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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.12 no.2 Itatiba Aug. 2013

 

 

Validação fatorial de escala de atitudes frente a estilos de liderança

 

Factorial validation of scale of attitudes toward leadership styles

 

Validación factorial de escala de actitudes relativas a estilos de liderazgo

 

 

Ana Márcia de Oliveira Fonseca1; Juliana Barreiros Porto2

Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Internacionalmente, os estilos de liderança transformacional e transacional estão entre os mais estudados nos últimos 20 anos. Pressupõe-se que a adoção de um ou outro estilo possa ser predita pelas atitudes do gestor frente a cada estilo. O objetivo deste estudo foi fornecer evidências de validade de uma escala para mensuração de atitudes frente à liderança transformacional e transacional. Os itens foram extraídos de escalas internacionais validadas e passaram pelo processo de tradução-retradução. O questionário foi aplicado a uma amostra de 324 profissionais de organizações públicas e privadas de Brasília. A análise fatorial (PAF com rotação Promax) indicou uma estrutura com dois fatores, teoricamente consistentes com a teoria prévia: Fator 1: Liderança Transformacional (24 itens); Fator 2: Liderança Transacional (8 itens). Conclui-se que as evidências encontradas apontam a validade da escala para medir a atitude frente aos dois estilos de liderança.

Palavras-chave: escala; atitude; liderança; transformacional; transacional.


ABSTRACT

Internationally, transformational and transactional are among the leadership styles most frequently studied in the last 20 years. It is likely that the adoption of one style or the other could be predicted by leader’s attitudes toward each style. The aim of this study is to present validity evidences of a scale to measure attitudes toward transformational and transactional leadership styles. Items have been taken from internationally validated scales and translated to Portuguese through back-translation process. A sample of 324 professionals of public and private organizations of Brasilia has answered the questionnaire. Factorial analysis (PAF with Promax Rotation) indicted a two-factor structure, consistent with previous theory: Factor 1: Transformational Leadership (24 items); Factor 2: Transactional Leadership (8 items). The evidences point to the validity of the scale to measure attitudes toward both leadership styles.

Keywords: scale; attitude; leadership; transformational; transactional.


RESUMEN

Internacionalmente, los estilos de liderazgo transformacional y transaccional están entre los más estudiados en los últimos 20 anos. Se supone que sea posible prever la adopción de un estilo u otro por medio de las actitudes del gerente relativas a cada estilo. El objetivo de esta investigación fue presentar evidencias de validez de una escala para medir las actitudes relativas al liderazgo transformacional y transaccional. Los ítems fueran retirados de escalas internacionales validadas y pasaron por el proceso de traducción-retraducción. El cuestionario fue respondido por 324 profesionales de organizaciones públicas y privadas de Brasília. El análisis factorial (PAF con rotación Promax) indicó una estructura con dos factores teóricamente consistentes con la teoría previa: Factor 1: Liderazgo Transformacional (24 ítems), Factor 2: Liderazgo Transaccional (8 ítems). Se concluye que las evidencias apuntan para la validez de la escala para medir las actitudes relativas a los dos estilos de liderazgo.

Palabras-clave: escala; actitud; liderazgo; transformacional; transaccional.


 

 

Atitudes e liderança são dois temas recorrentes na literatura da Psicologia Organizacional. As primeiras por serem encaradas como preditoras de comportamento, e a segunda pelo papel central que os gestores ocupam na vida de qualquer organização.

Quanto à liderança, a revisão feita por Avolio, Walumbwa e Weber (2009) fez um apanhado do estado da arte das pesquisas na área. Apontou-se, dentre outras recomendações, a necessidade de se investigar mais Ana Márcia de Oliveira Fonseca1, Juliana Barreiros Porto2 Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil a fundo os antecedentes disposicionais e contextuais do comportamento gerencial. Pouco se sabe sobre que características do líder e do contexto favorecem a adoção de um ou outro estilo de comportamento pelo líder. O conhecimento desses antecedentes pode ajudar não só na seleção e na capacitação gerencial, mas também na construção de ambientes mais propícios a determinado tipo de comportamento. Indo ao encontro dessa recomendação, a pesquisa aqui proposta vem contribuir para a investigação de um possível antecedente disposicional do comportamento gerencial: a atitude perante estilos de liderança. Partindo-se do pressuposto de que a atitude do indivíduo perante um comportamento pode ser preditora daquele comportamento (Eagly & Chaiken, 1998; Neiva & Mauro, 2011), entende-se que conhecer esta atitude possa ajudar a prever comportamentos de líderes ou potenciais líderes.

