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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.6 no.1 Porto Alegre June 2007
ARTIGOS
Validade do Teste Wartegg: correlação com 16PF, BPR-5 e desempenho profissional
Wartegg Test validity: Correlation with 16PF, BPR-5 and job performance
Carmen Vera Rodrigues de Souza*; Ricardo PrimiI, **; Fabiano Koich MiguelI, ***
I Universidade São Francisco
RESUMO
O Wartegg é uma prova gráfica projetiva de personalidade utilizada com freqüência em processos seletivos organizacionais, porém com escassos estudos de validade. A presente pesquisa pretendeu examinar as evidências de validade deste teste, comparando-o com três instrumentos: 16PF, BPR-5 e Questionário de Avaliação de Desempenho. Participaram 121 pessoas, com idades entre 16 e 65 anos, de ambos os sexos. Foram encontradas poucas correlações significativas entre os instrumentos, algumas coerentes, outras incoerentes com as propostas de interpretação do Wartegg. Grande parte das interpretações clássicas não se correlacionou significativamente com os resultados dos outros testes. Com base nesse estudo, não há evidências suficientes para a aprovação do Wartegg para uso profissional.
Palavras-chave: Testes projetivos, Testes psicológicos, Avaliação psicológica.
ABSTRACT
Wartegg is a personality projective drawing test frequently used in job selection processes, however with scarce validity studies. The present research intended to investigate validity evidences for this test, comparing it with three instruments: 16PF, BPR-5 and Performance Assessment Questionnaire. The participants were 131 people, with ages raging from 16 to 65 years old, from both genders. Few significant correlations were found between the test, some being coherent, and others being incoherent with the Wartegg's interpretation suggestions. A large part of the classical interpretations didn't correlate significantly with the other tests' results. Based on this study, there are not enough evidences for Wartegg's professional use.
Keywords: Projective tests, Psychological tests, Psychological assessment.
Introdução
Os testes psicológicos são freqüentemente utilizados por profissionais que executam uma seleção, como candidatos para emprego, habilitação de motorista, autorização para portar armas de fogo, entre outros. Porém, muitos dos testes comumente aplicados nas empresas e consultorias não apresentam pesquisas suficientes de validade e precisão junto à população brasileira. A ausência de estudos de validade de determinados testes pode, assim, gerar dúvidas ou inseguranças em relação às decisões tomadas a partir do seu resultado. Faz-se necessária a utilização de técnicas validadas e padronizadas de aplicação e correção de um instrumento, para que então se possa concluir sua importância dentro de um processo seletivo de pessoas.
Em uma pesquisa realizada por Tomazia e Pereira (1998) em Maringá-PR, foi encontrado que 100% dos profissionais de seleção de pessoal ou recursos humanos utilizavam a entrevista, ficando o Teste de Wartegg em segundo lugar, com 66%. O Teste de Wartegg é uma prova gráfica projetiva de personalidade que, mediante uma série de traços ou estímulos iniciais, leva o indivíduo a produzir desenhos. Seu objetivo diagnóstico é o de explorar a estrutura da personalidade em relação às funções básicas de emoção, imaginação, dinamismo, controle e realidade que são encontradas em diferentes intensidades e interações em todas as pessoas. Sua principal característica é a liberdade de expressão, pois não pressupõe padronização de respostas ou escalonagem (Freitas, 1993).
A fundamentação teórica do Teste de Wartegg assenta-se na teoria dos arquétipos de Jung, de acordo com a qual o testando projeta, em suas produções gráficas, aspectos de sua personalidade associados aos estímulos que supostamente estão ligados a uma herança vivencial coletiva. Experiências do passado ou do presente, esquecidas ou ignoradas, poderão vir à tona e se revelar graficamente, manifestando-se como imagem simbólica. Dentro da teoria Junguiana, o inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes, em geral denominadas "imagens primordiais", referindo-se ao aspecto mais primitivo da psique, supondo que o ser humano herde estas imagens do passado ancestral, um passado que inclui todos os antecessores humanos e também os pré-humanos. Assim, os conteúdos do inconsciente coletivo direcionam um padrão pré-formado de comportamento pessoal. Para Jung, o conteúdo do inconsciente coletivo denomina-se arquétipo (Hall e Nordby, 1972; Jung, 1970).
