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Psicologia USP

On-line version ISSN 1678-5177

Psicol. USP vol.20 no.2 São Paulo June 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A transição para a paternidade: da gestação ao segundo mês de vida do bebê1

 

Transition to fatherhood: from pregnancy to the second month of life of the baby

 

Transition à la paternité: de gestation au second mois du bébé

 

Transición hacia la paternidad: de la gestación al segundo mes de vida del bebé

 

 

Adriane Diehl Krob; Cesar Augusto Piccinini; Milena da Rosa Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O presente estudo longitudinal teve como objetivo compreender a transição para a paternidade, investigando as expectativas e sentimentos dos pais, durante a gestação, e a experiência da paternidade após o nascimento do bebê. Participaram do estudo 20 homens casados, primíparos, com idade entre 20 e 40 anos, entrevistados no final da gestação de sua esposa e dois meses após o nascimento do filho. A análise de conteúdo qualitativa das entrevistas revelou que a gestação foi vivida como emocionalmente intensa, marcada por alegria, ansiedade e conflitos. Preocupações com a saúde da esposa e do bebê e sentimentos de exclusão mostraram-se presentes. No segundo mês de vida do bebê, os pais relataram sentimentos positivos e satisfação, confirmando as expectativas construídas durante a gestação, embora o sentimento de exclusão persistisse. Já a participação nos cuidados do bebê não se mostrou tão efetiva quanto planejado, embora houvesse grande proximidade e afeto na relação pai-bebê.

Palavras-chave: Paternidade. Gestação. Relação pai-bebê.


ABSTRACT

The present longitudinal study aimed at understanding the transition to fatherhood, investigating the expectations and feelings of fathers during pregnancy, and the experience of fatherhood after the birth of the baby. Twenty married fathers, aged between 20 and 40 years, all married and primiparous, took part in this study. They answered a semi-structured interview of the end of pregnancy and two months after the birth of the baby. The interviews were examined through qualitative content analysis. The results indicated that pregnancy was felt as an emotionally intense period, with feelings of joy, anxiety and conflict. Worries about the health of the pregnant woman and the baby and feeling of exclusion were shown. . During the second month of life of the baby fathers showed positive feelings and satisfaction, although the feeling of exclusion were still present. The participation of the father in the care of the baby was not so effective as planned, although father-infant relationship was very close and affectuous.

Keywords: Fatherhood. Pregnancy. Father-infant relationship.


RÉSUMÉ

L’étude longitudinale présente a eu l’intention de comprendre la transition à la paternité, en enquêtant sur les attentes et sensations de pères pendant grossesse, et l’expérience de paternité après la naissance du bébé. Vingt pères mariés, âgé entre 20 et 40 années, mariés et primiparous, ont participé à cette étude. Ils ont répondu à une entrevue semi structurée à la fin de grossesse et deux mois après la naissance du bébé. Les entrevues ont été examinées à travers analyse de contenu qualitative. Les résultats ont indiqué que la grossesse a été sentie comme une période avec émotion intense, avec sensations de joie, inquiétude et conflit. Soucis au sujet de la femme enceinte et la santé du bébé ont eté fréquente parmi les pères. Ils ont eu l’intention d’être participant et présent dans les vies de leurs enfants. Pendant les second mois du bébé peres ont reporté des sensations positives et satisfaction. Par conséquence, leur expérience comme pères a confirmé les expectatives positives exprimées pendant la grossesse en général, bien que la sensation d’exclusion était encore présente. La participation et presence dans la vie du bébé n’était pas si efficace comme en projet pendant grossesse, bien que le rapport père-enfant fût très approche et affectible.

Mots-clés: Paternité. Grossesse. Rapport pére-enfant.


RESUMEN

El presente estúdio longitudinal tuvo como objetivo comprender la transición hacia la paternidad, investigando las expectativas y sentimientos de los padres, a lo largo de la gestación, y la experiencia de paternidad después del nacimiento del bebé. Tomaron parte del estudio 20 hombres casados, esperando su primer hijo, com edad entre 20 y 40 años, entrevistados al final de la gestación de su esposa y dos meses después del nacimiento del hijo. El análisis de contenido cualitativo de las entrevistas muestra que la gestación fue vivida como emocionalmente intensa, marcada por alegria, ansiedad y conflitos. Preocupaciones acerca de la salud de la esposa y del bebé, así como sentimientos de exclusión, estuvieron presentes. Em el segundo mes de vida del bebé, los padres relataron sentimientos positivos y satisfación, confirmando las expectativas construídas a lo largo de la gestación, aunque el sentimiento de exclusión persistiera. Por outra parte, la participación en los cuidados com el bebé no se ha mostrado tan efectiva cuanto planeado, aunque hubiera gran proximidad y afecto em la relacción padre-bebé.

Palabras-clave: Paternidad. Gestación. Relacción padre-bebé.


