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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.18 no.2 Ribeirão Preto 2017
ARTIGOS
Parceria com a rede de atendimento no estudo da violência sexual infantil
Partnership with assistance network in the study of sexual violence against children
Trabajo en conjunto con la red de atención en el estudio de la violencia sexual contra niños
Jean Von Hohendorff1, I; Andrezza Tartarotti Postay2, II; Luísa Fernanda Habigzang3, II; Silvia Helena Koller4, III
IFaculdade Meridional, Passo Fundo-RS, Brasil Pontifícia
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
RESUMO
Estudos sobre violência sexual contra crianças e adolescentes geralmente recorrem aos serviços da rede de atendimento para a coleta de dados. A formação de parcerias para a coleta de dados requer cuidadosa consideração aos preceitos éticos. Objetivou-se apresentar e avaliar o processo de construção de uma parceria entre pesquisadores e serviços na execução de uma pesquisa sobre violência sexual contra meninos. As parcerias foram avaliadas por meio de entrevistas realizadas com cinco psicólogos dos serviços parceiros, que foram analisadas qualitativamente. Os resultados indicaram a adequação do processo de construção das parcerias, bem como possíveis ajustes. O desejo em estabelecer parcerias de longa duração foi relatado pelos psicólogos participantes. Discute-se a implicação dos resultados à luz da Resolução n. 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde.
Palavras-chave: violência sexual; coleta de dados; serviços de saúde mental.
ABSTRACT
Studies about sexual violence against children usually appeal to the victims' assistance networks for data collection. Building partnerships for data collection requires careful consideration of ethical rules. The aim of this study was to introduce and analyze the process of partnership development between researchers and the assistance networks in a project about sexual violence against boys. The partnerships were evaluated through interviews performed with five practitioners from the assistance networks. Those interviews were qualitatively analyzed and results indicated the suitability of the partnership development process, as well as possible adjustments. The intention to establish long-term partnerships was reported by the practitioners. Implications of these results for partnerships in face of the Resolution n. 510/2016 from the National Council of Health are discussed.
Keywords: sexual violence; data collection; mental health services.
RESUMEN
Estudios sobre violencia sexual contra niños y adolescentes generalmente recurren a los servicios de la red de atención a las víctimas para la colecta de datos. La formación de asociaciones para la colecta de datos requiere una cuidadosa consideración a los preceptos éticos. El objetivo de este estudio fue presentar y analizar el proceso de construcción de un vínculo de trabajo en conjunto entre investigadores y servicios de la red de ejecución de una investigación sobre violencia sexual contra niños. El proceso de construcción del trabajo fue evaluado por medio de entrevistas realizadas con cinco psicólogos de servicios vinculados. Esas entrevistas fueron analizadas cualitativamente y los resultados indicaron lo adecuado del proceso de construcción del vínculo, así como de posibles ajustes. El deseo en establecer vinculaciones de larga duración fue relatada por psicólogos.Se discuten las implicaciones de estos resultados para la asociación en la cara de la Resolución 510/2016 del Consejo Nacional de Salud.
Palabras-clave: violencia sexual; recolección de datos; servicios de salud mental.
Nas últimas décadas, a atenção social e acadêmica voltada à violência sexual (VS) contra crianças e adolescentes aumentou. Campanhas de conscientização e enfrentamento têm sido mais frequentes, bem como os estudos científicos que buscam compreender melhor o fenômeno. O avanço do conhecimento e a possibilidade de subsidiar intervenções mais efetivas acarreta um desafio para os pesquisadores em função da complexidade das situações de VS contra crianças e adolescentes, aliada à necessidade de se atender aos preceitos éticos e científicos.
A VS contra crianças e adolescentes é uma violação de direitos humanos (Brasil, 1990) que requer maior atenção dos pesquisadores na condução de pesquisas. Recentemente, foi homologada a Resolução n. 510, do Conselho Nacional de Saúde (2016), sobre as normas aplicáveis às pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Essa resolução indica que é "compromisso de todos os envolvidos na pesquisa de não criar, manter ou ampliar as situações de risco ou vulnerabilidade para indivíduos e coletividades, nem acentuar o estigma, o preconceito ou a discriminação" (Art. 3, inciso IX). A condução de pesquisas com vítimas de VS requer atenção especial à situação de risco e de vulnerabilidade que os potenciais participantes da pesquisa estão expostos. Tendo em vista o número de procedimentos (e.g., entrevistas, avaliações) que as vítimas são usualmente expostas, submetê-las a processos extras (e.g., entrevista de coleta de dados) não é adequado. Diante desse panorama, a condução de pesquisas com essa população se torna um desafio no qual os pesquisadores devem balancear a necessidade da coleta de dados e a garantia do bem-estar dos participantes.
