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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.23 no.56 São Paulo  2023  Epub May 27, 2024

 

Artigo Original

Movimento(s) indígena(s) e psicologia social: desafios à de(s)colonização dialógica

Movimiento(s) indígena(s) y psicologia social: desafíos para la de(s)colonización dialógica

Indigenous movement(s) and social psychology: challenges to dialogical decolonization

Lucas Luis de Faria1  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual importante, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-3175-3975

Catia Paranhos Martins2  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual importante, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-4905-5865

1Mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS. https://orcid.org/0000-0002-3175-3975 E-mail: lucasluisf@outlook.com

2Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis/SP. https://orcid.org/0000-0003-4905-5865 E-mail: catiamartins@ufgd.edu.br


Resumo

Este texto sintetiza parte do exercício de viver, sentir e pensar a partir das fronteiras entre Psicologia Social e Movimento(s) Indígena(s). Temos por objetivo compreender o processo histórico de mobilização do(s) Movimento(s) Indígena(s) do Brasil, a partir da década de 1970, e discutir as potencialidades para de(s)colonização dialógica entre os conhecimentos dos povos indígenas e da Psicologia. Buscamos deslocar os saberes da matriz colonial de poder para assumir as concepções populares, sendo requisito fundamental para a libertação da Psicologia da episteme colonial. Recorremos à pesquisa bibliográfica potencializada por nossa participação e acompanhamento de atividades públicas dos movimentos étnico-sociais dos povos Kaiowá e Guarani. O diálogo da Psicologia Social com as experiências do(s) Movimento(s) Indígena(s) apresenta possibilidades transformadoras desde as compreensões de conscientização e desideologização. E ainda, direciona para o desprendimento da Psicologia das colonialidades para o comprometimento com os movimentos populares para contribuir com a emergência de processos de de(s)colonização.

Palavras-chave: Movimento Indígena; Psicologia Social; Estudos decoloniais; Descolonização; Libertação

Resumen

Este texto sintetiza parte del ejercicio de vivir, sentir y piensar desde los limites entre Psicologia Social y lo(s) Movimiento(s) Indígena(s). Nuestro objetivo es comprender el proces o histórico de movilización del (los) Movimiento(s) Indígena(s) en Brasil, a partir de la década de 1970, y discutir el potencial de(s)colonización dialógica entre el saber de los pueblos indígenas y la Psicologia. Buscamos desplazar el conocimiento de la matriz colonial del poder para asumir las concepciones populares, lo cual es un requisito fundamental para la liberación de la Psicologia de la episteme colonial. Usamos la investigación bibliográfica potenciada por nuestra participación y seguimiento las actividades publicas de los movimientos étnicos y sociales de los pueblos Kaiowá y Guarani. El diálogo de la Psicologia Social con las experiencias del (los) Movimiento(s) Indigena(s) presenta posibilidades transformadoras desde las comprensiones de conciencia y desideologización. Y, sin embargo, orienta a la Psicologia a desprenderse de las colonialidades hacia un compromiso con s movimientos populares para contribuir a la emergencia de proces os de de(s)colonización.

Palabras clave Movimiento Indígena; Psicología Social; Estudios decoloniales; Descolonización; Liberación

Abstract

This text synthesizes part of the exercise of living, feeling and thinking from the boundaries between Social Psychology and Indigenous Movement(s). We aim to understand the historical process of mobilization of the Indigenous Movement(s) in Brazil, from the 1970s onwards, and to discuss the potential for dialogical de(s)colonization between the knowledge of indigenous peoples and the Psychology. We seek to displace knowledge from the colonial matrix power to assume popular conceptions, which is a fundamental requirement for the liberation of Psychology from its colonial episteme. . We resorted to bibliographical research enhanced by our participation and monitoring of public activities of the ethnic-social movements of the Kaiowá and Guarani peoples. The dialogue of Social Psychology with the experiences of the Indigenous Movement(s) presents transformative possibilities from the understandings of awareness and de-ideologization. And yet, it directs Psychology to detach itself from colonialities towards a commitment to popular movements to contribute to the emergence of decolonization processes.

Keywords Indigenous Movement; Social Psychology; Decolonial studies; Decolonization; Liberation

INTRODUÇÃO

Este texto compõe os estudos realizados no âmbito de nossa pesquisa de Mestrado, situado no Programa de Pós-graduação em Psicologia, da Universidade Federal da Grande Dourados. As inquietações, sentimentos e reflexões contidas nestas páginas sintetizam parte da experiência de viver, sentir e pensar a partir das fronteiras entre os conhecimentos do(s) movimento(s) indígena(s), da Psicologia Social e Decolonialidade. Nossa opção por pluralizar a grafia de "Movimento(s) Indígena(s)" corresponde aos nossos aprendizados quanto a multiplicidade de movimentos e formas de organização historicamente empreendidas pelos povos originários.

A localização periférica de nossa instituição de ensino, das vertentes teóricas e das interlocuções com o campo de pesquisa/conhecimento qualificam o nosso pensar e elaborar fronteiriço (Mignolo, 2014). Temos dialogado desde 2017 com os movimentos étnico-sociais

dos povos Kaiowá e Guarani a partir da 'Psicologia da Libertação e dos Estudos Decoloniais'. Estes povos têm se organizado, em sintonia como as articulações nacionais, desde meados da década de 1970, em grandes assembleias. Atualmente, estão mobilizadas/os pela Aty Guasu (Assembleia Geral), Kunangue Aty Guasu (Assembleia das Mulheres) e Retomada Aty Jovem (Assembleia dos/as Jovens). Temos participado dos espaços e momentos importantes para os/as indígenas na qualidade de apoiadoras/es.

Neste recorte apresentamos parte de nossos estudos sobre o(s) movimento(s) indígena(s) do Brasil, a partir da década de 1970. Nosso objetivo é compreender o processo histórico de mobilização, conscientização e enfretamento das colonialidades realizado pelo(s) movimento(s) indígena(s). A partir desta discussão, buscamos apresentar as potencialidades dessas experiências e as possíveis contribuições da e para a Psicologia na direção da de(s)colonização dialógica, na qual os conhecimentos dos povos e da psicologia possam cooperar mutuamente para a libertação das hierarquias e alienações coloniais.

A conjuntura sócio-política atual de avanço das pautas anti-indígenas que atentam contra seus corpos e territórios leva-nos a questionar sobre a urgência da contribuição da psicologia frente às demandas das coletividades originárias. A procura por alternativas coletivas nos indica para o trabalho "humilde" e solidário junto às populações originárias marcadas pela violência colonial (Faria, 2021; Martín-Baró, 2017b; Mignolo, 2014). Nesse sentido, como alerta Ignacio Martín-Baró (2017b), para a colaboração com os processos de libertação das maiorias oprimidas é preciso libertar a própria Psicologia. É neste terreno desafiador que situamos a compreensão de de(s)colonização dialógica, na qual a comunicação entre os campos de conhecimento da Psicologia Social, do(s) Movimento(s) Indígena(s) e dos Estudos Decoloniais possam produzir fraturas nas premissas coloniais e desumanizantes.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste estudo temos como metodologia a pesquisa bibliográfica a respeito do(s) movimento(s) indígena(s) do Brasil, enquanto ação coletiva das/os indígenas em movimento (Munduruku, 2012). A delimitação do material utilizado consiste em produções caracterizadas como trabalhos de conclusão de curso de pós-graduação. A coleta foi realizada no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 2019. Foram selecionados para leitura e análise os estudos que abordam o surgimento e constituição do(s) movimento(s) indígena(s) em escala nacional. Nesta busca, notamos maior volume de trabalhos sobre organizações indígenas em níveis regionais, contudo, este não compõe o escopo do nosso estudo.

