respeito à perda de "uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como a pátria, a liberdade, um ideal, etc.". A partir dessa afirmação, no cenário da pandemia, é possível observar o desamparo do sujeito diante das extensas reorganizações do aparelho psíquico exigidas pelos trabalhos de luto, restrições e aumentos das exigências no trabalho.
A partir das perspectivas colocadas, o presente estudo traz questionamentos sobre as possíveis consequências dessa catástrofe na vida dos profissionais de saúde, por meio da investigação dos efeitos psíquicos que lhes atravessam em face das exigências de desempenho cada vez mais impossíveis de se alcançarem. Dessa forma o objetivo da pesquisa visou compreender os efeitos na saúde mental dos profissionais de saúde que vivenciaram o processo de cuidado de pacientes adoecidos pela COVID-19.
Procedimentos Metodológicos
Este estudo se estruturou como uma pesquisa descritiva, de natureza clínico- qualitativa, como definido por Turato (2003). Este delineamento envolve uma abordagem que relaciona os métodos qualitativos das ciências humanas com a atitude clínico-psicológica sob enfoque psicodinâmico, comum nas ciências da saúde, priorizando a compreensão da relação de significações dos fenômenos para os sujeitos e para a sociedade e o acolhimento de suas vivências emocionais.
Em consequência das restrições sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19 no momento da pesquisa, a coleta de dados foi realizada de forma virtual, por meio do aplicativo Google Meet, com profissionais da saúde que atuam no tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus dentro do contexto hospitalar brasileiro, especificamente, nos hospitais do Paraná. O pesquisador disponibilizou o convite para a participação da pesquisa por meio de e-mails e redes sociais (como o Instagram, WhatsApp e Facebook), aqueles que se interessaram pelo estudo entraram em contato com o pesquisador. Todos os participantes concordaram com o Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE, disponibilizado através do Google Forms, e confirmaram seu aceite em participar do estudo. O sigilo dos participantes foi assegurado em todas as etapas da pesquisa.
Foi elaborado um roteiro de perguntas que contemplasse os objetivos do estudo, ou seja, utilizou-se a técnica da entrevista semidirigida de questões abertas, conforme proposto por Bleger (1998), com liberdade para que o pesquisador realizasse questionamentos de acordo com os conteúdos que surgissem (Turato, 2003). As entrevistas foram realizadas de forma individual e a partir da autorização prévia dos profissionais, essas entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente apagadas.
A seleção da amostra foi proposital e/ou intencional, pois buscou-se profissionais que fornecessem informações relevantes, seguindo os objetivos do estudo. Para definir o tamanho da amostragem foi utilizado o critério de saturação, a interrupção da coleta de dados ocorreu quando percebeu se a redundância das informações entre os entrevistados (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008). Participaram do estudo sete profissionais, seis mulheres e um homem.
Após o início da coleta, foram feitas a transcrição e a avaliação das entrevistas, de maneira a compreender as informações que se repetiam até a identificação de saturamento da amostra. Os dados, envolvendo diário de campo da observação e as entrevistas transcritas na íntegra, foram analisados a partir de leituras sucessivas, por meio de avaliações conjuntas entre o pesquisador e sua orientadora, além de serem discutidos entre os pares do Laboratório de Estudo e Pesquisa em Psicanálise (LEPPSI) da Universidade Estadual de Londrina.
A análise de conteúdo foi a técnica escolhida para o tratamento dos dados, consistindo na descoberta, por meio de leituras flutuantes dos dados coletados, transitando entre os aspectos objetivos e subjetivos das unidades de sentido componentes da comunicação, tendo sua presença ou frequência como essencial para a significação, de acordo com o objetivo analítico pretendido (Bardin, 1977/2011).
Os dados foram analisados tendo como base a teoria psicanalítica e seus conceitos. O material coletado, portanto, foi lido e classificado em categorias temáticas pensadas a posteriori, de acordo com os temas e assuntos advindos das entrevistas (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008).
O presente estudo recebeu fomento do CNPQ, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, sob parecer nº 4.235.018.
