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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.4 no.2 Porto Alegre Nov. 2005

 

ARTIGOS

 

Um estudo comparativo sobre a dupla prsonalidade superdotação/hiperatividade

 

A comparative study about double exceptionality giftedness/hyperactivity

 

 

Vanessa T. A. T. de Ourofino I, 1, *; Denise de Souza FleithII, **

I Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
II Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo comparar alunos superdotados, hiperativos e superdotados/hiperativos em relação à criatividade, inteligência, autoconceito, déficit de atenção e hiperatividade/impulsividade, comportamento anti-social e dificuldades de aprendizagem. Participaram do estudo 114 alunos atendidos pela rede de ensino do Distrito Federal, sendo 52 alunos superdotados, 43 alunos portadores de TDAH e 19 alunos superdotados/hiperativos. Utilizou-se uma composição de instrumentos para acessar as variáveis investigadas, tais como análise documental, questionário demográfico, testes psicométricos e escalas de características. Para a análise de dados foi empregada uma análise de variância univariada (ANOVA). Os resultados indicaram diferenças significativas entre os alunos dos três grupos em favor dos superdotados nas medidas de inteligência, autoconceito e criatividade (originalidade verbal). Por outro lado, os alunos hiperativos apresentaram um escore mais elevado nas medidas de desatenção e hiperatividade/impulsividade em comparação aos outros grupos. Os resultados revelaram ainda que os hiperativos apresentaram um escore maior em ambas as medidas de comportamento anti-social e dificuldades de aprendizagem quando comparados aos superdotados.

Palavras-chave: Superdotação, Déficit de atenção, Hiperatividade, Criatividade, Inteligência.


ABSTRACT

The purpose of this study was to compare gifted students, hyperactive students and those presenting giftedness/hyperactivity in relation to intelligence, self-concept, creativity, attention deficit, hyperactivity/impulsivity, antisocial behavior and learning difficulties. The study had the participation of 114 students attended by the SEE-DF in relation to their regular and special academic lives. Among these, there were 52 gifted students taken from the resource rooms of the program for the gifted and talented, 43 ADHD students attended in regular schools and 19 gifted /hyperactive students. A set of instruments was used to access the variables investigated such as psychometric tests, scales of characteristics, documental analysis and a demographic questionnaire. For data analysis, a univariate variance analysis was used (ANOVA). The results indicated that the gifted students had a significantly higher performance in relation to intelligence, self-concept (in the academic competence, physical appearance, behavior conduct and global self-esteem dimensions) and creativity (in the verbal originality aspect) when compared to the other groups. On the other hand, the hyperactive students achieved higher scores on the lack of attention and hyperactivity/impulsivity measures in comparison to the other groups. The results also revealed that the hyperactive students have presented higher scores in both antisocial behaviour and learning difficulties measures when compared to the gifted students.

Keywords: Giftedness, Attention deficit, Hyperactivity, Creativity, Intelligence.


 

 

Introdução

A dupla excepcionalidade na área de superdotação tem atraído a atenção de vários estudiosos, bem como de pais e professores que lidam com crianças e adultos superdotados (Baum, Olenchak & Owen, 1998). Existe uma curiosidade e uma preocupação natural com esse tema, alimentado pelo mito do superdotado como um indivíduo que não apresenta dificuldades educativas, emocionais ou comportamentais ou necessidades especiais. No entanto, pesquisas nas áreas médica, educacional e observações clínicas mostram uma realidade paradoxal, na qual o indivíduo superdotado pode revelar um conjunto de necessidades educativas especiais associadas a vários quadros de transtornos psicológicos e comportamentais (Weeb & Latimer, 1993). A contradição que se forma a partir da combinação de alta inteligência, múltiplas potencialidades e possíveis desordens comportamentais e emocionais tem interessado a pesquisadores e profissionais de diversas áreas. Nos últimos anos, nota-se um tímido aumento no número de estudos empíricos sobre o tema. Atualmente o interesse de estudiosos tem se voltado para a identificação e reconhecimento de subpopulações especiais entre indivíduos superdotados (SD), tais como os portadores de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) (Reis & McCoach, 2000). No Brasil, a preocupação com essa temática começa a ganhar espaço principalmente nos meios que discutem serviços voltados para a educação especial. No entanto, não foram encontrados estudos nacionais específicos sobre a associação dessas duas condições (Ourofino, 2003).

A dificuldade em diferenciar características de SD e TDAH e reconhecer a coexistência dessas condições pode facilmente conduzir a uma identificação imprecisa. A combinação SD e TDAH gera confusão mesmo no meio acadêmico e profissional. Os erros diagnósticos existentes na área se devem principalmente à presença de características de superdotação já reconhecidas, erroneamente interpretadas como sintomas de TDAH, e também à ocorrência de desordens de atenção entre superdotados, avaliadas equivocadamente como características típicas de superdotação (Baum & Olenchak, 2002; Cramond, 1994; Davis & Rimm, 1994; Weeb & Latimer, 1993).

Crianças talentosas com TDAH têm comportamentos específicos, tais como mascarar suas dificuldades acadêmicas, disfarçar sua baixa auto-estima, apresentar atrasos e assincronia no desenvolvimento global, que as colocam em situação de risco social e de problemas emocionais. Elas precisam ser precocemente identificadas para receberem intervenção precisa e individualizada, com o objetivo de maximizar o desenvolvimento de seu potencial (Zentall, Moon, Hall & Grskovic, 2001). Essa temática é relevante, sobretudo, pelo aumento de casos de dupla excepcionalidade ou de múltiplos diagnósticos entre superdotados.

Posições divergentes, mas não contraditórias, sobre a possibilidade de risco de problemas entre superdotados ressaltam ainda mais a polêmica sobre a dupla excepcionalidade. Um grupo defende que os superdotados são propensos a desenvolverem problemas e necessitam efetivamente de intervenções especiais para superarem suas dificuldades. De modo contrário, o outro grupo afirma que estes indivíduos são capazes de resolverem seus problemas e que apenas uma minoria necessita de acompanhamento e intervenção especiais (Web, Amend, Weeb, Goerss, Beljan & Olenchack, 2005). A ocorrência de hiperatividade entre superdotados foi demonstrada em alguns poucos estudos, apesar de prevalecer à idéia de que crianças superdotadas não possuem qualquer excepcionalidade. Assim, a presença de comportamentos diferenciados ou inadequados a altas habilidades é considerada sintoma de um distúrbio incompatível com superdotação. Conseqüentemente, a alta potencialidade é descartada e o diagnóstico segue na direção do TDAH. O superdotado acaba por não satisfazer suas necessidades de educação apropriada e tratamento adequado (Kaufmann & Castellanos, 2000; Kaufmann, Kalbfleisch & Castellanos, 2000; Lovecky, 1999).

A literatura mostra que muitos profissionais da área médica e psicológica não estão familiarizados com as características emocionais e sociais dos superdotados, o que leva à elaboração de diagnósticos imprecisos. Em geral, a confusão diagnóstica ocorre porque o comportamento inadequado é atribuído a uma condição patológica ao invés de comportamentos típicos dos indivíduos superdotados. Muitos autores afirmam, de um lado, que os superdotados têm sido incorretamente identificados como portadores de TDAH devido aos critérios adotados serem fundamentados nas ciências médica e pedagógica sem se considerar o conhecimento do campo da superdotação (Baum & Olenchack, 2002; Baum & cols., 1998; Cramond, 1995, Kaufmann & Castellanos, 2000; Kaufmann & cols., 2000; Webb & Latimer, 1993).