As pesquisas aqui analisadas foram produzidas entre os anos de 1997 e 2019. Os recortes temporais de análises dessas produções abarcam acontecimentos históricos, organizativos, sociais e políticos do(s) movimento(s) indígena(s) de 1970 a 2019. Tomamos as seguintes teses e dissertações como campo para o aprofundamento da compreensão do percurso do(s) movimento(s) indígena(s): a dissertação de Maria Helena Ortolan (1997), que discorre sobre a criação e consolidação do(s) movimento(s) indígena(s) entre as décadas de 1970 e 1980; a dissertação de Sidiclei Roque Deparis (2007), que interpela a participação da União das Nações Indígenas (UNI) de 1980 a 1988; a tese de Poliene Bicalho (2010) e a tese de Daniel Munduruku (2012) tratam, respectivamente, da trajetória temporal de 1970 a 2009 e 1970 a 1990, contribuindo com o entendimento das etapas iniciais de articulação dos povos originários no Brasil; a tese de Tereza Cristina Ribeiro (2014), que a aborda as negociações e conflitos durante o primeiro mandato do governo Lula (2003-2006); e a dissertação de Gilberto Santos (2019), que se encarrega de elucidar os desafios contemporâneos das articulações indígenas.

As produções teóricas aqui analisadas estão situadas em diferentes áreas das ciências humanas: antropologia, história, educação, ciências sociais e geografia. E dedicam-se aos seguintes temas: o surgimento do(s) movimento(s) indígena(s) e a consciência pan-indígena (Ortolan, 1997); a contribuição da UNI ao(s) movimento(s) indígena(s) (Deparis, 2007); o protagonismo indígena (Bicalho, 2010); o caráter educativo do(s) movimento(s) indígena(s) (Munduruku, 2012); a relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro (Ribeiro, 2014); e conflitos territoriais (Santos, 2019).

Destacamos nosso interesse pela compreensão do potencial de(s)colonizador do(s) movimento(s) indígena(s) através do enfrentamento às colonialidades e as contribuições decorrentes deste processo ás ciências humanas, em especial à psicologia. Por isso, utilizamos referenciais teórico-metodológicos dos estudos decoloniais e da psicologia Social para o diálogo com os materiais bibliográficos anunciados. A seguir, demarcamos a interface entre os conhecimentos do(s) movimento(s) indígena(s), psicologia social e decolonialidade.

MOVIMENTO(S) INDÍGENA(S), PSICOLOGIA SOCIAL E DECOLONIALIDADE

As epistemes eurocêntricas fundantes das ciências psicológicas têm em sua matriz orientações oriundas da racionalidade dualista (Quijano, 2005). A dicotomização repressiva do cristianismo, sobretudo, a partir do século XV, no qual atribui primazia à alma em detrimento do corpo, e o dualismo de Descartes, que institui a mutação da abordagem cristã para a separação entre razão/sujeito e corpo/ natureza, compõem a trajetória do conhecimento ocidentalizado do qual a Psicologia emerge (Alves & Delmondez, 2015; Quijano, 2005).

De acordo com Anibal Quijano (2005), os pressupostos dualistas e evolucionistas determinaram a inferiorização dos povos não europeus em relação aos europeus, pois os primeiros estariam mais próximos da condição de corpo/natureza, enquanto os segundos ocupavam o lugar da razão/sujeito. Essa perspectiva evolucionista, unidirecional e unilinear de hierarquização estrutura o paradigma eurocêntrico de exclusão e marginalização dos povos indígenas criados pelos marcos da modernidade, e seu lado oculto, a colonialidade (Mignolo, 2014; Quijano, 2005).

Para Walter Mignolo (2014), a dominação forjada pela modernidade/colonialidade é sustentada pela matriz colonial de poder enquanto uma "estrutura complexa de níveis entrelaçados" (p. 17, tradução nossa). O exercício e manutenção das hierarquias coloniais estão assentados, fundamentalmente, nas dimensões do poder, saber e ser. A colonialidade do poder, conceito elaborado por Quijano e central para crítica decolonial, consiste na justificativa de dominação dos/as colonizadores/as em relação aos/ às colonizados/as pela diferenciação "étnica/racial/de gênero/de classe, que hierarquiza o dominador em relação ao dominado, com o objetivo de controlar o trabalho, os recursos e os produtos em prol do capital e do mercado mundial" (Rosevics, 2017, p. 189)

A colonialidade do poder estende as desigualdades políticas e econômicas contidas na geopolítica de centro e periferia para o âmbito da produção do conhecimento e intersubjetividade, conformando a colonialidade do saber (Mignolo, 2014), assim como institui critérios de (des)humanidade para definir diferentes grupos e sujeitos como civilizados ou selvagens, este último é historicamente utilizado para desqualificar a humanidade dos povos racializados, em especial dos povos indígenas, compondo a matriz colonial de poder enquanto dimensão da colonialidade do ser (Maldonado-Torres, 2008). Essa transposição hierárquica e desigual estabelece a suposta superioridade dos/as europeus em detrimento da inferiorização dos/as não europeus, reafirmando a condição de racionalidade aos/às colonizadores/as e a desvalorização dos/as colonizados.

Entendemos as críticas epistêmicas-teóricas-metodológicas aos paradigmas eurocêntricos e norte-americanos realizadas por psicólogas/os latino-americanas/os, em meados da década de 1970, como basilares para repensar as ciências psicológicas. Nesse período, importantes intelectuais da América Latina reuniram-se para problematizar os saberes e práticas da época. Desse processo emergem: a compreensão do caráter ideológico e totalizante das matrizes psicológicas hegemônicas (Lane, 1981); os equívocos perpassados pelas importações indiscriminadas para o contexto latino-americano (Sandoval, 2000); as limitações das perspectivas individualistas e fragmentadas para oferecer respostas aos problemas sociais (Montera, 2000); e a reivindicação de uma psicologia para o povo (Martín-Baró, 2017a).

O desenvolvimento da psicologia social, historicamente, acompanha os conflitos sociais, políticos, econômicos e culturais (Camino & Torres, 2013). Os esforços para a reformulação epistêmica da Psicologia na América Latina têm sido diversos desde a década de 1980. Contudo, observamos ainda limitações para a práxis psicossocial comprometida com as maiorias populares, com ênfase para as populações racializadas e subalternizadas pelas colonialidades (Martín-Baró, 2017a; Quijano, 2005).

Segundo Cândida Alves e Polianne Delmondez (2015), são inegáveis as contribuições das críticas decoloniais para a Psicologia "no combate a uma visão do sujeito que, ao pretender-se neutra e científica, pode se posicionar politicamente no lugar do discurso hegemônico" (p. 650). Para a libertação e de(s) colonização da Psicologia é fundamental a participação e engajamento nos processos de resistência e mobilização popular (Martín-Baró, 2017a), neste caso, junto ao(s) movimento(s) indígena(s).