Uma vez delimitado o antecedente disposicional com o qual trabalhar, as atitudes, fez-se necessário escolher a quais estilos de liderança essas atitudes se refeririam. Afinal, conforme menciona Vizeu (2011), uma variedade de teorias e estilos foi elencada nas últimas décadas pelos estudiosos da área. Segundo Avolio e cols. (2009), a teoria da liderança transformacional e transacional têm sido uma das mais pesquisadas nos últimos 20 anos. Conforme Yulk (1999), teorias tradicionais de liderança, como a do caminho-objetivo, da troca líderliderado e da decisão normativa teriam como foco processos racionais. Ao contrário, a teoria da liderança transformacional enfatiza emoções e valores e reconhece a importância de comportamentos simbólicos e do papel do líder em dar sentido ao trabalho do liderado. Apesar da ênfase dada pelas organizações aos líderes transformacionais, não foram localizadas, em pesquisas nacionais ou internacionais, escalas que avaliem a atitude dos gestores frente a estes estilos de liderança. O objetivo do presente estudo é justamente contribuir para a evolução das pesquisas na área, por meio da validação de uma escala para a mensuração de atitudes frente aos estilos transformacional e transacional.

Atitudes

Atitudes são aqui entendidas como “tendências psicológicas expressas por meio da avaliação de uma entidade particular com algum grau de favorabilidade ou desfavorabilidade” (Eagly & Chaiken, 1998, p. 269). Esse estado interno não pode ser observado diretamente, mas pode ser aferido com base em observações de respostas avaliativas positivas ou negativas frente a um objeto atitudinal (Neiva & Mauro, 2011).

Segundo a perspectiva mais proeminente de estudo da estrutura interna das atitudes, elas seriam compostas por três dimensões: afetiva, cognitiva e comportamental (Neiva & Mauro, 2011). Enquanto a primeira envolve sentimentos e emoções, a segunda inclui pensamentos, crenças, percepções e conceitos acerca do objeto. Já a dimensão comportamental está ligada a ações ou intenções para agir. Neiva e Mauro lembram que a atitude pode ser também encarada por meio de uma visão unicomponente, dentro da qual o aspecto avaliativo da atitude seria central e a atitude poderia ser entendida como a quantidade de afeto a favor ou contra algum objeto atitudinal. Assim sendo, a atitude poderia ser mensurada por meio de escalas bipolares representando o grau de favorabilidade ou desfavorabilidade frente a um objeto atitudinal. Atitude, nesse caso, é vista como uma variável latente que se presume influenciar ou guiar o comportamento (Neiva & Mauro, 2011). É dentro dessa perspectiva que se enquadra a escala aqui proposta.

Mas como é possível medir atitudes se elas não são diretamente observáveis? Os métodos mais comuns envolvem medidas fisiológicas, técnicas observacionais e medidas de autodescrição (Neiva & Mauro, 2011). As primeiras envolvem mensurações de reações físicas, como dilatação pupilar. No entanto, não indicam a intensidade ou a direção da reação. As segundas podem incluir, por exemplo, observação participante. Aqui, é preciso considerar o longo tempo e os custos altos envolvidos, além de distorções que podem ser provocadas pela presença do pesquisador e por sua própria interpretação dos fatos. Por fim, as medidas de autodescrição envolvem respostas conscientes do sujeito sobre suas atitudes. A escala proposta neste estudo se encontra nessa categoria. Embora se reconheça que a autodescrição pode ser alvo de desejabilidade social, trata-se de um método rápido, de baixo custo, que consegue captar a intensidade e a direção da atitude, permite manter o anonimato nas respostas e não está contaminado pela subjetividade do pesquisador. O objeto atitudinal em foco serão os comportamentos transformacionais e transacionais que um gestor pode apresentar.

Estilos de liderança transformacional e transacional

Como o próprio nome indica, o estilo transformacional de liderança se refere aos comportamentos gerenciais que transformam os liderados e os inspiram a ir além das expectativas, transcendendo o interesse pessoal pelo bem da organização (Avolio e cols., 2009). Bass (1999) identifica quatro comportamentos típicos de um líder transformacional: influência idealizada, motivação inspiradora, estimulação intelectual e consideração individualizada. A influência idealizada é a capacidade de influenciar liderados por meio de um ideal, uma ideologia ou valores socialmente compartilhados. Vizeu (2011) reforça que é justamente essa característica que associa o estilo transformador a comportamentos coletivamente orientados, como o altruísmo e a atitude cívica. O líder acaba se tornando um modelo a ser seguido e ganha a admiração, o respeito e a confiança dos liderados (Bass & Riggio, 2006). A motivação inspiradora está relacionada à criação de significado e de desafios para o trabalho do liderado e ao estímulo ao trabalho em equipe. Estabelecese uma visão de futuro atrativa, com a comunicação de metas claras que levam à superação de limites (Bass & Riggio, 2006). Já a estimulação intelectual diz respeito à capacidade do líder de provocar a reflexão e fazer o liderado ir além de sua própria visão das coisas. Está ligada à inovação e à criatividade. Por último, a consideração individualizada se refere ao estímulo ao autodesenvolvimento dos liderados por meio de uma atenção individualizada. O líder investe tempo em atividades de mentoria e reconhece que os liderados têm desejos e necessidades diferentes. A comunicação de mão dupla é encorajada e o líder tenta interagir de maneira personalizada com cada liderado (Bass & Riggio, 2006; Vizeu, 2011).

