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Revista Psicologia Política
On-line version ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.20 no.49 São Paulo Sept./Dec. 2020
ARTIGOS
Sobre as pessoas que habitam os territórios em risco
Discussion on people who live in territories at risk
Sobre las personas que habitan en territorios en riesgo
Juliana Catarine Barbosa da SilvaI; Jaileila de Araújo MenezesII
IDoutora em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2017). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2010). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL) - Prefeitura da Cidade do Recife, Brasil. Psicóloga Clínica de Centro de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas. Psicóloga da Secretaria Executiva de Proteção e Defesa Civil / jucatarine@gmail.com
IIMestra e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Associada da Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, Brasil. Departamento de Psicologia e Orientações Educacionais do Centro de Educação e Programa de Pós-graduação em Psicologia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL) / jaileila.araujo@gmail.com
RESUMO
O presente artigo objetiva caracterizar o perfil dos(as) usuários(as) do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC). O referido Sistema é, no Brasil, a instituição governamental que concentra as intervenções sobre riscos no contexto das emergências e desastres. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida na região metropolitana do Recife, na qual foram analisados 53 documentos de avaliação de risco e realizadas 15 entrevistas semiestruturadas. Observamos que os(as) usuários(as) do SINPDEC são, em sua maioria, pessoas do sexo feminino, pobres e em condição de desenvolvimento humano abaixo da média das cidades em que vivem. Nesse sentido, observa-se a situação de estar incluído em um processo que também é de exclusão, ou seja, o acesso aos serviços de defesa civil não tem garantido a esse público a vida fora das áreas em risco.
Palavras-chave: Defesa civil; Risco; Gestão da vida; Desigualdade social, Psicologia.
ABSTRACT
The present article aims to characterize the profile of end-users of the National System for Civil Protection and Defense (SINPDEC). In Brazil, the system referred to is the government institution that concentrates interventions on risks within the context of emergencies and disasters. Qualitative methods were used, developed for the metropolitan region of Recife. The study observed 53 documents of risk evaluation and performed 15 semi-structured interviews. It was seen that those who had contact with SINDPEC were mainly female, poor and in a segment of human development below average for the city where they lived. In this sense, one observes that they are included in a process of exclusion, where access to civil defense services does not guarantee the protection of these people.
Keywords: Defense of Civilians; Risk; Safety Management; Social Inequality; Psychology.
RESUMEN
El presente artículo objetiva caracterizar el perfil de los(as) usuarios( as) del Sistema Nacional de Protección y Defensa Civil (SINPDEC). El referido Sistema es, en Brasil, la institución gubernamental que concentra las intervenciones sobre riesgos en el contexto de las emergencias y desastres. Se trata de una investigación cualitativa, desarrollada en la región metropolitana de Recife, en la cual fueron analizados 53 documentos de evaluación de riesgo y realizadas 15 entrevistas semi-estructuradas. Observamos que los(as) usuarios(as) de SINPDEC son, en su mayoría, personas del sexo femenino, pobres y en condiciones de desenvolvimiento humano bajo la media de las ciudades en que viven. En ese sentido, se observa la situación de estar incluido en un proceso que también es de exclusión, o sea, el acceso a los servicios de defensa civil no ha garantizado a ese público la vida fuera de las áreas de riesgo.
Palabras clave: Defensa civil; Riesgo; Gestión de vida; Desigualdad social, Psicología.
Introdução
O presente artigo objetiva caracterizar o perfil dos(as) usuários(as) do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC). O referido Sistema é, no Brasil, a instituição governamental que concentra as intervenções sobre riscos no contexto das emergências e desastres, sendo composto por equipes multiprofissionais que atuam nas esferas municipais, estaduais e federais. Dentre os profissionais inseridos no SINPDEC, destacaremos o papel dos(as) profissionais de psicologia nesse campo de atuação.
Nosso interesse por compreender melhor quem são as pessoas que fazem uso do SIMPDEC surgiu a partir da realização de uma pesquisa mais ampla que buscou estudar como circula o conceito de risco ao longo do referido sistema. Foram acessados cinco serviços de Proteção e Defesa Civil, estando cada órgão participante localizado em uma cidade diferente dentro da Região Metropolitana do Recife. Na ocasião da pesquisa, observamos que as pessoas que circulam nos territórios classificados como em risco pela defesa civil encontram-se em situação de extrema pobreza e, em muitos casos, não possuem acesso aos direitos sociais mais básicos.
Ao falarmos em pobreza no presente contexto, buscaremos não reduzir a uma simples ausência de renda, mas refletir sobre o contexto de exclusão que o termo apreende. Martins (2002) afirma que, ao se pensar a pobreza, não devemos ter como único foco a distribuição de renda, não podemos descuidar também das reflexões sobre equidade na distribuição dos benefícios sociais, culturais e políticos. Nesse sentido, a questão assume uma dimensão que ressalta os elementos sociais em interação com os econômicos.