Alguns pesquisadores defendem que os comportamentos superdotados observados como sintomas de TDAH são na verdade características de superdotação e estão associados aos traços de intensidade e superexcitabilidade que marcam o comportamento assincrônico do superdotado (Baum & Olenchack, 2002; Baum & cols., 1998; Cramond, 1995; Silverman, 1993). Por outro lado, há autores que afirmam que SD e TDAH são condições distintas, mas que podem coexistir, o que caracteriza a dupla excepcionalidade (Chae, Kim & Noh, 2003; Leroux & Levitt-Perlman, 2000; Lovecky, 1999; Webb & Latimer, 1993; Webb & cols., 2005; Zentall & cols., 2001). Esses autores também fazem uma leitura do desenvolvimento do superdotado, à luz da Teoria de Dabrowski da Desintegração Positiva (Silverman, 1993), e apresentam uma concepção de dupla excepcionalidade que não descarta a relevância do desenvolvimento assincrônico e nem a presença de superexcitabilidade nos comportamentos. No entanto, entendem que a intensidade de aspectos relacionados ao comportamento hiperativo, principalmente a desatenção, acentuam as diferenças entre SD e SD/TDAH.

Comportamentos hiperativos podem ser encontrados em crianças SD, talentosas, criativas e com TDAH. No senso comum o termo hiperativo é utilizado indistintamente para se referir a crianças com altos níveis de atividade e de energia. Crianças com TDAH freqüentemente demonstram essas características na maioria das situações. Em contrapartida, as crianças talentosas também são muito ativas, porém suas atividades são geralmente focadas e dirigidas. Portanto, hiperatividade é um comportamento que pode estar presente em ambos SD e TDAH, mas se evidencia de maneiras diferentes (Chae & cols., 2003; Weeb & Latimer, 1993; Weeb & cols., 2005). No SD, está relacionada às atividades pouco desafiadoras, currículo escolar insuficiente e estilo de aprendizagem. No TDAH é resultado da junção dos sintomas do transtorno (Leroux & Levitt-Perlman, 2000).

Crianças privilegiadas na obtenção de uma avaliação física e psicológica aprofundada têm melhores chances de serem identificadas com precisão. Avaliação deve ser seguida de adaptações curriculares apropriadas e modificações instrucionais que correspondam ao seu conhecimento avançado, estilo de aprendizagem e de inteligência. Portanto, uma avaliação profissional apropriada e cuidadosa é fundamental antes de considerar se as crianças são SD, TDAH ou SD/TDAH (Weeb & Latimer, 1993). A partir deste conhecimento, o atendimento e aconselhamento a estes alunos poderão ser melhor implementados.

Dadas as dificuldades da área quanto aos aspectos conceituais e terminológicos, no presente estudo foram utilizadas as seguintes definições: (a) superdotado (SD) - crianças e pré-adolescentes com características associadas apenas a superdotação, com indicação e freqüência à sala de recursos; (b) hiperativo ou portador de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) - crianças e pré-adolescentes com laudo clínico de Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, emitido por médico psiquiatra ou neurologista, que não revelem características de superdotação e que sejam freqüentes nas turmas regulares e (c) superdotados/hiperativos (SD/TDAH) - crianças e pré-adolescentes com laudo clínico de Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, emitido por médico psiquiatra ou neurologista, e que revelem características de superdotação nas condições estabelecidas pela pesquisa.

As pesquisas analisadas indicam, ainda, a necessidade de se investigar também a relação entre variáveis subjacentes a esta condição de dupla excepcionalidade (SD/TDAH). Neste sentido, o presente estudo buscou identificar e comparar características comuns e diferenças entre SD, TDAH e SD/TDAH. A pesquisa foi desenvolvida no sentido de: investigar diferenças entre alunos SD, TDAH e SD/TDAH em relação à criatividade, inteligência, autoconceito, déficit de atenção e hiperatividade/impulsividade; e identificar características de comportamento e de aprendizagem evidenciadas por alunos SD, TDAH e SD/TDAH.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 114 alunos atendidos pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) nas modalidades de ensino regular e ensino especial, sendo 59 alunos superdotados das salas de recursos do programa de atendimento aos alunos portadores de altas habilidades e 55 alunos portadores de TDAH atendidos no ensino regular. Entre os alunos superdotados, a prevalência de SD/TDAH foi de 7 alunos. Entre os alunos TDAH, a prevalência de SD/TDAH foi de 12 alunos. Do total de participantes, 92 (80,7%) eram do gênero masculino e 22 (19,3%) do feminino. Cinco (4,4%) alunos eram da educação infantil, 68 (59,6%) cursavam da 1a a 3ª série e 41 (36%) alunos cursavam da 4ª a 6ª série do ensino fundamental. Dentre os participantes, 93 (81,6%) freqüentavam escolas públicas e 21 (18,4%) escolas particulares2. A idade média dos participantes era de 8 anos e 9 meses, variando de 5 a 11 anos e 9 meses.

A amostra de alunos superdotados foi de conveniência e selecionada diretamente nas salas de recursos, em escolas da SEE/DF. Nestas salas, foram solicitados ao psicólogo responsável ou ao professor itinerante documentos sobre a vida escolar dos alunos, bem como registros diagnósticos.

Todos os alunos que possuíam indicação de alta habilidade e que aceitaram participar do estudo foram incluídos. Os alunos da amostra de TDAH foram selecionados randomicamente a partir de uma listagem disponibilizada pela SEE/DF. Nas escolas onde estes alunos estudavam foram solicitadas, ao secretário escolar, as pastas de registro dos alunos. Procedeu-se então uma análise documental com o objetivo de coletar dados demográficos e verificar a existência de documentos, laudos médicos e psicológicos que confirmassem a condição de SD ou TDAH. Os dados foram registrados no questionário demográfico desenvolvido para esse estudo. Nesta fase, a inclusão nos grupos de pesquisa só se confirmava a partir da existência de avaliações psicológicas que indicassem altas habilidades para o grupo SD, e laudos médicos (psiquiátricos e/ou neurológicos) que indicassem Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade para o grupo TDAH. A partir da análise documental, constatou-se que algumas crianças apresentavam documentação comprobatória de ambas condições, tanto SD quanto TDAH. Essas crianças compuseram o grupo de dupla excepcionalidade denominado SD/TDAH3. Em seguida foi solicitada aos pais dos alunos selecionados autorização por escrito para participação na pesquisa e colaboração dos professores regulares e de salas de recursos.

Procedimentos

Foram realizadas duas sessões individuais com os alunos para preenchimento dos instrumentos de pesquisa. Na primeira sessão, após o rapport, era solicitado ao aluno que preenchesse os seguintes instrumentos: Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Escala Especial (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999), Escala de Autopercepção para Crianças (Harter, 1985) e Teste Torrance de Pensamento Criativo - versão figurativa (Torrance, 1990). Na segunda sessão foram aplicados o Teste Torrance de Pensamento Criativo - versão verbal (Torrance, 1990) e o Inventário de Estilos de Aprendizagem (Renzulli & Smith, 1978, 1998). As sessões tiveram duração de aproximadamente 1 hora cada, respeitando-se o tempo limite de cada instrumento.

Instrumentos

Matrizes Progressivas Coloridas Raven Escala Especial (Raven, 1956). Desenvolvida por J.C. Raven e padronizada para população brasileira por Angelini, Alves, Custódio, Duarte e Duarte (1999). É um teste de inteligência não verbal que avalia especificamente o fator g, proposto por Spearman. Possibilita acessar além da inteligência geral, a capacidade indutiva e reprodutiva, pensamento analítico e sintético, capacidade geral e competência, observação e clareza de pensamento. Baseia-se nos princípios de três vertentes teóricas: a teoria dos dois fatores de Spearman (fator g), a teoria da Gestalt e a teoria do desenvolvimento cognitivo (Pasquali, Wechsler & Bensusan, 2002).