Indo além dessa perspectiva de quatro dimensões, Podsakoff, Mackenzie, Moorman e Fetter (1990) sugerem a existência de seis dimensões da liderança transformacional: prover um modelo/exemplo apropriado, articular uma visão, estimular intelectualmente, prover suporte individualizado, incentivar a aceitação de metas do grupo e esperar uma alta performance. Prover um modelo apropriado é estabelecer um exemplo a ser seguido pelos liderados que seja consistente com os valores que o líder expõe. A articulação da visão está ligada à identificação de novas oportunidades para sua unidade, divisão ou organização, bem como a inspiração de outros com sua visão de futuro. A estimulação intelectual envolve desafiar os liderados a reexaminar algumas de suas crenças sobre o trabalho e repensar como este pode ser desenvolvido. Dar suporte individualizado é indicar o respeito pelos liderados e sua preocupação sobre seus sentimentos e necessidades pessoais. Incentivar a aceitação de metas de grupo é promover a cooperação entre os liderados e fazer com que trabalhem juntos em direção a uma meta comum. Por fim, esperar uma alta performance é demonstrar que o líder espera excelência e qualidade no desempenho dos trabalhos pelos liderados.

Observa-se que as quatro primeiras dimensões de Podsakoff e cols. (1990) são bastante semelhantes às propostas por Bass (1990, 1999), mas duas outras são incluídas, ligadas mais à busca por cooperação e bons resultados. Ou seja, esse líder misturaria uma orientação para pessoas com uma orientação para tarefas.

Outro estilo de liderança descrito por essa teoria é o transacional, que tem como foco a negociação de trocas e o uso de recompensas e punições contingenciais baseadas em performance (Avolio e cols., 2009). Fazem parte desse estilo os comportamentos de recompensa contingente, gerenciamento por exceção ativo e gerenciamento por exceção passivo. A recompensa contingente envolve a designação de tarefas e o acordo sobre o que precisa ser feito com o estabelecimento de recompensas em troca de um desempenho satisfatório. Segundo Bass e Riggio (2006), a recompensa contingente pode ser transacional se a recompensa for material, como um bônus, mas transformacional se a recompensa for psicológica, como um elogio. Em virtude dessa dualidade, Goodwin, Wofford e Whittington (2001) e Hinkin e Schriesheim (2008) sugerem que esse fator da liderança transacional seja dividido em dois: um referente a contratos psicológicos implícitos (recompensa contingente propriamente dita) e outro referente a contratos psicológicos explícitos (ou negociação de trocas). O primeiro poderia estar ligado à liderança transformacional.

Os outros dois fatores da liderança transacional são o gerenciamento por exceção ativo e o gerenciamento por exceção passivo. No primeiro, o líder monitora ativamente os desvios dos padrões e erros dos liderados para tomar medidas corretivas, ou seja, punir o mau desempenho. Já no segundo, o líder aguarda passivamente e só toma providências quando o erro já ocorreu (Bass & Riggio, 2006). Embora sem dar o nome de liderança transacional, Podsakoff, Todor, Grover, & Huber (1984, citados por Schriesheim, Hinkin, & Tetrault, 1991) desenvolveram um modelo e um instrumento de medida para comportamentos de recompensa e punição do líder. Segundo Hinkin e Schriesheim (2008), há equivalência conceitual entre as dimensões de recompensa contingente de ambos os modelos, bem como entre a dimensão gerenciamento por exceção ativo de Bass (1990) e punição contingente de Podsakoff e cols. (1984, citados por Schriesheim e cols., 1991). Bass (1990, 1999) considera ainda a existência de um estilo laissez-faire, ou abdicação de liderança, e reporta a relação desse estilo com insatisfação, conflito e inefetividade.

Feita essa revisão conceitual, buscou-se responder à seguinte questão: existem escalas para mensurar a atitude de indivíduos perante os estilos de liderança transformacional e transacional? É o que se discutirá a seguir.