A análise dos estudos sobre VS contra crianças e adolescentes indica que os pesquisadores comumente recorrem aos serviços que compõem a rede de atendimento às vítimas e seus cuidadores para realizarem a coleta de dados. São nesses serviços que se tem acesso aos participantes de pesquisa tendo em vista o segredo e o tabu que envolvem casos de VS. Serviços como hospitais (Serafim, Saffi, Achá, & Barros, 2011), centros de referência (Baía, Veloso, Habigzang, Dell'Aglio, & Magalhães 2015), conselhos tutelares, instituições de acolhimentos e juizados (Hohendorff, Salvador-Silva, Andrade, Habigzang, & Koller, 2014; Vega & Paludo, 2015) geralmente são os locais de coleta de dados.
Ao se planejar uma pesquisa que aborde uma situação complexa, é necessário incluir em seus procedimentos a busca de parcerias com as redes. A Resolução n. 510, do Conselho Nacional de Saúde (2016), estipula como "etapas preliminares de uma pesquisa [...] as atividades que o pesquisador tem que desenvolver para averiguar as condições de possibilidade de realização da pesquisa [...]. Incluem-se nas etapas preliminares as visitas às comunidades, aos serviços, as conversas com liderança comunitárias, entre outros" (Art. 2, inciso XII). Sendo assim, cabe aos pesquisadores o conhecimento da rede de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de VS visando verificar a viabilidade da pesquisa e os melhores procedimentos a serem adotados.
Mesmo diante da importância da parceria entre pesquisadores e serviços da rede de atendimento para a condução de estudos na área, percebe-se que "os longos caminhos percorridos pelos pesquisadores na construção da rede social para a viabilidade da pesquisa" são, ainda, pouco comentados nas publicações em geral (Costa et al., 2006, p. 179/180). O objetivo desse estudo é, então, apresentar o processo de construção e a avaliação da parceria entre pesquisadores e serviços envolvidos na realização de uma pesquisa sobre VS contra meninos.
MÉTODO
PARTICIPANTES
Participaram deste estudo cinco psicólogos da rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de VS de cinco cidades do Rio Grande do Sul. O número de participantes (5) foi igual ao de psicólogos dos serviços parceiros, os quais foram escolhidos por conveniência. Os psicólogos tinham entre 30 e 51 anos, quatro do sexo feminino e um do sexo masculino. Dois psicólogos possuíam especializações (uma psicóloga possuía especialização em Psicologia Jurídica e em Terapia Familiar e de Casal e outra em Dependência Química e Promoção de Saúde e em Gestão de Organização Pública em Saúde). Quatro trabalhavam em Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e uma em um serviço municipal (i.e., Equipe Especializada em Saúde da Criança e do Adolescente). A experiência no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual variou entre dois e 13 anos.
INSTRUMENTO
Foi utilizado um roteiro de entrevista para avaliação da parceria, dividido em três blocos de perguntas: 1. Avaliação geral, 2. Etapas da parceria, 3. Parcerias futuras.
PROCEDIMENTO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS PARCERIAS
As parcerias com os serviços da rede de atendimento às vítimas foram realizadas no contexto de uma pesquisa qualitativa cujo objetivo foi o de conhecer a dinâmica da VS contra meninos. A parceria com serviços e profissionais da rede visava garantir que os procedimentos de pesquisa não alterariam a rotina comum de atendimento das vítimas, preservando o seu bem-estar. Caberia aos profissionais parceiros a realização da entrevista com meninos vítimas e seus cuidadores não abusivos e o preenchimento de questionários com informações sociodemográficas dos meninos e com dados profissionais de cada psicólogo(a).O processo de construção de parcerias com os serviços da rede foi dividido em três etapas: (1) Pré-parceria, (2) Parceria, (3) Finalização. Na seção Resultados, o processo de construção das parcerias e sua avaliação são apresentados.
COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Inicialmente, o projeto foi aprovado com o parecer número 450.002. As entrevistas ocorreram nas dependências dos serviços parceiros, quando da finalização das parcerias. Essas foram realizadas pelo pesquisador responsável, sendo todas gravadas e posteriormente transcritas. A duração média das entrevistas foi de 28 minutos. As entrevistas foram analisadas com o uso do software NVivo 10. A análise foi dividida em etapas, baseada na proposta de análise temática (Braun & Clarke, 2006): (1) familiarização com o material por meio da transcrição dos áudios das entrevistas e leituras subsequentes acompanhadas de anotações sobre o conteúdo; (2) identificação e seleção de estratos (i.e., trechos específicos das transcrições) mediante homogeneidade do conteúdo; (3) revisão dos estratos de acordo com a opinião expressa pelos profissionais sobre cada etapa da parceria; (4) revisão dos estratos com as opiniões dos profissionais referentes à cada etapa da parceria; (5) redação dos resultados.
RESULTADOS
A seguir, são apresentadas as etapas e subetapas de formação das parcerias. Após a apresentação de cada uma, os resultados da avaliação realizada pelos profissionais participantes por meio das entrevistas são descritos. Ao final da seção, os resultados acerca da opinião geral dos participantes sobre as parcerias, bem como sobre possíveis mudanças são apresentados.
