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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.3 Porto Alegre Dec. 2010

 

 

Análise factorial confirmatória do Group Environment Questionnaire com atletas portugueses

 

Confirmatory factor analysis of the Group Environment Questionnaire portuguese version

 

 

Carla Chicau Borrego1, I; José Carlos LeitãoII; Carlos SilvaI; José AlvesI; Joan PalmiIII

IEscola Superior de Desporto de Rio Maior
IIUniversidade de Trás os Montes e Alto Douro
IIIInstituto Nacional de Educação Física da Catalunha

 

 


Resumo

O objectivo do estudo foi determinar a validade da aplicação do Group Environment Questionnaire, (GEQ), que na versão portuguesa adopta a designação de Questionário de Ambiente de Grupo (QAG), como medida para avaliar a coesão de grupo em desportos de equipas, no contexto competitivo em Portugal e verificar a sua adequação ao modelo teórico desenvolvido por Carron et al. (1985), através da análise factorial confirmatória (AFC). Participaram no estudo 467 atletas federados de diferentes modalidades com idades compreendidas entre os 14 e 21 anos (M=16,5, DP=1,7). Os resultados da análise da fiabilidade da solução final do Questionário de Ambiente de Grupo, constituído por 13 itens, revelou valores de consistência interna entre .70 para a dimensão IG-T e .86 para a dimensão AIG-S, excedendo o valor mínimo α= .70, recomendado por Nunnaly (1978). De uma forma geral os valores dos indicadores globais de ajustamento do modelo inspeccionado para o QAG resultantes da análise factorial confirmatória: S-Bχ2 =119.34, gl.=55, p = .001; GFI = .96; RobustCFI= .97; TLI/NNFI= .96; SRMR= .034; RMSEA(90% CI)= .049 (.039 – .058), expressam a sua qualidade. Assim podemos concluir que a avaliação da coesão de grupo em desportos de equipas portuguesas, através do questionário se manifesta adequada.

Palavras-chave: Coesão de grupo, desporto de equipa, validação.


Abstract

The purpose of this study was to validate the Group Environment Questionnaire (GEQ), in Portuguese as adopt de name of Questionário de Ambiente de Grupo (QAG), as a measure to evaluate the group cohesion in Portuguese sports teams, in a competitive context, and its support by the conceptual model developed by Carron et al. (1985), through confirmatory factor analysis (CFA). Participated in the study, four hundred sixty-seven (467) athletes of different sports, with aged between 14 and 21 years (M = 16.5, SD = 1.7). The reliability results of the of the final the Portuguese version of the GEQ, consisting of 13 items, revealed good internal reliability coefficients with values range from .70 for IG-T dimension to .86 in AIG-S dimension. All coefficients exceeded the recommended minimum value of a = .70, recommended by Nunnaly (1978). The global indicators resulting from AFC revealed good fit indices for the GEQ: S-Bχ2 =119.34, gl.=55, p= .001, GFI = .96; RobustCFI = .97, TLI / NNFI = .96, SRMR = .034, RMSEA (90% CI) = .049 (.039 - .058), expressing is quality. Therefore, this study point out that evaluation of group cohesion in sports teams of Portugal, with GEQ, are valid and reliable.

Keywords: Group cohesion; sport teams; validation.


 

 

Introdução

As equipas desportivas são geralmente caracterizadas por frequentes interacções afectivas positivas entre os membros das equipas, interacções essas que acontecem num contexto temporal estável. Desta forma, as equipas desportivas são um palco privilegiado para a proposição de Baumeister e Leary (1995, p. 508) que “ ser excluído leva a sentimentos negativos”. A necessidade de pertença, não é apenas a necessidade de afiliação, pois contactos repetidos ou numerosos com pessoas indiferentes ou não apoiantes (suporte), pouco contribuem para a satisfação da necessidade de pertença. Assim um barómetro dos sentimentos de pertença (ou percepção de exclusão) pode ser a percepção que o indivíduo detém da coesão de grupo (Terry et al., 2000). A percepção de elevados níveis de coesão estão muito relacionados com a sensação de unidade de grupo, de colectivo e interdependência com os membros da equipa, enquanto a percepção de baixos níveis de coesão estão relacionados com a sensação de orientação individual, não existência de cooperação e independência dos membros do grupo equipa (Carron et al., 1998).