Resultados e Discussão
O grupo foi composto por duas enfermeiras, uma auxiliar de enfermagem, uma técnica de enfermagem, uma fisioterapeuta e dois médicos. Os nomes atribuídos são fictícios, visando preservar o sigilo das identidades dos entrevistados. A faixa etária variou entre 26 e 56 anos, seis participantes declararam ser da religião católica e um espiritualista. Todos eram atuantes no Paraná, tanto em hospitais públicos quanto privados. A partir de suas narrativas, foram construídas três categorias de análise que serão apresentadas a seguir: "Nós estamos vivendo no sufoco": o sufocamento subjetivo nos profissionais; "Os heróis da saúde": sensação de não-visibilidade e impotência; e por fim, "Eu não consigo esquecer": as singularidades nas reações frente à morte.
Nós estamos vivendo no sufoco: o sufocamento subjetivo nos profissionais
Nesta categoria foram abordadas as expressões do sujeito na posição de profissional de saúde submetido a demandas cada vez mais árduas devido à pandemia. Os entrevistados relataram como enfrentaram os incessantes casos a serem atendidos, demonstrando um esgotamento frente à sobrecarga, à precarização das condições de trabalho e ao isolamento social requerido, o que traz um novo conjunto de sofrimentos derivados da hipervigilância (com o vírus e com suas próprias condutas) e das vivências de desamparo.
Nossa, como tá sendo? Tá sendo sufocante. Tá sendo muito sufocante, nós estamos sofrendo muito. Porque nós não temos apoio, principalmente da direção, é superlotação (...), é isso, nós estamos vivendo no sufoco (...) (Carla, auxiliar de enfermagem).
A sobrecarga do trabalho evidenciada acima, que resultou da lotação hospitalar pandêmica e da falta de recursos, invadiu todas as esferas de vida dos profissionais. É possível inferir que esse excesso laboral associa-se aos processos neoliberais de subjetivação, onde se incorpora constante vigilância e autoavaliação, que o sujeito utiliza para medir suas ações e melhorar sua performance. (Safatle, 2021).
Assim, nesses processos, o indivíduo ideal é aquele que não abandona seu posto, buscando saciar a produtividade exigida, não só por seu empregador, mas também por si mesmo. Ele está sempre procurando otimizar seu desempenho ao administrar seu próprio sofrimento, mesmo que às custas de seu lazer e sua saúde (Dunker, 2021).
É assim que o trabalho hospitalar dos profissionais na pandemia passou a ser ressignificado e a energia dedicada foi excessivamente direcionada em prol da realização das demandas da COVID-19. Na volta ao lar, o sujeito continua a trabalhar, não podendo aproveitar do sentimento gratificante de descanso e liberdade pessoal, impedindo a elaboração dentro do confinamento, como se demonstra nas falas a seguir:
Vida pessoal não tem mais, não existe. Literalmente, você se dedica 24 horas pro hospital, então você acaba não… não conseguindo ter vida social, e até mesmo porque hoje a gente não tem mais vida social, não é? (Paula, técnica de enfermagem).
E na pessoal, é... a gente acaba esquecendo um pouco porque mergulha na parte do trabalho. Então eu não tenho me preocupado tanto com a questão pessoal em si (Jorge, médico).
A precarização das condições de trabalho no contexto pandêmico aliada ao excesso de cobrança permitiu o não desligamento das funções desempenhadas pelos profissionais da saúde. Com o auxílio das tecnologias atuais, mesmo quando estão em seu "tempo livre", eles continuam a atender as demandas dos pacientes ou familiares,e realizavam as funções para os quais não tinham tempo no hospital, como se vê a seguir:
(...) o nosso Whats App às vezes é a noite toda, eu não desligo meu celular, a noite toda, eles estão pedindo informação, pedindo alguma ajuda. Então, assim, não tem mais vida nenhuma, é casa, trabalho, trabalho, casa e, assim, não há Sky, não há Netflix, não tem nada um livro, ou bíblia, ou qualquer coisa que seja, que possa, é... tirar da gente esse pensamento único desse ano de pandemia (Gabriele, fisioterapeuta e intensivista).
(...) de manhã, às seis da manhã eu saio de casa pra trabalhar, eu volto pra casa às 11 da noite (...) e agora, quando eu tenho uma noite livre, eu chego em casa mais cedo pra rever exame, falar com familiar de paciente ansioso, familiar ansioso de paciente, e dormir depois no horário, então eu não tenho mais tempo livre assim (Jorge, médico).
A angústia sentida pelos profissionais, de acordo com seus relatos, pode ser relacionada com as contribuições freudianas iniciais acerca da etiologia não sexual da "neurose de angústia", quando o autor relatou que a energia excessiva proveniente de esforços exaustivos se torna a base da angústia ao ser transformada por não conseguir lidar com as quantidades de excitação (Freud, 1894/1980).