Como enfatiza Munduruku (2012), a história do(s) movimento(s) indígena(s) do Brasil possui um caráter educativo para os povos originários e para a sociedade brasileira em geral. De acordo com o autor, o desafio inicial das articulações tradicionais era educar a população a respeito das distintas realidades experienciadas pelas diversas etnias. Tomamos por base a tese de Munduruku para sinalizar a condição pedagógica da relação entre o(s) movimento(s) indígena(s) e a psicologia social.

Nesse sentido, percebemos a necessária comunicação dialógica entre os conhecimentos da psicologia e dos povos tradicionais, na qual as ciências psicológicas possam desprender-se das epistemes coloniais para o reconhecimento, valorização potencialização e aprendizado com as mobilizações populares (Martín-Baró, 2017c; Mignolo, 2014). Para Bruno Gonçalves (2019, p. 46), "esses saberes invisibilizados pelo eurocentrismo são parte da subjetividade da população brasileira e devem participar diretamente da construção de uma psicologia descolonizada para a América Latina".

No texto "Povos Indígenas no Brasil e a Descolonização da Psicologia", uma revisão integrativa da literatura, Brisina Silva e João Paulo Macedo (2021) apontam para pouca abordagem da temática na formação e produção de conhecimento da Psicologia, e ainda destacam a importância dos Estudos Decoloniais para este exercício. Geni Nunez (2019, p. 8), no artigo "Descolonização do pensamento psicológico", afirma que:

pensar colonialidade implica reconhecer que a colonização não incidiu apenas sobre o território geográfico, mas também sobre nosso território-corpo, em nossa forma de nos concebermos como sujeitos no mundo, em como nos relacionarmos conosco mesmos, com outros humanos e com todas as demais formas de existência.

Nessa perspectiva, percebemos a amplitude da incidência das colonialidades nas dimensões intersubjetivas e, por consequência, a necessária radicalização das ações e reflexões de enfrentamento. De acordo com Martín-Baró (2017b), para a participação da Psicologia na mudança radical da sociedade é fundamental o trabalho com "humildade", sem a imposição dos saberes científicos e desvinculados das "estruturas de poder (status, vínculos com patrões etc.)" (p. 26). Para o autor, a qualidade da/o psicóloga/o reside na "profundidade de seu conhecimento e em sua capacidade de responder aos novos problemas e exigências" (Martín-Baró, 2017b, p. 26). Como problematiza Nuñez (2019, p. 6), apesar do debate da de(s)colonização ser recente na Psicologia, a denúncia das violências coloniais e suas marcas vem sendo pautada “há muito tempo por povos originários, por ativistas e intelectuais não brancas etc.”, sem produzir tanto eco, em função dos “regimes seletivos de escuta”, característicos das heranças coloniais de subalternização.

Segundo Mignolo (2014), os entraves à libertação e de(s)colonização dos povos latinoamericanos estão fundados na matriz colonial do poder. A ferida colonial se reproduz por meio das condições políticas e econômicas, mas também por padrões de intersubjetividade e subjetivação, epistemologias e produções de conhecimentos. Estes são elaborados com função de perpetuar a inferioridade dos povos colonizados, sendo uma das características do imperialismo e da colonialidade do saber (Martín-Baró, 2017a; Mignolo, 2014). Nos termos de Martín-Baró (2017d), “para a Psicologia contribuir para a libertação dos povos latino-americanos, ela mesma deve se libertar de sua própria dependência intelectual, assim como de sua submissão social” (p. 82). Acrescentamos, a partir de nossos aprendizados, que essa subordinação também pode ser compreendida enquanto sujeição colonial.

Nesse sentido, um dos caminhos a ser percorrido ‘pelo fazer’ da Psicologia para se libertar e colaborar com a libertação/de(s)colonização das maiorias oprimidas é a desvinculação dependente dos esquemas coloniais de poder e pensamento. Nesse processo, o “que hacer” dos profissionais em Psicologia deveria ser transformado de suas bases individualistas para as fundamentações desde as perspectivas dos movimentos de lutas populares numa reconstrução da própria Psicologia (Martín-Baró, 2017d).

O cenário brasileiro visualizado através das experiências dos povos indígenas e de seus movimentos em resistência às colonialidades, nos convoca ao compromisso solidário a estes, enquanto projeto ético-político para a Psicologia (Yamamoto, 2012). Martín-Baró (2017d), ao discorrer sobre o desafio popular da psicologia social na América Latina, aponta para três tarefas libertadoras: (a) “estudo sistemático das formas de consciência popular”; (b) “resgate e a potencialização das virtudes populares”; e, (c) “análise das organizações populares como instrumento da libertação histórica” (p. 84). Utilizaremos essa tríade para analisar os protagonismos do(s) movimento(s) indígena(s) e as possíveis contribuições de(s)colonizadoras à práxis de profissionais da Psicologia junto às comunidades tradicionais.

MOVIMENTO(S) INDÍGENA(S) E AS (DES)COLONIALIDADES

O(s) movimento(s) indígena(s), tal como podemos visualizar a partir de organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), insurge de um contexto político e social conflituoso e violento para os povos originários. No âmbito histórico, o massacre e o extermínio compõem os objetivos da colonização da América Latina (Munduruku, 2012; Quijano, 2005). A existência atual de aproximadamente 305 etnias reconhecidas pelo Estado brasileiro, falantes de no mínimo 274 línguas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010), não pode ser compreendida senão pela insistente e desobediente atitude destes em sobreviverem aos empreendimentos coloniais. Essa potente característica nos provoca ao presente estudo enquanto experiência para as coletividades latino-americanas.

Libert Bitencourt (2018), ao estudar as organizações indígenas do Brasil e México, discorre sobre a formação de um campo político na América Latina, provocado, principalmente, pelas mobilizações dos diferentes povos indígenas. Esse campo passa a ser semeado a partir dos incômodos com as políticas do indigenismo oficial, planejadas e executadas pelos Estados-nações. De acordo com Bicalho (2010), as críticas intensificam-se na década de 1960 com as denúncias de genocídio/etnocídio dos povos e pelo caráter assimilacionista dos projetos nacionais.

A insurgência das organizações indígenas na América Latina está fortemente relacionada à resistência frente às violências coloniais mantidas e reorganizadas com a institucionalização dos Estados-nações nos moldes europeus, e as políticas empreendidas por estes, configuradas como ações governamentais não indígenas para os/as indígenas, o que, em conformidade com Roberto Cardoso de Oliveira (2000), chamaremos de política indigenista. Para Munduruku (2012), essas políticas sucedem o paradigma exterminacionista, modelo orientador da relação entre colonizadores/as e colonizados/as que tinha como objetivo “a destruição em massa dos povos indígenas” (p. 27), e, portanto, herdam seus resquícios materiais e intersubjetivos.

De acordo com Bitencourt (2018, p. 31), os debates sobre as políticas indigenistas são um “extenso edifício ideológico” que envolvem diferentes, e mesmo antagônicos, discursos e práticas sobre os povos tradicionais, tendo como aspecto determinante a ausência destes. Para Bicalho (2010), o indigenismo é permeado por relações de poder e dominação. E aponta para a diferenciação entre o indigenismo oficial, representado eminentemente pelo Estado, o indigenismo social, na figura de instituições indigenistas, e o indigenismo alternativo, promovido pela Teologia da Libertação e intelectuais a partir da década de 1970.