Escalas existentes na literatura

Em pesquisa realizada na base de dados Scielo, não foram encontradas escalas nacionais para mensuração de atitudes frente aos estilos de liderança transformacional e transacional. Em tempo, é válido ressaltar que nas investigações brasileiras predominam estudos exploratórios sem teste de modelos preditivos, o que mais uma vez enfatiza a importância de se ampliar o campo de estudos nacionais nessa área.

Quanto a instrumentos internacionais, Bass e Riggio (2006) mencionam diversas escalas que foram criadas para medir a frequência da adoção de comportamentos transformacionais e transacionais, mas não atitudes. Uma das mais utilizadas é o Questionário Multifatorial de Liderança (Multifactor Leadership Questionnaire, ou MLQ, de Bass, 1990). A escala mede dimensões das lideranças transformacional (influência idealizada, motivação inspiradora, estimulação intelectual e consideração individualizada) e transacional (recompensa contingente, gerenciamento por exceção ativo e passivo). Tem ainda itens referentes à liderança laissez-faire. O instrumento é bastante utilizado em pesquisas sobre esses estilos de liderança (Lowe, Kroeck, & Sivasubramaniam, 1996), mas sofre algumas críticas quanto a suas propriedades psicométricas (Heinitz, Liepman, & Felfe, 2005; Hinkin & Schiesheim, 2008; Tejeda, Scandura, & Pillai, 2001; Yulk, 1999). Para Yulk (1999), no MLQ há problemas de omissão de comportamentos relacionados à liderança efetiva, como consulta aos liderados, delegação, compartilhamento de informações sensíveis, comportamentos orientados à tarefa e interações com superiores e pares. Segundo o autor, escalas com maior riqueza de comportamentos, como a de Podsakoff e cols. (1990), apresentaram estruturas fatoriais mais complexas.

A escala de Podsakoff e cols. (1990), mencionada por Yulk (1999), é o Inventário de Liderança Transformacional (Transformational Leadership Inventory, ou TLI). Ela mede seis dimensões transformacionais: prover um modelo/ exemplo apropriado, articular uma visão, estimular intelectualmente, prover suporte individualizado, incentivar a aceitação de metas do grupo e esperar uma alta performance. Há evidências de que seja psicometricamente confiável (Podsakoff e cols., 1990; Podsakoff, Mackenzie, & Bommer, 1996; Schriesheim, Castro, Zhou, & DeChurch, 2006). Decidiu-se, portanto, utilizar os 22 itens dessa escala para os comportamentos transformacionais. No entanto, essa escala mede apenas comportamentos de liderança transformacional, não transacional.

Para cobrir os comportamentos transacionais, não foi encontrada uma alternativa completa ao MLQ. Algumas características transacionais podem ser cobertas por subescalas do Questionário de Comportamentos de Recompensa e Punição do Líder (Leadership Reward and Punishment Behavior Questionnaire, ou LRPQ, de Podsakoff e cols., 1984, citados por Schriesheim e cols., 1991). Embora não tenha sido desenvolvido para medir especificamente a liderança transacional, o inventário mede comportamentos de recompensa e punição contingentes a performance, características centrais da liderança transacional. Essa escala tem também boas referências psicométricas (Hinkin & Schiriesheim, 2008; Schriesheim e cols., 1991). Entretanto, não cobre todas as características de liderança transacional. Ficam de fora aspectos ligados à negociação de trocas (ou contrato psicológico explícito, de acordo com Goodwin e cols., 2001) e gerenciamento passivo, que são cobertos por subescalas do MLQ.

Sendo assim, para os comportamentos transacionais, optou-se por mesclar subescalas do MLQ e do LRPQ, seguindo recomendações de Hinkin e Schiriesheim (2008) e Goodwin e cols. (2001) mostradas na Tabela 1. Para os comportamentos de negociação de troca, decidiu-se usar a subescala EPC/negociações de troca do MLQ (5 itens, conforme Goodwin e cols., 2001). Para os comportamentos de feedback, a subescala Recompensa Contingente da LRPQ (versão reduzida de 5 itens, conforme Podsakoff e cols., 1990). Os comportamentos de punição contingente à performance foram cobertos pela subescala Punição Contingente da LRPQ (5 itens) e, por fim, para a liderança passiva foram usados os itens da subescala Laissez-faire do MLQ (8 itens). No total, 23 itens abordaram comportamentos transacionais.

Portanto, o instrumento aqui proposto foi elaborado com base em itens das três escalas mencionadas (TLI para comportamentos transformacionais e LRPQ e MLQ para comportamentos transacionais). No entanto, foram feitas adaptações nas instruções e na escala de respostas, já que aqueles são instrumentos para medir frequência da adoção de comportamentos, não atitudes. As adaptações serão descritas em detalhes a seguir.