PRÉ-PARCERIA
Levantamento de Possíveis Serviços Parceiros. Inicialmente foi construída uma lista de serviços que seriam contatados. Foi levada em consideração a proximidade geográfica dos serviços em relação à universidade, a fim de facilitar os deslocamentos necessários. As informações sobre os serviços foram obtidas por meio da internet (ver http://www.mds.gov.br/assitenciasocial). As informações (i.e., nome, município, responsável, contatos) referentes aos serviços foram organizadas em uma tabela.
Contato Telefônico. Após reunir as informações sobre os serviços, iniciaram-se os contatos telefônicos para apresentação sucinta da pesquisa e levantamento do interesse em receber o primeiro autor para apresentação detalhada do projeto. Nesse contato buscou-se, ainda, complementar as informações sobre o serviço (e.g., endereço de e-mail do serviço), a frequência com que o serviço recebia encaminhamentos de casos de vítimas condizentes com os critérios de inclusão estabelecidos (e.g., idade, sexo, etc.) e se possuía dados (e.g., número mensal) sobre tais encaminhamentos. Alguns serviços, durante o contato telefônico, solicitaram o envio do projeto de pesquisa e documentos que confirmassem sua aprovação pelo comitê de ética. Diante disso, foi elaborado um documento de apresentação do projeto ao qual foi anexada a carta de aprovação solicitada e esse material foi disponibilizado via e-mail. Tal documento foi utilizado por alguns serviços para obtenção da autorização para execução da pesquisa. Foram contatados 13 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), sendo esses de sete municípios distintos.
A análise das entrevistas indicou a adequação dessa etapa ("Super tranquilo [...] A tua baita disponibilidade, sempre de horário, de dias, adequando sempre às necessidades do serviço" - SC). Um profissional relatou o sentimento de felicidade diante do contato telefônico ("Fiquei feliz em saber que eu poderia colaborar com a pesquisa e é uma pesquisa importante" – PC).
Reunião com Possíveis Serviços Parceiros. A reunião com possíveis parceiros foi agendada conforme disponibilidade dos serviços. Foram realizadas reuniões com sete dos 13 serviços contatados, sendo esses de seis municípios distintos. Os principais motivos para a não realização das reuniões com alguns serviços contatados foram a falta de retorno para agendamento e o fato de o serviço não realizar entrevistas com vítimas de VS. As reuniões foram realizadas em cada um dos serviços.
A análise das entrevistas com os psicólogos dos serviços parceiros indicou a adequação dessa etapa ("A reunião foi tranquila também" – NF). Sentimentos de ansiedade ("É diferente. É um outro método. Mas tá aí, as pesquisas que tu apresentou, o estudo que tu apresentou, é um desafio, desacomoda um pouquinho, gera toda uma ansiedade, será que eu consigo? Como é que será que vai ser?" - SC) e motivação ("Acho que esse período inicial aí, aonde foram lançadas as ideias de como é que seriam, como é que se daria, de expectativas mesmo, acho que isso nos motivou pra auxiliar e pra tá contribuindo" - FC) foram identificados.
Formalização da Parceria. Foram formalizadas parcerias com cinco serviços, sendo esses de cinco municípios distintos. Os dois restantes não foram incluídos por não realizarem entrevistas com vítimas de VS.
A análise das entrevistas indicou que a etapa de formalização foi "tranquila" (FC), percebida como uma "formalidade necessária" (PC). Em quatro serviços, a assinatura do termo foi solicitada a algum gestor. O processo de obtenção da autorização com os gestores evidenciou um bom diálogo ("Eu procurei ela [secretária municipal]. Expliquei pra ela as coisas que a gente tinha conversado, [...] E ela aceitou também numa boa" – PC). Em um município, a própria psicóloga assinou o termo ("Não solicitamos pra ninguém. A gente aprende isso no serviço público, se tu for pedir, quanto mais tu abaixa, mais aparece, então se tu pedir muito, não sai nunca" – AP).
PARCERIA
Contrapartida. Foi discutida com cada serviço a realização de um curso de extensão, no qual o tema da pesquisa seria abordado. A duração dos cursos (i.e., em média quatro horas) variou de acordo com cada serviço parceiro, pois se trabalhou com as suas disponibilidades. Os participantes desses cursos foram definidos pelos serviços e incluíram, desde somente a equipe do mesmo até outros profissionais da rede de cada município, atingindo um número aproximado de 70 participantes, somando-se todos os serviços. Coube a cada serviço parceiro a organização do espaço físico para a realização do curso, bem como o convite aos participantes. Os conteúdos abordados nesse curso de extensão foram pré-definidos pelos pesquisadores e discutidos com os responsáveis pelos serviços parceiros. Os serviços solicitaram emissão de atestados de participação no curso. Os atestados foram confeccionados em nome do grupo de pesquisa ao qual os pesquisadores responsáveis pertenciam e foram entregues aos responsáveis pelos serviços.