No Brasil, as políticas do indigenismo oficial adquirem condições intersubjetivas singulares, como a cínica noção de convivência interétnica harmônica e pacífica sustentada pelo mito da democracia racial (Munanga, 1999), quando o que se pretendia era a eliminação das diferenças, seja pelas vias da dizimação ou integração (Munduruku, 2012; Quijano, 2005). À frente deste empreendimento esteve o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), criado em 1910, que no próprio nome sinaliza conteúdos ideológicos orientados sob a lógica da conversão dos povos indígenas em trabalhadores/as.

Para Bicalho (2010), o SPILTN, como um instrumento do Estado, esteve comprometido com os ideais integracionistas da época, influenciado pelo positivismo e militarização de assuntos indígenas. O objetivo desse órgão era atrair e pacificar os índios, para que, tornando-os/as trabalhadores/as nacionais, e consequentemente brasileiros/as, pudessem construir a “nação forte e única” (Bicalho, 2010, p. 128). A consequência imediata dessa política foi a invasão e conquista de territórios e populações indígenas, submetendo-as a mais um processo de colonização, agora numa perspectiva do colonialismo interno (González Casanova, 2007).

Segundo Pablo Quintero (2018), o colonialismo interno consiste na reprodução da dinâmica colonial de metrópole-centro e colônia-periferia para o terreno intranacional. De acordo com Pablo González Casanova (2007, p. 431), o colonialismo interno “dá-se no terreno econômico, político, social e cultural”, e configura-se através do entrelaçamento do Estado-nação e do capitalismo na relação entre a burguesia nacional e povos originários. Para Quintero (2018), essa hierarquização da formação social das sociedades latino-americanas é caracterizada pelo exercício do poder pelas classes dominantes para a marginalização e dominação dos povos tradicionais.

Para Munduruku (2012), o projeto colonial do órgão indigenista do Estado, baseado na ideologia de assimilação e integração, primava pela negação étnica dos povos a partir do apagamento da memória ancestral e abrasileiramento dos/as índios/as. A política indigenista realizada pelo SPILTN dura até os fins da década de 1960, quando seu fim é decretado pelas denúncias de práticas de genocídio e corrupção (Bicalho, 2010). Essa gestão é sucedida por outro órgão estatal, não menos problemático e colonizador, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada em 1967, em plena ditadura militar.

Destacamos que os interesses de exploração dos territórios indígenas são marcantes nas políticas do SPILTN e da FUNAI, sob o comando de militares e ditadores, como confessa António Cotrim Soares ao demitir-se do órgão indigenista em 1972: “A FUNAI age simplesmente como guarda pretoriana desse novo tipo de colonialismo interno, destruindo a civilização indígena para que outros grupos possam ocupar o território das tribos” (Associação de Ex-Presos Políticos Antifascistas [AEPPA], 1974, p. 37).

Para Gersem Baniwa (2007, p. 136), havia um “projeto de extermínio dos povos indígenas” simultâneo à atuação do órgão indigenista, caracterizado pelo “processo conhecido por ‘integração e assimilação cultural’ dos povos indígenas sob a tutela do Estado, que na prática significava a efetiva e implacável apropriação de suas terras e negação de suas etnicidades e identidades” (pp. 135-136). Neste sentido, o autor afirma que “o SPI e a FUNAI, desde a concepção que as originaram, sempre conviveram com essa contradição: proteger e tutelar para dominar, integrar e emancipar” (Baniwa, 2007, p. 136). O paradoxo contido nas diretrizes do indigenismo estatal recai no projeto histórico do paradigma exterminacionista (Munduruku, 2012), como podemos notar novamente pela narrativa de Cotrim Soares: “A política indigenista adotada aceita a tese de que as culturas primitivas são cistos que impedem o desenvolvimento nacional. Já estou cansado de ser coveiro de índio, transformei-me em administrador de cemitérios indígenas” (AEPPA, 1974, p. 37).

As mudanças no indigenismo oficial e o contexto autoritário inauguram outra fase da experiência dos povos indígenas no Brasil, surpreendentemente marcado pela participação indígena, fato inédito devido à opressão característica da colonialidade do poder (Bicalho, 2010). Contudo, essa transição também intensifica a relação repressiva entre Estado e povos indígenas. É importante pontuar que as práticas de violência e perseguição estatal dos tempos sombrios da ditadura perpetuaram-se e permanecem nos tempos “democráticos” (Ribeiro, 2014; Santos, 2019).

Esse contexto de insurgência do(s) movimento(s) indígena(s) revela os desafios enfrentados pelos/as primeiros/as guerreiros/as a se levantarem em defesa da sobrevivência de suas comunidades (Munduruku, 2012). A bandeira de resistência aos objetivos ambicionistas do capitalismo imperialista, alinhado às colonialidades, demarca e delimita a luta fundamental dos povos indígenas do Brasil desde as primeiras investidas colonialistas: sobreviver ao extermínio e expropriação. Essas são algumas das condições históricas e sóciopolíticas da insurgência dos/as indígenas em movimento(s) organizado(s), sendo potente quanto a produção de ações coletivas, tais como a conscientização pan-indígena e a redefinição do termo “índio”, como apresentamos a seguir.

CONSCIENTIZAÇÃO PAN-INDÍGENA E DESIDEOLOGIZAÇÃO DO TERMO “ÍNDIO”

De acordo com Munduruku (2012, p. 129), o percurso da política indígena dentro dos marcos da política nacional surge da inter-relação de “indígenas em movimento”, em tensão e articulação com as políticas e organizações indigenistas. Para o autor, o(s) movimento(s) indígena(s) funcionou “como válvula de escape, capaz de absorver as inquietações, revoltas e indignações contidas nos corpos e espíritos destes primeiros guerreiros” (Munduruku, 2012, p. 185).

A iniciativa de construir o(s) movimento(s) indígena(s) foi uma resposta criativa dos indígenas aos incômodos na condução das políticas indigenistas, que negavam a trajetória histórica de seus povos (Deparis, 2007). Esse processo de formação se deu pela apropriação de instrumentos ocidentais para a resistência aos objetivos de extermínio dessas políticas. Nos termos de Munduruku (2012, p. 195), “o movimento indígena surge como uma resposta dos povos indígenas à lógica da destruição orquestrada pelo governo militar e que respondia a uma exigência do modelo econômico vigente, que tinha como base o desenvolvimento a todo custo”, leia-se, a custo da dizimação dos povos física e culturalmente e na expropriação de seus territórios para exploração do capitalismo global.

A criação da consciência histórica entre as lideranças indígenas ocorreu através da participação nos movimentos sociais (Munduruku, 2012). Nessa ocasião, foi fundamental a militância indigenista da ‘Teologia da Libertação’ na facilitação de espaços de conscientização entre os povos, canalizado pelas atividades pastorais do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Para Bicalho (2010), o primeiro acontecimento fundador do(s) movimento(s) indígena(s) no Brasil é compreendido pelas Assembleias de Chefes Indígenas, organizadas pelo CIMI, ao longo da década de 1970.