Segundo Carron e Hausenblas (1998) um grupo desportivo, equipa desportiva, caracteriza-se por: i)Possuir uma identidade Colectiva (com elementos que os unifiquem, e os tornem diferentes dos outros); ii)Estabelecerem objectivos e Metas (Finalidades) comuns; iii) Enfrentarem um destino comum (processo partilhado, em que quanto maior for o nº de experiências colectivas vividas, maior será a interdependência do grupo); iv) Exibirem padrões estruturados de interacção (um determinado líder, um estilo de comunicação, etc...); v)Interdependência pessoal e na tarefa (motivando uma interacção pessoal); vi)Atracção interpessoal recíproca (situações onde o grupo ajuda a atingir o seu objectivo); e vii) E quando se consideram eles próprios, um grupo.

Um elemento e característica vital de um grupo, que o distingue de ser um simples agregado ou colecção casual de indivíduos, é o grau de atracção ao nível do compromisso ou envolvimento de cada um dos membros para o colectivo como um todo. Este nível de união é a condição sine qua non para que se possa falar num grupo. O conceito de coesão que é usado para descrever o grupo encontra paralelo com o conceito de personalidade para descrever o indivíduo. Segundo Carron (1982), qualquer tentativa para descrever, explicar e controlar o comportamento de um grupo no contexto desportivo, tem que emergir da compreensão da coesão do grupo.

O termo coesão tem origem na palavra latina “cohaesus”, que significa aderir ou manter-se unido (Carron, 1982). No campo da física e da química, coesão refere-se às forças que vinculam as moléculas numa determinada substancia. Em psicologia, e de uma forma geral em ciências sociais, utiliza-se uma metáfora semelhante pois o termo coesão descreve o processo de manter os membros de pequenos grupos ou de identidades sociais mais abrangentes, unidos em graus diferenciados. No dia a dia, outros termos como atracção, afectividade, moral e solidariedade, quando aplicados no contexto desportivo ou organizacional, são sinónimos de coesão.

Contudo, desde os anos quarenta que a coesão tem sido definida e discutida por um elevado número de autores na área da psicologia social, como qualidade fundamental para distinguir os grupos de um agregado de indivíduos. O primeiro autor a utilizar o termo foi Kurt Lewin, em 1935, associando o conceito de interdependência. A definição de coesão foi consolidada por Festinger, Schachter e Back, (1950), sendo uma das primeiras e das mais significativas definições em termos de impacto geral, pelo que a pesquisa no desporto se tem baseado nela frequentemente. Para estes autores, a coesão é definida como “um campo total de forças que actuam nos membros para permanecerem no grupo” (p. 164). Os autores afirmam que duas forças distintas agem para que os membros permaneçam num grupo, sendo elas: a atractividade do grupo e o controle dos meios, antecipando na opinião de Dion (2000) a distinção entre coesão social e tarefa (para mais informação sobre o desenvolvimento do conceito de coesão consultar Cota, Evans, Dion, Kilik, e Longman, (1995), Dion (2000) e Carron e Brawley (2000))

No contexto da psicologia do desporto, Carron, Widmeyer, e Brawley (1985), desenvolveram um modelo hierárquico de coesão (fig.1), com aplicação no contexto desportivo, baseado em duas dimensões, tarefa-social e individual-grupo. O conceito de coesão, que tem recebido aceitação por parte dos estudiosos em dinâmica de grupos (Cota et al, 1995), é definida como “um processo dinâmico que reflecte a tendência do grupo se manter e permanecer unido na perseguição dos seus objectivos e finalidades e/ou para satisfazer as necessidades ´afectivas` dos seus membros” (Carron, Brawley, & Widmeyer, 1998, p. 213), surge no topo do modelo, que numa primeira ordem se diferencia em componente individual (Atracção individual para o grupo) e componente de grupo (Integração no grupo) ao nível intermédio. Por sua vez as componentes de nível intermédio subdividem-se em tarefa versus social, constituindo um terceiro nível, resultando então, em quatro factores na base do modelo que se assume estarem positivamente correlacionados entre si. Para Carron e colaboradores as componentes “grupo” e “individual” referem-se a dois objectos ou focos de percepção, na perspectiva de cada um dos membros do grupo. A distinção das componentes grupoindividual, tal como a distinção entre tarefa versus coesão social, tem estado presente, sendo valorizada na literatura sobre coesão (Aoyagi, Cox, & McGuire, 2008; Carron, 1982; Carron & Brawley, 2000; Carron et al., 1998; Carron et al., 1985).