Por conseguinte, o estabelecimento dessa nova rotina não possibilitou um momento de "respirada" para a elaboração das situações desgastantes. A sensação de sufocamento dos profissionais pode ser interpretada por meio dos relatos que demonstram esgotamento diante das situações de trabalho hospitalar, sinalizando na forma de angústia a chegada do perigo, resultando na expressão de sintomatologias diversas, conforme apontado por Freud (1926/2014). É possível entender que esse perigo é associado ao período passado no hospital, ocupado pelo contato com pacientes.
E depois do que aconteceu, eu realmente percebi já, uns três plantões eu ando meio, digamos que com ansiedade, eu sinto, eu tô começando a ter sintomas que eu sei que é de uma síndrome de pânico" (Paula, técnica de enfermagem).
(...) então faz muito tempo que eu não consigo dormir uma noite completa, é... Faz muito tempo que eu não consigo não sentir medo e não ter segurança do que que me espera o próximo dia de trabalho, sabe? Então assim, as noites são interrompidas, às vezes por pesadelos (...) (Gabriele, fisioterapeuta).
Às vezes, acabam as energias (...) você se sente esgotado, já aconteceu mais de uma vez durante a pandemia... de eu me levantar de manhã... fisicamente descansado, porque eu durmo bem, mas psiquicamente exaurido. Daí eu trocava de sapato, de camisa, de jaleco no braço e não conseguia levantar da minha cama, fiquei ali umas duas horas mais ou menos, atrasei todos os atendimentos porque não conseguia sair da cama. É o esgotamento psíquico, que agora se fala bastante, da síndrome de esgotamento psíquico, o burnout. (Jorge, médico).
Foram evidenciados sinais de esgotamento psíquico nos relatos dos entrevistados, podendo, portanto, relacionar os sintomas relatados com o contexto compartilhado. Porém as posições subjetivas assumidas pelos profissionais variam de acordo com a sua relação com o adoecer e a significação dada às suas vivências de angústia.
Deste modo, alguns experienciam a sinalização de um perigo indeterminado em suas crises de ansiedade e noites de insônia, podendo ser relacionada ao trabalho hospitalar, devido à repetição dos estados de perigo nesse ambiente, enquanto outros relatam a inibição de suas funções, possivelmente resultado do esvaziamento psíquico pelo excesso de tensão, muito semelhante ao descrito por Freud (1926) e Simonetti (2004).
O esgotamento relatado também diz respeito às exigências excessivas impostas à figura do profissional da saúde, que serão discutidas na próxima categoria, em específico os efeitos psíquicos frente à impossibilidade de responder a essas demandas, devido às condições materiais do contexto.
"Os heróis da saúde": sensação de não visibilidade e impotência
Serão discutidos nesta categoria os efeitos psíquicos nos profissionais ocasionados pela quebra da ilusão do laço social diante da sensação de não visibilidade perante a falta de amparo estatal e institucional, impactando em decorrência do contraste da idealização do profissional da saúde e a falta de reconhecimento pelo meio social.
A construção social da figura do profissional da saúde e a paralisia do sujeito ocidental moderno devido aos padrões socialmente aceitáveis quanto às vivências da morte e do adoecer, conforme já descritos, se relacionam com as idealizações imaginárias do profissional da saúde e com o que seria uma forma adequada de morrer e enlutar-se no hospital (Ariès, 1977/2012; Pitta, 1999). Processo que resulta no que se chamou de "heróis da saúde" e no que se espera deles na atuação frente a COVID-19.
Então, às vezes eles (colegas da equipe) falam, olha, nós não somos heróis não, a gente tá cumprindo, tentando fazer a nossa profissão (...), tentando cumprir o nosso trabalho, mas nosso trabalho tá extremamente desgastante. (Anita, enfermeira).
No começo da pandemia teve os 'heróis da saúde', não sei o que os 'heróis da saúde'. Agora todo mundo já esqueceu disso, todo mundo... continuou todo mundo trabalhando normal, exacerbadamente, e assim, não que a gente quer reconhecimento. Mas a gente é muito cobrado mesmo, então, é difícil isso. (Adriana, médica).