 

 

 

Método

Elaboração do instrumento

Na composição da escala do presente estudo, optouse por utilizar itens provenientes do MLQ, do TLI e do LRPQ. Quanto à liderança transformacional, foi utilizado todo o TLI (22 itens). Já para a transacional, utilizaram-se duas subescalas do MLQ (negociação de trocas e liderança laissez-faire) e duas subescalas do LRPQ (recompensa contingente e punição contingente), totalizando 23 itens. Portanto, a escala final apresentava 45 itens. Para as escalas do MLQ, foram consideradas as críticas e sugestões feitas por Hinkin e Schriesheim (2008) e Goodwin e cols. (2001). As legendas das Tabelas 2 e 3, ao final deste artigo, indicam a origem de cada item.

 

 

 

A tradução do inglês para o português foi conduzida com o uso da técnica de tradução-retradução (Hambleton, 1994). Foram feitas duas traduções independentes para o português, uma delas no âmbito do estudo de Gorenstein (2011). Em seguida, as duas versões em português foram comparadas, levando a uma versão final em português, que foi retraduzida para o inglês por dois tradutores independentes. As duas versões em inglês foram comparadas entre si e com o original, o que levou a acertos finais na escala em português. A versão final foi revisada por uma especialista na área de Psicologia Organizacional.

É preciso lembrar que as escalas originais foram desenvolvidas para mensuração da frequência de apresentação de um comportamento pelo líder, não de atitudes em relação a esses comportamentos. Os itens das escalas representam comportamentos, portanto foram mantidos inalterados. Entretanto, foram feitas adaptações nas instruções e na escala de resposta para que fosse possível mensurar atitudes. Nos instrumentos originais, a pergunta central geralmente solicitava ao respondente que avaliasse com qual frequência aquele comportamento era apresentado por ele mesmo (caso fosse gestor) ou por seu líder (em caso de pesquisa de hetero-avaliação com subordinados). A escala de resposta em geral era tipo Likert, com 5 ou 7 pontos, com os extremos indicando Nunca e Sempre. No instrumento aqui utilizado, as instruções solicitavam aos participantes que indicassem o quão favoráveis ou contrários eram em relação à adoção, por parte de um gestor, de cada um dos comportamentos listados. Foi incluída uma escala de resposta tipo Likert, com 7 pontos, variando em -3 (totalmente contrário) e +3 (totalmente favorável), sendo 0 equivalente a neutro.

Amostra

O instrumento elaborado foi aplicado a uma amostra não-probabilística por conveniência de 324 profissionais de Brasília, sendo 76% homens, 61,1% com nível superior completo, 88,5% de órgãos públicos, 68,2% vinculados a organizações de cunho militar. A idade média foi de 33,36 anos (DP = 8,67), o tempo médio de serviço na atual organização era de 6,75 anos (DP = 8,94) e o tempo médio de exercício de função gerencial era de 2,26 anos (DP = 4,34). Após o tratamento dos casos omissos (missings) e de valores extremos (outliers uni e multivariados), 287 questionários foram considerados válidos. Como a escala é composta por 45 variáveis, tem-se 6,38 sujeitos por item, tamanho superior às recomendações de Hair, Black, Babin, Anderson e Tatham (2009) de se ter uma amostra de pelo menos 200 sujeitos e pelo menos 5 sujeitos por item. Portanto, julga-se que a amostra é adequada para a realização de uma análise fatorial exploratória.

Procedimentos

Os dados foram coletados em questionário impresso, precedido por um termo de consentimento explicando os objetivos do estudo e garantindo o sigilo das informações fornecidas. Embora esta pesquisa não tenha sido submetida a um comitê de ética, foram observadas as recomendações de ética em pesquisa, em especial quanto à preservação da segurança dos respondentes, que participaram voluntariamente. Os sujeitos foram abordados em seus locais de trabalho, em ambientes de treinamento ou em salas de aula de cursos de graduação e pós-graduação. Embora estivessem em geral reunidos em grupo nesses locais, os participantes responderam ao questionário individualmente. Os dados passaram por análises preliminares para verificação e tratamento de casos omissos e extremos. Foram feitas análise paralela para decisão sobre o número de fatores a extrair e análise fatorial exploratória para determinação da estrutura. As análises estatísticas foram realizadas com os softwares SPSS, versão 19, e RanEigen (Enzmann, 1997). Relatam-se, a seguir, os resultados.