Muitos caminhos são possíveis para se falar de pobreza no contexto brasileiro, desse modo, escolhemos aqui não definir o Brasil como um país pobre, mas como um país marcado pela desigualdade. As discrepâncias apresentadas ao longo de seu território não são apenas financeiras, os acessos aos direitos e às oportunidades profissionais e sociais são extremamente desiguais. E essas são questões enfrentadas diariamente pelas pessoas que vivem nas áreas classificadas pela defesa civil como estando em risco.
Nesse sentido, a primeira questão a ser levantada se refere a distribuição sócio-espacial dos desastres ao longo do território brasileiro, e a forma como o fenômeno afeta desigualmente pessoas ricas e pobres. Para Maia (2016), a reprodução das desigualdades influencia diretamente a intensificação da pobreza e não é possível pensar em combater essa última sem enfrentar a primeira. Em janeiro de 2016, no Fórum Econômico Mundial em Davos, a Oxfam (2016), confederação de 20 organizações que atuam em 94 países pelo fim da pobreza e desigualdade, divulgou o relatório intitulado "Uma economia para o 1%", no qual denuncia que apenas um por cento da população mundial possui mais riquezas do que as demais 99%. Os dados apresentados pela instituição indicam ainda que a porção privilegiada tem se utilizado de seus poderes para influenciar o sistema econômico, como a retenção de mais de 7,6 trilhões de dólares em paraísos fiscais, intensificando ainda mais as discrepâncias entre ricos e pobres.
A Oxfam (2016) relata ainda que, no planeta, o desgaste ambiental médio provocado pelos 1% mais ricos pode alcançar até 175 vezes o valor do impacto causado pelos 10% mais pobres. Destaca-se que a parte mais pobre da população é responsável por apenas 10% das emissões dos gases promotores do efeito estufa. Em contrapartida, as pessoas mais afetadas pela pobreza também habitam as localidades mais sujeitas aos problemas ocasionados pelas mudanças climáticas.
Destaca-se, entretanto, que as desigualdades apontadas acima não são as mesmas em todos os territórios. Como exemplo, temos a situação de América Latina e Caribe, considerada pela Oxfam (2016 b) como a região mais desigual do mundo, mesmo não sendo a mais pobre, quando se considera o acúmulo de riqueza total. Esses países são marcados ainda por uma imensa desigualdade entre homens e mulheres e entre pessoas negras e pessoas brancas. Em média, na América Latina e Caribe, uma mulher chega a ganhar 78% do salário dos homens.
Dentro de um mesmo país encontramos regiões mais e menos desiguais, esse é o exemplo do Brasil. Para Maia (2016), a herança deixada por nosso processo de colonização e pelas marcas da escravidão provocou desigualdades que atingem de modo contundente principalmente as pessoas negras e em especial as mulheres negras de nossa sociedade. Segundo a autora, apesar de nos últimos anos o Brasil ter realizado importantes avanços no tocante ao combate à pobreza, com implementação de políticas de transferência de renda e da consolidação de instrumentos jurídicos importantes como o Estatuto das Cidades, o país continua a figurar entre os mais desiguais do mundo, ocupando o 14º lugar no ranking mundial, mesmo estando na nona posição entre as economias mundiais. São ainda grandes os desafios que precisam ser enfrentados para diminuir as injustiças em questões como renda, moradia digna, mobilidade, segurança, entre outros.
Para Scalon e Salata (2016), mesmo que a população brasileira tenha vivido, nos últimos anos, experiências positivas de inclusão via crédito e consumo, alguns fatores básicos para promoção de equidade e justiça social ainda não foram conquistados, e mesmo o aumento da renda e do consumo não garantiu a inclusão de uma forma mais ampla e estável. Como exemplo das afirmativas dos autores, temos a crescente onda de ameaças e retrocessos sobre os direitos sociais recentemente adquiridos, tais como a aprovação da Emenda Constitucional n. 55 (2016) que promove a redução dos investimentos públicos em áreas como saúde e educação. A referida emenda foi aprovada durante o tempo histórico de realização da pesquisa. Embora saibamos de outras propostas previstas em alinhamento com o avanço do neoliberalismo em nosso país, as mesmas não serão tratadas aqui para demarcarmos os processos que efetivamente ocorreram durante a produção do estudo.
Arretche (2016) afirma que as desigualdades sociais no Brasil não podem ser medidas unicamente a partir das disparidades entre os um por cento mais ricos e os demais 99% da população. As discrepâncias existentes dentro desse último grupo precisam ser foco de nossa atenção. Mesmo que o índice Gini1 brasileiro venha recuando, tendo passado de 0,545 em 2004 para 0,490 em 2014, muito ainda temos que avançar para vencer as desigualdades que assolam o país de norte a sul.