Em consonância com o seu modelo Carron et al. (1985) apresentam um instrumento desenhado para o contexto do desporto - Group Enviromment Questionnaire - GEQ, constituído por quatro sub-escalas: 1) Atracção Individual para o Grupo em relação aos aspectos Sociais (AIG-S); 2) Atracção Individual para o Grupo em relação à Tarefa (AIGT); 3) Integração do Grupo em relação aos aspectos Sociais: (IG-S); e 4) Integração no Grupo em relação à Tarefa (IG-T). Este instrumento distingue-se dos restantes (e.g. Sport Cohesiveness Questionnaire- SCQ e Multidimensional Sport Cohesion Instrument- MSCI), por derivar de um modelo teórico.

Numa análise reflexiva sobre o trabalho desenvolvido por Carron et al. (1985), os autores Cota, Evans, Dion, Kilik, e Longman, (1995, p. 566), afirmam que este é promissor por duas razões fundamentais: “A primeira é que as duas dimensões apresentadas são muito importantes na compreensão da coesão em diferentes tipos de grupo, tendo sido identificadas por outros autores de forma independente. Segundo, as implicações das duas subescalas foram testadas num número crescente de trabalhos”. Também Blanchard, Poon, Rodgers e Pinel (2000) sugerem a relevância da escala GEQ, como instrumento de eleição entre os psicólogos do desporto para acederem ao conceito multidimensional de coesão no contexto desportivo e do exercício

 

 

As qualidades métricas do GEQ tem sido avaliadas em literatura relevante (ver Duda, 1998), embora, segundo Carron et al. (1998, p. 219) apenas três trabalhos publicados até 1998, tenham realizado a análise factorial confirmatória da validade do GEQ (Carron et al., 1985; Li & Harmer, 1996; Schutz, Eom, Smoll, & Smith, 1994).

A estrutura factorial do instrumento, GEQ, foi examinada por Schutz et al. (1994), utilizando 752 atletas do contexto escolar, com idades compreendidas entre os 13 e os 19 anos. Os resultados encontrados não suportaram o modelo de quatro factores proposto. Acresce ainda, que nenhuma das subescalas obtiveram coeficientes de consistência interna, Alfa de Conbrach, superiores a .70. Também a análise realizada por género, demonstrou diferentes estruturas factoriais, não havendo adequação ao modelo proposto por Carron et. al (1995), embora este seja o primeiro estudo que explora esta possibilidade.

No entanto Li e Harmer (1996), com uma amostra de 321 atletas, examinaram sete estruturas factoriais diferentes. Os resultados demonstraram que a solução que melhor adequação apresenta, é a que corresponde ao modelo hierárquico proposto por Carron et. al. (1985).

Após 1998, foram publicados alguns estudos nos quais as qualidades métricas do QEG foram também analisadas através do recurso à análise factorial. Recorrendo a uma amostra de 219 atletas de elite femininas da Nova Zelândia, da modalidade de netball, com idades compreendidas entre 14 e 47 anos (M= 22.98 e DP = 6.36), Leeson e Fletcher (2005), afirmaram que “embora não tenhamos conseguido aceitar o modelo de quatro factores proposto por Carron et al. (1985), devido aos valores elevados de correlação”(pp.155), utilizaram todos os itens originais numa solução de dois factores (social e tarefa). Os autores salientam que a idade dos sujeitos estudados não se insere no intervalo de idades em que o questionário foi originalmente desenvolvido, e que o estudo não foi realizado no Norte da América. Embora os autores não façam referência à adaptação do questionário para a cultura do país, salientam que este pode ser um factor que afecte os resultados. Noutro estudo, realizado com 199 atletas de modalidades tipo coactivas, não foi encontrado suporte para o modelo de quatro factores proposto (Sullivan, Short, & Cramer, 2002). Estes autores referem que o tipo de modalidade (coactivas versus interactivas) poderá afectar de forma distinta o modelo de quatro factores.

Mais recentemente, não tendo como objectivo principal a verificação da validade factorial do instrumento Aoyagi, et al. (2008) desenvolveram um estudo com 193 atletas/estudantes universitários de ambos os sexos, com uma média de idades de M= 19.78 e DP= 1.22, de desportos colectivos e individuais, no qual realizaram análise confirmatória do GEQ. Os resultados da AFC do modelo de quatro factores (χ2= 129, p<.001, CFI= .87, TLI= .85, RMSEA= .08), foram considerados como mínimos aceitáveis.