Segundo Jung (1986), a imagem tem o caráter psicológico da representação de uma fantasia, apresentando-se como resultado de atividade espontânea do inconsciente por um lado e da situação momentânea da consciência por outro, que sempre estimula a atividade dos materiais subliminares relevantes e inibe os irrelevantes. A imagem arquetípica é, portanto, a expressão da situação momentânea, tanto inconsciente, como consciente. De acordo com Biedma e D'Alfonso (1973), o ponto, a reta, o ângulo e a curva seriam considerados sinais arquetípicos. Wartegg (1987) propôs os significados arquetípicos para cada campo do seu teste descritos na Tabela 1.
Não obstante o fato do Teste de Wartegg ter sido amplamente utilizado no Brasil, especialmente para fins de seleção de pessoal, a literatura sobre o instrumento é pequena e praticamente não apresenta dados de pesquisa de nossa realidade (Berlinck, 2000). Kfouri (1999) reorganizou os dados de Wartegg com o propósito de aperfeiçoar os procedimentos de avaliação, apresentando os conceitos fundamentais do teste e orientando para a elaboração dos laudos. Freitas (1993) seguiu os princípios teóricos e técnicos propostos por Kinget e apresentou um estudo descritivo dos conteúdos mais desenhados nos campos.
Salazar, Tróccoli e Vasconcellos (2001) investigaram as correlações entre medidas projetivas e objetivas de personalidade, utilizando o Inventário Fatorial de Personalidade Reduzido (IFP-R) e o Teste de Wartegg. Em uma amostra de 723 sujeitos, os resultados mostraram, diferentemente do esperado, que as correlações entre determinados aspectos de personalidade tenderam a índices próximos de zero, sugerindo não haver relação entre os construtos. As correlações entre os dois juízes avaliadores do Teste de Wartegg também não corresponderam ao esperado, sendo o maior índice de 0,78 e o menor, de 0,18.
Tamminen e Lindeman (2000), na Finlânida, optaram por investigar a validade dos critérios utilizados para a interpretação do teste aplicando o teste Wartegg em um grupo de 107 alunos do 1º e 2º ano do ensino médio. Foi feita a avaliação apenas do conteúdo de 4 dos 8 campos presentes no teste, devido à dificuldade em se encontrar critérios válidos para um estudo comparativo, e também aos inúmeros métodos de interpretação utilizados naquele país. Foram examinados os campos das relações sociais, das ambições, das relações de ansiedade e das relações de segurança, comparando-os com inventários que avaliavam construtos relacionados a cada campo. A comparação do resultado dos quatro campos do Wartegg com os inventários não apresentou diferenças de médias significativas.
Outra contribuição importante do estudo de Tamminen e Lindeman (2000) foi verificar os métodos de interpretação do Wartegg distribuindo os protocolos para 34 sujeitos leigos, ou seja, que não apresentavam familiaridade com o teste, e solicitando que eles identificassem, intuitivamente, os desenhos que estariam relacionados a relações sociais, ansiedade e ambição. As conclusões deste estudo mostraram que 97% responderam adequadamente qual era o desenho considerado mais social segundo o sistema de correção adotado, 88% acertaram os desenhos de ansiedade e 62% acertaram os desenhos de ambição. Isso levou as autoras a discutir a possibilidade de que os resultados apresentados pelo Teste de Wartegg estejam baseados em pensamento mágico ou experiências do cotidiano de cada um, ao mostrar que leigos, que não conhecem o sistema de pontuação do teste, interpretam os desenhos de forma semelhante a profissionais.