 

 

A transição à parentalidade é um processo que envolve inúmeras mudanças na vida do homem, tanto individuais como no relacionamento com a esposa e na família como um todo, exigindo uma série de adaptações e mudanças por parte dos pais2 (Salmela-Aro, Nurmi, Saisto, & Halmesmãki, 2000). De modo geral, o papel de pai traz uma grande satisfação, um senso maior de propósito e autovalia e uma sensação de amadurecimento, além de poder trazer uma sensação de alegria compartilhada entre marido e mulher (Bee, 1997). No entanto, Bee salienta que o nascimento do primeiro filho também sinaliza toda uma série de mudanças na vida dos genitores, especialmente nos papéis sexuais e nas relações conjugais, e essas mudanças não são fáceis. Por exemplo, Cramer e Palacio-Espasa (1993) destacaram que, nesse momento, é imposta ao pai e à mãe uma tarefa de reorganização psíquica, em virtude da necessidade de inclusão do bebê. Entre os novos desafios psicológicos enfrentados por pais e mães no puerpério, pode-se destacar (cf. Cramer, 1993; Cramer & Palacio-Espasa, 1993): o casal perde a sua unidade dual com a chegada do bebê; precisam mover-se de uma identidade de “filhos” para uma identidade de pais, o que reaviva suas identificações com as imagens boas e más de seus próprios pais; precisam transferir seus investimentos da criança imaginária para a real; para identificar este estranho que é o bebê, precisam projetar nele intenções e características; precisam abrir mão de muitas de suas demandas narcísicas para se devotar totalmente a atender às necessidades do bebê. Essas tarefas podem, eventualmente, ser vividas como exaustivas e trazer à tona conflitos e dificuldades diversas. Além disso, conforme destacado por Costa e Katz (1992), a chegada de um filho é uma experiência irreversível, a qual implica num compromisso permanente e integral com um outro ser que não cessa senão com a morte.

Os estudos que investigam a transição para a paternidade têm verificado que os pais mostram-se bastante ansiosos e preocupados durante a gravidez da esposa, período que tem sido marcado por sentimentos ambivalentes de alegria, ansiedade e conflitos (Gerzi & Berman, 1981; Lebovici, 1992; Parke, 1996; Piccinini, Silva, Gonçalves & Lopes, 2004). Parke (1996) aponta que o sentimento mais universal, que logo aparece, é a exclusão, decorrente de uma série de mudanças externas e internas aos membros do casal. A mulher não apenas começa a voltar sua atenção para o bebê, como ela própria torna-se o centro das atenções, e o bebê pode ser sentido como um intruso no relacionamento do casal (Anderson, 1996).

De maneira geral, percebe-se que há uma tendência na literatura de ver a primeira gravidez como um período estressante para o pai. Como ocorre com a gestante, esse é um momento em que ele também revive seus desejos e fantasias infantis, o que pode desencadear conflitos em relação à própria paternidade. Dentre esses estão a reativação de desejos reprodutivos frustrados na infância, inveja da mulher de gerar e carregar um bebê, sintomas somáticos e ativação de defesas fálicas contra essa identificação, reativação da rivalidade fraterna, reativação das experiências edípicas, dificuldade em perceber as necessidades da esposa, medos de assumir responsabilidades familiares e domésticas, e ansiedade financeira (Brazelton & Crammer, 1992; Costa & Katz, 1992; Gerzi & Berman, 1981; Lebovici, 1992; This, 1987).

Estudos recentes apontam para uma nova perspectiva de paternidade, na qual a relação precoce pai-bebê vem sendo estimulada e considerada fundamental para o desenvolvimento ulterior da criança (Neubauer, 1989; Parke, 1996). Assim, o padrão tradicional de participação paterna, onde os pais eram, no máximo, auxiliares das esposas nos cuidados dos filhos, tem dado lugar a novos ideais culturais, como a divisão de responsabilidades entre pai e mãe e a intensa participação paterna na rotina dos bebês e crianças (Cabrera et al., 2000; Lamb, 1997). Essa presença mais constante do pai tem sido também demonstrada durante a gestação, como foi revelado pelo estudo de Piccinini et al. (2004). Esse estudo verificou que muitos pais mostram-se bastante interessados e envolvidos com seus bebês já durante a gestação, através do apoio instrumental e emocional prestado à gestante, da sua participação em diversas atividades relativas à gestação e da sua interação com o bebê, em conversas e carinhos na barriga da gestante. Os autores destacaram, contudo, que os homens variaram muito em sua facilidade e desembaraço para a paternidade, e esse senso de facilidade ou dificuldade e inadequação tenderia a afetar como eles vão reagir durante a gravidez, o que coincide com os achados de Parke (1996).

Já a interação do pai com o filho3 recém-nascido dá continuidade ao período de gestação, durante o qual a mãe e o pai elaboram consciente e inconscientemente certas imagens, preocupações, ansiedades, fantasias, esperanças e antecipações referentes ao bebê que vai nascer (Mazet & Stoleru, 1990). Em relação ao pai, sua participação no dia a dia de seus filhos, através de cuidados e de uma relação afetiva de maior proximidade, vem aumentando, gradualmente, nas últimas décadas, em parte devido à maior aceitação popular de sua importância para o desenvolvimento infantil (Amato & Gilbreth, 1999). De acordo com os autores, a proximidade do pai contribui para o desenvolvimento e bem-estar de crianças, adolescentes e adultos, e para a promoção do desenvolvimento psicossocial do próprio pai.

Desse modo, a literatura tem apontado que, embora exista bastante variação entre os pais, alguns se mostram muito capazes de interagir com seus bebês desde o nascimento. Observando os pais no momento em que estavam juntos às mães e aos bebês no quarto de hospital, Hall (1994) verificou uma grande variedade de comportamentos paternos em relação ao bebê, como o toque, o afago e a imitação. Os pais se mostraram tão interessados pelos seus bebês quanto as mães e tendiam a segurar e a embalar o bebê em seus braços mais do que elas. Hall também verificou que os pais eram capazes de adaptar sua linguagem, assim como as mães, na conversação com seus recém-nascidos. Segundo Parke (1996), os pais não só são capazes de reconhecer os sinais do bebê, mas também de usá-los apropriadamente para guiar seu próprio comportamento. Em um estudo com pais de recém-nascidos, o autor também verificou que os pais eram tão responsivos aos sinais do bebê quanto as mães.