A análise das entrevistas indicou a adequação do curso de extensão. O aproveitamento do curso pelos participantes foi relatado pelos profissionais ("Bah, foi muito bom aquele dia, a gente conseguiu tirar bastante dúvida. Enfim, achei que foi muito bom, muito proveitoso." - PC). Em um município, o curso de extensão mobilizou a rede a repensar suas práticas, mas isso acabou ficando restrito ao momento do curso, o que gerou sentimentos de frustração ("Inquietou algumas pessoas, no sentido do que estava sendo feito no município [...] porque balançou um pouquinho com todo mundo, o que vamos fazer agora com isso? Tá, então naquele momento eu fiquei bem animada. Pensei que fosse dar uma mexida em termos de estrutura dos outros serviços da rede, da saúde, conselho, da própria delegacia. E morreu ali. A discussão ocorreu ali" – SC). Os profissionais mencionaram, ainda, a necessidade de expansão ("Esse tipo de intervenção [curso oferecido], ele tem que se estender por mais tempo e tem que ter um alcance maior" – PC). Caberia, segundo uma profissional, às universidades a tarefa de capacitação da rede ("Essas seriam coisas que a universidade poderia fazer, mas ao mesmo tempo também acho que tem que ter alguma forma de remuneração. Não é assim [...] Não é uma coisa pras pessoas fazerem no amor" – AP).
Treinamento e Entrega do Material para a Coleta de Dados. Foi oferecido um treinamento breve aos profissionais encarregados da coleta de dados (i.e., psicólogos dos serviços parceiros). O treinamento foi realizado de forma individual juntamente aos psicólogos que realizariam a coleta de dados. Buscou-se realizar um treinamento breve com o objetivo de não atrapalhar a rotina do serviço. Do ponto de vista científico, era consenso entre os pesquisadores que o treinamento deveria ser de longa duração. Porém, diante da alta demanda de atendimento e o baixo número de psicólogos que os serviços parceiros possuíam, foi necessário flexibilizar o rigor científico.
Os treinamentos tiveram duração média de três horas, nas quais se abordaram os seguintes tópicos: 1. estrutura do protocolo NICHD (National Institute of Child Health and Human Development), utilizado para a obtenção do relato dos meninos sobre a VS sofrida (consultar La Rooy et al., 2015 e Williams, Hackbarth, Blefari, & Padilha, 2012); 2. Uso do protocolo NICHD na pesquisa (i.e., foram abordadas especificidades do seu uso na pesquisa, tendo em vista tratar-se de um protocolo forense); 3. Role-play no qual a utilização do protocolo foi treinada; 4. Explicação dos procedimentos de coleta de dados com ênfase no processo de consentimento e assentimento livre e esclarecido, e entrega do material para a coleta de dados. O roteiro a ser aplicado com os cuidadores também foi apresentado aos profissionais parceiros.
A análise das entrevistas indicou a necessidade de um treinamento mais prolongado ("Quem sabe num futuro aprimorar de poder fazer um treinamento maior [...] porque como é difícil quebrar coisas dentro da gente" – NF). No entanto, uma profissional abordou a possível resistência a um treinamento maior ("O problemão eu acho que é um pouco as pessoas também aceitarem, entendeu? Abrir um pouco, que bom, nem sempre o jeito que a gente tá fazendo é o melhor" - AP). Outros aspectos relatados pelos profissionais foram o uso de outras ferramentas de aprendizagem (i.e., uso de vídeos de entrevistas e realização de role-plays) e o acompanhamento a nível de supervisão pelo pesquisador responsável ("Talvez a gente poder retomar isso ao longo do processo, já que era um instrumento novo, se viesse a ter outras entrevistas, talvez eu não saberia mais usar o instrumento nesse momento, assim, depois que já passou um tempo, porque foi pouco manuseado" – FC).
Após o treinamento, cada um dos serviços parceiros recebeu uma pasta a qual incluía todos os documentos necessários para a coleta de dados. Foram entregues, ainda, gravadores (i.e., um em cada serviço) para a gravação das entrevistas. A análise das entrevistas indicou a adequação do material entregue. A pasta entregue foi considerada clara, suficiente, organizada e formal. Uma profissional relatou a perda da pasta.
Coleta de Dados. A coleta de dados foi iniciada assim que psicólogos parceiros foram treinados e quando participantes que preenchiam os critérios de inclusão foram encaminhados aos serviços. Foram realizadas quatro entrevistas em três serviços parceiros durante o período de coleta de dados (i.e., aproximadamente um ano).
O período de coleta de dados despertou sentimentos de constrangimento ("Com o passar do tempo, que esses casos começaram a não vir, eu comecei a me sentir constrangida" - SC), frustração ("Foi meio frustrante, assim, não conseguir [...] Não ter conseguido os dados pra poder colaborar com a pesquisa" - PC) e ansiedade nos psicólogos parceiros devido a não realização de entrevistas de coleta de dados.
