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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.18 no.2 Ribeirão Preto  2017

 

EDITORIAL

 

Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde: inquietações, dilemas e perspectivas nas pesquisas das ciências humanas e sociais

 

 

Fabio Scorsolini-Comin1, I; Normanda Araujo de Morais2, II; Silvia Helena Koller3, III

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil
II
Universidade de Fortaleza, Fortaleza-CE, Brasil

III
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Em junho de 2016, por ocasião do XVI Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), na cidade de Maceió-AL, o GT "Juventude, Resiliência e Vulnerabilidade", coordenado pela Profa. Dra. Silvia Helena Koller, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, discutiu de modo particular sobre a nova resolução ética, recentemente aprovada à época. Tratava-se da Resolução nº 510 do Conselho Nacional de Saúde. Este GT é formado por pesquisadores de diversas universidades brasileiras que desenvolvem estudos e intervenções nos campos das ciências humanas e sociais, motivo pelo qual a nova resolução despertou não apenas o interesse, mas também promoveu a necessidade de ser melhor discutida tendo em vista as investigações realizadas pelos seus membros.

O objetivo deste GT é investigar uma gama de temas que envolvem juventude, resiliência, Psicologia Positiva, fatores de proteção e risco, redes de apoio social, acolhimento, reinserção familiar, bem-estar, exposição à violência, preconceito e discriminação, adultez emergente, produção e avaliação de tecnologias psicossociais e a atuação com populações em situação de vulnerabilidade. Nas reuniões bianuais do grupo, em eventos como o da ANPEPP, são reforçadas as parcerias interinstitucionais que atravessam as proposições de pesquisas integradas, intercâmbios e produções coletivas com o objetivo de promover inovações em aspectos teóricos, metodológicos e éticos de nossas pesquisas.

A ANPEPP é uma entidade que reúne programas de pós-graduação em Psicologia, sendo que seus simpósios são organizados por meio de GTs, entre eles o que elenca a produção deste número especial. No ano de 2016, o tema norteador do simpósio da ANPEPP foi a "Pesquisa em Psicologia: Dimensões éticas e produção científica". A partir das discussões realizadas em nosso GT tendo o tema norteador do simpósio foram originadas inquietações que se concretizaram, ainda em 2016, na proposição de uma mesa redonda na 46ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, ocorrida em outubro na cidade de Fortaleza-CE. A mesa apresentada no evento foi intitulada "Desafios e potencialidades da Resolução 510/2016 para a pesquisa envolvendo as temáticas da violência e exploração sexual, do tráfico de drogas e da religiosidade". Os proponentes da mesa foram o Prof. Dr. Fabio Scorsolini-Comin (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), Profa. Dra. Simone dos Santos Paludo (Universidade Federal do Rio Grande), Profa. Dra. Silvia Renata Lordello (Universidade de Brasília), Prof. Dr. Alex Sandro Gomes Pessoa (Universidade do Oeste Paulista) e a Profa. Dra. Normanda Araujo de Morais, juntamente com a doutorada Mykaella Cristina Antunes Nunes, ambas da Universidade de Fortaleza.

Desde a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), passando pela de nº 466, de 2012, as ciências humanas e sociais vêm se posicionando no sentido de que as normativas éticas para as pesquisas envolvendo seres humanos possam abarcar especificidades das investigações desenvolvidas nessas áreas, representando tanto um cuidado necessário para preservar pesquisados e pesquisadores, como um balizador do processo de pesquisa. Em consonância com diversas reivindicações ao longo desses anos e com o amadurecimento das discussões sobre a ética envolvendo seres humanos, a Resolução nº 510/2016 nos permitiu discutir a atuação da Psicologia em temas considerados delicados, o que constitui um grande desafio aos pesquisadores no campo da ética, fomentando discussões em torno das necessidades deflagradas a partir das resoluções vigentes (Guerriero, 2016; Guerriero & Bosi, 2015; Guerriero & Minayo, 2013).

A partir desse cenário, o objetivo da mesa redonda foi refletir sobre os desafios, limites e potencialidades da nova resolução para a abordagem de temas como as intervenções com crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, violência e exploração sexual, adolescentes com histórico de envolvimento no tráfico de drogas e também estudos no campo da religiosidade, especificamente com as religiões de matriz africana.

À época, foram discutidas as especificidades éticas na abordagem de cada um desses temas, aspectos metodológicos envolvidos, bem como questões práticas imbricadas nesses contextos, como as dificuldades na obtenção do consentimento, a manutenção do sigilo versus a necessidade de denúncia, a devolução dos achados e a organização de estratégias protetivas para as populações investigadas. As implicações da nova resolução foram alvo de discussão por parte de pesquisadores de diferentes regiões do país, com ilustração de casos práticos, cotejando as mudanças de uma resolução em relação a outra.