A fidedignidade do teste foi demonstrada pelo coeficiente de correlação de Spearman-Brown, resultando em um índice de 0,92. A validade de fidedignidade do teste tem sido verificada em amostras brasileiras como apontam os estudos conduzidos por Pasquali e cols. (2002), envolvendo cerca de 10 mil crianças da pré-escola à quarta série do ensino fundamental da rede pública de ensino no Distrito Federal.

O teste apresenta três séries de 12 problemas destinados a avaliar com maior precisão os processos intelectuais de crianças de 4 anos e 9 meses a 11 anos e 8 meses. O sucesso na série A depende da capacidade do indivíduo para completar padrões, na série Ab depende da capacidade para perceber diferenças discretas em figuras e na série B depende da capacidade do indivíduo em fazer analogias.

A aplicação do teste pode ser realizada de forma individual ou coletiva sendo indicada para estudos que envolvam um grande número de participantes. Sua correção é rápida e dispensa muito treinamento do avaliador. Atribui-se um ponto para cada acerto, obtendo-se um escore bruto do total de acertos que pode ser transformado em percentil de acordo com o grupo de referência que se está estudando. Os dados do percentil são analisados seguindo os escores de padronização. Deste modo, é possível classificar o indivíduo em relação à população normal, numa escala que varia de intelectualmente deficiente a intelectualmente superior.

Escala de Autopercepção para Crianças (Harter, 1985). Esta escala possibilita acessar a percepção que a criança tem de si mesmo, segundo um exame de perfil em seis diferentes domínios. Este instrumento contém seis subescalas que envolvem cinco domínios específicos e um global: competência acadêmica, aceitação social, competência atlética, aparência física, conduta comportamental e auto-estima global. Cada subescala possui seis itens, dispostos de forma aleatória no instrumento. Para cada item, a criança é instruída a decidir qual criança é mais parecida com ela em relação a duas sentenças opostas. Em seguida é solicitada a indicar se sua resposta se aplica mais ou menos ou totalmente a si mesmo. A criança deverá decidir onde assinalar considerando uma escala de quatro pontos, onde o escore 1 indica percepção negativa de sua competência e o escore 4 uma percepção positiva.

A subescala competência acadêmica investiga a percepção da criança sobre sua competência ou habilidade relacionada ao seu desempenho escolar. Dois exemplos de itens desta subescala são Algumas crianças demoram muito para completar o trabalho escolar, mas outras crianças fazem o trabalho escolar rapidamente e Algumas crianças acham que fazem muito bem o seu trabalho escolar, mas outras crianças ficam preocupadas se vão dar conta de fazer o trabalho escolar. A subescala aceitação social investiga em que extensão a criança se percebe aceita ou não por seus pares. Dois exemplos de itens desta subescala são Algumas crianças acham difícil fazer amigos, mas outras crianças acham que é muito fácil fazer amigos e Algumas crianças têm uma porção de amigos, mas outras crianças não têm tantos amigos assim. A subescala competência atlética avalia a percepção da criança em relação às suas habilidades esportivas. Dois exemplos de itens desta subescala são Algumas crianças gostariam de se sair melhor nos esportes, mas outras crianças sentem que já são bastante boas nos esportes e Algumas crianças sentem que são melhores do que as outras de sua idade nos esportes, mas outras crianças não sentem que podem jogar tão bem quanto as outras. Os itens da subescala aparência física avaliam o grau que a criança está satisfeita com sua forma física. A título de ilustração, seguem dois exemplos de itens desta subescala Algumas crianças estão satisfeitas com sua altura e peso, mas outras crianças gostariam que seu peso ou altura fosse diferente e Algumas crianças gostariam que sua aparência física fosse diferente, mas outras crianças gostam da sua aparência física do jeito que ela é. A subescala conduta comportamental investiga como a criança percebe seu comportamento e em que medida essa criança age conforme ela acredita que deveria agir para evitar problemas. Dois exemplos de itens são Algumas crianças se comportam muito bem, mas outras crianças acham muito difícil se comportar bem e Algumas crianças se colocam em dificuldades por causa das coisas que fazem, mas outras crianças não fazem coisas que as possam colocar em dificuldades. Os itens da subescala auto-estima global avaliam a extensão que a criança gosta de si mesma como pessoa e se está feliz com seu modo de vida. Dois itens dessa subescala são Algumas crianças se sentem muitas vezes infelizes com elas próprias, mas outras crianças se sentem muito satisfeitas com elas próprias e Algumas crianças estão muito felizes sendo do jeito que são, mas outras crianças gostariam de ser diferentes.

O conjunto dos seis domínios permite a avaliação do autoconceito. Cada subescala apresenta um escore final, obtido por meio da soma de pontos dos itens que compõe a escala. O índice de consistência interna das seis subescalas variou de 0,71 a 0,86.

Testes Torrance do Pensamento Criativo (Torrance 1966, 1990). Traduzida e adaptada para amostra brasileira por Wechsler (2002) com o nome Avaliação da Criatividade por figuras e palavras, este instrumento é mundialmente conhecido e muito utilizado em pesquisas em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. O objetivo do Teste Torrance de Pensamento Criativo (TTCT) é avaliar dimensões relacionadas ao processo criativo e à personalidade por meio da produção criativa expressa de forma verbal e figurativa. O teste possui forma A e forma B para os tipos verbal e figurativo. As características criativas avaliadas por esse instrumento são: (a) fluência, capacidade de gerar um grande número de idéias e soluções para um problema; (b) flexibilidade, habilidade de olhar o problema sob diferentes ângulos e mudar os tipos de propostas para sua solução; (c) elaboração, capacidade de embelezar uma idéia por meio de acréscimos de detalhes e enriquecimento das informações, dando sentido estético e harmonioso ao problema e (d) originalidade, capacidade de produzir idéias raras ou incomuns, quebrando padrões habituais de respostas.

Os testes de expressão verbal propõem cinco tipos diferentes de atividades para o examinando: (a) Perguntando e Adivinhando é subdividida em três atividades, nas quais deverá levantar questões sobre um personagem apresentado em um desenho, tentando adivinhar as possíveis causas e conseqüências para tal situação; (b) Melhorando o Produto deverá produzir melhorias em um elefante de brinquedo; (c) Usos Diferentes deverá atribuir usos diferentes para caixas de papelão e (d) Fazendo Suposições deverá imaginar as conseqüências para uma situação improvável. Para cada uma das tarefas o estímulo é constituído por uma figura e a resposta do sujeito é dada por escrito, utilizando para isso o tempo máximo de 40 minutos.

Nos testes de expressão figurativa, os examinandos são convidados a compor um desenho a partir de um estímulo. As três variações destes estímulos possibilitam a realização das seguintes atividades: (a) Construindo uma figura a partir de uma forma curva; (b) Completando Figuras no qual o examinando deverá fazer um conjunto de desenhos diferentes a partir do mesmo estímulo e (c) Linhas no qual deverá produzir desenhos a partir de pares de linhas retas. As atividades devem ser realizadas no tempo máximo de 25 minutos, sendo 5 minutos para a primeira atividade e 10 minutos para cada uma das demais.