Os motivos para a não realização de entrevistas foram relacionados à criança, à família e à rede. A mobilização da criança ao chegar ao serviço ("Teve um caso que eu pensei: 'acho que dá pra fazer essa entrevista com o guri' [mas] ele chegou muito mal, chegou chorando, não queria entrar na sala, dai eu me desmontei também" - AP), a presença de déficit cognitivo, a idade da criança, a mudança de endereço, a não aderência ("Depois disso eles não vieram mais. Eu tive um contato só com eles" - PC) foram os motivos relacionados à criança e à família. Em um caso, houve resistência da mãe por se tratar de uma pesquisa, que foi manejada pela profissional e se conseguiu coletar os dados ("A resistência se dissolveu um pouco quando eu disse: 'bom, mas igual eu iria conversar com ele, eu teria que conversar com ele e ele teria que me dizer o que aconteceu" – AP).
Em relação à rede, os motivos foram dificuldades institucionais ("Questões institucionais [...] de ordem política, de ordem de número de técnicos, de equipes, que tá reduzida, e a gente ter que assumir outras demandas que não competiam tanto a questão técnica. E ser 20 horas também" - FC), escassez de casos ("O número de casos que aconteceram foi pouco. Ainda bem. Mas paralelo a isso tiveram casos com meninas" - NF) e fluxo da rede ("A gente perde a criança, muitas vezes, na rede" – NF).
Os psicólogos parceiros também foram questionados sobre o uso do protocolo NICHD. Os profissionais relataram o sentimento de ansiedade, a falta de domínio ("É um instrumento que é novo, então [...] tu trava um pouco, será que é assim que tem que andar [...] ainda não tava internalizado aquele material" - FC) e o desconforto ("Eu não tava tão à vontade quanto eu faço uma entrevista sozinha. Porque isso, assim, eu tenho aquele protocolo ali, ele ainda não faz parte de mim" - AP) com a utilização do protocolo. O uso futuro ("Eu gostaria [...] de todas as crianças que eu vou receber eu pudesse usar, mas eu precisava de supervisão pra isso" - AP) e a expansão para outros contextos ("Outros atendimentos, em termos de manejo, às vezes com as crianças nas oficinas e de permitir, 'me conte mais'" - SC), também foram citados pelos profissionais.
Para cada vítima entrevistada, os profissionais deveriam realizar uma entrevista com um(a) cuidador(a) não-abusivo(a). Os profissionais acabaram não realizando e/ou não gravando essa entrevista– ("Eu não me dei conta mesmo. Que tinha que gravar. Porque eu fiz a entrevista [...] e não me dei conta de gravar" - AP). Devido a isso, decidiu-se restringir coleta apenas aos meninos vítimas de VS.
Acompanhamento da Coleta. Os áudios das entrevistas realizadas com as vítimas foram encaminhados à equipe de pesquisadores. O material foi transcrito e em seguida, o áudio e a transcrição foram revisados a fim de dar um feedback aos parceiros que o solicitaram. As entrevistas analisadas foram, de forma geral, bem conduzidas. No entanto, conforme esperado, houve falhas relacionadas, principalmente, a dificuldade dos profissionais em seguir o roteiro de entrevista. Àqueles que assim desejaram, foi oferecida uma reunião para discutir a condução da entrevista. Apenas uma psicóloga parceira solicitou feedback quanto a condução da entrevista, considerando importante a troca ("Acho que foi importante pra gente ver esses pontos que ficaram falhos pra gente poder conduzir melhor na segunda" – FC). Durante a entrevista com os profissionais parceiros, outra profissional solicitou feedback. Foi agendada reunião com a profissional, que acabou desmarcando-a e não fazendo mais contato.
A equipe de pesquisadores buscou sempre estar disponível para esclarecimentos e sugestões. Periodicamente eram enviados e-mails com o intuito de obter informações atualizadas acerca do andamento da coleta de dados. Raramente tais e-mails eram respondidos, sendo necessário realizar contatos telefônicos. O contato telefônico foi realizado como um contato rotineiro e a questão da não resposta aos e-mails foi abordada indiretamente por meio da solicitação de seus endereços atuais.
A demora no envio dos dados de pesquisa (e.g., ficha, questionário) pode ser explicada pelo que os psicólogos parceiros mencionaram durante a entrevista sobre o processo de parceria. Dificuldades com o escaneamento do material e a rotina de trabalho ("Porque eu acabei me enrolando numa série de coisas de trabalho aqui [...]– NF). Somente dois profissionais responderam à seção de informações profissionais do questionário autoaplicável dentro do prazo estipulado. Diante disso, optou-se por coletar as informações necessárias durante a entrevista sobre o processo de parceria.
A análise das entrevistas com os psicólogos parceiros indicou a adequação do monitoramento da coleta de dados ("Então acho que foi adequado os contatos dos pesquisadores, eu acho que foram sempre muito educados, muito adequados"- PC). Os psicólogos parceiros relataram sentirem-se bem assessorados e que a equipe de pesquisa esteve disponível. Os contatos foram percebidos por um profissional como "cutucão" ("Não me senti cobrado, assim, explicitamente cobrado. Achei que foi, foi um cutucão. Lembra que tu tens o gravador dentro da gaveta, tu tens esse trabalho a fazer" – PC). De forma semelhante, uma profissional relatou uma "cobrança pessoal" ("Foram muito bons. Eu me sentia cobrada, mas eu não estava sendo cobrada. Era uma cobrança minha, pessoal, em termos de verificar o que estava acontecendo" – SC). A preferência por contatos somente via e-mail e pela comunicação direta com o pesquisador responsável também foram relatadas pelos profissionais.