A cobrança ao profissional da saúde veio de diversas direções, da instituição em que atuou, da população brasileira que necessitou de sua atuação para o enfrentamento da pandemia, dos seus pacientes e seus familiares com pedidos de cuidados, e por fim, somado a tudo isso, a autocobrança do profissional. Essas expectativas foram construídas pelo meio social, podendo ser interpretadas como demandas não apenas para o combate ao coronavírus, mas também para solucionar um desamparo, já presente na criação do laço social e acentuado pela pandemia (Ceccarelli, 2009).
Assim, nas situações em que o descaso estatal, institucional e social foi experienciado, evidenciou-se uma lacuna entre o excesso de cobrança aos profissionais e a ausência de reconhecimento e amparo da sociedade e do conhecimento técnico-científico disponível. Houve, deste modo, uma quebra da ilusão heroica do profissional hospitalar pela não correspondência dessa idealização com a realidade material, como se vê nos relatos a seguir:
Ah, e outra coisa, falta de tudo essa semana. (...) Cortamos garrafas para tomar água porque não tinha mesmo copo pra tomar. Medicação tá faltando, você pode esperar que essa semana vai faltar oxigênio (...). Nossos respiradores estavam acabando, e a parte mais triste que tem no hospital é quando você precisa é... esperar uma pessoa ir a óbito, pra você poder limpar, então, o respiradouro dele pra usar, essa é uma parte triste também (Carla, auxiliar de enfermagem).
(...) às vezes nós passamos por falta de respiradores, a gente já passou por, é... mortes prematuras de gente jovem, a gente já viu paciente morrer na nossa frente sem que pudéssemos fazer nada (...) (Gabriele, fisioterapeuta intensivista).
Concluiu-se que os relatos dos profissionais denotam vivências de desamparo ao terem entrado em confronto com os limites humanos da vida, sendo necessário trabalhos de luto não apenas pelas fatalidades, mas também por abstrações, como idealizações da imagem e atuação do profissional da saúde perante o adoecimento e a morte (Freud, 1917/2016; Dantas et al., 2020).
Assim, pode-se entender que as mortes não evitadas devido à indisponibilidade de conhecimento médico necessário, associado às condições que impossibilitaram a atuação sem sobrecarga do profissional, demandam extensas reorganizações psíquicas nos profissionais e tempo para a elaboração dessas vivências de perdas e separações (Oliveira, 2020).
Esta situação desembocou nos estados de perigo sentidos pelo sujeito, passíveis de serem apreendidos conforme o que Freud (1926/2014) relata sobre situações de angústia naquele que se vê abandonado por forças exteriores sem qualquer segurança diante das ameaças deste tempo, em específico o excesso de mortes. Essa angústia diante da morte será mais bem trabalhada na próxima categoria, em que se discute a perda de pacientes pelos profissionais da saúde e a impotência sentida pela falta de condições propícias para o atendimento
"Eu não consigo esquecer": as singularidades nas reações frente à morte
Esta categoria visa apresentar as vivências dos profissionais marcadas pelo excesso de mortes e pelas suas relações com os pacientes. Essas relações mobilizam identificações com os pacientes e seus familiares, além de demarcar posições singulares observadas nas diferentes modalidades de cuidado e nas reações frente às contingências de morte e luto específicas da pandemia, associadas ao sentimento de impotência devido à falta de conhecimento técnico e as concepções de morte ocidentais.
As mortes como consequência da pandemia podem ser associadas a uma quebra de expectativa devido à própria posição cultural ocidental do sujeito frente ao ato de morrer, que escape de quaisquer ideais. A morte idealizada, segundo Pitta (1999) e Freud (1915/2020), está dissociada de uma relação com o sofrimento e é abalada diante de grandes números. Assim, observaram-se efeitos da perturbação dessa visão nas situações de atendimento e as reações dos profissionais em seus relatos após "saberem" que seus pacientes iriam morrer e se sentirem impotentes diante disso, como se vê a seguir:
E com todas essas coisas faltando, você entra em uma enfermaria e, paciente com aquela oxigenação ruim, ele fala assim, enfermeira por favor, pede pro médico, manda ele me intubar. E é triste, essa parte, quando o paciente pede pra ser intubado, e que você sabe que ele vai ser intubado e ele não vai voltar (Carla, auxiliar de enfermagem).