A análise das propriedades psicométricas de questionários originários da língua Inglesa noutras culturas com diferentes idiomas, tem vindo a aumentar, embora na área da psicologia do desporto esteja agora a dar os primeiros passos. Heuzé e Fontayne (2002) desenvolveram cinco estudos para desenvolver a versão francesa do GEQ – Questionnaire sur l´Ámbiance du Grupe (QAG), tendo concluído que instrumento possui propriedades psicométricas satisfatórias para medir a coesão em equipas desportivas. De realçar que na tradução e adaptação do GEQ para a língua francesa, os autores desenvolveram vários estudos para alcançarem resultados satisfatórios. No terceiro e quarto estudo foram adicionados itens (instrumento com total de 31 itens), mas durante a análise factorial exploratória foram eliminados 13 itens, sendo retidos apenas 18 itens. O estudo apresentado por Heuzé e Fontayne (2002) envolveu não apenas uma tradução e validação do questionário mas também a reformulação do questionário, pois alguns itens não estão presentes na versão original do GEQ.

Também Ntoumanis e Aggelonidis (2004) avaliam as qualidades psicométricas do GEQ, versão grega, numa amostra de atletas de voleibol, com idades entre 18 a 34 anos (M= 22.1; DP= 4.7). A coesão foi avaliada em três momentos da época competitiva. Os resultados demonstraram que o GEQ, versão grega, apresenta valores elevados de consistência interna, boa validade convergente e índices de ajustamento aceitáveis. No entanto a validade discriminante é problemática, porque os factores estão altamente correlacionados.

A versão em Espanhol do GEQ foi analisou por Garcia Calvo (2006) com uma amostra de 462 jogadores de futebol, do genero masculino com uma média de idades de M= 14.9 e DP= 1.8, federados, participantes no campeonato regional. A estrutura final é composta por 12 itens, tendo 4 itens (3, 4, 7, 11) sido eliminados na análise exploratória e dois (14 e 18 itens), porque os seus pesos de regressão não eram aceitáveis (.33 e .35 respectivamente) e ainda porque os indices do modelo melhoravam com a sua eliminação. Os valores finais dos indices de ajustameto χ2= 145,49, χ2/gl :2.90, CFI= .95, TLI= .93, RMSEA= .054, SMR= .042, demonstram que o modelo de quatro factores é adequado. A análise da concistência interna apresentou valores entre α= .70 e α= .78 (IT-G e IT-S respectivamente), considerados aceitáveis (Calvo, 2006).

Como afirmam Fonseca e Brito (2005, p. 108)

“Ao contrário do panorama internacional (Duda, 1998) ao analisarmos a investigação em Portugal produzida na área da psicologia do desporto em Portugal particularmente no que se refere à avaliação psicológica dos indivíduos que participem em actividades físicas ou desportivas, constatamos que são extremamente escassos os estudos no âmbito das quais foi utilizada a Análise Factorial Confirmatória (AFC)”.

Assim em Portugal, a única investigação desenvolvida até ao momento para analisar as qualidades psicométricas do GEQ, versão portuguesa - Questionário de Ambiente de Grupo, QAG (Mendes & Bartolo, 1993), foi desenvolvido por Leitão (1999). Participaram no estudo atletas profissionais do sexo masculino com idades entre os 17 e os 35 anos, praticantes federados da modalidade de futebol de onze. A estrutura factorial representativa dos dados obtidos resultou da eliminação de sete itens, sendo a variância explicada pelos factores igual a 49,6%, e os valores de coeficiente de consistência interna, alfa de Cronbach, superiores a .71. Apesar de os dados relativos às medidas de ajustamento reflectirem a adequação do modelo de quatro factores aos dados, [χ2= 63.141(38) < .05, CFI= .95, TLI= .93, RMSEA= .054, SRMR= .01], os resultados da análise confirmatória do modelo de quatro factores, indiciavam que os indicadores não representavam os factores de uma forma adequada, sugerindo que a validade foi apenas verificada parcialmente.

De acordo com o exposto anteriormente, verificamos que o modelo de quatro factores proposto por Carron et al. (1995) tem sido alvo de estudos, que revelam alguma inconstância de resultados que o suportem. Desta forma e em resposta aos resultados das investigações realizada com a versão na língua inglesa (excepção dos estudos realizados depois de 2000), Carron et al. (1998) e Carron e Brawley (2000) argumentam que os investigadores devem respeitar o carácter multidimensional e dinâmico do conceito da coesão, sugerindo que as futuras AFC devem seguir os seguintes procedimentos: a) utilizar múltiplas administrações do instrumento em múltiplas equipas durante um período de tempo ou; b) uma amostra abrangente de grupos, com uma composição heterogenia de afiliação aos mesmos.