As respostas foram avaliadas seguindo as normas constantes do manual do instrumento padronizado para a população brasileira (Wechesler, 2002). A fluência foi avaliada de acordo com o número de respostas relevantes em cada atividade. Para o levantamento da flexibilidade, identificou-se o número de categorias diferentes em que as respostas dadas pelos alunos foram classificadas. Para avaliar a elaboração, nos testes verbais, foi considerado o uso de adjetivos para embelezar idéias ou sentenças e nos testes figurativos o enriquecimento ou adição de detalhes ao desenho básico. A originalidade foi pontuada com base nas respostas estatisticamente infreqüentes. Para cada característica avaliada foi atribuído o valor de zero ou um ponto para cada resposta dentro das especificações sugeridas por Wechsler (2002).

O escore de criatividade verbal para cada aluno foi obtido por meio da soma dos escores de fluência, flexibilidade, elaboração e originalidade, obtidos nas atividades de natureza verbal. O mesmo se deu para o escore de criatividade figurativa. O índice de criatividade geral foi obtido pela soma dos escores de criatividade verbal e figurativa.

O Teste Torrance de Pensamento Criativo obteve coeficientes de fidedignidade do tipo teste-reteste variando entre 0,60 a 0,93 para os vários subtestes. Estes dados foram obtidos por Torrance em uma amostra de estudantes universitários que responderam ao instrumento em dois momentos com intervalo de três meses. Estudos longitudinais conduzidos por Torrance evidenciam que existe uma relação entre o desempenho em no teste e realização criativa na vida real. Os resultados destes estudos mostram que escores do TTCT estavam correlacionados com as realizações na vida adulta. Os coeficientes de correlação obtidos foram de 0,59 para homens e 0,46 para mulheres (indivíduos acima de 12 anos) e 0,51 e 0,49 (indivíduos acima de 20 anos) (Wechsler 2002).

Inventário de Estilos de Aprendizagem (Renzulli & Smith 1978, 1998). É uma escala de cinco pontos (detesto a gosto muito) tem como objetivo acessar os estilos de aprendizagem de estudantes em situações de aprendizagem. O instrumento possui um total de 65 itens que abrangem situações de aprendizagem relacionadas aos seguintes estilos de aprendizagem: projetos, estudo independente, memorização/recitação, discussão, leitura, instrução programada, simulações, ensino pelo colega e jogos de aprendizagem. É solicitado ao aluno que avalie cada item e extensão em que aprecia determinada tarefa em dada situação.

A título de ilustração seguem dois exemplos de cada estilo de aprendizagem: (a) projetos (trabalhar com outros alunos em projetos, com pouca ajuda do professor e trabalhar com uma equipe no preparo de uma lição para ser apresentada à classe); (b) estudo independente (trabalhar por conta própria para preparar um material que você vai apresentar para a classe e ir para a biblioteca por sua própria iniciativa para procurar mais informações sobre um tópico); (c) memorização/recitação (professor chama os alunos individualmente para recitar coisas como tabelas de multiplicação, os nomes dos presidentes da república passados ou qualquer outro assunto e ter o professor testando você em voz alta para ver o que você aprendeu); (d) discussão (ouvir as idéias de outros alunos durante uma discussão de classe sobre algum assunto e escutar os colegas darem suas opiniões sobre um assunto); (e) aula didática (outros alunos que sabem bastante um tópico apresentam suas idéias para a classe e escutar o professor apresentar vários pontos de vista sobre um determinado assunto); (f) instrução programada (trabalhar em tarefas onde as perguntas são organizadas de forma que você possa entendê-las direito e fazer tarefas onde você pode descobrir depois de cada pergunta, se sua resposta está correta ou não); (g) simulações (aprender sobre profissões, representando a função de um chefe e entrevistar outros alunos que estão representando o papel de candidatos ao trabalho e aprender sobre um evento tal como a independência, dramatizando em classe); (h) ensino pelo colega (ter um aluno da mesma série para revisar com você a matéria da prova e aprender informações novas ou aprender a resolver um problema, com a ajuda de um outro aluno de sua classe) e (i) jogos de aprendizagem (usar jogos para praticar uma de suas matérias escolares e participar de uma competição para ver se o seu time consegue responder corretamente a maioria das perguntas sobre um tópico que você está estudando em classe). Renzulli e Smith (1978) apresentam evidências de validade de conteúdo e de construto da escala. Os índices de fidedignidade variaram de 0,52 a 0,77.

Escala de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade - versão para professores (Benczik, 2000a). O instrumento tem por objetivos subsidiar a avaliação psicológica e processo psicodiagnóstico de desatenção e hiperatividade, identificar os problemas correlatos mais incidentes no ambiente escolar e revelar diferenças individuais dos comportamentos de crianças que manifestam TDAH. A escala permite a avaliação de quatro fatores: déficit de atenção (desatenção), hiperatividade/impulsividade, problemas de aprendizagem e comportamento anti-social. No total, são 58 itens englobando itens negativos e positivos relacionados à manifestação dos fatores. Os itens são avaliados em uma escala tipo Likert de seis pontos, onde a professora indica as características de seu aluno numa escala que varia de discordo totalmente a concordo totalmente. Os itens do fator déficit de atenção investigam em que grau o professor percebe o aluno como sendo desatento. Exemplos de itens deste fator são passa de uma atividade incompleta para outra, distrai-se facilmente por barulhos em sala de aula, fica atento durante as explicações do professor e consegue prestar atenção a uma mesma coisa durante muito tempo. O fator hiperatividade/impulsividade investiga em que extensão o professor observa seu aluno como sendo hiperativo ou impulsivo. Quatro exemplos de itens deste fator são atrapalha o processo da aula com barulhos diferentes, mexe-se e contorce-se na cadeira, é paciente (sabe aguardar a sua vez) e fala pouco. O fator dificuldades de aprendizagem avalia a percepção do professor quanto à aprendizagem do aluno. Ilustrações de itens são tem dificuldade para expressar verbalmente seus pensamentos, seu raciocínio lógico é lento, compreende textos corretamente e gosta de fazer exercícios de matemática. No fator comportamento anti-social, exemplos de itens são os colegas de classe o evitam, causa confusão em sala de aula, sabe respeitar professores e possui muitos amigos. Benczik (2000a) apresenta evidências relativas à validade de construto da escala. Os índices de consistência interna para os fatores variaram de 0,90 a 0,97.

 

Resultados

Análise descritiva e análise de variância univariada (ANOVA) foram empregadas para exame dos dados. Foram verificados os requisitos necessários para realização da análise, tais como normalidade, linearidade e homogeneidade de variância. Todos os requisitos foram atendidos.

O estudo preliminar, realizado a partir da análise documental e questionário demográfico, constatou a prevalência de dupla excepcionalidade SD/TDAH entre alunos superdotados e alunos hiperativos, possibilitando a formação dos grupos de pesquisa e a obtenção de dados descritivos a respeito desses grupos. As características dos participantes dos grupos SD, TDAH e SD/TDAH são apresentadas na Tabela 1.

Questão de pesquisa 1: Existem diferenças entre alunos SD, TDAH e SD/TDAH em relação à inteligência, autoconceito, criatividade, desatencão e hiperatividade/impulsividade?

Inteligência

Os resultados apontaram diferenças significativas entre os três grupos (F[2,110]=16,09; p=0,0001). O teste de Scheffé, usado como post hoc, indicou que os superdotados obtiveram escores mais altos (M=31,94; DP=3,83) no teste de inteligência quando comparados aos obtidos pelos hiperativos (M=27,38; DP=4,70). Da mesma forma os superdotados/hiperativos (M=32; DP=3,64) também obtiveram resultados superiores em relação aos hiperativos (M=27,38; DP=4,70) (veja Tabela 2).