Contudo, de modo geral, a forma de interação do pai com o bebê tende a ser distinta da utilizada pela mãe. Já nos primeiros meses de vida do bebê os pais, em contraste com as mães, encorajam mais a curiosidade das crianças em solucionar desafios físicos e intelectuais, suportam a persistência das crianças em resolver problemas e não se preocupam demais com as falhas delas (Brazelton & Cramer, 1992; Lebovici, 1992; Pruett, 1993). Para Brazelton e Cramer (1992), a interação do pai com o bebê tende a ser caracterizada por um aumento no estado de excitação do bebê, visto que o pai costuma propor brincadeiras e jogos alegres e estimulantes. Os autores sugeriram ainda que os comportamentos específicos que o bebê reserva para a sua interação com o pai fazem com que este se sinta importante, reassegurando-os do significado do seu papel.

Em geral, os pais mostram-se mais envolvidos em interação social do que em cuidados, embora a sua participação nos cuidados tenda a aumentar de acordo com a idade da criança (Bailey, 1994). De acordo com a autora, as mães se envolvem mais em cuidados do que os pais, mas pai e mãe não diferem quanto ao envolvimento em brincadeiras. Bailey também revelou uma associação entre o emprego da mãe e o envolvimento do pai em cuidados do bebê, apontando que quanto menos tempo disponível para a criança a mãe tem, maior o envolvimento do pai em cuidados.

No que se refere aos fatores que influenciam a interação pai-filho, estudos têm encontrado que a qualidade do relacionamento do casal é um importante determinante no envolvimento do pai com o bebê (Mazet & Stoleru, 1990; Parke, 1996). Contudo, todo um conjunto de fatores parece influenciar o nível de envolvimento do pai com seus filhos, tais como suas próprias experiências infantis, suas atitudes em relação ao papel paterno e seus conhecimentos sobre a criação e cuidados infantis (Anderson, 1996; Parke, 1996; Rustia & Abott, 1993). De acordo com Lamb et al. (1985), fatores biogenéticos, determinados pela evolução de nossa espécie, fatores ecológicos e fatores psicossociais – motivação, habilidades e autoconfiança, suporte social e fatores institucionais – interagem na determinação do envolvimento do pai com seus filhos.

Como pode ser visto acima, a transição para a paternidade e a relação que se estabelece entre o pai e o bebê parecem estar fortemente relacionadas a inúmeros fatores individuais, familiares, sociais e culturais. Contudo, enquanto o processo de transição para a maternidade tem sido um tema bastante explorado na literatura, ainda pouco se sabe sobre as modificações que ocorrem com o pai no curso de sua transição para a parentalidade (cf. Houzel, 2004). Nesse sentido o presente estudo teve por objetivo acompanhar a transição para a paternidade, investigando, inicialmente, as expectativas e sentimentos de pais na gestação de seu primeiro filho e, em um segundo momento, a experiência da paternidade nos dois primeiros meses de vida do bebê.

 

Procedimentos metodológicos

Participaram do estudo 20 homens, com idade entre 20 e 40 anos, cuja esposa ou companheira estava no nono mês de gestação no início da coleta de dados e não havia apresentado problemas de saúde durante a gestação. Tanto as gestantes como os pais eram primíparos e moravam juntos, tinham nível socioeconômico médio-baixo e residiam na grande Porto Alegre. Os participantes foram convidados a participar do estudo em um hospital e um posto de saúde da rede pública.

Esse estudo teve um caráter longitudinal, envolvendo duas fases de coleta de dados. Na fase I, no terceiro trimestre de gestação, foram examinadas as expectativas e sentimentos dos pais. Na fase II, dois meses após o nascimento do bebê, examinou-se a experiência da paternidade. Antes das famílias serem convidadas a participar do estudo, obteve-se do prontuário de cada gestante informações a respeito de seu estado de saúde até aquele momento, bem como informações sociodemográficas sobre o casal. A partir dessas informações foi preenchida uma Ficha de avaliação da saúde da gestante e a Ficha de dados demográficos, usadas para selecionar as participantes que morassem com o marido ou companheiro e que atendessem aos demais critérios do estudo descritos acima. Por meio das gestantes, foi feito contato com os pais, os quais foram então convidados a participar do estudo.

Com os pais que concordaram em participar foi agendado um encontro individual, no próprio hospital ou posto de saúde, quando eles foram solicitados a ler e assinar o Termo de consentimento livre e esclarecido e a responder à Entrevista sobre as expectativas do pai. Essa entrevista foi desenvolvida para investigar as percepções do pai a respeito da gestação de sua esposa, suas expectativas e sentimentos sobre a paternidade, eventuais alterações emocionais que vivenciou nesse período, sua relação com a esposa e demais membros de sua família, bem como suas expectativas em relação ao bebê e ao desempenho do papel paterno.