Quando pensarmos nos inúmeros avanços em pesquisa, na produção de alimentos, tecnologias, entre outros aspectos não podemos deixar de considerar que esses avanços não são acessíveis a todas as pessoas. Mesmo que a produção de conhecimentos e os investimentos públicos para se sanar uma determinada problemática obedeçam à perversa lógica do modelo capitalista de produção. Nesse contexto, muito mais do que chamar atenção para um modelo de sociedade que produz riscos em escala global, Bauman (2008) ressalta as desigualdades das políticas de enfrentamento e combate aos riscos. No que compete aos ditos fenômenos da natureza, por exemplo, pontua que a promessa de previsão e redução dos desastres considerados naturais oferece uma "distribuição seletiva da imunidade a seus efeitos." (Bauman, 2008, p. 107). Segundo a lógica de um padrão centrado no desenvolvimento econômico, as tecnologias desenvolvidas para mitigação dos riscos dividem o planeta entre as vidas que são merecedoras de serem preservadas e aquelas "indignas de serem vividas" (p.107). Para o autor "o resultado da guerra moderna aos medos humanos parece ser sua redistribuição social e não sua redução em volume2. " (Bauman, 2008, p.107).
Sobre a gestão dos riscos e a associação entre pobreza e perigo
A gestão de riscos e emergência brasileira possui como instituição principal o SINPDEC, definido pelo decreto n. 7.257, de agosto de 2010, em seu artigo 2º, parágrafo I como "o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar desastres, minimizar seus impactos para a população e restabelecer o cotidiano social". Atualmente o trabalho realizado pela Defesa Civil é regulamentado pela lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. O documento estabelece as competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, isolada e conjuntamente, para o gerenciamento de riscos e desastres. A lei promove ainda maior interação entre as diversas políticas setoriais, como saúde, educação, ciências e tecnologia, com destaque para as políticas responsáveis pelo ordenamento territorial, sinalizando uma estreita relação entre a forma como os solos são ocupados e a ocorrência de desastres. Os órgãos municipais de defesa civil são responsáveis pela assistência direta das pessoas atingidas por desastres, assim como, pelas estratégias de prevenção dos riscos. Devem, para isso, receber apoio dos estados e do governo federal.
O SINPDEC já existe há várias décadas, contudo, a atuação de profissionais da psicologia nesse cenário é mais recente. A referida profissão foi inserida nas ações em Defesa Civil, inicialmente, com intervenções pontuais com foco nos momentos posteriores a grandes desastres. Destaca-se, no ano de 2006, uma maior aproximação entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil e o Conselho Federal de Psicologia, parceria que resultou no I Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres que ocorreu em Brasília (Conselho Federal de Psicologia, 2011).
Segundo Silva e Menezes (2016) a inserção da psicologia no debate sobre defesa civil, mesmo sendo relativamente recente, vem caminhando no contexto brasileiro para um campo/tema de atuação sólido, possuindo três eixos principais de estudos: psicologia cognitiva, com foco nos estudos sobre percepção dos riscos; psicologia clínica, com ênfase nas vivências subjetivas da exposição de pessoas às situações de risco; e os estudos em psicologia social e psicologia política, que buscam problematizar o contexto social e político das pessoas que vivem nos territórios em risco.
Os supracitados estudos, contudo, tem alcançado de modo tímido os cursos de graduação em psicologia, e mesmo os órgãos de defesa civil, em sua maioria, ainda não contam com profissionais da área. Esse foi o contexto identificado no presente estudo, considerando que das cinco instituições de defesa civil que aceitaram participar da pesquisa, apenas uma contava com psicólogos (as). Tal escassez de trabalhadores nos levou a refletir, não apenas sobre as implicações corporativistas e políticas dessa ausência, mas principalmente sobre o lugar da psicologia na proposta de atenção às pessoas em situação de pobreza, em especial àquelas que são alvo de políticas públicas como as de Proteção e Defesa Civil.
Nossa profissão, historicamente produziu e ainda produz saberes dirigidos às elites, que em muitos casos reforça a associação entre pobreza e problemas de desenvolvimento ou mesmos pobreza e criminalidade (Dantas, Oliveira, & Yamamoto 2010). Tal movimento, dentre outras questões, surge do desconhecimento do público que começa a ser asseado a partir do momento em que as políticas públicas, em especial as de assistência social e saúde, começam a fazer parte do campo de atuação da psicologia.
Refletindo sobre o forte processo de patologização, criminalização e vitimização que as ciências sociais e humanas têm produzido com relação às classes pobres, Menoni (2014) afirma que a Psicologia apresenta como principal desafio na contemporaneidade produzir um saber emancipatório, que busque alternativas para o "canibalismo simbólico" (p. 108) que tende a massificar as experiências subjetivas. Contudo, seria injusto pontuarmos que essa é uma prática restrita as ciências "psi", tal legado remonta todo um arcabouço teórico que contribuiu para o fenômeno da patologização e exclusão social das pessoas pobres.