A iniciativa de articular as Assembleias de Chefes surge no contexto das mudanças da perspectiva missionária da Igreja Católica, que foram influenciadas pelo Concílio Vaticano II, realizado nos anos de 1962-1965, e pela Conferência de Medellín, em 1968 (Deparis, 2007). Também motivou esse redirecionamento certo reconhecimento do caráter violento e colonizador das práticas de catequização e conversão dos povos ao longo do processo colonial. Vale lembrar que os colonizadores europeus trouxeram numa mão a espada e na outra a cruz (Munduruku, 2012; Prezia & Hoornaert, 1944). De acordo com Munduruku, os/as militantes da Teologia da Libertação desempenharam papel determinante na organização popular e dos povos originários ao iniciar o movimento das Assembleias, a partir de 1974, que consistia na reunião de lideranças indígenas de diferentes regiões do país “para que discutissem seus problemas comuns” (p. 17). Munduruku (2012, p. 52) afirma que, “a principal pauta naquelas discussões eram as questões voltadas para a defesa do território indígena, sempre considerado o mais importante instrumento para a manutenção da cultura tradicional”.

Para Bicalho (2010), as assembleias inauguram espaços em que pela primeira vez os indígenas conseguem “tornar pública a sua versão do Brasil” e “representam vários momentos de fala dos índios jamais vistos na história” (p. 157). Esses trechos são provocantes para refletir sobre os efeitos da colonização e das colonialidades no silenciamento e invisibilização das narrativas dos povos colonizados (Spivak, 2010).

Para além de ser um ambiente de denúncia e reivindicações, as assembleias “foram o lugar e a oportunidade que tiveram para dividir os anseios, as frustrações, os medos, as necessidades, as esperanças, as conquistas, a cultura, os hábitos, os costumes, a indianidade, enfim” (Bicalho, 2010, p. 158). E, segundo Munduruku (2012), foram importantes para que os indígenas pudessem tomar “consciência de seu papel histórico na transformação da sociedade” (p. 52). Era o princípio da consciência pan-indígena (Ortolan, 1997) entre os povos, um dos desdobramentos mais importantes dessas articulações e base para o que seria a insurgência do(s) movimento(s) indígena(s). A consciência pan-indígena consiste no processo histórico caracterizado pela estratégia política de identificação supra-étnica entre os povos, ou seja, uma unidade identitária para além das diferenças entre os grupos étnicos específicos (Munduruku, 2012; Ortolan, 1997). No centro dessa articulação está a experiência das violências coloniais e os processos de resistências comuns aos povos indígenas sob os marcos do colonialismo e das colonialidades (Gonçalves, 2019).

Esse processo apenas foi viável em função da redefinição pastoral a partir do princípio de compromisso com os povos marginalizados e oprimidos. Nesse sentido, a militância missionária influenciada pela Teologia da Libertação “tinha se deslocado da frente para ficar atrás, do centro para ficar na periferia, com relação à atuação” (Bicalho, 2010, p. 156), colocando-se a serviço das lutas populares e para ser um instrumento de mobilização. Consideramos como pedagógico esse deslocamento das ações indigenista em direção a contribuição com a de(s)colonização e libertação dos povos, sendo suporte para as articulações sociais, e não a vanguarda, imprescindível ao compromisso social (Freire, 1981; Martín-Baró, 2017b), neste caso, ao protagonismo indígena.

Para Bitencourt (2018), a identidade indígena formada a partir da ideologia pan-indígena assume politicamente conteúdos anticoloniais. Essa perspectiva influenciou de tal maneira as organizações indígenas no Brasil e América Latina, que as lideranças em seus discursos passam a referir-se “aos índios de outros países como ‘nossos irmãos’, mesmo que nunca tenham feito contato direto” (Bitencourt, 2018, p. 60). Essa postura político-ideológica orienta ainda hoje os pronunciamentos das lideranças, sendo perceptível por meio das manifestações discursivas de “parentes/as” para fazer referência a outras comunidades e etnias.

Cabe ressaltar que as articulações entre as organizações indígenas sob a noção de identidade pan-indígena não têm por objetivo ou consequência a homogeneização dos povos, tal como objetivado pelas políticas integracionista/assimilacionista do Estado e os pressupostos das colonialidades, pelo contrário, a unidade é conformada resguardando as especificidades de cada grupo étnico. Essa é uma característica peculiar ao(s) movimento(s) indígena(s), como destaca Bitencourt (2018, pp. 59-60) no trecho a seguir:

O próprio conceito de movimento indica dinamismo, circulação de pessoas e ideias. Com o movimento indígena ocorre uma peculiaridade: não se alcança uma homogeneidade, apesar da intensa troca de informações e experiências. Cada grupo étnico tem a sua especificidade, o seu ritmo.

Fruto desse processo de conscientização e mobilização pan-indigenista, manifestas no cenário internacional, através dos congressos e conferências, e nacional, pelas assembleias e movimentos sociais, os povos indígenas combatem as ideologias colonialistas de coisificação e desumanização (Fanon, 1961/2005; Martín-Baró, 2017c) para assumirem as condições de sujeitos históricos, sociais e de direitos. Nas palavras de Bicalho (2010, p. 174):

O índio se apresentava na cena política do país como um novo ator político e social, que começou a se organizar politicamente, consciente da sua cultura, da sua história, dos seus direitos e da necessidade de mobilização do grupo como meio de ruptura com a condição de colonizado.

Esse contexto de emergência da consciência pan-indígena é um dos embriões do que viria a ser a primeira organização eminentemente indígena do Brasil, a União das Nações Indígenas (UNI) (Deparis, 2007). Contudo, antes da composição do(s) movimento(s) indígena(s) institucionalizado(s) os povos ainda teriam que enfrentar os desmandos dos militares.

Destacamos o Decreto (não publicado) de 1978, conhecido como Decreto da Emancipação, anterior à institucionalização da UNI e uma de suas válvulas propulsoras (Bicalho, 2010; Deparis, 2007). Essa investida arbitrária produzida pelo ministro do interior, sob o autoritarismo da ditadura militar, objetivava emancipar formal e juridicamente os povos indígenas, sob pretextos da negação da identidade étnica dos povos pelo contato com a sociedade nacional (Bicalho, 2010).

Como resposta, as lideranças indígenas e entidades de apoio denunciaram que, “os interesses reais do governo ao propor tal projeto não era favorecer os índios, mas os seus anseios de desenvolvimento econômico a todo o custo” (Bicalho, 2010, p. 189). Outro argumento da militância indígena e indigenista era de que neste ano, 1978, expirava o prazo para demarcação das terras indígenas proposto pelo Estatuto do Índio (Bicalho, 2010; Ribeiro, 2014). Nesse sentido, “o mais sensato é que estivesse em pauta naquele ano a problemática da demarcação das terras indígenas, em vez de tentar o governo se furtar das suas responsabilidades falando em emancipação” (Bicalho, 2010, p. 182). Notamos aqui novamente os interesses desenvolvimentistas do capitalismo sobre a colonização dos territórios indígenas e como geradores de conflitos (Santos, 2019). Contudo, nesta ocasião essa iniciativa foi um fator mobilizador.