Autoconceito

Os resultados indicaram diferenças significativas entre os grupos em relação à competência acadêmica (F[2,109]=10,7; p=0,0001). O teste de Scheffé indicou que os superdotados apresentaram uma visão mais positiva de si mesmo (M=3,33; DP=0,46) em relação à competência acadêmica quando comparados aos hiperativos (M=2,81; DP=0,64). Da mesma maneira, os superdotados também se avaliaram mais positivamente (M=3,33; DP=0,46) quanto à competência acadêmica em comparação aos superdotados/hiperativos (M=2,86; DP=0,69).

 

Tabela 1. Informações Relativas aos Participantes dos Grupos SD, TDAH e SD/TDAH

 

Tabela 2. Média, Desvio-Padrão, Valor F e P Nas Medidas de Inteligência para SD, TDAH e SD/TDAH

 


Os resultados revelaram também diferenças significativas entre os três grupos em relação à aparência física (F[2,109]=4,76; p=0,01). O teste de Scheffé indicou que os superdotados apresentaram uma visão mais positiva de si mesmo (M=3,36; DP=0,65) em relação à aparência física quando comparados com a percepção dos demais grupos (TDAH: M=2,91; DP=0,73) (SD/TDAH: M=3,20; DP=0,76).

 

Tabela 3. Média, Desvio-Padrão, Valor F e P Nas Medidas de Autoconceito para SD, TDAH e SD/TDAH.

 

Foram ainda observadas diferenças significativas entre SD, TDAH e SD/TDAH quanto à conduta comportamental (F[2,109]=11,00; p=0,0001). O post hoc indicou que os superdotados apresentaram uma visão mais positiva de si mesmo (M=3,17; DP=0,64) em relação à conduta comportamental quando comparados aos dos alunos TDAH (M=2,57; DP=0,65). Da mesma maneira, os superdotados também se avaliaram mais positivamente nesta dimensão em comparação aos superdotados/hiperativos (M=2,61; DP=0,67). Também foram observadas diferenças significativas entre os três grupos quanto à auto-estima global (F[2,109]=5,92; p=0,04). O post hoc teste indicou que os superdotados se autoconceituam de forma mais positiva (M=3,57; DP=0,55) quando comparados com a percepção dos demais grupos (TDAH: M=3,15; DP=0,67) (SD/TDAH: M=3,15; DP=0,74).

Não foram observadas diferenças significativas entre os três grupos em relação à aceitação social (F[2,109]=1,15; p=0,31). De forma similar, não foram observadas diferenças significativas entre SD, TDAH e SD/TDAH em relação à competência atlética (F[2,109]=0,71; p=0,93) (veja Tabela 3).

Criatividade

Não foram observadas diferenças significativas entre os três grupos em relação à criatividade geral (F[2,107]=1,13; p=0,326). Da mesma forma, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos quanto à criatividade verbal (F[2,107]=2,28; p=0,107).

 

Tabela 4. Média, Desvio-Padrão, Valor F e P Nas Medidas de Criatividade para Alunos SD, TDAH e SD/TDAH

 


Foram ainda efetuadas análises considerando-se as medidas de fluência, flexibilidade, elaboração e originalidade verbal. Os resultados indicaram que não há diferenças significativas entre os grupos em relação à fluência verbal (F[2,107]=1,53; p=0,220), flexibilidade verbal (F[2,107]=1,38; p=0,256) e elaboração verbal (F[2,107]=1,74; p=0,18). Por outro lado, os resultados apontaram diferenças significativas entre os três grupos em relação à originalidade verbal (F[2,107]=11,26; p=0,0001). O post hoc teste indicou que os superdotados apresentaram um desempenho superior nesta medida (M=7,48; DP=4,13) quando comparados aos hiperativos (M=3,71; DP=2,94).

Em relação à criatividade figurativa, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos (F[2,109]=0,30; p=0,742). Também foram examinadas, as medidas de fluência, flexibilidade, elaboração e originalidade figurativa. Não foram observadas diferenças significativas entre SD, TDAH e SD/TDAH em relação à fluência figurativa (F[2,109]=0,03; p=0,969), flexibilidade figurativa (F[2,109]=0,01; p=0,989), elaboração figurativa (F[2,109]=0,19; p=0,826) e originalidade figurativa (F[2,109]=0,19; p=0,826) (veja Tabela 4).

Desatenção

Os resultados apontaram diferenças significativas entre os três grupos em relação ao fator desatenção (F[2,111]= 57,49; p=0,0001). O teste de Scheffé indicou que os hiperativos apresentaram um escore superior neste fator (M=66,79; DP=17,76) quando comparados aos SD/TDAH (M=64,21; DP=17,33). Além disso, os superdotados/hiperativos apresentaram um escore mais elevado na medida de desatenção (M=64,21; DP=17,33) em comparação aos superdotados (M=32,52; DP=15,35).

Hiperatividade/Impulsividade

Quanto ao fator hiperatividade/impulsividade, os resultados indicaram diferenças significativas entre os três grupos (F[2,111]=54,894; p=0,0001). O teste de Scheffé revelou que os TDAH apresentaram um escore mais elevado no fator hiperatividade/impulsividade (M=53,02; DP=14,758) quando comparados aos superdotados (M=24,65; DP=12,82). Ademais, os SD/TDAH apresentaram um escore superior na medida hiperatividade/impulsividade (M=51,63; DP=16,348) em comparação aos superdotados (M=24,65; DP=12,82).

Questão de pesquisa 2: Existem diferenças entre alunos SD, TDAH e SD/TDAH em relação à comportamento anti-social e dificuldades de aprendizagem?

Comportamento Anti-Social

Na análise do comportamento anti-social, foram observadas diferenças significativas entre os três grupos (F[2,111]=35,410; p=0,0001). O post hoc teste indicou que os alunos TDAH apresentaram um escore superior na medida de comportamento anti-social (M=23,79; DP=9,819) quando comparados aos superdotados (M=10,71; DP=4,05). Além disso, os SD/TDAH apresentaram um escore mais elevado nesta medida (M=21,79; DP=10,74) em comparação aos superdotados (M=10,71; DP=4,05) (veja Tabela 5).

Dificuldades de Aprendizagem

Com relação às dificuldades de aprendizagem os resultados também indicaram diferenças significativas entre os três grupos (F[2,111]=31,432; p=0,0001). O post hoc teste apontou que os alunos TDAH apresentaram um escore superior no fator dificuldade de aprendizagem (M=53,58; DP=15,391) quando comparados aos superdotados (M=29,69; DP=12,796). Ademais, os alunos SD/TDAH apresentaram um escore mais elevado nesta medida (M=43,74; DP=17,810) em comparação aos superdotados (M=29,69; DP=12,796). (veja Tabela 5).

 

Discussão

Os resultados obtidos no presente estudo confirmam parcialmente os apresentados por Chae e cols. (2003) que encontraram uma incidência de 9,4% de SD/TDAH entre superdotados e portadores de TDAH. Esses resultados apontam a prevalência de dupla excepcionalidade SD/TDAH entre superdotados, o que sugere que essa condição é possível, independente das características específicas de cada grupo. Também Lovecky (1999) e Zentall e cols. (2001) encontraram evidências de que superdotação e Transtorno de Déficit de Atenção podem coexistir e que a familiaridade com as características das duas condições determinará a qualidade do diagnóstico e do acompanhamento para essa clientela.