Quando o bebê completava dois meses de idade, era realizada uma visita na residência das famílias, quando os pais respondiam à Entrevista sobre a paternidade. Essa entrevista tinha como objetivo investigar a experiência da paternidade e eventuais mudanças nas expectativas e sentimentos dos pais após dois meses do nascimento do bebê. Investigava-se ainda o impacto do bebê real e o luto pelo bebê imaginário, como o pai estava vivenciando a paternidade, sua percepção sobre a interação com o bebê, sua participação nos cuidados do bebê e em atividades de brinquedo livre, sua percepção sobre as capacidades e desenvolvimento do bebê, e fatores que facilitavam e dificultavam a interação com o bebê.

 

Resultados

As respostas dos pais às entrevistas foram examinadas através da análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 1977). Com base nessa técnica, o conteúdo manifesto dos textos foi recortado e organizado em diversas categorias temáticas, que serão ilustradas e discutidas em duas partes. Na primeira parte, apresentam-se as expectativas e sentimentos dos pais no terceiro trimestre da gestação. Na segunda, examinam-se a experiência e os sentimentos relativos à paternidade no segundo mês de vida do bebê. Durante as análises destacam-se tanto as semelhanças como as especificidades e nuanças de sentido presentes nas respostas paternas.

Expectativas e sentimentos do pai no terceiro trimestre da gestação

O desejo de ter um filho

Alguns pais mencionaram um forte desejo de ter um filho e isso antecedia a própria gravidez de suas esposas. No entanto, para vários deles (8) foi difícil concretizar esse desejo, pois existiram dificuldades para engravidar, abortos e tentativas sem êxito, o que gerou frustrações. As dificuldades encontradas por esses pais pareciam intensificar ainda mais o desejo de terem um filho. “A gente queria muito ter um filho, queria muito este bebê, mas a gente já tinha um certo trauma em virtude da gestação anterior não ter dado certo, então a gente se preocupava que não fosse conseguir ter o nosso filho de novo”4. Já em outros casos, o desejo de ter um filho foi facilmente alcançado.

Preocupações com a gravidez e com parto

Essa categoria diz respeito às preocupações com a gravidez e com o parto, tais como o medo de ocorrer um aborto durante a gestação, o medo do parto e preocupações com a saúde da gestante e do bebê. Nesse sentido, quase todos os pais (16) mencionaram preocupação com a saúde da gestante e com a saúde do bebê durante a gestação. “Às vezes ela sente umas dores e eu fico preocupado, de nascer antes do tempo, se vai ser um nenê perfeito, se vai ser tudo certinho, normal”. Três entrevistados mencionaram uma preocupação relacionada ao medo de aborto. Isso era associado, em alguns desses casos, a vivências anteriores de aborto e dificuldades para engravidar. Outros pais (3) mencionaram preocupações com o parto, relativas à gestante e ao bebê. “Preocupação que eu tenho... a gente vê tantas gestantes tendo problemas na hora do parto”.

Características do bebê imaginário

Essa categoria refere-se aos atributos que os pais mencionaram quando falavam sobre como imaginavam o bebê. Grande parte dos pais entrevistados mencionou as características físicas e de temperamento imaginadas para seu filho. A característica mais enfatizada pela maioria dos pais (13) era de um bebê saudável, demonstrando preocupação com a saúde do filho: “A primeira coisa que eu quero é saúde, eu quero que ele nasça com saúde, perfeito, aí depois é Deus que sabe como vai mandar ele”. Alguns pais (8) referiram imaginar características físicas para o bebê, como o cabelo, cor dos olhos ou beleza, destacando sua semelhança consigo ou com a gestante: “Eu acho que ela vai ser moreninha e os cabelos pretos, uma garotinha muito bonitinha”. Alguns pais (3) imaginavam que o bebê seria parecido com eles. Outros (7) descreveram o bebê imaginado como sendo uma mistura dos seus traços com os de sua esposa. “Pra mim vai ser tipo a C. [esposa], alemãzinha, a única parte que vai puxar por mim vai ser os olhos, o cabelo vai ser que nem o dela”. Dois pais referiram que o bebê teria traços semelhantes a algum outro familiar.

No que se refere ao temperamento do bebê, alguns pais (7) imaginavam o “jeito” do bebê como sendo uma mistura entre o seu temperamento e o de sua esposa. Outros (6) acreditavam que o bebê teria o temperamento parecido com o seu, enquanto um participante imaginava que o bebê teria o temperamento parecido com o da mãe. “Tomara que ele puxe a ela, seja calmo assim que nem ela”. Além disso, vários pais (12) destacaram que o bebê teria um temperamento calmo, tranquilo. “Olha, nós somos calmos, os dois pais dele são calmos, espero que ele seja uma pessoa calma também, compreensiva”. Outros pais (4) mencionaram que o temperamento do bebê seria forte, bravo. “Muito agitado eu acho que ele vai ser, eu acho que ele vai ser porque eu sou muito agitado assim, tenho temperamento forte”.

Além dos atributos físicos e de temperamento referidos acima, muitos pais referiram ter preferência por determinado sexo para o bebê, quando esse ainda era desconhecido. Dentre esses, vários (11) revelaram que preferiam que fosse um menino: “Eu gostaria que fosse um menino, pra mim lidar seria bem mais fácil... mas com certeza o que vim será bem-vindo”; enquanto outros (4) preferiam que fosse uma menina. Outros ainda (4) referiram ser indiferentes quanto ao sexo do bebê.