As ciências estatísticas, por exemplo, foram responsáveis por uma releitura dos fenômenos populacionais e por uma reinvenção do humano a qual Hacking (1990) chamou de "making up people" (p.10).As pessoas, assim como seus hábitos passam a ser numerados e quantificados a partir de uma nova linguagem numérica, questões que antes eram atribuídas às leis da natureza pertencem agora ao campo das condutas, produzindo o que Foucault (2010) denomina de biopolítica. Essas leis, expressas em probabilidades, trazem com elas conotações de normalidade e desvio. Para Hacking (1990), a Psicologia que trabalhava até então com a definição de natureza humana, passa a adotar a ideia de "pessoas normais".
A biopolítica configura-se, entre outras práticas, numa série de ações governamentais sobre grupos específicos da população, sempre sob o argumento da segurança e do bem coletivo. Nesse contexto, as cidades ganharam uma nova conotação, condizendo não apenas com meros espaços de moradia, mas constituindo-se como excelentes instrumentos para os dispositivos de segurança (Foucault, 2008).
A ânsia por separar as pessoas entre normais e anormais, entre doentes e sãs, para forjar formas de vida a partir de leituras consideradas "objetivas", ganhou novas proporções a partir do discurso especializado. Destaca-se nesse contexto, o surgimento do debate sobre "classes perigosas" (Guimarães, 2008), termo que foi originalmente desenvolvido na Inglaterra, por volta da primeira metade do século XIX, no Brasil, foi apropriado pelos defensores de propostas higienistas, que propuseram medidas para combater problemáticas coletivas como doenças, pragas e a requalificação do espaço urbano.
No país, no início do século passado, os movimentos higienistas, extremamente influenciados por demandas político-partidárias e por questões de ordem econômica, foram os precursores de propostas radicais e impositivas de intervenção coletiva, sob o discurso da promoção da saúde e do bem coletivo. A associação entre pobreza e perigo estava discursivamente relacionada à violência e às doenças. Como ações desses movimentos temos a campanha de vacinação em massa proposta de modo impositivo e que culminou com a "Revolta da Vacina", além da proposta de requalificação dos centros urbanos a partir da extinção dos cortiços, que gerou diversos movimentos de resistência e acarretou a ocupação desordenada das áreas de morros de diversas capitais brasileiras (Crescêncio, 2008; Leite, 2010; Mattos, 2008).
Considerando os elementos debatidos até aqui, buscaremos com o presente artigo caracterizar o perfil dos(as) usuários(as) do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), criando elementos para que possamos problematizar quem são essas pessoas e em que contexto estão inseridas no SINPDEC.
Sobre a metodologia
O presente estudo, de abordagem qualitativa, possui como fundamentos teórico-metodológicos os processos e reflexões sobre discurso desenvolvidos por Michel Foucault e pela psicologia discursiva. Do primeiro, enfocamos o macrodiscurso a partir de sua construção histórica, das relações que o mesmo estabelece entre o saber, a verdade, o poder e os processos de subjetivação (Foucault, 2013, 2014). Da Psicologia discursiva, por sua vez, enfatizamos os microdiscursos, a linguagem em processo de ação e interação no cotidiano das pessoas (Davies & Harré, 2001; Potter & Wetherell, 1987).
Para a construção das reflexões que serão apresentadas foram acessados dados de 53 pessoas, usuárias do SINPDEC em cinco serviços de distintas cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR). Os responsáveis pelas instituições leram e assinaram Cartas de Anuência com autorização para uso de dados, nas quais concordam em indicar usuários(as) das instituições para participarem de entrevistas, assim como fornecer documentações oficiais que auxiliassem na caracterização do perfil das pessoas atendidas pelos respectivos serviços. Toda a pesquisa foi executada em conformidade com a Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta as pesquisas com seres humanos.
Durante a discussão dos resultados encontrados utilizaremos da linguagem numérica para fundamentar nossa discussão, contudo não trabalharemos com a ideia de amostra representativa. Partilhamos das proposições trazidas por Donna Haraway (1995), que defende a perspectiva ética de uma pesquisa posicionada e situada como a objetividade possível nos estudos acadêmicos. A autora estimula a reflexão sobre os vários atores presentes na produção de conhecimento e sobre o papel político de cada um. Para ela "é precisamente na política e na epistemologia das perspectivas parciais que está a possibilidade de uma avaliação crítica objetiva, firme e racional" (Haraway, 1995, p. 24).
Sobre as pessoas participantes e os procedimentos utilizados
Os(as) entrevistados(as) foram contatadas(as) a partir de listagens de usuários(as) fornecidas pelas instituições participantes. O critério para inclusão era que a pessoa já tivesse sido atendida pela defesa civil. Os serviços indicaram um total 53 pessoas e seus respectivos documentos de avaliação de risco. Esses documentos continham os dados socioeconômicos dos(as) usuários(as) e de suas famílias. Após o fornecimento da lista de contatos, esses locais não receberam nenhum tipo de informação sobre quem aceitou participar das entrevistas, nem sobre o local e a data em que ocorreram. De um total de 53 pessoas indicadas, 15 pessoas, sendo 12 mulheres e três homens, aceitaram participar das entrevistas semiestruturadas. Todas leram e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) contendo os objetivos das pesquisas, possíveis implicações para os participantes e informações sobre as pesquisadoras envolvidas.