Tendo em conta a segunda perspectiva proposta de Carron e Brawley (2000) e pelos resultados inconclusivos da validade do GEQ, em várias versões, e também motivados pela lacuna existente na literatura portuguesa no âmbito da psicologia do desporto e exercício na utilização da Análise Factorial Confirmatória, pretendemos com este estudo verificar a utilidade do GEQ, versão portuguesa, como medida para avaliar a coesão em desporto de equipa em Portugal e a sua adequação ao modelo teórico desenvolvido por Carron e colegas.

 

Método

Participantes

Participaram neste estudo 467 atletas da modalidade desportivas colectivas do género masculino, inseridos em contexto competitivo (andebol, basquetebol, futebol e voleibol). Os atletas que participaram no estudo têm idades compreendidas entre os 14 e 21 anos (M=16,5, DP=1,7). De salientar que os sujeitos do estudo são atletas inscritos nos campeonatos nacionais das respectivas modalidades, não pertencendo as equipas ao contexto competitivo do desporto escolar ou universitário.

Instrumentos

A percepção de coesão de grupo foi avaliada através do questionário Group Environment Questionnaire, desenvolvido por Carron et al. (1985), que na versão portuguesa toma a designação de Questionário de Ambiente de Grupo – QAG (Mendes & Bartolo, 1993) e que iremos adoptar no decorrer do trabalho. O questionário é constituído por 18 itens e deriva do modelo conceptual que inclui quatro dimensões: 1) Atracção Individual para o Grupo em relação aos aspectos Sociais - AIG-S (e.g. “Não gosto de participar nas actividades sociais desta equipa”); 2) Atracção Individual para o Grupo em relação à Tarefa - AIG-T (e.g. “Não estou satisfeito com o tempo que tenho para treinar”); 3) Integração do Grupo em relação aos aspectos Sociais - IG-S (e.g.”Os membros da nossa equipa preferem sair sozinhos do que saírem juntos como uma equipa” e; 4) Integração no Grupo em relação à Tarefa - IG-T (e.g. “Assumimos toda a responsabilidade por qualquer mau resultado ou mau rendimento da nossa equipa”).

As pontuações das dimensões são obtidas pelo somatório dos itens relevantes para cada uma das dimensões: Itens 1, 3, 5, 7 e 9 para AIG-S; Itens 2, 4, 6, 8 para AIG-T; Itens 11, 13, 15 e 17 para IGS; e Itens 10, 12, 14, 16 e 18 para IG-T. Os itens 5; 9; 10; 12; 15 e 16 têm uma cotação idêntica aos valores da escala, indo de “Discordo absolutamente” que assume o valor 1 até ao “Concordo absolutamente” com o valor 9. Os outros itens são cotados de forma inversa (Discordo absolutamente=9, Concordo absolutamente=1). Assim, maior pontuação representa maior percepção de coesão. Após as considerações éticas, autorização dos respectivos clubes, equipa técnica e atletas, os atletas preencheram sem dificuldade o QAG, sempre antes de um treino e a meio da semana para que a percepção não seja alterada devido à proximidade de uma competição/jogo.

Análise dos dados

Para a análise e tratamento estatístico foram utilizados diversos procedimentos e análise disponíveis nos programas ´Statistical Package for Social Sciences – SPSS` for Windows (versão Vista) e o ´ Structural Equation Modeling Software– EQS` for Windows (versão 6.1). Numa primeira fase realizamos a análise descritiva dos dados através das medidas de média, desvio padrão, posteriormente procedemos à análise dos itens através da consistência interna (alfa de Conbrach) e correlações inter e intra itens.

A análise factorial confirmatória foi realizada com recurso ao software de análise de equações estruturais EQS V6. Este conjunto de técnicas estatísticas designadas de Análise Factorial Confirmatória (AFC), permitem verificar o grau de correspondência entre os dados recolhidos e o modelo de medida proposto (Kahn, 2006). Considerando o trabalho conceptual desenvolvido, o modelo teórico deverá ser consistente, devendo a análise factorial confirmatória respeitar a filosofia inerente ao enunciado teórico. A análise factorial confirmatória teoricamente deriva das hipóteses acerca de quantos factores existem e quais as variáveis que contribuem para cada um dos factores. Como o próprio nome indica este conjunto de técnicas estatísticas servem para confirmar se a estrutura factorial hipotética é ajustada para os dados (Kahn, 2006). Esta estrutura factorial pode derivar de uma análise factorial exploratória, ou ser oriunda de um forte postulado teórico (modelo conceptual forte) que é o caso do instrumento, Group Enviromment Questionnaire. Para este tipo de análise, Bentler (1995) recomenda um rácio de 10:1, no nosso estudo esse valor foi ultrapassado, uma vez que o rácio da dimensão da amostra para os parâmetros livres no modelo foi de 25:1.