Participação na gestação

Os pais acreditavam estar participando ativamente da gestação de sua esposa, seja dando apoio emocional ou material. Todos referiram estar mais disponíveis para ouvi-las, procurando compreender seus medos e angústias, tendo mais paciência do que de costume. Além disso, procuravam informar-se, através de leituras e troca de experiências com outros pais, sobre assuntos relacionados à gestação e cuidados do bebê: “Tenho dado bastante apoio porque eu amo ela; agora parece que eu olho pra ela diferente, eu tenho muitas revistas em casa e fico lendo sobre o que acontece com a gestante, e aí eu falo pra ela (...) que a gente tá acompanhando, tentando entrar o máximo que dá no aspecto da gravidez”. Quanto ao apoio material, alguns pais (7) disseram que realizavam tarefas para a esposa, o que era compreendido como uma forma de expressar seu interesse pelo bebê e agradá-la. “Eu ajudo ela em casa, fazer os deveres da casa, faço o que ela tem que fazer eu faço, lavo a roupa, arrumo a casa, varro que ela não pode, sente dor”.

Mudanças emocionais durante a gestação

Quase todos os pais (16) perceberam mudanças emocionais em si mesmos durante a gestação, caracterizadas por uma maior sensibilidade para lidar com as situações e com as pessoas, principalmente com a esposa: “Eu senti um pouco mais de ternura, de carinho, eu acho que eu fui mais carinhoso com ela, entendi muito mais ela”. Além disso, os bebês com os quais tinham contato pareciam, a seus olhos, mais atrativos do que antes da gestação. Muitos deles (14) também perceberam mudanças emocionais na sua esposa durante a gestação e passaram a adequar seus comportamentos ao que consideravam que a esposa grávida poderia suportar: “Ela tá mais sensível, palavras duras assim ela já sente um pouco, alguma reação mais dura também ela já sente, tá um pouco mais frágil”.

No que se refere ao relacionamento do casal, a grande maioria dos pais percebeu mudanças no âmbito emocional. Vários (12) destacaram a aproximação do casal, sendo o bebê visto como uma concretização da união amorosa com suas esposas: “Eu acho que com a gestação dela a gente se aproximou mais ainda, procura conversar mais, isso aí modificou bastante, mais carinho, eu me sinto mais amado assim como eu dou mais amor pra ela”. Contudo, dois pais, relataram um afastamento do casal no período da gestação, relacionado à diminuição da atividade sexual, em função de cansaço, ansiedade ou medo.

Expectativas de mudanças na vida do casal após o nascimento do bebê

Muitos pais destacaram que o nascimento do bebê traria modificações na vida do casal. Alguns (8) acreditavam que tanto eles como suas esposas mudariam seu comportamento em função da atenção que ambos dispensariam ao filho. Ao mesmo tempo em que eles estavam assimilando a idéia de abrir espaço para o bebê, expressavam sentimentos de exclusão e necessidade de lidar com esses sentimentos: “Pra ela, o bebê é a coisa mais importante, pra ela agora e pra mim também; agora bem dizer eu vou ficar, já fiquei em segundo plano, porque a atenção toda é pra ele, mas agora eu tenho que saber lidar com esse momento, eu tenho que ter muita paciência, mais do que eu já tenho”. Um pai mencionou inclusive a preocupação pela possibilidade da esposa dedicar-se exclusivamente ao bebê e deixá-lo de lado. Outros (3) destacaram as mudanças que o bebê traria em seu próprio comportamento: “Acho que vai com certeza modificar bastante porque uma criança dá um toque especial, dá um outro sentido, porque, além de viver pra ela [mãe], eu vou viver pra ele [bebê]”. Seis pais destacaram que o nascimento do bebê traria mais responsabilidades, tanto no que se refere ao suporte material como emocional: “Vai ter uma certa maturidade da parte dos dois, nós dois vamos ter que ficar mais maduros, mais sérios, tanto que você tem que dar exemplo pro filho, né, desde pequeno, tem que dar boa educação, cuidados com ele, vai mudar bastante”. Para outros, a necessidade de renunciar a algumas atividades (6), mudanças nos horários (3) e aumento das tarefas (5) eram modificações previstas com a chegada do bebê: “Não que a C. [filha] vá atrapalhar, só que o tempo disponível que eu tenho agora, eu não vou ter depois, que eu vou ter que ajudar a cuidar dela, quem sabe quantas noites a gente não vai ter que passar acordado”. Por fim, vários dos pais (10) tinham expectativas de melhorar suas vidas e seus relacionamentos com o nascimento de um filho: “Eu acho que vai melhorar ainda mais a nossa relação, acho que um filho muda, sempre vai ter coisas novas, o que ele fez e o que ele deixou de fazer, acho que vai ficar melhor, vai prender um pouco mais nós”.

Expectativas em relação ao papel paterno

Quanto às expectativas em relação ao papel paterno, ser um pai participativo, presente na vida do filho, foi a característica mais mencionada pelos pais (14): “Eu acho que não adianta ser pai tem que participar”. Muitos dos pais (13) desejavam passar seus valores, aconselhar e orientar os filhos, ensinando princípios morais, religiosos, educacionais e éticos: “Respeitando a vontade dele, não vou colocar ‘ah tu tem que ser isso’, eu vou procurar orientar ele, desde criança”. Uma outra característica mencionada por vários participantes (12) como relacionada ao papel paterno foi a amizade, ser companheiros de seus filhos, o que foi associado a uma boa comunicação: “Ser um pai legal pros filhos, conversar, sobretudo ser um pai liberal, um pai aberto, amigo, o que tiver que perguntar, pra ajudar ele nas horas difíceis, nas horas boas, tudo ele pode contar comigo”. Nove pais relataram que gostariam de ser carinhosos com o filho.