A trajetória do(s) movimento(s) indígena(s) até esse momento, marcada pela consciência pan-indígena e articulações com entidades de apoio, fez com que a mobilização contrária ao decreto tornasse um fato político de fortalecimento e ampliação da luta indígena. Para Bicalho (2010), esse seria o segundo acontecimento fundador do(s) movimento(s) indígena(s). Em seu estudo a autora aponta que,

as lutas e as manifestações contrárias ao Decreto foram analisadas como um acontecimento fundador do MIB por renovar as suas tradições, de modo que a resistência destes povos em lutar para continuar sendo eles mesmos, reforçou o movimento e conquistou a simpatia de vários setores da sociedade civil organizada. (Bicalho, 2010, p. 178)

Nesse contexto histórico do Brasil, com a organização da sociedade civil contra a repressão do governo ditatorial, a proposta de emancipação dos povos indígenas teve como um dos efeitos a mobilização de “setores e personalidades importantes da intelectualidade, da Igreja e da imprensa brasileira que já vinham formando frentes de oposição ao regime” (Bicalho, 2010, p. 179). Ainda, para Bicalho, os debates de oposição ao Decreto contribuíram para “ascensão do grau de conscientização étnica por parte dos índios e uma significativa atuação da sociedade civil contra mais um ato autoritário e pernicioso do governo ditatorial” (p. 179).

O ápice das ações de resistência a essa medida autoritária da ditadura foi a organização do ato público, ocorrido em São Paulo, em 1978, somando aproximadamente duas mil pessoas, entre lideranças indígenas e entidades diversas. Como consequência de toda essa oposição, o Ministério do Interior declara, através da assessoria de imprensa, a decisão da Presidência de esquecer o projeto (Bicalho, 2010). Para Bicalho (2010, p. 190), “esta talvez tenha sido a primeira grande conquista do movimento indígena contemporâneo”.

Percebemos, através das leituras, que um dos aspectos ideológicos embutidos no projeto de emancipação dos povos tradicionais estava, e ainda está, no questionamento da indianidade, ou seja, uma pretensão racista de afirmar que alguns povos haviam deixado de ser indígenas, como preconizava o paradigma da integração. Essa perspectiva discriminatória é um exemplo representativo da matriz colonial de poder, com ênfase para a dimensão da colonialidade do ser (Maldonado-Torres, 2008). Ao fundo desse plano perverso estavam, e permanecem, os anseios econômicos desenvolvimentistas, alinhados aos interesses imperialistas, que seriam parte da caracterização do governo militar brasileiro.

Essa conjuntura, no entanto, criou condições para autoafirmação dos povos indígenas, fortalecendo e ampliando a consciência étnica. Há nesse período um processo de ressignificação do termo “índio” que, antes utilizado para “empobrecer a experiência cultural indígena, acabou virando uma espécie de ícone que sustentava a luta indígena” (Munduruku, 2012, p. 51). Ainda, de acordo com Munduruku (2012, p. 46),

foi importante o resgate do termo ‘índio’ pelos líderes. Este termo, não mais usado como categoria instituída pelo dominador europeu que procurou uniformizar para melhor controlar, passou a ser aglutinador dos interesses das lideranças. E passou a ser utilizado para expressar uma nova categoria de relações políticas.

O termo índio remonta parte da invenção colonizadora europeia da modernidade/colonialidade, tendo permanecido na formação dos estados nacionais com o mesmo sentido colonial de homogeneização e inferiorização dos povos. Contudo, na mesma linha de Munduruku, Bitencourt (2018, p. 43) afirma que, “o velho e errôneo termo que serviu para designar e estigmatizar os povos colonizados do Novo Mundo adquire um conteúdo de reivindicação e luta com que se identificam os dirigentes das organizações étnicas, superando suas identidades históricas particulares”. Essa redefinição da nomeação “índio”, que analisamos sob a lente conceitual de desideologização (Martín-Baró, 1985/2017c), demonstra a capacidade dos povos originários em se apropriar dos procedimentos colonialistas para forjar as lutas de resistência e superação das colonialidades.

DESAFIOS À DESCOLONIZAÇÃO DIALÓGICA

Os processos anteriormente destacados de conscientização pan-indígena e redefinição do termo indígena indicam para possíveis contribuições dialógicas entre a atuação do(s) movimento(s) indígena(s) e a prática psicossocial comprometida com a libertação/de(s)colonização junto às comunidades e organizações populares.

A articulação pan-indígena é significativa quanto ao processo histórico de conscientização e mobilização originária. Para Munduruku (2012), este movimento entre os povos tradicionais do Brasil consistiu no deslocamento das preocupações das lideranças do plano intracomunitário para o sentido interétnico, ou seja, as coletividades que antes estavam fechadas em suas comunidades específicas passam a se abrir para diálogos com outros grupos étnicos. Este procedimento foi facilitado pelas iniciativas do indigenismo do CIMI, ao proporcionar espaços de discussão entre os líderes por meio das Assembleias de Chefes Indígenas, na década de 1970.

Como destacado anteriormente, essa postura indigenista de apoiar o protagonismo indígena teve como desdobramento a gestação, em meados de 1980, do(s) movimento(s) indígena(s). No centro das demandas comuns aos povos estavam a defesa dos territórios e a sobrevivência às políticas exterminacionistas do Estado alinhadas ao avanço do capital (Bicalho, 2010; Munduruku, 2012). Temos aprendido com os/as Kaiowá e Guarani que a terra e a vida são dimensões indissociáveis (“terra é vida, despejo é morte!”), e naquele momento histórico foram os princípios da união indígena. Cabe destacar que, como informa Bitencourt (2018), as vinculações entre os povos não pretendiam a homogeneização, mas o fortalecimento através das diferenças e pautas compartilhadas, tais como a resistência ao extermínio em curso desde a colonização.

A capacidade dos povos originários de promoverem alianças entre si, em âmbito nacional, em plena ditadura militar, é uma expressão da potência indígena na qual caracterizamos como uma das virtudes emblemáticas de suas organizações. Essa qualidade pode ser visualizada na atualidade através das inúmeras relações de apoio que os povos conseguem angariar nas esferas locais e internacionais. Outra competência a ser destacada, do recorte temporal realizado no tópico anterior, foi a habilidade de redefinição do termo “índio” através da ressignificação do sentido colonialista da nomeação no processo de enfrentamento ao Decreto de Emancipação. A este procedimento atribuímos contornos do que Mártin-Baró (2017c, p. 55) denomina como desideologização enquanto ação de “desmascarar o ‘senso comum’ que justifica e viabiliza subjetivamente a opressão dos povos”. Como apontam Munduruku (2012) e Bitencourt (2018), essa denominação colonial com pretensões racistas e desumanizantes foi ressignificada para produção de sentidos comuns às coletividades tradicionais no Brasil e na América Latina. E, ainda, foi instrumentalizada para a luta como importante ferramenta de reivindicação aos direitos de seus territórios originários.