Quanto à variável descritiva posição na família foi verificada uma prevalência de filhos primogênitos nos três grupos, a literatura já apontava para esse resultado em relação ao SD (Winner, 1998), sugerindo que a posição de nascimento poderá refletir algum efeito sobre essas condições. Em relação ao nível de desenvolvimento, os alunos considerados TDAH, foram identificados em sua maioria como pré-adolescentes, enquanto os SD e SD/TDAH são crianças, isso pode sugerir atraso em no desenvolvimento do TDAH (Barkley, 2002).

 

Tabela 5. Média, Desvio-Padrão, Valor F e P nas Medidas de Déficit de Atenção/Hiperatividade Comportamento Anti-Social e Dificuldades de aprendizagem para SD, TDAH e SD/TDAH

 


A situação na série deve ser destacada, pois reflete uma disparidade entre os grupos, mostrando que o efeito do transtorno provoca defasagem idade/série especialmente entre alunos TDAH, enquanto os demais grupos seguem em situação normal, ou seja, idade cronológica compatível com a idade prevista para a série. A literatura chama a atenção para este fato, sugerindo que alunos TDAH não desenvolvem adequadamente suas habilidades acadêmicas. Geralmente não concluem suas tarefas escolares, ficam distraídos, possuem dificuldades na leitura e na escrita e gastam mais tempo na realização das atividades (Leroux & Levitt-Perlman, 2000; Weeb & Latimer, 1993). Também Zentall e cols. (2001) e Moon (2002) confirmam que a metade dos alunos TDAH que freqüentam as salas de aula formais fracassam pelo menos uma vez até a adolescência e um terço não terminam o ensino médio. Já os alunos SD/TDAH apresentam dificuldades escolares, mas, devido a sua alta inteligência, desenvolvem condições positivas para mediar o transtorno e garantir sucesso acadêmico.

Quanto à variável habilidade, observou-se uma tendência do professor de alunos TDAH afirmar que estes não possuem nenhuma habilidade. Esta constatação foi evidenciada nos estudos de Moon (2002) e Neihart (2003). Elas verificaram que crianças academicamente inadequadas e com alto nível de energia recebem pouca estimulação e reconhecimento de suas habilidades. Da mesma forma, os aspectos negativos do desenvolvimento de crianças SD/TDAH, ou seja, aqueles relacionados ao transtorno, têm sido ressaltados na literatura em detrimento das características positivas relacionadas às altas habilidades (Leroux & Levitt-Perlman, 2000).

Quanto à variável tipo de acompanhamento, foi observado que a maioria dos alunos (92,1%) recebem algum tipo de acompanhamento, isso não implica que o acompanhamento recebido seja o mais adequado. Os resultados mostram que os alunos superdotados estão melhor acomodados em suas necessidades educativas especiais e que também alguns dos SD/TDAH estão contemplados e têm acesso às salas de recursos para alunos com altas habilidades. Esse fato pode ser explicado pelas características de acesso ao programa para superdotados, por meio das "Portas Giratórias" (Aspesi, 2003; Renzulli & Fleith, 2002), ou ainda representar um viés na pesquisa devido ao fato da amostra de SD ser de conveniência.

A análise descritiva mostra ainda que um pequeno número de alunos participantes do estudo faz uso de medicamento (13,2%). Esses dados são bastante ilustrativos tendo em vista a intensa discussão nas áreas médica, psicológica e educacional quanto à utilização do medicamento para controle do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, em especial o uso de metilfenidato (Ritalina). Apesar dos dados do presente estudo, quanto ao uso de medicamento, não estarem de acordo com o atual estado da arte, faz-se necessário enfatizar que alguns autores chamam a atenção para o exagero na prescrição desses medicamentos entre crianças e adolescentes (Baum & cols., 1998; Moon, 2002; Neihart, 2003; Weeb & cols., 2005). A polêmica em torno do uso ou não do medicamento é relevante na literatura, pois não há consenso entre os pesquisadores (Rohde & Halpern, 2005). Moon (2002) e Neihart (2003), por exemplo, defendem o uso de medicamento como preventivo aos comportamentos diruptivos que acometem indivíduos SD/TDAH. Baum e cols. (1998) consideram que a medicação é adequada para controlar o comportamento, mas levantam a hipótese de que a mesma inibe a criatividade e a curiosidade intelectual de crianças brilhantes. Já Cramond (1995) salienta que o uso de medicamento se generalizou para qualquer tipo de comportamento hiperativo. Para ela, a alta excitabilidade imaginativa e comportamental comuns às crianças superdotadas é confundida com as características do TDAH e por isso essas crianças são medicadas. Seus estudos sugerem que existe inibição do processo criativo entre estudantes superdotados usuários de metilfenidato. Para essa autora, a redução do nível de criatividade, em si, representa um dano para o indivíduo e orienta que os pais sempre devem buscar uma segunda opinião diante do diagnóstico de TDAH e prescrição de metilfenidato.

Os resultados do presente estudo também indicaram que existem diferenças significativas entre os três grupos com relação à inteligência e que os escores mais altos são mantidos pelos grupos de alunos SD e SD/TDAH. Já o grupo de alunos TDAH obteve escores menores em relação à inteligência. Esses resultados corroboram com os resultados encontrados por Chae e cols. (2003). No entanto, estes autores consideram que o TDAH, por si mesmo, impõe atraso ao desenvolvimento da criança, o que pode ser confundido com baixa inteligência principalmente quando comparado a grupos de crianças com altas habilidades. Os autores acrescentam que não está claro se a diferença entre os escores representa uma real diferença de inteligência.

Estes resultados são também similares aos encontrados por Zentall e cols. (2001). Suas investigações identificaram diferenças significativas entre SD e TDAH e também entre SD/TDAH e TDAH em relação à inteligência. Já entre SD e SD/TDAH não foram encontradas diferenças em relação à inteligência. Esses autores afirmam que a inteligência entre alunos SD/TDAH influencia nos bons resultados acadêmicos e promove benefícios ao desenvolvimento de suas capacidades relacionadas a superdotação, possibilitando uma produção criativa e a aquisição de comportamentos apropriados às situações de aprendizagem. Os resultados obtidos com relação à variável inteligência permitiram elaborar a hipótese de que quando o nível intelectual é alto, ele se manifesta independente das características do transtorno. Novos estudos devem ser conduzidos para verificar se a inteligência tem efeito sobre o TDAH. Barkley (2002) apresenta evidências de que a inteligência é um fator de proteção em longo prazo dos resultados negativos do TDAH.

Com relação ao autoconceito, os resultados indicaram que existem diferenças significativas entre os três grupos quanto à competência acadêmica, aparência física, conduta comportamental e auto-estima global. Estes resultados estão de acordo com os resultados obtidos McCoach e Siegle (2003), em que alunos superdotados e alunos superdotados baixo realizadores, incluindo neste grupo os alunos SD/TDAH, demonstraram elevada autopercepção acadêmica. Não foram observadas diferenças significativas entre os três grupos quanto à aceitação social e competência atlética. Os resultados com relação à aceitação social divergem dos resultados apresentados na literatura. Os estudos revisados enfatizam que crianças superdotadas e crianças com TDAH tendem a ser e se sentir rejeitadas por seus pares, têm dificuldades na manutenção de relações sociais positivas e experimentam impopularidade e frustração (Alencar, 2003; Costa & Faria, 2002; Tonelotto, 2002; Weeb & cols., 2005). Os superdotados se percebem mais positivamente quando comparados aos demais grupos. Uma possível explicação para esse resultado é que os níveis de frustração vivenciados pelos indivíduos superdotados ao longo de seu desenvolvimento, aparentemente são menores devido à história de êxito em alguns domínios, como por exemplo, competência acadêmica. É importante ressaltar, entretanto, que de modo geral, os escores obtidos pelos três grupos foram altos nas medidas de autoconceito com os índices acima do ponto médio da escala.

