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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.7 no.1 Ribeirão Preto June 2006
EDITORIAL
Labirintos e calidoscópios: os desafios dos grupos em diferentes contextos e perspectivas
Manoel Antônio dos Santos 1
Chegamos ao sétimo ano da Revista da SPAGESP, agora editada semestralmente, com ânimo renovado para continuarmos divulgando a produção de saberes que tenham como temática principal os grupos, em seus diferentes cenários, contextos e perspectivas teórico-medotológicos.
Em um mundo contemporâneo de crescente complexidade, torna-se cada vez mais imperioso que se divulguem conhecimentos sistematizados e experiências bem-sucedidas de grupos em suas diferentes estratégias teóricas e contextos de aplicação. Novas demandas na clínica contemporânea estão a clamar novas formas de compreensão e intervenção sobre os modos de produção da subjetividade. Isso traz desafios e questões contundentes para a qualificação profissional.
A SPAGESP entende que a formação das aptidões do profissional para trabalhar com grupos deve aliar o máximo de qualificação com o máximo de compromisso social. Formação implica formar competência técnico-científica articulada numa postura reflexiva acerca do que é o viver do homem em sociedade. Isso exige que as agências formadoras fortaleçam uma visão crítica acerca do processo saúde-doença a partir de uma abordagem multidisciplinar que resgate a totalidade da experiência do ser humano.
Mas a formação não pode se restringir ao saber e fazer técnicos; requer também prover estratégias facilitadoras do autoconhecimento e desenvolver a sensibilidade social do profissional. Dejours (2000) critica a perspectiva de que os indivíduos somente sobreviverão no mercado de trabalho se superarem a si próprios, tornando-se cada vez mais competitivos e eficientes em comparação com seus colegas e pares. Ora, nessa perspectiva algo míope e cínica, todos são vistos, em princípio, como obstáculos à consecução das metas estabelecidas pelo eu inflado, para quem tudo o mais se torna uma ameaça em potencial. Logo, a alteridade pode representar um risco ao narcisismo auto-suficente, de modo que o outro, automaticamente, é “promovido” à categoria de concorrente. Em oposição a essa visão ideológica que fundamenta a concepção liberal, turbinada no modelo neoliberal tão disseminado nos dias que correm, os autores grupalistas defendem o princípio da cooperação como antídoto contra o individualismo exacerbado que tinge as relações humanas na contemporaneidade.
Considerando esses pressupostos, a Revista da SPAGESP apresenta nesse número artigos que discutem conceitos e teorias que sustentam a praxis grupal (nossos múltiplos olhares em forma de “calidoscópio”) em diferentes contextos de aplicação (o “labirinto” constituído pelos meandros sinuosos dos vínculos). Os trabalhos reunidos no presente volume apontam para uma ampliação do compromisso ético-social por parte dos profissionais de saúde mental.
O artigo de Dorothy Bono de Abreu, atual presidente da SPAGESP, apresenta um recorte pessoal dos dez anos de existência da Sociedade, evidenciando a posição de destaque que ela ocupa no cenário atual enquanto instituição formadora de grupoterapeutas e coordenadores de grupo. O trabalho lapidar da memória afetiva permite à autora pontuar o percurso de lutas e conquistas que culminaram com o credenciamento do curso de formação em grupoterapia e coordenação de grupo junto ao Conselho Federal de Psicologia, consolidando a SPAGESP como referência no território nacional.
Em seguida, o psicoterapeuta português Cláudio Moraes Sarmento, de Lisboa, parte de sua experiência clínica para oferecer uma análise das condições e preconceitos mais freqüentemente encontrados na proposta e aceitação de tratamento grupanalítico. O autor acredita que a compreensão e análise desses preconceitos oferecem elementos que poderão potencializar o sucesso da adesão ao grupo.
Lazslo Antonio Ávila enfeixa uma reflexão instigante sobre as conjunções que enlaçam as concepções teóricas da psicossomática psicanalítica e da grupoterapia psicanalítica, especialmente em Bion e René Kaës. Em elaborada urdidura teórica, o autor articula conceitos axiais desses dois teóricos de alta envergadura intelectual, de modo a evidenciar a existência de paralelismos insuspeitados entre corpo e grupo.
O meticuloso ensaio psicanalítico de David Azoubel Neto sobre a dor psíquica apresenta aproximações que tanto articulam quanto problematizam a concepção freudiana da vertente psicossomática da experiência humana. Por seu rigor conceitual e pela ousadia da formulação teórica, esse estudo já pode ser considerado um clássico na área do corporeidade, vista desde um vértice psicanalítico.