Para estimar os parâmetros o método de Máxima Verossimilhança (ML) é o mais usualmente utilizado (Kahn, 2006), no entanto a teoria subjacente a este método pressupõem uma amostra suficientemente grande e uma distribuição multivariada normal dos dados. No nosso estudo este pressuposto não foi alcançado, uma vez que o coeficiente de Mardia estimado foi elevado, sugerindo a não normalidade dos dados. Desta forma seguimos em alternativa o método ML robusto, proposto por Satorra-Bentler (2001) que corrige a não normalidade.

Uma vez que o nosso objectivo é medir a adequabilidade do instrumento ao modelo conceptual nos participantes em estudo, as medidas empregadas para verificar a adequação do modelo aos dados foram as que, de uma forma geral, mais frequentemente têm sido referidas para esse efeito na literatura internacional (Kahn, 2006; Worthington & Whittaker, 2006) e Portuguesa (Leitão, 1999; Fonseca e Brito, 2005; Moreira, 2004) referente à validação de instrumentos de avaliação psicológica no contexto desportivo. Sendo estas: Qui-quadrado (S-BI2 Satorra- Blenter), Goodness of Fit Index (GFI), Comparative Fit Index (CFI), Non-Normed Fit Index (NNFI), Adjusted Goodness Fit Index (AGFI), Standardized Root Mean Square Residual (SRMR) e o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA).

Os valores de referência considerados para: Qui-quadrado (S-Bχ2 Satorra- Blenter) com o valor p não significativo no entanto esta medida é sensível à dimensão da amostra, especificamente quanto maior a dimensão da amostra maior será o valor de quiquadrado (Hu & Bentler, 1995), sendo sugerido que este indicador não deve ser analisado de forma isolada mas em conjunto com outros índices (Kahn, 2006), rácio [[χ2].inf.2] (Carmines & McIver, 1996; Ullman, 2001), Goodness of Fit Index (GFI), Robust Comparative Fit Index (CFI), Non-Normed Fit Index (NNFI) e Adjusted Goodness Fit Index (AGFI) superiores a .95 (Hu & Bentler, 1999), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), inferior a .06 (Kahn, 2006) e o Standardized Root Mean Square Residual (SRMR) inferior a .08 (Kahn, 2006). Os coeficientes de alfa de Cronbrach foram calculados para aceder à consistência interna das quatro dimensões, sendo o critério para aceitar o de valores superiores a .70, proposto por Nunally (1978).

Resultados

Na tabela 1 são apresentados os valores de médias, desvio padrão, skewness e kustosis do QAG, de acordo com a estrutura proposta no modelo (18 itens). A análise descritiva dos resultados revelou que os atletas recorreram às nove possibilidades de resposta existentes para cada um dos 18 itens, com as médias de resposta a variarem entre 6.46 ± 2.32 e 4,94 ± 2,51, respectivamente nos itens 10 e 13. Os valores de skewness variam entre .02 e -.76, e os valores de kurtosis entre -1.70 e -.39, indicando uma não normalidade moderada na distribuição dos dados.

 

 

A análise da tabela 1 permite ainda verificar a existência de correlações item-factor inferiores a .40 (itens12,16) assim como diversos itens situados entre valores de .01 = r = .29 (itens 5,9,14,18,15). O restantes itens apresentam coeficientes de correlação moderada (= .55), com o respectivo factor. Observase igualmente, que a exclusão de alguns itens (i.e. itens 5,9,14,15) contribui para o aumento do valor da consistência interna das dimensões AIG-S, IG-T e IG-S. Neste sentido é de realçar que o único factor que apresenta um valor alfa de Cronbach superior a .70 é o factor AIG-T (α= .82), tendo os restantes, valores inferiores ao estipulado por (Nunnaly, 1978).