As poucas pesquisas encontradas buscando evidências de validade das hipóteses interpretativas do Wartegg trazem resultados mais negativos do que positivos. Diante da ampla utilização deste teste e, ao mesmo tempo, da falta de estudos de validade realizados até então, a presente pesquisa pretendeu examinar as evidências de validade comparando os resultados do Wartegg com três outros instrumentos que já apresentam estudos de validade no Brasil, a saber, 16PF, BPR-5 e Questionário de Avaliação de Desempenho.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 121 pessoas, com idade mínima de 16 anos e máxima de 65 anos, de ambos os sexos, com escolaridade mínima equivalente ao ensino médio. Todos se encontravam atuando no mercado de trabalho em empresas de diversos segmentos, situadas em cidades do estado de São Paulo.
Instrumentos
Teste de Wartegg
O teste de Wartegg, também conhecido por Teste de Complemento de Desenhos, é composto por uma folha com 8 quadrados brancos delimitados por uma moldura negra, havendo, em cada quadrado, um sinal gráfico para ser completado pelo examinando.
Freitas (1993) apresenta em seu manual, sugerido para aplicação e avaliação do teste Wartegg, um estudo com amostra brasileira, onde se utilizou o resultado obtido em processos de seleção de profissional no período de 1982 a 1992, totalizando 1020 testes avaliados. Este estudo evidenciou os conteúdos de desenhos executados no Teste de Wartegg considerados atípicos na amostra geral, ou seja, quando o conteúdo apresentado em cada um dos campos do teste de Wartegg surge em três casos ou menos, sendo assim considerado um conteúdo raro, atípico e seu aparecimento considerado não significativo. Este estudo apresenta a freqüência dos conteúdos dos desenhos do teste de Wartegg dentro da população examinada. O estudo não faz menção à validade do instrumento.
De acordo com Freitas (1993), o modo de interpretar o teste leva em consideração a figura final apresentada pelo sujeito, sendo que, quanto mais esta for coesa, estável e estruturada, mais claramente será percebida. Nesse sentido, uma boa figura é simétrica, simples e estável, e quanto mais nitidamente a figura se sobressair do fundo mais se estará em contato com a figura que acontece no momento.
A autora propõe hipóteses interpretativas para os significados de diversos aspectos do desenho produzido pelo sujeito. Essas hipóteses estão relacionadas a seguir.
Significado das seqüências: Indica o grau de flexibilidade do sujeito frente à tarefa, podendo ser rígida, ordenada, rígida invertida, rígida invertida incompleta, rígida atípica, relaxada e caótica.
Significado dos campos dos desenhos: O campo 1 representa o mundo e o pequeno ponto informa sobre a imagem pessoal e os aspectos do eu no mundo, sendo conhecido como o campo do ego. O campo 2 apresenta uma linha ondulada e sugere afetividade, sensibilidade e emotividade. As três linhas paralelas e ascendentes do campo 3 informam dados de como o sujeito lida com suas ambições e desejo de crescimento. O campo 4, um pequeno quadrado negro, mobiliza fantasias inconscientes, fornecendo informações sobre como o sujeito lida com suas angústias, ansiedades e permite a elaboração de seus conteúdos internos mais profundos. O campo 5 apresenta duas linhas retas em oposição, verificando o tônus vital do sujeito e como ele o direciona para transpor obstáculos, lidar com situações de frustrações e superar problemas. As duas linhas desarticuladas do campo 6 são interpretadas como o desejo de realizar algo, independente da capacidade para tal, e representa o valor que o sujeito atribui para sua esfera intelectual. No campo 7 consta um pequeno semicírculo pontilhado que investiga as características afetivo-emocionais, explorando os aspectos de sensualidade e sexualidade. O campo 8, um arco, fornece dados do grau de empatia do sujeito com os demais, no sentido de proteger e ser protegido, partilhar normas e valores com o grupo social.
Conteúdos: A análise do conteúdo dos desenhos visa identificar o que eles representam, considerando que a escolha do tema obedece a fatores conscientes e inconscientes. As classes de conteúdo são rabiscos, abstrações, quadros e pinturas, realismo (subdividido em natureza animada, fisionomia, esquematismo, natureza inanimada, atmosfera e objetos), fantasia (subdividido em realidade fantasiada, história de fadas, figuras mitológicas, fantasia livre, fantasmas) e reprodução do estímulo.