Outras expectativas sobre o papel paterno foram mencionadas pelos pais (6), com destaque para as preocupações com a sua inexperiência e dúvidas quanto ao desempenho paterno: “Eu sou tri desastrado, já tô vendo todo mundo dizer ‘não faz assim, tá errado, tem que pegar diferente’, mas eu vou tentar pegar direitinho, cuidar, dar carinho”. Ao mesmo tempo, outros (11) imaginavam-se interagindo com o bebê em atividades de cuidados básicos, tais como trocar fraldas, dar banho, vestir, dar mamadeira:“Eu sempre gostei de criança, acho que não vou ter tanto trabalho assim de cuidar o meu filho, me imagino trocando fralda, dando banho, trocando roupa”. Muitos (14) ainda se imaginavam interagindo com o bebê em trocas afetivas. “As tarefas mais simples como embalar, quando tiver no colo, ajudar, pegar no colo, tudo bem eu vou estar sempre à disposição”.

Vivências Transgeracionais

Nesta categoria foram examinadas as lembranças dos pais a respeito de sua infância e a forma como foram paternados por seus próprios pais. A maioria dos pais (14) relatou que tinha boas recordações de sua infância e da sua relação com seu pai: “Uma pessoa que escuta, compreensiva, que ensina, que sabe dizer pra ti o que é certo e errado, então todas as dúvidas que eu tinha, tudo que era coisa eu ia pro meu pai porque eu confiava nele e confio até hoje”. Por outro lado, alguns pais (4) tinham lembranças negativas de sua infância: “Faltou a parte afetiva, porque lá em casa a minha mãe foi pai e mãe, eu senti bastante a falta de um pai presente, do meu pai eu tenho muita mágoa, eu sinto um vazio de pai”.

A partir dessas recordações, vários pais (12) expressaram identificação com os próprios pais, esperando ter com seu filho uma relação semelhante a que o seu pai tinha com eles. Contudo, alguns (5) gostariam de ser diferentes de seus pais, e enfatizaram que gostariam de ser lembrados por seus filhos como mais presentes e participativos do que seus próprios pais haviam sido com eles: “O meu pai nunca esteve do meu lado, nunca me explicou... Quer dizer que eu nunca pude me abrir com o meu pai, e com ele vai ser diferente, eu vou explicar tudo pra ele pela minha boca, mostrar pra ele como vai ser”.

Expectativas em relação ao futuro do filho

Quanto às expectativas em relação ao futuro dos filhos, vários dos pais (12) relataram que gostariam que o filho tivesse uma boa educação, tanto em termos de estudo, para ter uma profissão no futuro, quanto em termos de ensinamentos e valores que consideravam primordiais. Além disso, esperavam (8) que o filho fosse uma boa pessoa, alguém de quem as pessoas gostassem, amigo, sincero, honesto, com boa índole: “Que seja uma criança boa, que pegue um pouquinho de cada coisa da gente, uma tranqüilidade, que se dê bem com todo mundo”. Alguns (4) esperavam ainda que o filho conseguisse atingir seus objetivos de vida, alcançando realização pessoal: “Espero que encontre apoio, que faça o que ela goste, que se dê bem na vida, que tenha um bom futuro”. A expectativa de que o filho tivesse mais recursos financeiros do que o pai teve também foi mencionada por quatro pais.

Experiência da paternidade no segundo mês de vida do bebê Experiência da paternidade

A grande maioria dos pais (16) relatou estar vivenciando momentos de muito prazer e realização nessa primeira experiência com a paternidade. O sentimento de satisfação foi associado a três principais razões: ao desejo de ser pai, ao planejamento da gravidez e ao fato de gostar de crianças. “Muito bom, tô achando incrível, já havia uma expectativa favorável antes, eu gosto de criança, o filho foi planejado, desejado e está sendo curtido agora nessa fase de inicio de vida”. Contudo, vários pais (10) mencionaram que a experiência de ser pai estava sendo diferente do que imaginavam. Dentre esses, alguns (7) referiram estar sendo mais fácil do que haviam imaginado. A expectativa de maior dificuldade foi relacionada à crença de que não saberiam como lidar com o bebê, como entendê-lo, brincar e cuidar dele: “Imaginava que fosse bem diferente. O que eu imaginava é que eu ia ter muita dificuldade de me adaptar. Bem pelo contrário está muito fácil, não é um ‘bicho de sete cabeças’”. Contudo, para três pais a paternidade estava sendo mais difícil do que imaginaram, pois perceberam que era preciso um período de adaptação para que pudessem conhecer o bebê e aprender sobre ele, o que não estava sendo tão simples como imaginavam. Nesses casos, a esposa foi vista como uma facilitadora na interação com o bebê, pois, ao ensinar como eles deveriam proceder, fazia com que eles se sentissem apoiados e estimulados a ir em frente.

Por fim, para vários pais (8) a experiência da paternidade estava correspondendo àquilo que imaginaram. Já esperavam algumas mudanças nos hábitos e horários do casal e um período de adaptação entre os pais e o bebê. Esses pais mencionaram a experiência de seus próprios pais ou de outras pessoas como importantes fatores que os auxiliaram a ter expectativas mais próximas à realidade da paternidade:“Está sendo exatamente do jeito que eu imaginava”.