O grupo considerou, a partir dessa mesa, a necessidade de que mais pesquisadores envolvidos nessas temáticas pudessem se posicionar, localizando seus estudos e levantando para debate as principais dificuldades a partir da nova resolução, bem como as potencialidades reveladas. Esse processo envolveu um mergulho nas pesquisas desenvolvidas até então pelo GT, ampliando a capacidade de dialogar com as mudanças e transições oportunizadas pela nova resolução. Considerando que a aprovação recente da Resolução 510/2016 representa um avanço por claramente considerar, em seu texto e em seus dispositivos, a perspectiva pluralista de ciência e a diversidade teórico-metodológica que se faz presente nas pesquisas em ciências humanas e sociais, o GT foi convidado a compor uma série de artigos, a partir de diferentes vértices empíricos. Esses artigos compõem o presente número especial da Revista da SPAGESP, trabalho este que recebeu total apoio da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo.

O número especial é aberto com o artigo intitulado "Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde: Um Panorama Geral", de Sílvia Renata Lordello e Isabela Machado da Silva, da Universidade de Brasília. Como artigo introdutório ao número especial, as autoras refletem sobre o percurso das normativas éticas e os aspectos históricos que delineiam a nova resolução, apontando avanços e desafios. Diretamente ligado à temática norteadora do GT "Juventude, Resiliência e Vulnerabilidade", o artigo "Aspectos éticos das pesquisas em Psicologia: vulnerabilidade versus proteção", de Vitor Hugo Loureiro Bruno Costa, Ilana Camurça Landim e Juliane Callegaro Borsa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, discute a prática de pesquisa em Psicologia com indivíduos em diferentes condições de vulnerabilidade.

Na sequência, o artigo "Ética na pesquisa com crianças e adolescentes em situação de rua: Considerações a partir da Resolução n. 510/2016", de Normanda Araujo de Morais e colaboradores, apresenta dilemas éticos vivenciados em um estudo longitudinal sobre o impacto da rua na vida de crianças e adolescentes em situação de rua, com destaque para as proposições da Resolução nº 510/2016. Com o estudo "Desafios éticos na pesquisa com adolescentes: Implicações da exigência do consentimento parental", Jeane Lessinger Borges e Débora Dalbosco Dell’Aglio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, discute os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com essa população, incluindo aspectos como a exigência do termo de consentimento dos pais.

No campo da adoção e do acolhimento institucional, o artigo "Desafios éticos e metodológicos em pesquisa com famílias e crianças no contexto da adoção", de Ivy Campista Campanha de Araújo, Danielly Bart do Nascimento e Célia Regina Rangel Nascimento, da Universidade Federal do Espírito Santo, discute as modificações na adoção no Brasil ao longo do tempo, com ênfase na postura ética e na adequação metodológica como marcos no estabelecimento da confiança necessária entre pesquisador e participantes. Na sequência, o estudo "Autonomia e voluntariedade na pesquisa com adolescentes em medida socioeducativa de internação", de Vinicius Coscioni e colaboradores, apresenta as medidas adotadas para a garantia da autonomia e da voluntariedade de participantes em uma pesquisa conduzida com adolescentes em medida socioeducativa de internação. Tais medidas, assim como destacadas pelos autores, foram embasadas na resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

No campo dos estudos da religiosidade/espiritualidade, o artigo intitulado "Com a licença de Oxalá: a ética na pesquisa etnopsicológica em comunidades religiosas", da autoria de Fabio Scorsolini-Comin (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), José Francisco Miguel Henriques Bairrão e Manoel Antônio dos Santos (Universidade de São Paulo), discute as especificidades da pesquisa etnopsicológica em comunidades de terreiro à luz dos dispositivos da minuta de 2016 do Conselho Nacional de Saúde. Na sequência, o estudo "Desafios Éticos na Pesquisa com Adolescentes Envolvidos no Tráfico de Drogas", da autoria de Alex Sandro Gomes Pessoa (Universidade do Oeste Paulista), Renata Maria Coimbra (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho") e Silvia Helena Koller (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), reflete sobre as implicações éticas na pesquisa com adolescentes envolvidos em atos infracionais, enfatizando a realidade de grupos com histórico de envolvimento no tráfico de drogas.