Aspectos expressivos gráficos: Trata-se de diversas características do desenho, relacionados à maneira como o sujeito percebe o meio e se utiliza dessa percepção para se comunicar com ele. Os aspectos são nível formal, pressão do lápis, linhas retas ou curvas, qualidade da linha (contínua, descontínua, trêmula, reforçada, avanços e recuos, curtas e sombreamento), tamanho e expansão do desenho.
Dezesseis Fatores de Personalidade (16PF)
O 16PF busca identificar os 16 componentes primários da personalidade que foram identificados por Cattell (2000) por meio da análise fatorial. Russel e Karol (2000) descrevem, no manual da 5ª edição, os 16 fatores primários avaliados pelo teste. As escalas do 16PF são bipolares. Dessa forma, ambos os resultados, altos e baixos, possuem significado interpretativo como se descreve na Tabela 2.
Embora o 16PF seja bastante estudado internacionalmente, o manual não faz referências a estudos de validade realizados no Brasil. Alguns estudos, porém, estão sendo realizados no Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE da Universidade São Francisco), evidenciando a validade do 16PF em amostras brasileiras (Cobêro, 2004; Dantas, 2004; Primi e cols., 2002; Vendrusculo, 2002). Como uma ampla medida de personalidade, o 16PF é muito utilizado na área de Recursos Humanos como um componente útil de bateria de seleção de profissionais e essencial para o planejamento do desenvolvimento pessoal (Kelly, 1999).
Questionário de Avaliação de Desempenho
O questionário consta do apêndice do manual do 16PF (Kelly, 1999) e é composto por 10 itens sobre o desempenho profissional do funcionário, abordando: nível de comunicação, conhecimento e preparação para o trabalho, organização, segurança no trabalho, controle emocional, trabalho em equipe, qualidade no atendimento ao cliente, honestidade, motivação e satisfação. Ele é respondido por duas pessoas que apresentam algum tipo de relação profissional com quem se quer avaliar, seja um supervisor, colega de trabalho ou subordinado.
Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5)
A BPR-5 oferece estimativas do funcionamento cognitivo geral e das habilidades do indivíduo em cinco áreas específicas, a saber, raciocínio abstrato, verbal, visual-espacial, numérico e mecânico. Ela auxilia os psicólogos a tomarem decisões sustentadas na avaliação das aptidões e raciocínio geral, tais como orientação profissional, avaliação das dificuldades de aprendizagem e seleção de pessoal. A BPR-5 foi validada e padronizada para a população brasileira (Primi & Almeida, 2000).
A BPR-5 é composta por cinco provas, apresentando-se nas formas A e B, sendo a forma A utilizada para alunos das duas últimas séries do ensino fundamental e a forma B para estudantes do ensino médio. As cinco provas estão descritas na Tabela 3.
Resultados
Foram criadas 141 variáveis para o teste Wartegg seguindo as hipóteses interpretativas sugeridas por Freitas (1993). Foram, então, verificados os dados relativos à seqüência de execução dos desenhos. Entre os resultados encontrados, registrou-se que no item "seqüência que o sujeito se utiliza para desenhar o teste" em nenhum caso foi encontrada a seqüência rígida invertida, enquanto que 66% apresentaram seqüência caótica, ou seja, sem uma estrutura definida. Conforme proposto por Freitas (1993), confirmou-se a hipótese que o maior número de rejeição ao campo, ou seja, os campos preteridos ao desenhar, ocorreram no campo 4, com 44%, e no campo 7, com 53%.
Em seguida, foram correlacionados os fatores do 16PF com as variáveis do Wartegg. O Fator A, que avalia a reserva ou expansividade, demonstrou somente uma correlação negativa significativa com a variável que analisa o tipo de linha utilizado (r=-0,24; p=0,008). Tal resultado sugere que sujeitos que apresentam excesso de linhas do tipo retas, ou seja, que dão um tratamento técnico a desenhos onde se espera um tratamento orgânico, apresentam resultados baixos no Fator A, indicando maior reserva pessoal.