As considerações realizadas no decorrer do texto, sobre a importância da mobilização do(s) movimentos(s) indígena(s) como estratégia de resistência, apontam para a tarefa da psicologia social de compreensão das organizações populares como instrumento de libertação histórica, indicada por Martín-Baró (2017d). Em direção aos objetivos deste estudo de situar o fazer teórico-prático da psicologia social junto à práxis desobediente dos povos indígenas, com a finalidade de libertação/de(s)colonização dialógica, elencamos duas questões para pensarmos o papel das/os psicólogas/os em relação às organizações tradicionais: a conscientização e a desideologização (Martín-Baró, 1996, 2017d).

Para Martín-Baró (1996, p. 15), a “conscientização constitui-se no horizonte primordial do que fazer psicológico”, por tratar do “saber, ou o não saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais” (p. 14). Como abordamos anteriormente, a partir de Martín-Baró (2017c) e Mignolo (2014), a colonialidade do saber produz uma alienação colonial da práxis psicossocial.

De acordo com Martín-Baró (2017d, p. 66), há “um mecanismo de alienação que mediatiza o acesso do psicólogo latino-americano à sua realidade e a forma como a prática psicológica (que hacer psicológico) aborda os problemas da sociedade”. Para o autor, essa alienação é produzida pela importação mecânica dos modelos teóricos europeus/norte-americanos e utilizados acriticamente para experiência latino-americana. Embora para Martín-Baró o erro esteja mais no ato dos profissionais do que nos modelos originais, entendemos ser uma questão relacional.

Em “Psicologia e Alienação”, Alberto Merani (1972) pontua que o afastamento da Psicologia de sua função histórica, entendida pelo autor como o atendimento aos interesses e necessidades das pessoas enquanto sujeitos históricos, converte o fazer das/os psicólogas/os em instrumento do poder à serviço da alienação. Avaliamos que as imbricações das colonialidades atravessam a atuação alienada e alienante da Psicologia, gerando o que estamos qualificando como alienação colonial, devido à historicidade da colonização, da produção dos saberes e manutenção da dominação através da modernidade/colonialidade.

Essas afirmações são importantes para auxiliar na reflexão sobre a conscientização, provocada por Martín-Baró e inspirada em Paulo Freire, pois os autores a caracterizam como “o processo de transformação pessoal e social que experimentam os oprimidos latino-americanos quando se alfabetizam em dialética com o seu mundo” (Martín-Baró, 1996, p. 16). Nesse sentido, a alfabetização dialética, proposta por Freire e ressaltada por Martín-Baró, exige a problematização e, primordialmente, a de(s)colonização da configuração moderna/colonial-capitalista do sistema-mundo. Sobretudo, porque “aprender a ler a realidade circundante e a escrever a própria história” (Martín-Baró, 1996, p. 16) na América Latina é desvelar e de(s)colonizar a retórica da modernidade/ colonialidade, que institui a narrativa oficial, alienada e alienante, a partir do eurocentrismo.

A trajetória do movimento indígena e, principalmente, a emergência do sentido pan -indígena, ilustra significativamente o processo de conscientização e demonstra o protagonismo dos povos originários em assumir “as rédeas de sua vida, o que lhes exige superar sua falsa consciência e atingir um saber crítico sobre si mesmas, sobre seu mundo e sobre sua inserção nesse mundo” (Martín-Baró, 1996, p. 16).

Para Martín-Baró (1996), a conscientização supõe três aspectos: (a) transformação dialética entre o ser humano e a realidade; (b) captação dos mecanismos de opressão e desumanização que naturalizam as relações; e, (c) a tomada de consciência sobre si e o conhecimento de suas raízes para a promoção de bases autônomas para horizontes futuros, ou seja, o que pode vir a ser. Portanto, elencar a conscientização como horizonte primordial para a Psicologia é propor às psicólogas e psicólogos a busca pela “desalienação das pessoas e grupos, que as ajude a chegar a um saber crítico sobre si próprias e sobre sua realidade” (Martín-Baró, 1996, p. 17).

As contribuições de Martín-Baró e Freire sobre a conscientização nos auxiliam na compreensão da articulação pan-indígena e na inspiração para promoção de práxis psicossociais comprometidas com a desalienação/libertação/de(s)colonização junto aos povos. As Assembleias de Chefes Indígenas constituíram-se como momento ímpar da história da organização originária no Brasil, caracterizadas por Bicalho (2010) como o primeiro acontecimento fundador do movimento indígena. Mas o que isso tem a ver conosco, psicólogas e psicólogos? Apostamos nessa experiência como orientadora para nosso trabalho com as comunidades tradicionais, por meio da facilitação de espaços e suporte para processos de tomada de consciência das relações opressoras e desumanizantes em direção à produção de compreensões e conhecimentos outros, de(s)colonizados e de(s)colonizantes dos mecanismos de dominação colonial. O papel das entidades indigenistas em colaborar com a realização dos encontros das lideranças pode ser executado por profissionais da Psicologia, nos lugares institucionais ou de militância, tendo em vista os apontamentos de Martín-Baró (2017b) sobre as limitações das estruturas de poder e, por outro lado, da potência do caminhar com o povo.

A dimensão da desideologização está intimamente associada ao processo de conscientização. Como descrito no início do tópico, a desideologização consiste no desmascaramento dos mecanismos de justificação e legitimação das opressões nos planos intersubjetivos, ou seja, das produções ideológicas capazes de conformar as desigualdades pela naturalização delas no interior das relações. A matriz colonial de poder tem sido historicamente condição indispensável à manutenção das colonialidades na relação entre colonizadores/as e colonizados/as, e para a perpetuação do sistema-mundo-moderno/colonial-capitalista (Quijano, 2005). As ideologias assentadas na colonialidade do poder, saber e ser configuram as relações, produções e recursos da exploração para o capitalismo mundial aliado à hierarquização racial (Rosevics, 2017).

A autoafirmação das coletividades indígenas, nos fins da década de 1970, enquanto “índios”, promovida pelo(s) Movimento(s) Indígena(s), (res)significou o enfrentamento aos sentidos de inferiorização e desumanização ideologizados por esta classificação colonial. E, ainda, representou o fortalecimento da unidade entre os povos originários na luta por seus direitos territoriais em oposição à perspectiva racista de emancipação proposta pelo governo ditatorial da época. A conquista do “esquecimento” do programa de emancipação, anunciada pelo governo em 1978, define uma das primeiras vitórias da articulação originária que, somada à resistência incansável e criativa, culminou na aprovação do capítulo aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988 (Bicalho, 2010; Munduruku, 2012). Para Martín-Baró (2017c, p. 62), “desideologizar significa desmascarar o senso comum alienador”, tal como exemplificado acima. A autodeterminação indígena frente aos objetivos alienantes do projeto emancipatório desvelou suas reais intenções: a desresponsabilização do Estado quanto aos direitos originários dos povos aos territórios e a consequente abertura para a capitalização transnacional (Munduruku, 2012).

Segundo Martín-Baró (2017c), a desideologização enquanto ‘que fazer’ psicossocial necessita de três pontos: (a) assumir a perspectiva do povo; (b) aprofundar o conhecimento de sua realidade; e, (c) o compromisso crítico com a autonomia popular. Nesse sentido, para contribuir com a desideologização, é necessário libertarmos a Psicologia das alienações modernas/coloniais-capitalistas em processo dialógico com os movimentos de libertação protagonizados pelos/as colonizados(as)/oprimidos(as)/marginalizados(as) e por suas organizações. Temos percebido, no exercício de desprendimento epistêmico e engajamento aos projetos populares, significativas possibilidades de de(s)colonização, libertação e desideologização. As tarefas indicadas por Martín-Baró compõem nosso horizonte decolonial em Psicologia. Para tanto, como destacamos neste estudo, os deslocamentos e transformações produzidas pelo(s) movimento(s) indígena(s) trazem potentes contribuições.