Mudanças na rotina do casal após o nascimento do bebê

Várias foram as mudanças percebidas pelos pais ao vivenciarem a paternidade. Para muitos pais (13) a maior mudança em suas vidas foi que o bebê tornou-se o centro das atenções, estando sempre em primeiro lugar, fazendo com que abrissem mão de muitas das atividades que realizavam anteriormente: “Antes eu saia à noite, saia com os amigos pra conversar, jogar futebol qualquer coisa que eu fosse fazer eu não tinha hora pra voltar. Agora quando eu saio eu já fico mais preocupado pra voltar por causa dela [filha], pode acontecer alguma coisa; normalmente o que eu faço é pensando nela”.

Para alguns pais (7) houve uma aproximação do casal após o nascimento do bebê, enquanto para outros (5) houve uma diminuição dos momentos para o casal, uma vez que o bebê estava em primeiro lugar, o que gerava, algumas vezes, sentimentos de ciúmes e de estar sendo deixado de lado: “Muda o tratamento da mulher com o marido, não sei se é normal um pouco de ciúmes da gente, parece que é mais atenção da mulher pra criança, um pouco mais, eu até entendo, mas que mudou, mudou, porque a gente fica mais distante em algumas coisas”.

Alguns pais (10) comentaram a necessidade de se responsabilizar pelo filho e pela esposa, dando-lhes suporte material e emocional: “As preocupações são outras, ele [filho] é meu dependente para o resto da vida, isso modifica quando se é pai, a gente começa a prestar a atenção no futuro”. Já no que se refere às novas responsabilidades relacionadas aos cuidados dos bebês, os relatos mostraram que os pais não estavam diretamente envolvidos nos cuidados diários, pois muito pouco foi mencionado sobre mudanças nos horários, aumento de tarefas ou renúncia a atividades pessoais devido à presença do bebê. A participação do pai pareceu limitar-se à divisão de algumas atividades, sem que isso gerasse um aumento acentuado de suas tarefas: “Um fica com ele pro outro jantar. Na madrugada a gente se divide. Ela dá de mamar, eu faço ele arrotar, faço ele dormir”.

Compreendendo as necessidades e sentimentos do bebê

A maioria dos pais (14) tinha certeza de que entendia o bebê, distinguia os diferentes tipos de choro, sabia o que o bebê queria e o que estava sentindo: “Fome é meio manhoso e de brabo é super agudo, forte, e quando é atendida pára e sorri, então é porque não tem nada, é porque está braba com alguma coisa. E depois tem aquele choro sentido, a gente vê que tem alguma coisa doendo”. Um pai referiu não ter certeza se entendia o bebê, e disse não saber o que fazer quando esse chorava. Outros três pais foram explícitos em afirmar que não entendiam o bebê: “Eu não tenho ainda essa prática, quando ela começa a chorar, saber o que é, pegar ela de um jeito pra ela parar de chorar, eu não peguei bem ainda”.

Quanto ao modo como consolavam os seus bebês quando eles estavam chorando, a maioria dos pais (16) enfatizou o consolo corporal, que envolvia pegar no colo e embalar, aconchegar e manter o filho/a junto ao corpo, acariciando e beijando. Seis pais relataram utilizar a conversa e/ou o canto para acalmar o seu bebê mais facilmente: “Não sendo nas horas de fome eu tento arrumar ele na cama, e fico conversando com ele, batendo nas costinhas, cantando pra ele até ele dormir”. Uma outra forma de consolo citada por sete pais foi recorrer à chupeta ou à mamadeira.

Percepções sobre a sua interação com o bebê

Os pais referiram várias atividades de interação com o bebê, sendo que brincar com o filho foi mencionada pela grande maioria dos pais (16) como a sua preferida. Segundo eles a sensação de satisfação demonstrada pelo bebê proporcionava segurança para que estreitassem os laços afetivos com o filho: “Brincando eu me relaciono mais com ele. Eu costumo brincar com ele, conversando com ele, com os bichinhos dele, eu fico brincando, então ele fica prestando atenção. Eu gosto quando ele fica prestando a atenção em mim, ele gosta do que eu faço”. Caminhar com o bebê no colo e embalá-lo foi também uma atividade referida por vários pais (13) como sua preferida. Além disso, vários pais (8) relataram que gostavam de conversar e cantar para o bebê. Seis pais relataram que o que mais gostavam de fazer era levar o bebê para passear, pois se sentiam muito orgulhosos de mostrar o filho para as pessoas e acreditavam estar colocando o bebê em contato com o mundo, mostrando-lhe objetos e pessoas. O bem-estar do bebê e seu prazer foi um componente importante nas atividades que os pais mais se envolviam: “Pegar ela no colo e caminhar com ela e conversar com ela... principalmente pegar ela no colo. Porque é a primeira vez que eu sou pai, é uma coisa nova é uma experiência nova, é bom, parece que ela gosta também de estar no colo”.

Já as atividades em que os pais menos gostavam de se envolver eram aquelas nas quais se sentiam menos à vontade, seja pela insegurança causada pela inexperiência, seja porque não eram encorajados e estimulados a realizá-las. Dentre as referidas, a mais salientada foi a troca de fraldas e de roupas do bebê, seja porque sentiam medo de machucá-lo, porque não obtiveram sucesso nessa atividade em ocasião anterior, ou ainda em função da esposa preferir assumir essa atividade com exclusividade: “É, no colocar a fralda, parece que sempre está apertada no corpo dele, parece que não se encaixa, parece que tem que chegar a mãe dele, chegar e fazer, colocar certo”. Outra atividade que os pais (4) preferiam não realizar era acalmar o bebê quando ele chorava. Sentiam-se ansiosos e inseguros e achavam que a mãe ou alguém próximo fazia isso melhor: “Eu gosto de ficar com ela quando ela está alegre, porque quando ela está chorando eu prefiro dar pra mãe dela que sabe o que fazer, tem um jeitinho, e eu não gosto de ver ela chorar”. Por fim, quatro pais relataram evitar dar banho no bebê, pois tinham receio de machucá-lo.