Os resultados do presente estudo indicam ainda que não existem diferenças significativas entre SD, TDAH e SD/TDAH na maioria das medidas de criatividade. Esses dados estão em consonância com os obtidos nas pesquisas de Leroux e Levitt-Perlman (2000) e também nas de Cramond (1994) sobre a coincidência de TDAH e alta criatividade. Silva (2003) destaca a criatividade como uma característica positiva inerente ao TDAH. Também Chae e cols. (2003) não encontraram diferenças estatisticamente significativas em relação à criatividade entre SD, TDAH e SD/TDAH, sugerindo que a criatividade é uma característica presente em ambas condições, assim como o alto nível de energia. Para Lovecky (1999) as diferenças em relação à criatividade entre crianças SD e SD/TDAH residem na motivação e empenho para conduzir suas atividades. Segundo este autor, as crianças SD/TDAH têm uma motivação reduzida para completar suas tarefas e não associam uma recompensa intrínseca ao término de seus trabalhos. A simples conclusão de tarefas não gera satisfação para elas.

Por outro lado, as diferenças em relação à criatividade não são percebidas quando crianças SD ou SD/TDAH estão envolvidas em atividades de seu interesse. Independente do transtorno, elas podem submergir nas tarefas e trabalhar durante horas, num mesmo trabalho e sem muito esforço. Essa habilidade para o hiperfoco, comum à superdotação e ao TDAH, e este estado de flow (Csikszentmihalyi, 1996) são fatores que promovem o trabalho criativo e que satisfazem prazerosamente todas as crianças independente de qualquer que sejam suas características ou problemas. Somente em originalidade verbal foram verificadas diferenças significativas em favor do grupo de SD. Uma possível explicação para esse resultado diz respeito à riqueza de vocabulário e habilidade de fluência verbal, características típicas de indivíduos superdotados.

O grupo que revela dupla excepcionalidade, SD/TDAH, não apresenta diferenças em relação à inteligência, criatividade e autoconceito global, quando comparado ao grupo de superdotados. Há uma tendência do SD/TDAH em resguardar suas características de altas habilidades. As diferenças para esses dois grupos só ocorrem de maneira significativa em relação aos domínios competência acadêmica e conduta comportamental. Esse resultado pode sugerir que o SD/TDAH mascara sua condição de déficit de atenção, mas quando se trata de competência acadêmica ele se percebe mais negativamente, o que pode também influenciar o seu comportamento. Para Neihart (2003), o indivíduo que apresenta os critérios para TDAH, mas que não exibe uma deterioração significativa em seu desenvolvimento, provavelmente não será diagnosticado como portador do transtorno. Essa determinação subjetiva do que constitui essa deterioração é um dos fatores que estimula a controvérsia acerca do diagnóstico e tratamento, especialmente entre superdotados. A autora destaca que as crianças SD/TDAH são as mais prejudicadas pelos diagnósticos equivocados, de um lado devido à alta habilidade que pode dissimular os sintomas do TDAH e, por outro, a desatenção e a impulsividade interferem nos resultados dos testes e no desempenho acadêmico. Também os professores tendem a focalizar apenas nos comportamentos diruptivos em detrimento das características indicadoras de altas habilidades. Baum e cols. (1998) e Moon (2002) recomendam que crianças que têm indicação para superdotação e que não atingem escores adequados em testes ou avaliações para programas de superdotados, e mais tarde são diagnosticadas como TDAH, devem ser novamente avaliadas.

Um outro resultado obtido neste estudo ressalta as características relacionadas ao Transtorno de Déficit de Atenção. Para todas as variáveis estudadas em relação a este transtorno, foram detectadas diferenças significativas entre os alunos SD, TDAH e SD/TDAH. É importante ressaltar que os dados colhidos para esta análise se referem à percepção dos professores em relação a seus alunos. Quanto à variável desatenção, os alunos TDAH apresentaram um escore superior quando comparados aos alunos SD/TDAH. Estes por sua vez, tiveram um desempenho mais elevado na medida de desatenção em relação ao dos superdotados. Estes resultados são similares aos obtidos por Lovecky (1999). Este autor constatou diferenças em variáveis cognitivas, sociais, comportamentais e emocionais entre crianças SD, TDAH e SD/TDAH. Ele observou que crianças com TDAH diferem de crianças SD e SD/TDAH por apresentar desempenho inferior em atividades que exigem grande concentração. Ele observou também que as crianças SD/TDAH falham em muitos itens fáceis dos testes e acertam os mais difíceis. Ele atribui esse resultado ao déficit de atenção alertando quanto à utilização de testes psicométricos na avaliação desta condição e na possibilidade do avaliador cometer erros de diagnóstico.

Também em termos de atenção são percebidas similaridades e diferenças entre os três grupos. A concentração em crianças SD lhes permite freqüentemente permanecer por longos períodos de tempo e despender muita energia em atividades que as interessam. As crianças com TDAH têm atenção reduzida em todas as situações (normalmente com exceção de televisão ou jogos de computador) e as crianças SD/TDAH apresentam deficiências nas habilidades de concentração e execução de tarefas quando comparadas às crianças SD. No entanto, quando comparadas às crianças com TDAH, as crianças SD/TDAH exibem uso mais maduro de estratégias de metacognição e usam dispositivos mnemônicos mais eficazmente para organizar o espaço e o tempo (Lovecky, 1999).

Com relação a hiperatividade/impulsividade, o grupo de alunos TDAH e o de SD/TDAH apresentaram escores superiores quando comparados aos superdotados. Os resultados indicaram diferenças significativas entre os três grupos, indicou ainda que a hiperatividade se manifesta em algum nível nestes grupos, mas possui etiologia distinta e se evidencia de forma diferente. Estes dados estão de acordo com a literatura que salienta comportamentos hiperativos como características dos superdotados, talentosos, criativos e indivíduos com TDAH. Weeb e cols. (2005) afirmam que é comum professores, psicólogos e pediatras utilizarem essa terminologia para se referir a crianças que exibem comportamentos como inquietude psíquica e comportamental, alto nível de energia e impulsividade. Embora a hiperatividade/impulsividade seja um comportamento presente no indivíduo SD e no TDAH, não parece apropriado utilizar o termo hiperatividade para se referir ao alto nível de energia e à elevada excitabilidade, característica dos superdotados, pois o termo está impregnado pelo viés patológico que qualifica o portador de TDAH.

Foram ainda observadas diferenças significativas entre os três grupos com relação ao comportamento anti-social. Os alunos TDAH e SD/TDAH apresentam escores mais elevados quando comparados aos superdotados. Os estudos revisados apóiam esses resultados. Barkley (1990), Rohde e Halpern (2004) e Rohde e Mattos (2003), por exemplo, descrevem a dificuldade de crianças com TDAH em seguir regras e regulamentos, exercer a auto-regulação e controlar os impulsos. Estudos comparativos conduzidos por Lovecky (1999), Cramond (1995) e Leroux e Levitt-Perlman (1998) mostram que o SD também questiona regras e autoridade e, às vezes, toma atitudes de oposição. No entanto esses comportamentos não comprometem o autocontrole e são distintos dos comportamentos apresentados pelos indivíduos com transtorno, tanto em intensidade quanto em conseqüências. Geralmente, a manifestação dos sintomas de TDAH traz conseqüências negativas ao desenvolvimento afetivo e social do indivíduo, bem como dificuldades de ajustamento social. Para Chae e cols. (2003), o desafio à autoridade é uma característica presente tanto no SD quanto no TDAH. No SD está associado à percepção do alto potencial intelectual que leva o indivíduo a questionar e julgar as outras pessoas. Já no TDAH é caracterizado pelo comportamento opositor desafiante, resultado da impulsividade e considerado comorbidade com distúrbio de conduta. Também Neihart (2003) enfatiza que o indivíduo SD/TDAH que manifesta mais fortemente as características do transtorno, em detrimento das características de superdotação, tem mais chance de desenvolver dificuldades emocionais, tende à defasagem idade/série e é mais imaturo. Moon (2002) acrescenta que é comum o SD/TDAH desenvolver agressividade para com seus pares devido às rejeições sociais que vivenciam.