 

Resultados

Uma análise fatorial preliminar da escala com os 45 itens apontou que os 8 itens de liderança laissez-faire se agruparam em um fator específico que teve correlação baixa com fatores da liderança transacional e correlação negativa com o fator de liderança transformacional. Tal resultado indica que, ao menos quando se trata de atitude frente a estilo de liderança, o comportamento passivo tende a ser percebido mais como ausência de liderança do que como uma dimensão do estilo transacional. Daí seu posicionamento oposto (com alta correlação negativa) à liderança transformacional que, segundo alguns autores, como Yulk (1999) e Vizeu (2011), apresenta traços de uma liderança heróica ou ideal. Assim sendo, como o objetivo aqui é validar uma escala específica para atitudes frente à liderança transacional e transformacional, e não para ausência de liderança, serão relatados a seguir os resultados da análise fatorial exploratória realizada com os 37 itens restantes, excluídos, portanto, os 8 de liderança passiva.

O passo inicial foi a verificação da fatorabilidade da matriz de correlações dos itens e do número de fatores a serem extraídos. Apesar de apenas cerca de 30% das correlações entre itens terem ficado acima de 0,30, 76% delas foram significativas (p<0,05). O KMO foi de 0,90, dentro, portanto, da classificação de fatorabilidade maravilhosa, conforme Kaiser (1974, citado por Pasquali, 2011). Além disso, a análise da matriz anti-imagem, recomendada por Field (2009) e Tabachnick e Fidell (2007), indicou que os valores das correlações múltiplas de cada variável com as demais ficaram todos acima de 0,70, ou seja, há elevado percentual de associação de cada variável com as demais. Portanto, evidências foram encontradas da existência de um contexto favorável à fatorabilidade da matriz.

A decisão do número de fatores a serem extraídos levou em consideração os aspectos teóricos e a análise paralela, proposta por Horn (1965, citado por Tabachnick & Fidell, 2007). Vale lembrar que Zwick e Velicer (1986) compararam métodos de determinação de número de fatores, dentre eles a análise paralela, o critério K1 e o gráfico Scree. Eles concluíram que a análise paralela foi o método com maior acurácia para estimar o número de componentes.

A teoria apontava que poderiam aparecer de dois (considerando somente os estilos gerais: transformacional e transacional) a nove fatores (considerando as dimensões de cada estilo: seis do transformacional e três do transacional, lembrando que os itens laissez-faire foram eliminados). Na condução da análise paralela, os autovalores aleatórios para uma amostra de 287 sujeitos e 37 variáveis foram estimados pelo software RanEigen. Comparandoos com os autovalores empíricos, verificou-se que a partir do quarto componente o autovalor aleatório passou a ser maior do que o empírico. Ou seja, o cálculo indica que as correlações a partir do quarto componente são espúrias, frutos do acaso e não de um fenômeno real identificado pelos dados. Assim, nesse banco de dados, haveria, de fato, até três componentes. Optou-se, assim, por extrair dois e três fatores e comparar os resultados. As extrações foram feitas pelo método de Análise dos Eixos Principais (PAF), com rotação oblíqua (Promax), escolhida por se acreditar que poderia haver correlação entre os fatores.

Considerando a inflação dos erros padrão das cargas fatoriais, Hair e cols. (2009) fornecem diretrizes para a identificação de cargas fatoriais significantes com base em tamanho de amostra, poder do teste e nível de significância desejado. Para amostras de 250 sujeitos, poder de 0,80 e nível de significância de 0,05, os autores sugerem usar o parâmetro de 0,35 para se considerar uma carga fatorial significante. Cargas de 0,30 seriam significantes em amostras de 350 sujeitos ou mais. Como a amostra deste estudo é de 287 respondentes, adotou-se o critério de carga fatorial de 0,35 para a inclusão de uma variável em um fator.

Inicialmente, verificou-se a quantidade de resíduo e de variância explicada pelas soluções bifatorial e trifatorial. Segundo Field (2009), um modelo com bom ajuste deve apresentar 50% ou menos de resíduos (covariância residual) maiores que 0,05. Nesse caso, o modelo com 2 fatores apresentou 33% de resíduos maiores que 0,05 e o modelo com 3 fatores apresentou 25%. Quanto à variância explicada, o modelo com 2 fatores explicaria 35,18% da variância e o modelo com 3 fatores explicaria 40,66%. Verifica-se que o modelo com 3 fatores tem 8% a menos de resíduos e explica cerca de 5% a mais na variância. No entanto, é um modelo mais complexo, contrariando, portanto, o princípio da parcimônia (Pasquali, 2011). Uma análise inicial dos itens de cada fator indicou que, no modelo trifatorial, o fator 1 agrupou prioritariamente itens de liderança transformacional, o fator 2 da dimensão de negociação de trocas da liderança transacional e o fator 3 da dimensão punição contingente da liderança transacional. Já no modelo bifatorial, essas duas dimensões da liderança transacional se uniram para formar um fator único de liderança transacional. Assim, considerando os indicadores estatísticos e a interpretabilidade de fatores, a extração de 2 fatores pareceu adequada para a matriz em análise.