FINALIZAÇÃO
As entrevistas com os cinco psicólogos parceiros indicaram que esses desejavam ter acesso aos resultados da pesquisa e que esses resultados fossem discutidos com as equipes dos serviços e as equipes das redes de atendimento dos municípios. De forma semelhante, uma psicóloga mencionou o desejo de saber sobre o processo de coleta de dados nos outros municípios ("Vontade de saber o andamento da pesquisa, como é que foram os outros lugares" – SC).
A ausência de expectativa foi mencionada por uma psicóloga ("Sou muito realista, eu não tenho grandes expectativas, eu sei que atualmente, ainda, a gente funciona nessa coisa pontual" – AP). Outros aspectos mencionados foram a expectativa de prestar esclarecimentos ("Explicar o porquê que não foi realizado, de não poder ter contribuído de uma forma maior, como gostaria" - SC) e o uso do protocolo de entrevista ("Essa forma de ouvir a criança como uma coisa que venha fazer parte das instituições. Do CREAS, vamos dizer assim, que é onde eu tô" - NF).
Em relação a parcerias futuras, a análise das entrevistas indicou o desejo por parcerias mais estreitas entre universidades e serviços da rede ("Se a gente pudesse fazer algumas trocas, de situações, daqui a pouco estar passando pra vocês alguma coisa, tá tendo um feedback de vocês, eu acho que seria o ideal" – NF), inclusive com a universidade participando mais ativamente de iniciativas da rede ("Eu acho que essa área da violência, existem muitos fóruns, micro fóruns aonde se discute muita coisa, né, conselho municipal de direito da criança [...] Eu acho que talvez a universidade tivesse que fazer um movimento [...] de uma certa infiltração nessas coisas de base" - AP) e servindo como referência para os serviços ("Seria muito importante pro serviço ter uma universidade referência em capacitação, em treinamento, em oferecimento de estágio pra profissional [...] fazer o uso do serviço da biblioteca da universidade, possa fazer uso das capacitações que a universidade oferece" - PC).
Alguns aspectos específicos da rede referentes ao estabelecimento de parcerias foram salientados: falta de estímulo ("...o serviço público infelizmente é assim, tu entra, tu faz o concurso e se tu não quiser nunca mais na vida estudar e fazer nada, tu vai seguir fazendo aquilo ali. E outra coisa, não tem nada que te estimule também, se tu tá fazendo, te qualificando, estudando mais, buscando, nada te estimula, não tem nenhum estímulo financeiro e eu vou te dizer que pra mim é importante sim estimulo financeiro, até por que a gente gasta também pra investir, gasta pra fazer curso, gasta pra comprar livro" - AP), isolamento ("A gente acaba cada um fazendo o seu quadrado e deu, e a gente não vai buscar às vezes alguma outra coisa e acha que tá fazendo certo, e muitas vezes não tá" - NF) e ter mais tempo ("Eu acho que a gente, [...] tem que ter mais tempo pra fazer isso. [...] poder explorar mais" - NF).
OPINIÃO GERAL
A opinião geral dos profissionais envolveu tanto aspectos positivos quanto negativos da parceria. Os aspectos positivos foram referentes ao aproveitamento da parceria pelo serviço e rede ("Acredito que tenha sido muito proveitoso, pro serviço, e pra rede toda. Porque as informações que foram passadas, elas ficam" - PC), à organização do processo de parceria ("Eu acredito que foi tudo redondinho, assim... a capacitação, depois o treinamento relacionado à entrevista" – PC), ao profissionalismo e seriedade dos pesquisadores ("A forma como tu conduziu foi super profissional, de contatar os responsáveis, de autorização, acho que foi uma forma muito bacana", "O fato de tu ter vindo, a tua disponibilidade, tua seriedade com que tu faz e até mesmo com o tema com que tu trabalha" – SC). Sentimentos de angústia e frustração em relação à parceria foram aspectos negativos citados pelos profissionais. Esses sentimentos estiveram relacionados à morosidade da coleta de dados devido ao número escasso de participantes que preenchessem os critérios de inclusão.
Além de aspectos positivos e negativos, outros aspectos foram citados. A conciliação entre a demanda de pesquisa e a rotina dos serviços foi mencionada como algo que impactou a coleta de dados ("A única questão é que a academia tem um caminhozinho, que é sempre aquele muito certinho. E esses ajustes que a gente faz nos casos, [...] às vezes não fecha exatamente com o que a academia precisa" – AP). A discrepância entre a expectativa inicial e a realidade, no sentido de o serviço não conseguir coletar dados ("Então eu acho que tinha tudo pra ser um trabalho que vinha a contribuir bastante e que no fim não foi..." - FC) e a questão, ainda, de certa invisibilidade dos casos investigados na pesquisa ("Acho que precisa desmistificar algumas coisas, começar a falar mais sobre o assunto, acho que isso é importante. Até pra chegar a isso de uma forma diferente nas famílias, acho que isso tá em ventilar o assunto pra que a sociedade também entenda que bom, isso o menino que passa por uma situação de abuso também é vítima, também acontece assim com meninos" - FC) também foram mencionadas.