Foram ainda encontradas diferenças significativas entre alunos SD, TDAH e SD/TDAH em relação às dificuldades comportamentais, tanto na percepção dos professores quanto na dos alunos. No entanto, os dados obtidos por meio das auto-avaliações realizadas pelos alunos (na dimensão conduta comportamental da escala de autoconceito), quando comparados aos dados obtidos por meio da avaliação dos professores (na escala de Benczik, 2000b) mostram que, de modo geral, os alunos avaliaram seu comportamento mais positivamente quando comparados às avaliações dos professores. Os resultados obtidos a partir da avaliação baseada na percepção dos professores mostraram escores muito altos para comportamento anti-social entre alunos com TDAH e SD/TDAH, revelando uma percepção mais negativa, que a de seus alunos, em relação a este fator.

Com relação às dificuldades de aprendizagem, foram encontradas diferenças significativas entre os três grupos. Os resultados indicaram que TDAH e SD/TDAH apresentam escores mais elevados quando comparados aos SD. Dentre os aspectos que reforçam estas diferenças, os mais expressivos são a variabilidade no desempenho das tarefas e a falta de motivação comuns aos indivíduos que desenvolvem os sintomas de TDAH. Os resultados encontrados em relação às dificuldades de aprendizagem, em comparação aos resultados obtidos em relação à inteligência, mostram que as diferenças se confirmam. No entanto, observa-se que a variável inteligência se manifesta positivamente independente do TDAH. Já a variável dificuldade de aprendizagem pode estar associada aos sintomas do transtorno. Os resultados encontrados neste estudo estão de acordo com os apontados por Heiligenstein (1995) e Tonelotto (2002) que enfatizam desatenção e a falta de controle como preditoras de dificuldades de aprendizagem. Da mesma forma, estes resultados estão em consonância com os obtidos por Lovecky (1999), em que crianças com TDAH e SD/TDAH apresentaram atenção reduzida e dificuldades em situações de aprendizagem quando comparadas às crianças superdotadas. Resultados similares foram encontrados por Rapport, Scalan e Denney (1999) em que alunos portadores de TDAH apresentam maiores dificuldades de aprendizagem quanto aos aspectos acadêmicos relacionados às habilidades de leitura, cálculos, operações matemáticas e percepção visomotora. Um outro aspecto em relação a este fator diz respeito às divergências entre a percepção dos professores e a percepção dos alunos quanto às diferenças encontradas entre alunos SD, TDAH e SD/TDAH. A avaliação baseada na percepção dos professores (por meio da escala Benczik, 2000b) revelou escores muito altos de dificuldades de aprendizagem entre alunos com TDAH e SD/TDAH. Já os alunos (na dimensão competência acadêmica da escala de autoconceito), apresentaram escores dentro da média para esse fator, mostrando que, de modo geral, se percebem mais positivamente em comparação à percepção dos professores. Costa e Faria (2002) também encontraram diferenças significativas entre o autoconceito dos alunos (competência percebida) e a avaliação de desempenho (competência objetiva) quando investigaram o autoconceito e sua influência no desempenho escolar de alunos superdotados e não superdotados.

O presente estudo enfatizou a importância da organização de novos elementos para a avaliação da dupla excepcionalidade, mostrando que, nestes casos, a avaliação deve ser diferenciada, o que implica transformações significativas também no processo de intervenção. A avaliação deve abarcar características cognitivas, sociais, emocionais e comportamentais. Deve também incluir exames clínicos de exclusão do TDAH. Neste sentido, verificar apenas a lista de comportamentos sugerida pelos critérios do DSM IV-TR (2002) é insuficiente quando se tratar de indivíduos com alta inteligência e criatividade. O conhecimento das características de superdotação e dos critérios de identificação do superdotado é decisivo para se evitar erros diagnósticos em relação à dupla excepcionalidade SD/TDAH. Para isso, o processo de avaliação da dupla excepcionalidade deverá contemplar uma perspectiva interdisciplinar. Profissionais da área médica devem solicitar avaliação psicológica quando suspeitar de dupla excepcionalidade. Da mesma forma, psicólogos e psicopedagogos devem solicitar exame clínico quando suspeitar de quadro de TDAH (Ourofino, 2005).

Também o psicólogo educacional terá um importante papel na identificação da dupla excepcionalidade SD/TDAH e no encaminhamento adequado dos alunos com esse diagnóstico. Na perspectiva da educação inclusiva, o psicólogo escolar, juntamente com professores e equipe escolar, deverá implementar alternativas metodológicas e condições de operacionalização dos sistemas integrantes da educação dos superdotados (família, escola, atendimentos extra-escolares), criar mecanismos que encorajem o aperfeiçoamento profissional dos professores e adotar uma postura investigativa que demande reflexão, flexibilidade e atualização contínua. É preciso que o profissional que atende essas crianças dedique tempo para investigar quais atividades e situações de sala de aula são mais propícias a estes alunos. Para a escola será um grande desafio se organizar para atender adequadamente o aluno SD/TDAH, pois esses exigem um nível apropriado de desafio intelectual e necessitam de apoio para desenvolverem sua maturidade social e emocional. Da mesma forma, a família deve ser contemplada com orientação e participação efetiva no processo educativo dos alunos ajudando a eliminar obstáculos que impeçam o pleno atendimento às necessidades desta clientela. O psicólogo deverá promover trabalhos que aproximem a família e os professores, pois são esses os primeiros identificadores da condição de dupla excepcionalidade (Ourofino, 2005).

 

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Recebido em Dezembro de 2005
Reformulado em Janeiro de 2006
Aceito em Fevereiro de 2006

 

 

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2 O Programa de Atendimento aos Alunos Portadores de Altas Habilidades da SEE/DF recebe alunos de escolas públicas e particulares
3 O grupo SD/TDAH não estava previsto para ser designado nesta fase da pesquisa. A prevalência de SD/TDAH seria investigada a partir da análise dos dados obtidos por meio dos instrumentos. No entanto, a análise documental possibilitou reconhecer a existência de dupla excepcionalidade.

Sobre os autores:

* Vanessa Terezinha A. T. de Ourofino: psicóloga clínica e institucional. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Desenvolve atividades na área de ensino especial na Secretaria de Estado da Educação do DF. Associada ao Conselho Brasileiro para Superdotação.
** Denise de Souza Fleith: psicóloga e professora adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Representa o Brasil no Conselho Mundial para Crianças Superdotadas e Talentosas e preside o Comitê Técnico do Conselho Brasileiro para Superdotação. Pesquisadora do CNPq.

Nota dos autores:
Este artigo é fruto de pesquisa realizada como parte da dissertação de mestrado realizada pela primeira autora, na Universidade de Brasilia, sob orientação da segunda autora

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