As cargas fatoriais da solução bifatorial foram, então, avaliadas para a verificação de itens sem carga acima de 0,35 em nenhum dos fatores e itens agrupados em fatores distintos de sua concepção teórica. Dos 37 itens, 5 foram excluídos por apresentarem um dos problemas acima (“Ter ideias que forçam os membros da equipe a repensar algumas ideias sobre as quais nunca haviam se questionado”; “Avisar quando o desempenho dos membros da equipe é insatisfatório”; “Tratar os membros da equipe sem considerar seus sentimentos pessoais”; “Não se contentar com o quase perfeito”; “Avisar quando o trabalho dos membros da equipe fica abaixo do esperado”). De fato, todos estavam entre os itens com as menores comunalidades (girando entre 0,04 e 0,25), sendo que, para Hair e cols. (2009), comunalidades abaixo de 0,50 tornam as variáveis candidatas à eliminação. Em seguida, foram calculadas as cargas fatoriais e as correlações item-total para os 32 itens remanescentes, bem como os alfas de Cronbach para os dois fatores. Não houve itens complexos. Nessa nova matriz, a variância total explicada ficou praticamente inalterada, fixando-se em 38,48%.

O fator 1 ficou composto por 24 itens, enquanto o 2 ficou com 8 itens. Com essa configuração, a consistência interna do fator 1 apresenta índices favoráveis, com alfa de Cronbach de 0,91. Já o fator 2 apresenta uma consistência moderada, com alfa de 0,74. O valor médio das cargas fatoriais foi de 0,58 para o fator 1 e 0,52 para o fator 2. Já o valor médio da correlação item-total corrigida (correlação de cada item com o escore fatorial) foi de 0,55 para o fator 1 e 0,44 para o fator 2. As Tabelas 2 e 3 apresentam os itens de cada fator, com sua carga e correlação item-total corrigida. As últimas linhas das tabelas mostram os autovalores de cada fator e sua variância total explicada (autovalor dividido pelo número de variáveis), bem com seu alfa. Ressalte-se que, como há correlação entre fatores, a soma das variâncias explicadas por fator é diferente da variância total explicada da escala.

Pode-se concluir que o primeiro fator reuniu praticamente todos os itens da liderança transformacional, das suas seis dimensões (articular uma visão, estimulação intelectual, estimular a aceitação de metas de grupo, expectativa de alta performance, prover um modelo apropriado e suporte individualizado). Reuniu também itens da dimensão recompensa contingente do estilo de liderança transacional, que tem como foco reconhecimento e feedback positivo (exemplo: “Elogiar quando os membros da equipe fazem um trabalho acima da média”). Como alguns autores apontam a recompensa contingente como característica transformacional (Goodwin e cols., 2001; Hinkin & Schriesheim, 2008), sugere-se que o nome do fator seja Liderança Transformacional (24 itens, α = 0,91).

Já o segundo fator reuniu 5 itens da dimensão negociação de trocas e 3 itens da dimensão punição contingente do estilo transacional. Seu conteúdo reflete comportamentos do gestor que faz acordos com os membros da equipe para garantir seu bom desempenho e obter seu apoio, e que avisa ou repreende a equipe no caso de mau desempenho. O nome sugerido para o fator é Liderança Transacional (8 itens, α = 0,74).

 

Discussão

A análise fatorial da escala de atitudes frente a estilos de liderança apontou que o instrumento apresenta estrutura coerente com dimensões teóricas. Os dois fatores explicam 38,48% variância. Embora seja um percentual compatível com outras escalas de ciências comportamentais, é preciso ressaltar que ainda há uma quantidade substancial de variância não explicada.

No geral, a confiabilidade da escala é boa. O fator Liderança Transformacional teve bom índice de consistência (24 itens, α = 0,91), enquanto o da Liderança Transacional obteve um índice moderado (8 itens, α = 0,74). Segundo Hair e cols. (2009), há uma relação positiva entre o alfa de Cronbach e o número de itens. De fato, o primeiro fator ficou com 24 itens, enquanto o segundo agrupou 8 itens. Registre-se que, inicialmente, a dimensão punição contingente, incluída no fator Liderança Transacional, tinha cinco itens, mas dois deles acabaram eliminados durante o processo de análise fatorial. Verificou-se que, no questionário aplicado, um desses itens apresentou um erro de digitação que pode tê-lo tornado confuso para os respondentes. Talvez fosse recomendável a realização de nova tentativa de inserção desses dois itens na escala para avaliar se eles podem vir a se agrupar com os demais itens do fator Transacional e aumentar sua consistência. Ademais, é preciso lembrar que o fator Transacional agrupou itens provenientes do LRPQ (subescala punição contingente) e também do MLQ (subescala negociação de trocas). A análise de Hinkin & Schriesheim (2008) sobre o MLQ já havia apontado que talvez a subescala de negociação de trocas precisasse de mais itens. Portanto, outra opção seria formular novos itens para esse fator.