O Fator C, estabilidade emocional, apresentou correlação significativa negativa somente com duas variáveis. Primeiramente com esquematismo (r=-0,23; p=0,009), significando um tratamento retilíneo e geométrico para natureza animada que, de acordo com as hipóteses interpretativas, indicaria dificuldades para estabelecer relacionamentos interpessoais, sendo portanto coerente com a baixa força do ego. Em segundo com a variável do campo 7 codificando o desenho que não toca o estímulo (r=-0,20; p=0,022), coerente com a hipótese de que esta variável poderia revelar indícios de imaturidade e reações infantis, uma vez que resultados baixos no Fator C indicam instabilidade emocional. Conforme as hipóteses interpretativas do teste Wartegg, era esperado que o Fator C se correlacionasse com a qualidade de linha, porém não foram encontradas evidências de que uma pessoa que utilize uma linha trêmula, reforçada ou com avanços e recuos seja instável emocionalmente e que uma pessoa que se utilize de uma linha contínua seja estável emocionalmente, conforme avaliado pelo 16PF.
O Fator E, que evidencia a humildade ou afirmação, apresentou correlação significativa negativa (r=-0,18; p=0,039) apenas com a variável que codifica o desenho que vai além dos limites do campo 8, o que significaria indícios de afirmação. Como a correlação é negativa, este resultado contraria a hipótese interpretativa, pois evidencia que sujeitos que tendem a desenhar além dos limites no campo 8 tendem a apresentar escores baixos no 16PF, indicando maior submissão. Além disso, de acordo com as hipóteses interpretativas, era esperado encontrar correlação desse fator com o campo 8 no que se refere a desenhos abaixo do estímulo, que indicariam maior afirmação ou não do sujeito. Contudo, não foram encontradas outras correlações significativas do campo 8 com o Fator E.
O Fator F, sobriedade ou despreocupação, apresentou correlação significativa positiva somente com a presença de esquematismo (r=0,27; p=0,003). O resultado apresentado contraria a hipótese de que este indicador mostraria dificuldades de relacionamentos interpessoais, já que sugere que, quanto mais intensa a presença de conteúdos de esquemáticos, maior alegria e despreocupação o sujeito apresenta. Não foram encontradas correlações significativas entre o Fator F e variáveis do Wartegg que supostamente investigariam aspectos de comunicação, espontaneidade e relacionamento com os demais.
O Fator G, que investiga a aderência às normas e valores culturais, demonstrou correlação significativa negativa apenas com o campo 2 preterido (r=-0,25; p=0,006). A interpretação para esta ocorrência é a de uma pessoa que não valoriza contatos afetivos, portanto a relação encontrada indica que, quanto mais preterido este campo se apresenta, maior saliência de características como inconveniência e evasão. Não foram encontradas correlações significativas entre o Fator G e variáveis do Wartegg que pretensamente investigariam aspectos de obediência às normas, como por exemplo, dados do campo 8 ou ainda com a expansão gráfica do desenho em todos os campos que, de acordo com as hipóteses interpretativas, deveria ser um indicativo de pessoas evasivas (G-) ou convencionais (G+).
Para o Fator H, que investiga a desenvoltura, foram encontradas apenas duas correlações significativas e positivas. A primeira foi com a variável na qual o campo 2 aparece como sendo o preferido (r=0,25; p=0,004), coerente com a hipótese interpretativa que propõe que esta variável indique maior espontaneidade nos contatos e relacionamentos interpessoais. Porém, a segunda correlação significativa, com a presença de sinal de fumaça no campo 2 (r=0,19; p=0,037), contraria a hipótese interpretativa, uma vez que essa presença seria um indicativo de pessoas com maior introversão e cautela, mas, como se associou positivamente com o Fator H, indica maior espontaneidade e desenvoltura. Outras variáveis do Wartegg que supostamente deveriam apresentar dados sobre a sensibilidade e a maneira de se dar e se abrir para o outro (campo 7) ou ainda o tipo de pressão utilizada ao desenhar, que deveria indicar maior impulsividade ou maior fragilidade e sensibilidade, não se correlacionaram de forma significativa com o Fator H.