Sobre a análise dos discursos produzidos
As entrevistas foram integralmente transcritas e analisadas juntamente com os 53 documentos coletados, todo o conjunto de textos recebeu o mesmo tratamento analítico. Utilizamos nesse material discursivo o processo de tipificação (Minayo, 2012) que consiste na realização de sucessivas leituras com o objetivo de identificar os elementos discursivos que melhor responderiam ao nosso objetivo. Nesse sentido, à medida que os discursos foram sendo lidos, fomos buscando neles caminhos organizativos que nos auxiliassem a compreendê-los.
Em nossas análises, elegemos algumas informações sociodemográficas a serem problematizadas: sexo, idade, escolaridade, renda, profissão, situação habitacional e composição familiar. Salientamos ainda que as principais informações do perfil têm como referência o titular do imóvel que, salvo raras exceções, residia com outras pessoas no endereço em risco. Destacamos ainda, que como apenas 15 dos 53 perfis foram reconstruídos durante a pesquisa, algumas informações, consideradas por nós de extrema relevância não foram encontradas no material disponibilizado pelos órgãos de defesa civil, tal situação pode ser atribuída, inicialmente, à falta de padronização no material produzido pelas instituições, uma vez que, cada órgão faz a coleta do material e avaliação dos casos de modo distinto. Essas questões serão melhor abordadas durante a discussão do material analisado.
Sobre as pessoas que circulam nos territórios em risco
Nosso estudo possuiu como objetivo caracterizar o perfil das pessoas que habitam os territórios classificados como em risco pela defesa civil. Para isso, utilizamos como referências as informações sociodemográficas sobre sexo, idade, escolaridade, renda, profissão, situação habitacional e composição familiar. A escolha dessas informações ocorreu após observarmos o material coletado pelos profissionais de defesa civil para análise de casos de risco. Posteriormente a cuidadosa leitura de todos os documentos fornecidos, atualizados as informações das 15 pessoas entrevistadas. Com a realização das entrevistas foi possível observar a situação habitacional recente dessas 15 famílias.
Iniciamos nossas análises por uma reflexão sobre ausências, buscando compreender quais vozes são destacadas e quais são invisibilizadas no contexto da gestão de emergências e desastres. Segundo Deleuze (2005) o enunciado que pode não ser a princípio visível, não deve ser confundido com o oculto. Ou seja, as ausências possuem em si um significado que merece ser analisado sob a ótica dos jogos de saber/poder (Foucault, 2014) que circunscrevem o contexto pesquisado. Nesse sentido, no material analisado identificamos desde a ausência total de algumas informações, como a baixa notificação de outros.
As informações sobre raça/cor, por exemplo, não estiveram presentes em nenhum dos documentos recebidos. Esse acontecimento, sinaliza como as instituições pesquisadas podem estar distanciadas do debate sobre a questão racial e suas implicações para a construção de uma sociedade mais igualitária. Marcadamente, o referido tema tem sido palco de importantes debates no que concerne à problemática dos riscos no contexto da gestão de emergências e desastres. Raimundo (2015), por exemplo, buscou evidenciar as questões raciais nos territórios em risco e nas comunidades pobres, debatendo a trajetória de exclusão das pessoas negras no que compete à distribuição dos territórios. Para a autora a segregação socioespacial e a questão racial são pautas urgentes, que remontam nossa herança colonial que em nada reparou a exclusão das pessoas negras e pobres do direito à propriedade da terra.
Voltando as informações identificados durante a análise de nosso material de pesquisa, observamos que dos 53 perfis acessados, sete tinham homens como titulares do auxílio-aluguel. Esse benefício eventual é concedido por alguns órgãos de defesa civil às famílias cujas residências foram avaliadas como estando em risco e que são consideradas impróprias para moradia. Segundo informações fornecidas pelos serviços participantes, o auxílio-aluguel é preferencialmente concedido às mulheres, pois se atribui a elas uma melhor gestão do recurso, além de ser a figura feminina que geralmente fica com a guarda dos filhos após eventuais processos de separação no contexto cultural pesquisado.
Observa-se ainda que, entre as pessoas que aceitaram participar das entrevistas, temos 12 mulheres e três homens. Entre as 12 entrevistadas, oito eram as principais provedoras de suas famílias, sendo o cuidado da casa, dos filhos e de pessoas idosas, responsabilidade delas em todos os casos em que estavam presentes. Esses achados são corroborados por Fragoso, Silva e Silva (2012) quando os autores afirmam que os desastres atingem de forma desigual homens e mulheres, tendo em vista que estas assumem maiores responsabilidades de cuidado no contexto familiar em situações de crise.