Resultados da Análise Factorial Confirmatória (AFC)

A estrutura factorial final do questionário foi definida com base nos seguintes critérios: i) correlação igual ou superior a .45 do item com o factor; ii) a percentagem da variância total, que é explicada por cada solução factorial, deve ser superior a 40% (Hill e Hill, 2000); e iii) cada dimensão deve apresentar, pelo menos, três itens. Estes critérios procuram obedecer à noção de parcimónia proposta por Thurstone (1947, cit. por Leitão, 1999).

Ao consideramos os valores de alfa propostos para a fidelidade das dimensões após a eliminação dos itens 5, 9, 14, 15 e 18 (Alpha if Item Deleted, SPSS), observou-se uma melhoria da consistência interna (Hill & Hill, 2000; Nunnaly, 1978). Assim os coeficientes de consistência interna (alfa de Cronbach), da estrutura factorial constituída por 13 itens é de a= .82 para a dimensão AIG-T, α= .86 para a dimensão AIG-S, α= .70 para a dimensão IG-T e α= .83 para a dimensão IG-S. Todos os coeficientes excederam os o valor mínimo de α= .70, recomendado por Nunnaly (1978).

Ao analisarmos a estrutura factorial final do modelo de 13 itens do QAG, relativamente ao ajustamento global do modelo aos dados, verificamos um valor do teste S-Bχ2 =119.34, gl.=55, p < .001. Embora o valor p indique sob o ponto de vista estatístico um fraco ajustamento, o teste de c2, é sensível ao tamanho da amostra (Hu & Bentler, 1995). Como são necessárias amostras com um N elevado para realizar AFC (Kahn, 2006) existe a possibilidade dos valores qui-quadrado serem significativos mesmo que o modelo apresente índices de ajustamento satisfatórios aos dados. Alguns autores sugerem ainda observação do rácio χ2 /df recomendando valores entre 2 e 5 (Carmines & McIver, 1996) sendo o rácio encontrado de 2.68.

 

 

A estimativa dos parâmetros das variáveis marcadoras do modelo e diversas medidas de ajustamento (godness of fit índex) do modelo aos dados permite verificar a extensão da bondade do ajuste da teoria à estrutura da covariância dos dados. Neste sentido, as medidas de ajustamento GFI (.96), Robust CFI (.97) e TLI/NNFI (.96) revelam-se superiores a .95, tal como preconizado por Hu e Bentler, (1999). Os outros indicadores de ajustamento sugerem igualmente uma boa adequação do modelo: SRMR (.034) inferior a .06 (Kahn, 2006) e RMSEA [.055 (.045 - .064)] inferior a .08 (Kahn, 2006). Verificamos que o modelo final obteve uma boa adequação, demonstrando que as alterações efectuadas surtiram efeitos relevantes nos índices de ajustamento.

Na análise da solução estandardizada expressa na Figura 2 (ou dos parâmetros estimados após AFC) verificou-se que as saturações factoriais (λ) mostraram valores moderados situados entre .61 e .81. Também os erros de medidas das variáveis observadas (δ) se revelaram moderados. As correlações entre os factores apresentam uma grande amplitude (correlações entre r= .01 e r = .91).

 

 

 

Discussão

O objectivo central do estudo foi determinar a validade da aplicação do Questionário de ambiente de grupo (QAG), como medida para avaliar a coesão de grupo em desportos de equipas, no contexto competitivo em Portugal e a adequação ao modelo teórico desenvolvido por Carron et al. (1985). Neste sentido foram utilizados dados de um conjunto de atletas de cinco modalidades colectivas diferentes (variando o seu nível competitivo), com diferentes características dos membros e sua afiliação (número de anos de experiência desportiva, tamanho da equipa e questões demográficas) em fases diferentes de desenvolvimento do grupo, que constituem os participantes do nosso estudo. Este procedimento “permite condições mais aproximadas aos critérios sugeridos para testar o modelo conceptual de coesão em equipas desportivas” (Carron, Brawley e Widmeyer, 1998, pp.220).

Na estatística descritiva inicial verificou-se que as variáveis observadas (18 itens) seguem uma distribuição não normal moderada. Resultados semelhantes foram encontrados por Schutz et al. (1994). Todos os valores médios de resposta apresentaram valores superiores a 4.95, sendo o ponto intermédio de 5, com valores de desvio padrão relativamente baixos comparados com a média. Nos dados analisados, constatou-se que a solução de 18 itens, quatro factores, não apresentava validade factorial. No entanto, e mantendo sempre como preocupação o respeito pela manutenção da integridade teórica do modelo, foram identificados cinco (5) itens problemáticos, sendo desta forma eliminados da escala.