O Fator I, que investiga aspectos de praticidade e sensibilidade, correlacionou-se significativamente com apenas três variáveis. Apresentou uma correlação significativa negativa com a variável que identifica a presença de sinal de fumaça no campo 2 (r=-0,19; p=0,037), coerente com a hipótese interpretativa, já que a presença desta variável indicaria sujeitos mais práticos em suas rotinas. Houve uma correlação negativa com a variável da presença de objetos nos campos (r=-0,19; p=0,037), em conformidade com a hipótese que afirma que a presença de objetos poderia indicar pessoas mais práticas e realistas. Também se correlacionou positivamente com a variável indicando figuras de realismo inanimado, tais como flores, sol, nuvens, entre outras (r=0,22; p=0,012), coerente com a hipótese interpretativa de que a presença deste tipo de conteúdo indicaria maior afetividade e sensibilidade. Porém, a presença de figuras humanas nos campos do Wartegg, suposto indicador de emotividade sadia, não apresentou correlação significativa com o Fator I. Também não foram encontradas correlações positivas com o campo 7, que pretensamente deveria investigar o comportamento afetivo e a sensibilidade. O tipo de pressão utilizada ao desenhar, que deveria indicar maior impulsividade ou maior fragilidade e sensibilidade, também não se correlacionou significativamente com o Fator I, assim como a qualidade da linha.
O Fator L, que investiga características ligadas à confiança nas interações sociais, correlacionou-se apenas com a variável em que o Campo 2 apresenta-se como preterido (r=0,22; p=0,012). Tal correlação é coerente com a idéia de que essa resposta indicaria maior distância dos contatos afetivos (L+). Porém, nenhuma outra evidência de validade foi encontrada nas demais variáveis correlacionadas.
O Fator M investiga a praticidade ou imaginação e, conforme esperado, correlacionou-se positivamente com a presença de conteúdos de fantasias nos desenhos (r=0,22; p=0,013), indicando que, quanto maior a presença deste tipo de conteúdo, mais acentuada a imaginação do sujeito. Também se correlacionou significativa e negativamente com a variável indicando a evitação de tratamento técnico do campo 5 (r=-0,18; p=0,048). Uma vez que este campo consiste em um estímulo técnico composto por linhas retas, a negação desta tendência indicaria um maior desprendimento e imaginação, completando o estímulo de forma diferente da esperada, sendo coerente com a interpretação de M alto.
O Fator N, que investiga a espontaneidade ou requinte, não apresentou correlação significativa com nenhuma variável do Wartegg. Era esperado encontrar correlação com campos cuja hipótese interpretativa investigasse características relacionadas, como os campos 2 e 7.
Para o Fator O, que investiga o quanto o sujeito é seguro de si ou indeciso, foi encontrada apenas uma correlação significativa negativa com a variável de desenho único no campo 4 (r=-0,26; p=0,003). A presença de desenho único deveria indicar uma resposta adequada e uma forma satisfatória de lidar com conteúdos internos. Sendo assim, esta hipótese parece coerente com o resultado encontrado, já que este tipo de desenho associa-se a um baixo nível de preocupação (O-). Não foram encontradas outras evidências de validade, nem mesmo em variáveis clássicas como o tipo de linha utilizado, que deveria sugerir insegurança tais como presença de tremor ou avanços e recuos. Também não foram encontradas evidências em relação às variáveis do campo 1, que é classificado como importante indicador do Wartegg de segurança ou insegurança.
O Fator Q1, que investiga a abertura que o sujeito apresenta para novas experiências, não apresentou correlação significativa com nenhuma variável do Wartegg. Esperava-se encontrar correlação com o campo 5, que investiga a capacidade de canalizar a energia para a ação, ou ainda variáveis que, de acordo com as hipóteses interpretativas, deveriam descrever o comportamento do sujeito frente a normas, como é o caso do campo 8.
O Fator Q2, que investiga características de dependência ou independência, correlacionou-se apenas com a preferência por desenhar o campo 8 em primeiro lugar (r=0,19; p=0,033). Esse resultado contraria a hipótese interpretativa dessa preferência, que sugere dependência, já que se encontrou que a maior preferência por este campo está associada a valores altos em Q2, indicando independência. Nenhuma outra correlação significativa foi encontrada, nem mesmo no campo 3, que deveria apresentar indicadores sobre a ambição, ou no campo 8, dependência do grupo, que deveria investigar a conduta social mais dependente e filiativa ou independente e pioneira.