E muitas vezes tá chegando no final da jornada ali, da vida dele, e você fala senhor amado, quanta medicação, quanta coisa, e sabe que o paciente não vai voltar, mas não deixa de fazer, faz tudo o que você pode fazer, investe tudo que tem que investir, mas mesmo assim, ele não, não retorna pra gente. (Paula, técnica de enfermagem).
A falta de conhecimento científico para combater a COVID-19 pode ser associado a esse sentimento de impotência percebido nos relatos, visto que o saber técnico-científico é utilizado como refúgio devido ao desamparo sentido diante das representações de doença e morte (Pitta, 1999). Com suas limitações aparentes, não restam alternativa aos profissionais a não ser assistirem os enfermos como podem.
Aí você fala, até que ponto que a gente consegue, é... intervir para uma melhora, então a gente se depara com as nossas limitações... a gente tentar aliviar o sofrimento, mas nem sempre a gente consegue efetivamente ter essa melhora (Anita, enfermeira).
A partir disso, pode-se interpretar, segundo Pitta (1999), que os profissionais "desaparelhados" para lidar com essas contingências lançam suas estratégias de defesa singulares, seja pela via da indignação e denúncia da situação, da conformação passível de ser interpretada por alguns como banalização, ou pelo desânimo intenso, como percebido nos relatos a seguir.
(...) então, é a sobrecarga de trabalho, é bem grande mesmo, e aí quando você vai perdendo o paciente, é mais um que foi. Mas não dá pra sobreviver fisicamente trabalhando, com tanta gente precisando da sua assistência, é a lei natural assim, que tá selecionando quem tá sobrevivendo, porque na verdade, a situação que tá hoje, sobrevive quem Deus quer (Adriana, médica).
(...) essas pessoas que não levam a sério, deviam passar pelo menos um dia dentro de uma UTI (...). Mas ficar dentro de uma UTI para COVID. Só pra pessoa sentir como que é e dar um pouquinho mais de valor à vida dela mesmo, porque tá extremamente cansativo... (Paula, técnica de enfermagem).
(...) o que tem acontecido é uma negligência. Não uma negligência desculpa, uma banalização da morte pelo COVID. Já ouvi vários médicos dizerem assim: COVID mata mesmo. Não, não é assim, COVID não mata mesmo. Eu acho que a gente tem que lutar pela vida de qualquer pessoa até a última gota. (Gabriele, fisioterapeuta e intensivista).
Estas últimas falas revelam as vicissitudes do tratamento da COVID-19 e uma amostra do impacto deixado na vida daqueles em contato com os pacientes durante a pandemia. Deste modo, entende-se que as consequências das alterações significativas trazidas por esse cenário perpassam a atuação profissional, tendo reações diretas nas vidas pessoais dos entrevistados.
Considerações finais
A partir das entrevistas, foi possível acompanhar a dimensão da pandemia em uma parcela de profissionais atuantes no contexto hospitalar paranaense e, embora não se deva fazer generalizações, tal recorte ilustrou uma realidade possível no combate ao coronavírus. Esse cenário reverberou no contingente dos profissionais, tendo efeitos em sua saúde psíquica, ao estarem próximos da morte e da contaminação pelo vírus, submetidos à precariedade das condições laborais, marcados pelo sofrimento, medo, insegurança, estresse e exaustão.
Portanto, o combate à COVID-19 revelou o hiato entre a sobrecarga de casos e desconhecimento da doença e a necessidade de seu atendimento imediato. Esse desencontro relaciona-se com o que se esperou da ciência enquanto saber capaz de solucionar o desamparo advindo das demandas desta conjuntura e o que se efetuou na realidade material.
Assim, pensa-se na importância da escuta da singularidade promulgada pela psicanálise de modo a abordar o sofrimento considerando o descompasso estrutural do sujeito e seu meio. Essa escuta considera os limites das respostas científicas frente ao mal-estar, sem ignorar a incidência do laço social na manifestação dos sintomas, e visa legitimar os sofrimentos em questão e entende ser fundamental a responsabilização dos órgãos competentes em prol do reconhecimento social das mazelas enfrentadas pelos profissionais.
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Lucas Jivago Lourenço Franco - Psicólogo.Graduado em Psicologia. Bolsista de Iniciação Científica CNPq.
Debora Lydinês Martins Corsino - Psicóloga. Mestranda em Psicologia PPGPSI Universidade Estadual de Londrina.
Sílvia Nogueira Cordeiro - Docente Associada do Departamento de Psicologia e Psicanálise.
* Agência de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.