Corroboramos com a afirmação de Martín-Baró (1996, p. 18) de que “o processo dialético que permite ao indivíduo encontrar-se e assumir-se como pessoa supõe uma mudança radical das relações sociais, em que não existam opressores nem oprimidos”. Esse tem sido um dos empenhos da resistência histórica dos povos indígenas desde a colonização e permanece como projeto político do(s) movimento(s) indígena(s). Convém indagar, aos profissionais da Psicologia, qual o compromisso ético-político em relação à urgente tarefa de de(s)colonização e libertação dos povos latino-americanos, para assim podermos compor com o instrumental teórico-metodológico psicossocial existente e com a produção de outros em diálogo com os saberes tradicionais para a materialização de projetos libertos e de(s)colonizados das amarras coloniais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo histórico do(s) movimento(s) indígena(s) no Brasil revela uma trajetória árdua de luta contra os objetivos exterminacionistas da colonização/colonialidades e suas metodologias genocidas/ etnocidas. Essa resistência das coletividades indígenas é uma das suas potencialidades mais significativas, que garantiu condições mínimas de existência e sobrevivência dos povos originários. Nesse percurso, é importante ressaltar a perspicácia e sensibilidade dos/as indígenas de se organizarem de forma coletiva e, ao mesmo tempo, garantirem suas singularidades étnicas, característica da conscientização pan-indígena.

É por este caminho de referência à mobilização e organização dos povos indígenas que situamos as possibilidades pedagógicas e dialógicas da relação entre o(s) movimento(s) indígena(s) e psicologia social. Os fatos e processos forjados pelos/as indígenas produziram importantes conhecimentos e práticas apreendidas e socializadas para as lutas originárias, sendo as atuais organizações indígenas regionais e nacionais desdobramentos dessas experiências.

São por estas organizações, seus saberes de luta e resistência que a(s) Psicologia(s) comprometida(s) com a vida, sobrevivência, alegria e saúde dos povos pode(m) aprender e ensinar dialogicamente. Destacamos a viabilidade dessas relações por meio da participação e facilitação de espaços educativos de conscientizações mútuas, seja em espaços institucionais, como nas políticas direcionadas aos povos indígenas ou do(s) próprio(s) movimento(s) indígena(s), a exemplo das mobilizações contemporâneas entorno dos Acampamentos Terra Livre e das Assembleias mobilizadas por coletividades étnicas.

Como enfaticamente abordado durante o texto, a de(s)colonização e libertação dos povos latino-americanos passam pelos seus modos de compreensão e organização. Nesse sentido, cabe à Psicologia a humildade de abertura para o diálogo entre saberes como forma de contribuir com os movimentos de de(s)colonização forjados pelos povos, e para a de(s)colonização dos próprios esquemas psicológicos, que são alienados desde as raízes epistêmicas coloniais. Em outras palavras, sinalizamos às psicologias a potência de(s)colonial de caminharem em movimento com os povos originários como projeto ético-político.

O desafio de(s)colonial para Psicologia Social na América Latina exige inúmeras tarefas, algumas em curso e outras por fazer, tais como o aprofundamento da crítica à matriz colonial de poder e o engajamento radical no processo de conscientização e desideologização das invenções hierárquicas fundadas pelas colonialidades. Nessa direção, o(s) movimento(s) indígena(s) brasileiro(s) tem oferecido importantes contribuições a partir da experiência histórica de articulação e resistência diante das investidas colonialistas do capitalismo global, e da manutenção das relações de cuidado com seus territórios e proteção dos elementos que os compõem. Estas produções dos povos originários são pedagógicas para a práxis psicossocial comprometida com as relações comunitárias, saúde coletiva e rupturas frente às desigualdades sociais.

Nossa experiência de diálogo-estudo-pesquisa-trabalho junto aos movimentos étnico-sociais dos/ as Kaiowá e Guarani tem nos convocados à (des)aprendizagem e de(s)colonização da/na Psicologia. As vozes indígenas que insurgem do chão dos territórios em luta e enfrentamento direto às políticas de extermínio do agronegócio e do Estado brasileiro nos orientam que: a violência colonial é desumana e genocida; a ocupação da terra originária é condição indissociável da saúde em todas as suas dimensões; a importância da valorização e manutenção das práticas tradicionais e religiosas para a garantia dos modos de ser; a preservação e circulação dos saberes ancestrais, através da atualização da memória história, como forma de produção de sentido comunitário; dentre outras.

A carência de produções acadêmicas no âmbito da Psicologia e povos indígenas sinaliza para o distanciamento desta ciência com as demandas destas coletividades, por outro lado, aponta para a relevância das iniciativas de aproximação com o tema. As exigências à Psicologia nos contextos de exploração e precarização da vida empregada pelo sistema-mundo-moderno/colonial-capitalista é necessariamente o posicionamento contrário a suas (des)ordens, sob o risco de corroborar com suas ideologias e práticas desumanizantes (Faria, 2021; Merani, 1972).

A responsabilidade social da Psicologia com os povos originários passa pelo reconhecimento de seus modos organizativos: sociais, culturais, cosmológicos, políticos, dentre outros. Além disso, torna-se imprescindível a solidariedade com as lutas dos povos subalternizados na destruição das colonialidades estruturantes das sociedades colonizadas e dos saberes psicológicos, no sentido da de(s)colonização dialógica. Apostamos nesse movimento coletivo e solidário para a emergência das histórias e subjetividades ainda colonizadas (Faria & Martins, 2020), que em nosso contexto latino-americano significa o enfrentamento às violências e violações dos povos racializados, a valorização de seus conhecimentos, a promoção de saúde comprometida e engajada, a construção de alternativas econômicas, políticas e sociais, dentre outras.

Por fim, é preciso rompermos com a cartilha colonizadora produzida, adaptada e executada para manutenção das hierarquias coloniais há mais de 500 anos. A ruptura que propomos significa a crítica, mas, sobretudo, o enfrentamento sistemático às condições materiais e intersubjetivas estabelecidas com a finalidade de perpetuação da inferioridade e dominação dos povos colonizados. Para tanto, é urgente a descolonização radical do sistema-mundo-moderno/colonial-capitalista que, dentre outras vias, consiste na transformação radical da sociedade (Martín-Baró, 2017b), aniquilação das colonialidades (Mignolo, 2014), e reestruturação de outros mundos possíveis (Fanon, 1952/2008), para assim promovermos coletivamente a de(s)colonização dos territórios e subjetividades.

Agradecimentos

Agradecemos o suporte financeiro concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) através do processo 88887.499893/2020-00.

Financiamento

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) através do processo 88887.499893/2020-00.

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Não se aplica.

Aprovação, ética e consentimento

Não se aplica.

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Recebido: 03 de Maio de 2021; Revisado: 31 de Junho de 2022; Aceito: 23 de Novembro de 2022

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