POSSÍVEIS MUDANÇAS
Os profissionais relataram tanto aspectos específicos da parceria estabelecida quanto de parcerias em geral. Especificamente em relação à parceria estabelecida, foi mencionada a necessidade de maior aproximação do pesquisador e que nada precisaria ser mudado ("Mudaria algo? Não! Quem sou eu, né" – PC). Em relação às parcerias em geral, os profissionais citaram o caráter utilitarista de algumas parcerias ("A gente meio que se sente assim meio sugado às vezes, sabe? É meio que eu quero essa informaçãozinha, agora vou lá" - AP), o encastelamento da academia ("A academia se encastela muito, entendeu? [...] Eu acho que a gente tem que desencastelar. E eu acho que também não é uma coisa... Nunca é, né... só da academia. Sempre tem um outro lado também"- AP) e a necessidade de parcerias prolongadas em detrimento de parcerias restritas a um projeto de pesquisa.
DISCUSSÃO
De acordo com a Resolução n. 510 do Conselho Nacional de Saúde (2016), a pesquisa deve "ser concebida, avaliada e realizada de modo a prever e evitar possíveis danos aos participantes". Cabe ao "pesquisador estar sempre atento aos riscos que a pesquisa possa acarretar aos participantes em decorrência dos seus procedimentos, devendo para tanto serem adotadas medidas de precaução e proteção, a fim de evitar dano ou atenuar seus efeitos". Sendo assim, a condução de pesquisas com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual deve ser cuidadosamente planejada, tendo em vista a situação de risco em que se encontram. Não é adequado, por exemplo, expor essas crianças e adolescentes a seções de coleta de dados com pesquisadores que são desconhecidos por eles/elas e que não acompanharão esses casos. Surge, então, a necessidade de se estabelecerem parcerias com a rede de atendimento para a coleta de dados com esse público. Tais parcerias devem ser planejadas e conduzidas de forma organizada e visando colaborar com os serviços da rede, propiciando não somente a coleta de dados, mas a troca de conhecimento entre acadêmicos e profissionais.
O objetivo desse artigo foi o de apresentar o processo de construção e a avaliação de parcerias entre os pesquisadores e serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de VS na realização de uma pesquisa sobre VS contra meninos. Tomados em conjunto, os resultados da avaliação da parceria estabelecida com os serviços da rede de atendimento indicaram a necessidade de parcerias mais estreitas e de longo prazo entre pesquisadores/universidades e serviços da rede. Ao serem questionados sobre a avaliação geral da parceria estabelecida e sobre futuras parcerias, os profissionais mencionaram que as parcerias ainda são pontuais, vinculadas apenas a um projeto de pesquisa. Muitas vezes, os serviços acabam não recebendo retorno sobre os resultados, configurando-se com uma falha grave por parte de pesquisadores, reforçando a percepção das parcerias com pesquisas e pesquisadores como sendo de "caráter utilitarista" (Lordello & Oliveira, 2012, p. 268).
As parcerias devem ser encaradas como uma oportunidade de integração, produção e divulgação de conhecimento entre pesquisadores e profissionais da rede. É possível fomentar as parcerias com o planejamento de atividades em conjunto com os serviços parceiros durante a coleta de dados, não sendo necessário aguardar a divulgação dos resultados. De acordo com a Resolução n. 510 do Conselho Nacional de Saúde (2016), "a produção científica deve implicar benefícios atuais ou potenciais para o ser humano, para a comunidade na qual está inserido e para a sociedade". Dessa forma, a parceria entre pesquisadores e os profissionais da rede para a coleta de dados tem o potencial de fomentar a troca de conhecimento científico e prático, sendo, portanto, por si só, um benefício que ocorre já nas etapas preliminares da pesquisa.
A maior integração entre pesquisadores/universidades e a sociedade em geral é um dos quesitos pelos quais a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) avalia programas de pós-graduação. Interessa à CAPES, no quesito inserção social, "(a) um conjunto de realizações de impacto social para além da produção de conhecimento e formação de pesquisadores, porém (b) fortemente articuladas ao sistema de produção de conhecimento, de modo que não representem meramente atividades de extensão" (CAPES, 2013, p. 20). É esperado, portanto, que as realizações dos programas de pós-graduação gerem impacto "na sociedade como um todo, em especial sob a forma de transferência do conhecimento novo para setores sociais que dele necessitam para lidar com questões socialmente relevantes" (CAPES, 2013, p. 21).