O artigo "Dilemas e desafios éticos na pesquisa sobre exploração sexual", de Simone dos Santos Paludo, Luiza Santos Ferreira e Luciana Barbosa da Silva Vega, da Universidade Federal do Rio Grande, trata dos desafios éticos enfrentados na pesquisa sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, verificando como os avanços trazidos pela Resolução nº 510/2016 podem repercutir nas investigações com essa população. O estudo "A pesquisa com vítimas de violência sexual que engravidaram: Considerações éticas a partir da resolução n. 510/2016", de Mykaella Cristina Antunes Nunes e Normanda Araujo de Morais, da Universidade de Fortaleza, descreve os procedimentos éticos adotados em uma pesquisa com mulheres que engravidaram em decorrência do estupro, discutindo como a nova resolução pode contribuir para pesquisas e intervenções nesse âmbito.

Por fim, o estudo "Parceria com a rede de atendimento no estudo da violência sexual infantil", de Jean von Hohendorff e colaboradoras, buscou apresentar e avaliar o processo de construção de uma parceria entre pesquisadores e serviços na execução de uma pesquisa sobre violência sexual contra meninos. Os resultados desta investigação também foram refletidos a partir da Resolução nº 510/2016.

Como será possível perceber na leitura deste número especial, a maioria dos estudos destaca "inquietações", "dilemas" e "contribuições" da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Tais substantivos são provocadores no sentido de que o fazer em Ciências Humanas e Sociais é permeado, constantemente, por tais aspectos, quer seja nas reflexões éticas que orientam a construção do conhecimento científico ou mesmo nos procedimentos práticos que permitem que a ciência vá tomando corpo aos poucos, tocando assuntos considerados "delicados", "difíceis" e de "difícil apreensão e manejo". O compromisso das pesquisas em ciências humanas e sociais é com esse universo complexo do qual a dimensão ética não pode ser esquecida ou considerada de menor importância.

O número especial que se apresenta à comunidade científica por meio do volume 18 da Revista da SPAGESP é um marco no sentido de refletir sobre como as produções ensejadas por um núcleo de pesquisadores interessados em temáticas de forte ressonância social podem ser aprimoradas com vistas à construção de um conhecimento que, de fato, respeite o humano em suas particularidades, sendo igualmente propositivo em termos de seu compromisso com a transformação social tão almejada. Que nossos cenários de pesquisa possam se beneficiar dessas discussões, permitindo um acesso respeitoso ao nosso campo empírico e aos seres humanos que nos contam as histórias que interpretamos, na busca de uma compreensão sistêmica, complexa e, por que não dizer, em construção.

Participam deste número especial pesquisadores ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Universidade Federal do Espírito Santo, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal Fluminense, Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio Grande, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Universidade de Fortaleza, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, Universidade do Oeste Paulista e Faculdade Meridional de Passo Fundo-RS.

Compomos, assim, um grupo diverso e uníssono em torno da necessidade de dialogarmos com essa Resolução que ainda pode ser considerada recente, o que tem despertado muitas dúvidas, questionamentos e revisões em torno dos aspectos éticos tanto das pesquisas que vinham sendo desenvolvidas quanto das que pretendem ser realizadas a partir de agora. Agradecemos a todos os autores, aos assessores ad-hoc e demais revisores que tornaram este número tão especial quanto necessário na ciência psicológica, campo especificamente do qual partimos em nossas reflexões.

Boa leitura a todas e todos!

 

REFERÊNCIAS

Conselho Nacional de Saúde. (1996). Resolução nº 196/1996 - Dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF.         [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde. (2012). Resolução nº 466/2012 - Dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF.         [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde. (2016). Resolução nº 510/2016 – Dispõe sobre a pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF.

Guerriero, I. C. Z. (2016). Resolução nº 510 de 7 de abril de 2016 que trata das especificidades éticas das pesquisas nas ciências humanas e sociais e de outras que utilizam metodologias próprias dessas áreas. Ciência & Saúde Coletiva, 21(8), 2619-2629.         [ Links ]

Guerriero, I. C. Z., & Minayo, M. C. S. (2013). O desafio de revisar aspectos éticos das pesquisas em ciências sociais e humanas: a necessidade de diretrizes específicas. Physis Revista de Saúde Coletiva, 23(3), 763-782.

Guerriero, I. C. Z., & Bosi, M. L. M. (2015). Ética em pesquisa na dinâmica do campo científico: Desafios no campo da construção de diretrizes para ciências humanas e sociais. Ciência & Saúde Coletiva, 20(9), 2615-2624.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fabio Scorsolini-Comin
E-mail: fabioscorsolini@gmail.com

 

 

1 Fabio Scorsolini-Comin é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Editor Chefe da Revista da SPAGESP.
2 Normanda Araujo de Morais é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza.
3 Silvia Helena Koller é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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