Para Freitas e Marques (2010), as relações entre os gêneros e os desastres são socialmente construídas e intensamente influenciadas por questões políticas, econômicas, culturais e sociais. Essas relações possuem também estreita dependência das condições de classe, raça e etnia. No presente estudo, além do direcionamento do auxílio às mulheres, não foram identificadas outras iniciativas que busquem problematizar o lugar desse seguimento da população no contexto das emergências e desastres. Esse silenciar frente às questões de gênero na defesa civil sinaliza o quanto as políticas públicas ainda são omissas e apresentam um olhar limitante sobre as mulheres, reforçando a divisão desigual de papéis no contexto pesquisado.
As questões sociais e de gênero repercutem sobre as mulheres não apenas as tornando mais vulneráveis aos desastres, como também as sobrecarregando muito mais nos estágios posteriores às situações de crise. De acordo com Spivak (2010), as mulheres possuem um histórico de vulnerabilização ainda maior dentre os sujeitos subalternos, levando-se em consideração o lugar de exclusão que ocupam na maioria das organizações sociais. No contexto dos desastres, as mulheres com frequência precisam assumir novas ações de cuidado e, por isso, reduzem suas perspectivas de busca por novos recursos e formação, migram menos em busca de novas oportunidades e também ficam mais sujeitas às questões de saúde advindas de tais situações, como por exemplo, os transtornos de estresse pós-traumático (Fragoso et al., 2012; Freitas & Marques, 2010).
Outra informação elencada foi a idade dos(as) participantes, que variou de 20 a 81 anos. Apenas 47 documentos apresentavam informações sobre composição familiar. A partir desses 47 perfis, utilizando a classificação etária sugerida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) temos um quantitativo de quatro idosos, 91 adultos, 20 adolescentes e 44 crianças, com uma média de 3,38 pessoas por família estudada.
Um dado que nos chama atenção foi que uma das informações mais negligenciadas pelos profissionais que atendem as famílias é o fator escolaridade. Dos 53 perfis acessados, apenas 28 continham informações sobre escolaridade, sendo que em algumas cidades as informações sobre acesso à educação formal foram obtidas a partir das entrevistas realizadas pela pesquisadora, pois em nenhum dos documentos formulados pelos profissionais esse fator foi considerado. Entre os 28 titulares cujo fator escolaridade foi considerado, registramos duas pessoas não alfabetizadas, 17 com ensino fundamental incompleto, três com ensino fundamental completo, um com ensino médio incompleto e cinco com ensino médio completo. Nenhum dos participantes relatou acesso à educação universitária, fator que não pode deixar de ser interpretado também como um recorte de classe, demonstrando a dificuldade de acesso ao sistema formal de educação apresentada pelo seguimento populacional atendido pelo SINPDEC.
Quando comparamos as informações encontrados em nossa pesquisa com os índices de desenvolvimento humano da RMR, observamos que, em 2010, a expectativa de tempo de estudo das pessoas da região era de 9,86 anos, com uma média de 95,59% de seus habitantes com ensino fundamental completo (PNUD, IPEA, & FJP, 2013). Tais informações apontam que a parcela de pessoas atendidas pela defesa civil está à margem dos direitos sociais mais básicos, com índices de escolaridade bem abaixo da média regional. É importante observarmos que o fator escolaridade poderia ser utilizado como elemento estratégico dos órgãos de defesa civil, tendo em vista que todas as instituições pesquisadas utilizam material informativo, que requer um nível mínimo de leitura e interpretação de texto, como estratégia de prevenção de riscos e desastres.
Stephan (1996) problematiza a questão do não acesso à escrita como ferramenta de exclusão social. A autora explicita como desde o século XIX uma das habilidades que caracterizavam um cidadão de direitos era o domínio das letras. A escrita foi um dos grandes instrumentos através dos quais foram forjadas as tecnologias de subjetivação: constituições, manuais de urbanidade e gramáticas do idioma, que permitiram ao povo "não civilizado", tornarem-se cidadãos. Por meio dela se acessavam os códigos de condutas e costumes das comunidades e sem ela, até na atualidade, não se alcançam uma série de direitos que só existem no mundo dos letrados. Desse modo, chama-nos atenção a pouca preocupação das equipes de defesa civil em identificar se seus usuários(as) possuem tal código de acesso.
Com relação às informações sobre renda, os valores identificados referem-se à soma de rendimentos de todos os membros da família, incluindo valores recebidos de programas sociais e estimativas de ganho com trabalhos informais. Observamos ainda que, durante algumas das entrevistas, os participantes não informaram a renda familiar, esse dado também foi omitido em alguns dos documentos produzidos pela defesa civil. Determinados arquivos utilizam apenas o termo "baixa renda", mas não especificam os valores recebidos pelas famílias.