Na seqüência, Marina Durand coloca em discussão o conceito de sociabilidade sincrética e propõe sua utilização como expressão das dimensões transubjetivas envolvidas nos processos psíquicos que emergem na vida cotidiana. A análise empreendida revela uma autora sofisticada, que utiliza seu olhar percuciente como uma sonda a desbravar os bastidores da formação social de nossa terra brasilis, com conceitos que permitem lançar luz sobre algumas zonas obscuras que demarcam as tramas e mazelas de nossas origens. Nesse ensaio intrigante desvela-se, pouco a pouco, os fundamentos psíquicos arcaicos do caráter nacional, qual ainda conhecemos tão pouco.
O corpo que desliza, vacilante, na vertente da doença é o tema do artigo seguinte, da autoria de Renata Curi Labate e Gisele Curi de Barros. Contornando com sensibilidade seu delicado objeto de investigação e intervenção, as autoras abordam a experiência de uma família enlutada pela perda de uma pessoa e vislumbram novas possibilidades de escuta para uma dor sentida até então como inominável.
Beatriz Silvério Fernandes brinda-nos com um trabalho de psicoterapia de grupo com crianças escrito com muita sensibilidade, como se tocasse com a ponta dos dedos seu tema extremamente rarefeito e pouco explorado: o preconceito infantil. A autora mostra como o preconceito envolve a grupoterapeuta e adverte para a necessidade de estarmos alertas e abertos para o novo, sem deixar de considerar o valor do conhecimento já estabelecido e familiar na busca de condições mais favoráveis para o desenvolvimento emocional. Em tempos de intolerância social e recrudescimento de estigmatizações de toda espécie é extremamente oportuno podermos revisitar as raízes infantis e intrapsíquicas de nossos preconceitos.
Trata-se, em suma, de uma rica amostragem de trabalhos que versam sobre saberes e fazeres de grupo. Singulares em sua multiplicidade. Os interessados na aplicação da estratégias grupais em seus diversos contextos poderão enriquecer seus conhecimentos e encontrar inspiração para sua prática.
A Revista da SPAGESP está ciente dos desafios que ainda tem a percorrer para tornar-se um periódico científico consolidado. Nessa jornada, o estímulo dos colaboradores, o entusiasmo dos autores e a abnegação da comissão editorial têm sido elementos imprescindíveis para o sucesso desse empreendimento coletivo.
Reforçamos o convite aos autores interessados em submeter seus trabalhos, lembrando que a Revista encontra-se indexada nas bases LILACS/BIREME e IndexPsi.
Por fim, desejamos consignar nossos sinceros agradecimentos a todos aqueles que colaboraram com esse número da Revista, o que inclui autores, consultores ad hoc, revisores, tradutores e equipe de redação, assim como à Diretoria da SPAGESP, pelo suporte constante e apoio incondicional.
Desejamos a todos uma boa leitura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Trad. Luís Alberto Monjardim. Rio de Janeiro-RJ: Fundação Getúlio Vargas, 2000.
FERNANDES, B. S.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, W. J. (Orgs.). Grupo e configurações vinculares. Porto Alegre-RS: ArtMed, 2003.
Labirinto: um conjunto de percursos intrincados criados com a intenção de desorientar quem os percorre. Utiliza-se freqüentemente o termo para adjetivar gêneros de obras literárias com enredo complexo ou cuja narração não é linear. Na mitologia grega, o labirinto de Creta teria sido construído por Dédalo, um arquiteto, para alojar o Minotauro, monstro metade homem, metade touro, que devorava jovens que lhe eram oferecidas regularmente. Segundo a lenda, Teseu conseguiu derrotá-lo e encontrar o caminho de volta do labirinto graças ao fio de Ariadne.
Calidoscópio: esse divertido brinquedo encerra uma boa quantidade de pedaços de vidro de diversas cores, colocados entre dois ou três espelhos planos. Esses pedaços de vidro colorido formam desenhos extremamente belos que se modificam, simetricamente, a mais leve oscilação do calidoscópio. Embora seja um brinquedo muito comum, poucos imaginam a infinita quantidade de padrões de desenho que com ele se pode conseguir. Desenhos infinitamente diferentes e em permanente transmutação, como são as interações humanas.
1 Editor da Revista da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, e-mail: masantos@ffclrp.usp.br