O Fator Q3, que investiga a disciplina e o autodomínio, não apresentou correlação significativa com nenhuma variável. Era esperado que se correlacionasse com as variáveis de seqüência da ordem dos desenhos, o que não ocorreu. Portanto, não necessariamente aqueles que desenharam em seqüências rígidas apresentam maior disciplina ou aqueles que desenharam em seqüências caóticas, menor disciplina.
Para o Fator Q4, que investiga o grau de tensão, apenas duas correlações foram encontradas. Apresentou uma correlação significativa negativa com a variável que indica a quantidade de campos que apresentaram linhas trêmulas (r=-0,24; p=0,008), evidenciando que, quanto mais este indicador estiver presente, mais baixos são os escores no Fator Q4, sugerindo tendência à tranqüilidade e paciência, contrariando a hipótese interpretativa. Também se correlacionou de forma significativa com a variável multiplicação do estímulo do campo 1 (r=-0,21; p=0,022), incoerente com a hipótese de que a presença deste indicador indicaria insegurança, revelando dificuldade em posicionar-se, uma vez que, quanto maior a presença deste indicador, mais baixo se apresenta o Fator Q4, indicador de pessoas pacientes, que se adaptam e não se importam de serem interrompidas. Contrariando o esperado, o Fator Q4 também não apresentou correlações significativas com a pressão da linha, a qualidade da linha e a presença de sombreamento nos campos.
Em relação à capacidade intelectual, as variáveis do Wartegg foram correlacionadas com o Fator B do 16PF, que investiga a inteligência, e com a BPR-5. No caso do Fator B, foram encontrados resultados significativos com os itens de expansão interrompida, ou seja, aqueles desenhos que foram interrompidos dentro da margem que o teste propõe, evidenciando que, se houvesse mais espaço, o desenho teria sido continuado. De acordo com Freitas (1993), este é um indicio de capacidade de planejamento e utilização do raciocínio abstrato. As correlações foram significativas com esse indicador no campo 5 (r=0,19; p=0,031) e no campo 8 (r=0,20; p=0,028). Contudo, as variáveis associadas ao campo 6, que deveriam fornecer informações sobre a capacidade associativa e pensamento sintético dedutivo, não apresentaram correlações significativas com o Fator B.
No que diz respeito às correlações entre Wartegg e as cinco provas da BPR-5, foram encontradas correlações positivas significativas com a variável de expansão interrompida nos campos 4, 5, 7 e 8 (r=0,23 a r=0,31). Além dessas correlações, a prova de Raciocínio Verbal da BPR-5 correlacionou-se significativamente com o campo 6 preterido (r=0,21; p=0,016). Preterir este campo, de acordo com a hipótese interpretativa, é indício de invasão da fantasia no pensamento lógico, indicando maior subjetivismo.
No que diz respeito ao instrumento de avaliação do desempenho do sujeito, respondido por um colega de trabalho e por alguém hierarquicamente superior, o desempenho correlacionou-se significativa e negativamente com a variável que indica o desenho de alvo no campo 1 (r=-0,22; p=0,021), o que, de acordo com a hipótese interpretativa, indicaria que o baixo desempenho está associado a uma postura de defesa da própria individualidade frente ao meio. Também se correlacionou significativamente com a variável que indica a multiplicação do estímulo do campo 4 com quadrados brancos em sua maioria (r=-0,20; p=0,031), o que indicaria que sujeitos com baixo desempenho também teriam dificuldade para lidar adequadamente com a angústia, buscando um maior número de atividades para dispersá-la. Houve correlação significativa também com a variável que indica a não-união dos estímulos no campo 6 (r=-0,20; p=0,035), o que sugere dificuldade na capacidade associativa e no raciocínio para sujeitos com baixo desempenho.