Não foram identificadas informações sobre renda em nove dos 53 perfis acessados; quatro tiveram os rendimentos identificados como "baixa renda"; cinco pessoas declararam não possuir nenhum tipo de renda; e 17 famílias recebem menos de um salário mínimo como soma total dos rendimentos de todos os componentes familiares. Considerando os valores declarados de renda e a composição familiar de todos os participantes de nossa pesquisa, encontramos uma renda per capita de aproximadamente R$166,10 (cento e sessenta e seis reais e dez centavos). Esses números, mesmo que pouco precisos, sinalizam a condição de pobreza dos usuários do SINPDEC acessados durante o presente estudo.
As informações sobre renda e profissão podem também serem relacionadas. Dos 53 perfis acessados, 13 não apresentavam informações sobre atividades laborais realizadas pelos(as) usuários(as); sete foram assinalados como desempregados(as); oito indicaram que não trabalhavam; seis como "donas de casa"; dois, como aposentados(as); oito como trabalhadores(as) informais; e nove, como empregados(as) com carteira assinada. Como podemos observar, uma pequena proporção dos(as) participantes trabalha formalmente, ou seja, não possuem estabilidade financeira para arcar com custos mais altos de aluguel nos setores não classificados como estando em risco pela defesa civil.
As informações concernentes à faixa etária, renda e ocupação dos participantes de nossa pesquisa apontam para o elevado grau de vulnerabilidade social e pobreza no qual vivem os usuários e usuárias do SINPDEC. Nesse sentido, na presente pesquisa consideramos que a questão pobreza não pode ser analisada como uma informação entre outras, mas como um elemento central de análise quando problematizamos a questão do risco na defesa civil brasileira. Observa-se que risco e pobreza, estão entrelaçados, permeando uma gestão não apenas dos riscos físicos, mas também do estar em situação de pobreza. Identificamos que, no Brasil, as ações em defesa civil têm se configurado em torno de populações pobres, populações que historicamente foram marginalizadas, excluídas e realocadas para espaços afastados, ou degradados, dos centros urbanos. Tais afirmativas são corroboradas quando aproximamos os dados encontrados em nossa pesquisa com os indicadores de desenvolvimento humano municipal (IDHM) da RMR.
O IDHM das cidades da RMR é de 0,734, esse número é calculado a partir de informações sobre Renda, Longevidade e Educação. A renda per capita dos moradores da região é de R$736,80 (setecentos e trinta e seis reais e oitenta centavos), esse valor contrasta com a média de R$166,10 recebidos pelas pessoas acessadas. A esperança de sobrevivência, ao nascer, é 73,8 anos de idade, e a expectativa de anos de estudo das crianças que iniciam a vida escolar atualmente é 9,86 anos. Mesmo possuindo um IDHM considerado alto, a RMR ocupa a 15º posição de desenvolvimento humano com relação às 16 regiões metropolitanas do país, ficando na frente apenas da Região Metropolitana de Maceió (PNUD, IPEA, & FJP, 2013).
Nesse contexto, observa-se que as informações sobre desenvolvimento da população de usuários da defesa civil encontram-se abaixo da média de desenvolvimento da RMR como um todo. Essa reflexão é corroborada pelos índices de desigualdade da RMR, que possui um índice Gini de 0,64 e pelos da capital do estado, Recife, considerada a capital mais desigual do Brasil , com índice Gini de 0,68 (Pascoal, 2016). Os territórios acessados pelos(as) usuários(as) das políticas em estudo são marcados pela extrema desigualdade social, e as informações apresentadas corroboram a relação entre risco e pobreza no contexto do SINPDEC, reforçando a ideia de que não é sobre qualquer tipo de risco que estamos falando quando estudamos o contexto produtor de desastres no estado de Pernambuco, mas dos riscos relacionados à pobreza.
No último tópico, trataremos da situação habitacional de nossos(as) participantes. Nos 53 documentos analisados todas as pessoas tiveram suas residências classificadas como estando em risco pela defesa civil, e receberam a orientação de buscarem espaços fora das áreas em risco. Após aproximadamente cinco anos da saída de suas moradias, 15 dessas 53 pessoas foram entrevistadas para o presente estudo. Durante as entrevistas contatamos que nenhuma teve sua situação habitacional resolvida para além da concessão do auxílio-moradia. Os(as) entrevistados(as) informam, ainda, que não receberam por parte da defesa civil nenhuma perspectiva de solução habitacional efetiva. Dos(as) 15 participantes, cinco receberam o auxílio-aluguel por um período de aproximadamente um ano e posteriormente tiveram o benefício interrompido sob a justificativa de falta de verbas. Na cidade de origem dessas cinco pessoas, independente do grau de vulnerabilidade ou risco constatado pelos profissionais de defesa civil, nenhum dos(as) usuários(as) recebe subsídios da prefeitura para garantia de moradias mais seguras.