A realização dos cursos de extensão no contexto da parceria para a coleta de dados foi uma tentativa de divulgação do conhecimento científico e capacitação profissional considerada benéfica pelos psicólogos parceiros, que relataram a falta de capacitações e a necessidade de que essas sejam de longa duração. Ao serem questionados sobre o uso do protocolo NICHD, os profissionais parceiros relataram dificuldades (e.g., falta de domínio, desconforto) devido ao treinamento breve, porém alguns deles gostariam de continuar o uso. Para tal, é necessário o investimento em capacitações de longo prazo, uma vez que os estudos sobre o protocolo NICHD indicam que o seu uso adequado está atrelado à capacitação e supervisão continuadas (La Rooy et al., 2015).
O estreitamento das parcerias entre pesquisadores/universidade e os serviços da rede requer engajamento de ambos, conforme salientado pelos psicólogos parceiros. As parcerias com os serviços da rede necessitam ser bem planejadas e executadas, buscando-se o máximo proveito para ambos os lados – serviços e pesquisadores. Cabe aos pesquisadores ajustar o que se pode denominar "ideal científico" (e.g., rigor científico) ao "possível científico", ou seja, aquilo que o cotidiano permite aos pesquisadores realizar. Nem sempre é possível seguir à risca os preceitos científicos e/ou os procedimentos planejados para determinada pesquisa. Por exemplo, o planejamento da pesquisa abordada nesse artigo previa a entrevista de todos os cuidadores não-abusivos, porém nem todos foram entrevistados. Diante disso, o planejamento inicial foi revisto. É necessário ter em mente que "o que define o delineamento é o seu objeto de estudo e objetivos e não o contrário" (Lordello & Oliveira, 2012, p. 268). A pesquisa no "mundo real" requer possíveis ajustes entre o plano inicial de coleta de dados, rigor metodológico e cuidados éticos sem, necessariamente, resultar em prejuízos para qualidade do dado obtido.
Dificuldades específicas à pesquisa realizada foram relatadas pelos psicólogos parceiros, tais como a dificuldade de coleta de dados devido ao número escasso de meninos vítimas de VS encaminhados aos serviços. As pesquisas sobre VS contra crianças e adolescentes costumam desafiar os pesquisadores devido à complexidade desses casos. Essa dificuldade acabou gerando sentimentos de constrangimento, frustração e ansiedade, mesmo que, por meio do curso de extensão oferecido, os psicólogos parceiros tenham sido informados acerca das especificidades sobre casos de VS contra meninos. O monitoramento da coleta de dados pela equipe de pesquisa pode ter exacerbado os sentimentos relatados pelos psicólogos, mesmo não sendo esse o seu intuito.
Embora a condução de parcerias entre pesquisadores e diversos locais de coleta de dados seja crucial para o avanço do conhecimento científico, o modus operandi dessas parcerias ainda é pouco abordado em publicações científicas. A disponibilização de exemplos de "como fazer" em pesquisas científicas pode facilitar o planejamento e condução de estudos futuros. Os resultados aqui descritos podem auxiliar outros pesquisadores no planejamento de futuras parcerias. Ao utilizarem os resultados desse estudo, pesquisadores devem considerar suas limitações. Dentre elas, a realização das entrevistas pelo mesmo pesquisador que foi o responsável pelas parcerias pode ter enviesado o relato dos profissionais. Esses podem ter omitido informações devido ao efeito de desejabilidade social. Um dos profissionais entrevistados, inclusive, afirmou: "Mudaria algo? Não! Quem sou eu, né?" (PC), ao ser questionado sobre possíveis mudanças no processo de parceria. Essa afirmação pode estar atrelada à percepção de que não cabia a ele propor mudanças naquilo que pesquisadores formularam e/ou que não era adequado discordar do que foi realizado pelos pesquisadores.
Por fim, é necessário que os pesquisadores tenham em mente, durante todas as etapas de uma parceria, que demais pesquisadores podem necessitar coletar dados naquele local. Sendo assim, a boa condução da parceria é crucial para "abrir caminhos" na rede e facilitar a inserção de futuros pesquisadores. Cada experiência de parceria que se mostre proveitosa para os serviços, reafirma a necessidade da realização de pesquisas e reforça a importância da colaboração entre serviços e pesquisadores. Além disso, a parceria se configura como uma fonte de aprendizado para ambos – pesquisadores e profissionais – ao terem acesso a conhecimentos científicos e práticos.
REFERÊNCIAS
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Agradecimentos: Este estudo foi financiado pelo edital FAPERGS n. 02/2014, processo n. 2374-2551/14-7.
Endereço para correspondência
Jean Von Hohendorff
E-mail: jean.vonhohendorff@imed.edu.br
Recebido: 18/06/2017
1ª revisão: 09/11/2017
Aprovado: 12/11/2017
1 Jean Von Hohendorff é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade Meridional (IMED-Passo Fundo).
2 Andrezza Tartarotti Postay é graduada em Psicologia e mestranda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
3 Luísa Fernanda Habigzang é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
4 Silvia Helena Koller é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.