O desempenho correlacionou-se significativa e positivamente com a variável de excesso de linhas curvas (r=0,24; p=0,011), ou seja, dar um tratamento curvilíneo a estímulos técnicos, o que indicaria emotividade, flexibilidade e capacidade para se ajustar. Também se correlacionou com avanços e recuos na qualidade da linha (r=0,20; p=0,032), o que, de acordo com a hipótese interpretativa, seria um indicador de timidez e hesitação frente a situações novas. Houve ainda correlação com sombreamento no campo 4 (r=0,19; p=0,050), o que indicaria ansiedade ou preocupação.
Discussão
Este estudo pretendeu encontrar evidências de validade para o teste Wartegg, fazendo uma análise correlacional das variáveis do teste com os fatores medidos pelo 16PF, pela BPR-5 e também com a Avaliação do Desempenho Profissional. O teste Wartegg é amplamente utilizado por psicólogos para seleção de pessoas no âmbito do trabalho. Sendo assim, tomou-se o cuidado de selecionar para esta pesquisa sujeitos que estavam empregados no momento da realização dos testes. Também foram coletadas avaliações de desempenho profissional realizadas por dois outros colegas de trabalho, sendo que um deles exercia chefia ou liderança sobre ele.
Para a análise foram criadas 141 variáveis para codificação dos detalhes dos desenhos do Wartegg baseadas nas hipóteses interpretativas apresentadas por Freitas (1993). Na Tabela 4 é possível visualizar quais variáveis se correlacionaram de forma significativa e coerentemente com as hipóteses interpretativas, indicando evidências de validade, quais são incoerentes e duas correlações neutras.
Das 141 variáveis correlacionadas com o desempenho profissional, apenas seis apresentaram correlação significativa, que passaram a ser indicadoras de desempenho alto ou baixo. A Tabela 5 apresenta as relações encontradas.
Com base nestes resultados, surge o questionamento se este instrumento deve continuar sendo utilizando em processos de seleção, havendo tão poucas pesquisas a respeito do teste e as poucas que existem mostrarem evidências insuficientes de validade. De acordo com a resolução 002/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2003), é considerado critério mínimo para aprovação de um teste projetivo que possui poucos estudos no exterior que ele possua evidências de validade em estudos brasileiros para as principais interpretações. Porém, o presente estudo mostrou que grande parte das interpretações clássicas do Wartegg não se correlaciona significativamente com os resultados de outros testes que avaliam construtos semelhantes. Os indicadores também não se correlacionaram de maneira significativa com o desempenho profissional. Com base nesse estudo e na literatura disponível, portanto, não há evidências suficientes para a aprovação do Wartegg para uso profissional.
Diante disso, pode-se questionar quais seriam as implicações para as pessoas avaliadas, uma vez que foram encontradas tão poucas evidências de validade tanto na literatura quanto no presente estudo. Certamente muitas das interpretações comumente feitas nos contextos de seleção não encontram sustentação empírica. As correlações encontradas em algumas variáveis indicam que, eventualmente, alguns aspectos do Wartegg estão associados aos traços de personalidade, mas é necessária ainda a realização de mais pesquisas visando compreender quais características podem ser avaliadas e por quais indicadores, trazendo, assim, a segurança ao profissional que se utiliza o teste Wartegg de estar utilizando um instrumento válido, o que atualmente não é possível afirmar.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: rprimi@uol.com.br
Recebido em Outubro de 2006
Reformulado em Fevereiro de 2007
Aceito em Março de 2007
Sobre os autores:
* Carmen Vera Rodrigues de Souza: psicóloga e mestre em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco.
** Ricardo Primi: psicólogo, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo com parte desenvolvida na Yale University (EUA). Coordenador do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE). Recebe financiamento da FAPESP e do CNPq (produtividade em pesquisa nível 1B). Diretor de Pós-Graduação e professor do Mestrado e Doutorado em Avaliação Psicológica da Universidade São Francisco. Presidente eleito do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP). Membro da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica do Conselho Federal de Psicologia.
*** Fabiano Koich Miguel: psicólogo formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutorando em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco. Bolsista Fapesp.