A questão da oportunidade de acesso à vida fora das áreas em risco apresentou-se como um grande problema nas cidades participantes de nossa pesquisa. Tais fatores podem ser relacionados, entre outras coisas, com a distribuição de renda, conforme debatido anteriormente. Mesmo que o estado tenha melhorado seus índices de desigualdade como revela o índice Gini, segundo Costa e Marguti (2015), Pernambuco continua possuindo um dos maiores índices de vulnerabilidade social do Nordeste. PNUD, IPEA e FJP (2014) apontam ainda que quando comparamos os indicadores de desenvolvimento humano no interior da RMR observa-se um elevado contraste entre as pessoas residentes na faixa litorânea do estado - com números mais elevados - e os residentes das áreas de periferia dos centros urbanos.
Para Cavalcanti e Avelino (2008), as cidades nordestinas são marcadas por um processo de modernização que acentua a exclusão social, sendo frequente em seu território a presença de áreas de extrema pobreza nas proximidades dos bairros economicamente favorecidos. As autoras afirmam ainda que:
Os núcleos de riqueza atraem, paradoxalmente, para perto de si a presença daquelas populações consideradas "indesejáveis", que sobrevivem da oferta de atividades econômicas e sociais, quando existem, criadas para dar suporte às áreas mais abastadas, e dos ressaibos deixados pela sociedade. (Cavalcati & Avelino, 2008, p. 32)
Nesse sentido, os dados ressaltados no presente texto ratificam as afirmativas trazidas por Cavalcanti e Avelino (2008), revelandonos um perfil de mulheres e homens que são alvos das políticas públicas de defesa civil na região metropolitana do Recife, assim como um modelo de gerenciamento voltado para a gestão dos indesejáveis. Valencio e Valencio (2011), ao pesquisarem ações em defesa civil em território brasileiro, concluem que o grande índice de desastres socioambientais que acometem estados e municípios sinaliza, entre outros fatores, para a incapacidade que a instituição apresenta de desenvolver ações transversais e propositivas no âmbito das políticas setoriais e intersetoriais.
Conclusões
Ao buscarmos compreender quem são as pessoas que utilizam o SINPDEC observamos que em sua maioria são do sexo feminino, pobres e com histórias de vida marcadas pela luta por sobrevivência e busca por moradia. Mulheres e homens que estão abaixo dos índices de desenvolvimento humano do estado de Pernambuco; apresentam uma renda abaixo da média; frequentaram a escola por menos tempo que a média; raramente trabalham com carteira assinada; e obtêm seu sustento através do trabalho informal e subsídios de programas sociais. As informações encontradas são corroboradas pelo índice Gini pernambucano -0,553 - e, em particular, do Recife - 0,68 -, considerada pela 25ª vez como a capital mais desigual do Brasil. Nossos dados demonstram que a grande parcela das pessoas atendidas pela defesa civil está à margem dos direitos sociais mais básicos.
Nesse sentido, observa-se a condição de estar incluído em um processo que também é de exclusão, ou seja, o acesso aos serviços de defesa civil não tem garantido a esse público a vida fora das áreas em risco. Os elementos debatidos no presente texto têm nos levado a refletir sobre os modos de gestão da vida dos indesejáveis, daqueles que são apontados pelo SINPDEC como estando em risco, para os quais se busca fazer o mínimo, e em muitos casos são deixados a morrer.
Desse modo, buscamos aqui dar visibilidade a atuação do SINPDEC sobre a vida das pessoas pobres. Essas, devido ao processo de capitalização dos espaços urbanos, tendem a ocupar os territórios marginalizados, sem uma infraestrutura que garanta condições mínimas de segurança e habitabilidade. Problematizamos ainda, mesmo que brevemente, o lugar, ou porque não dizer, a ausência da psicologia na maioria dos espaços pesquisados, sinalizando a necessidade de que possamos construir compreensões singulares para a problemática da gestão de riscos e emergências no contexto brasileiro.
Observamos também a necessidade de que os órgãos de defesa civil pesquisados possam rever seus processos de notificação e organização de dados, para com isso, problematizar de outros modos quem são seus usuários e usuárias. Cabe pontuar ainda a necessidade de que estudos futuros possam investigar de modo mais amplo os instrumentais desenvolvidos e trabalhados por essa instituição. Nesse sentido, espera-se que os debates aqui iniciados possam reverberar em discussões não apenas nos centros acadêmicos, mas também entre profissionais e gestores do sistema em tela, no sentido de que outras temáticas, além dos fatores climáticos e ambientais possam ser considerados e problematizados no tocante a gestão de riscos e emergências em território brasileiro.
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Recebido em: 02/11/2018
Aprovado em: 16/07/2019
1 Índice criado pelo matemático italiano Conrado Gini, mede o grau de concentração de renda em um determinado grupo. É calculado a partir da diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos. Pode variar numericamente entre zero e um, sendo que o valor zero representa igualdade total e o valor um representa a desigualdade total (IPEA, 2004).
2 Os destaques em itálico constam no texto original.