Outro fato a se ressaltar é o agrupamento dos itens ligados à recompensa contingente no fator Transformacional. Na literatura de liderança transformacional e transacional, diversos achados empíricos demonstraram alta correlação entre essa dimensão e a liderança transformacional, tanto é que se cogita que essa característica possa pertencer a ambos os grupos, ou até ser mais transformacional do que transacional (Bass & Riggio, 2006; Goodwin, Wofford, & Whittington, 2001; Hinkin & Schriesheim, 2008; Yulk, 1999). O fato de as dimensões da liderança transformacional não terem se separado também não é novo. Em 1999, Bass já comentava que, embora seu modelo propusesse a existência de quatro dimensões transformacionais, continuava em aberto a possibilidade de que menos fatores fossem necessários. Bass e Riggio (2006) também reafirmam que, dadas as geralmente elevadas correlações entre as dimensões transformacionais, é aceitável trabalhar com um indicador geral de liderança transformacional, como já foi feito em alguns estudos (por exemplo, Avolio, Zhu, Koh, & Bathia, 2004; Rubin, Munz, & Boomer, 2005).

Registre-se ainda que os dois fatores aqui encontrados apresentaram baixa correlação positiva, coerente com a perspectiva de Bass (1999) de que não haveria oposição entre os estilos, e sim complementaridade. Para Burns, o primeiro a abordar esses estilos, ainda na década de 70, haveria uma dicotomia entre os dois tipos de liderança: ou o líder seria transacional, ou transformacional. Tratando de atitudes, possivelmente a atitude favorável em relação a um estilo corresponderia a uma atitude desfavorável em relação ao outro. No entanto, segundo Bass (1999), pesquisas têm proposto que a liderança transformacional aumenta os efeitos da liderança transacional, ou seja, a primeira complementaria a segunda. Waldman, Bass e Yammarino (1990), por exemplo, estudando os preditores da efetividade do líder, verificaram que os comportamentos transformacionais explicavam variância além da que já havia sido explicada pelos comportamentos transacionais. Para Bass (1999), líderes em geral apresentariam comportamentos dos dois estilos de liderança. Outra dicotomia muito discutida em estudos de liderança é quanto ao foco do líder: para as tarefas ou para as pessoas/relacionamentos. Yulk (2010) comenta que, embora muitos resultados de pesquisas tenham sido inconclusivos, pode- se identificar um padrão geral que sugere que líderes efetivos usem um padrão de comportamentos apropriado à situação e com elevada preocupação tanto para tarefas, quanto para relacionamentos. Ou seja, nesse caso haveria também complementaridade. Bass (1999) afirma que “os melhores líderes são tanto transformacionais quanto transacionais” (p. 21). Mas há em geral a predominância de um deles. Para o autor, líderes mais eficazes e que satisfazem mais os liderados tendem a ser mais transformacionais e menos transacionais. Nesse contexto, é possível supor que a atitude favorável em relação a um estilo não necessariamente corresponda a uma atitude desfavorável em relação ao outro.

Conclui-se que este trabalho traz uma contribuição para pesquisadores e profissionais da área de gestão de pessoas, pois apresenta um instrumento para mensurar um possível antecedente do comportamento gerencial: as atitudes. Um próximo estudo poderia incluir a escala aqui proposta e alguma medida de comportamento gerencial, de maneira a verificar se as atitudes são, pelo menos até certo ponto, preditoras de comportamentos. Confirmando-se essa hipótese, abre-se um caminho para que as organizações prevejam o comportamento de líderes e potenciais líderes por meio de suas atitudes perante estilos de liderança. Uma limitação do estudo, no entanto, é a especificidade da amostra, caracterizada prioritariamente por homens (76%) empregados em órgãos públicos (88,5%) e a maioria vinculada a organizações de cunho militar (68,2%). Sugere-se a replicação do estudo em outros contextos para confirmar a estrutura encontrada para a escala.

 

Referências

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Recebido em março de 2012
Reformulado em outubro de 2012
Aprovado em dezembro de 2012

 

 

Sobre as autoras

Ana Márcia de Oliveira Fonseca: é Mestre em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB).
Juliana Barreiros Porto: é Doutora em Psicologia pela UnB. Professora do IP/UnB, Brasíllia/DF, Brasil.


1Endereço para correspondência:
E-mail: anamfonseca@hotmail.com

2Endereço para correspondência:
Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Sul, Instituto de Psicologia / AT-013, Brasília-DF.