A análise do grau de uniformidade ou de coerência existente entre as respostas dos sujeitos a cada um dos itens que compõem a escala - consistência interna - no modelo final de quatro factores constituído por 13 itens, revelou valores de alfa de Conbrach para a dimensões de AIG-T (.82), AIG-S (.86), IG-T (.70) e IG-S (.83) relativamente superiores aos valores encontrados no estudo de Carron et. al. (1985, 2002), Aoyagi, Cox e McGuire (2008) e Calvo (2006), mas abaixo dos valores encontrados por Ntoumanis e Aggelonidis (2004), que sendo todos superiores .90, revelaram na opinião dos autores “também correlações entre os itens do questionário elevadas e problemáticas” (pp.274). Quando consideramos apenas os investigadores portugueses que se propuseram a analisar as propriedades psicométricas do QAG, (Leitão, 1999) verificamos que os valores de consistência interna do presente estudo são os mais elevados.

No que respeita à adequação ao modelo os valores S-Bχ2 (55, N=467) =119.34= .001 e os valores dos índices de bondade de ajustamento GFI ( .96), CFI ( .97) e TLI ( .96) são todos superior a .95, indicando um bom ajustamento ao modelo. Os outros indicadores da qualidade de ajustamento do modelo são o SRMR ( .034) e RMSEA [.055 ( .045 - .064)], sugerem também um bom ajustamento do modelo. Embora os resultados da análise factorial confirmatória suportem uma validade convergente do modelo, verificou-se a existência de valores residuais com uma certa magnitude (sup. 0,50 Jöreskog & Sörbom, 1996) podendo sugerir alguma representação problemática dos indicadores.

Apesar dos resultados inconclusivos da validade do Questionário de Ambiente de Grupo (designação portuguesa do GEQ), quer a nível nacional quer internacional, em termos gerais, os resultados alcançados permitiram evidenciar boas qualidades psicométricas e afirmar que QAG, se adequa parcialmente ao modelo proposto por Carron et al. (1985), no entanto devemos salientar que o questionário foi reduzido para 13 itens respeitando os critérios de parcimónia.

O modelo conceptual de Carron e colaboradores assim como o instrumento para a avaliar a coesão, reveste-se de grande importância uma vez que continua a ser a abordagem mais aceite, quer a nível internacional quer em Portugal para aceder à temática da dinâmica de grupo no contexto desportivo, do exercício e educação física. Neste sentido gostaríamos de salientar a importância de se realizarem estudos complementares, como por exemplo verificar em que medida a adequação do modelo traduzida pelos valores encontrados no nosso estudo se mantém, com sujeitos com práticas desportivas distintas (e.g. modalidades coactivas, modalidades individuais), de contextos diferenciados (e.g. exercício, recreação), e ainda com características diferentes (e.g. escalões etários, género). Igualmente, e tendo em consideração que o modelo conceptual de Carron e colegas, assume a natureza multidimensional da coesão, expressa na dinâmica do grupo, emerge ainda a necessidade de em trabalhos futuros se examinar as qualidades métricas do instrumento, na versão portuguesa, ao longo de uma época desportiva (e.g. várias equipas desportivas ao longo de uma época desportiva). Outra situação, é a delimitação contextual, isto é os resultados encontrados devem ser enquadrados no tempo, espaço e contexto em que foi realizado.

Em termos de recomendação geral sugerimos que futuras investigações continuem a examinar a validade do Questionário de Ambiente de Grupo de acordo com as recomendações de Cota, et al. (1995) e Carron e Brawley (2000). Julgamos que a validação de questionários é um processo continuado, existindo variáveis mediadoras que devem ser explorados. Nomeadamente factores como o idioma e questões culturais.

 

Referências

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Recebido em fevereiro de 2010
1ª Reformulação em agosto de 2010
2ª reformulação em setembro de 2010.
Aceito em outubro de 2010

 

 

Sobre os autores:

Carla Chicau Borrego: Doutorada e Professora Adjunto na Escola Superior de Desporto de Rio Maior-IPS, e membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Portugal.
José Carlos Leitão: Doutorado e Professor Associação na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, Vila Real, e membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Portugal.
Carlos Silva: Doutorado e Professor Coordenador na Escola Superior de Desporto de Rio Maior-IPS, Rio Maior, e membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Portugal.
José Alves: Doutorado e Professor Coordenador no Instituto Superior de Ciências da Saúde e membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Portugal
Joan Palmi: Doutorado e Professor Catedrático no Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha, LLeida, Espanha.

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