Alguns fatores foram referidos pelos pais como facilitando a interação com a criança. O mais citado (8) foi a reação positiva do bebê à busca de contato do pai, seja através da fala, do toque ou de brincadeiras. O estímulo e o incentivo da esposa foi referido por três pais, o que permitia que eles se sentissem mais seguros e autorizados para ir em frente. Para outros pais (7), o fato de estar próximos, acompanhando as rotinas do bebê e o seu desenvolvimento, foi considerado um facilitador importante na interação deles com seu filho: “Então com o tempo a gente vai pegando melhor, cada vez mais o que ela gosta, como ela gosta de ficar, quanto mais eu conhecer mais fácil vai ficar pra mim cuidar dela”. O desejo de ter um filho e o planejamento da gravidez também foram mencionados por alguns pais (7) como facilitadores de sua interação com o filho. Outro facilitador da interação pai-bebê citado pelos pais (5) foi ter tido contato com a experiência de outros pais, o que possibilitou uma familiarização com o papel paterno. Três participantes salientaram que o que tornava mais fácil a sua interação com o seu bebê era o fato de gostarem de crianças.

A falta de tempo, devido às horas dedicadas ao trabalho, foi salientada por muitos pais (13) como dificultando o estabelecimento de um laço afetivo mais estreito entre pai e filho: “É um pouco difícil pela questão do tempo, a gente às vezes tem muito menos do que gostaria, então eu acho que o que dificulta é isso”. Associado à falta de tempo, três pais relataram que o cansaço pela longa jornada de trabalho, bem com a falta de paciência decorrente disso, dificultava muitas vezes sua interação com o bebê: “Depende conforme eu chego, meio cansado de noite, às vezes não tem muita paciência”. Por fim, a insegurança nos cuidados, pela falta de experiência, foi salientada por alguns pais (7) como dificultando sua interação com o bebê.

Percepções acerca do desenvolvimento do bebê

Nessa categoria, foram incluídos os relatos sobre as percepções do pai a respeito do desenvolvimento físico e das capacidades perceptivas do bebê, incluindo-se aqui alguns comportamentos e habilidades do bebê que potencializam sua interação com o pai. O desenvolvimento corporal foi bastante destacado pelos pais, que afirmaram que seus filhos haviam crescido (16) e engordado (10) bastante ao final de dois meses de vida:“Tu olha ela, está ficando comprida e engordando um monte, então tu nota muito a diferença, eu sou um que estou sempre olhando isso, fico preocupado com o crescimento e estou vendo que o desenvolvimento dela está sendo muito bom”. O desenvolvimento do tônus muscular foi particularmente referido por alguns pais (7), os quais percebiam que o seu bebê estava ficando mais “durinho”, mais firme, o que facilitava um melhor manejo. Um aumento nos movimentos corporais como resposta aos estímulos de brincadeiras foi também percebido pelos pais (11).

Entre as capacidades do bebê, as que mais chamavam a atenção dos pais eram a visão e a audição. Muitos pais (12) destacaram que o bebê era capaz de ouvir aos dois meses de idade, sendo que outros (16) acreditavam que ele era capaz de reconhecer as pessoas pela voz, principalmente o pai e a mãe: “Se é o pai ou a mãe as reações ficam mais calmas e presta mais a atenção no que a gente tá falando”. Os pais referiram também que os bebês eram capazes de enxergar aos dois meses de idade, fixando o olhar e prestando atenção (14), procurando e acompanhando pessoas e objetos com o olhar (9) e reconhecendo o pai e a mãe (7). De acordo com os relatos de alguns pais (7), os bebês já conseguiam reconhecê-los pela maneira de pegar no colo e pelo jeito de consolar.

Os resultados também mostraram que a maioria dos pais relacionava as aquisições dos bebês com suas reações às brincadeiras e busca de contato com o pai. O sorriso em resposta à busca de contato foi observado por quase todos os pais (17) como uma reação espontânea, adquirida recentemente, para expressar satisfação. Esses pais consideravam o sorriso de seus bebês como gratificante, encantador, estimulando a troca entre pai e filho: “Antes a gente achava, agora a gente sente, não existe nada mais gratificante do que o sorriso do teu filho. Ele é uma criança feliz e tranquila, tá sempre sorrindo, brincando, é uma criança esperta, com dois meses já se vê que é uma criança esperta e o pai sente isso”. Cinco pais relataram que os bebês costumavam reagir à busca de contato emitindo sons, como se estivessem conversando com eles, enquanto outros pais (8) comentaram que seus filhos costumavam apresentar movimentos corporais como abrir os braços, se jogar pra frente e sacudir as pernas, interessando-se por objetos.

Bebê real

Nessa categoria foram incluídos os relatos dos pais sobre o bebê real, em termos físicos, afetivos e cognitivos, em oposição ao bebê imaginário investigado no final da gestação. Os bebês foram descritos por seus pais principalmente com referência às suas qualidades, como sendo mais inteligentes e precoces (12), mais bonitos (7) e mais saudáveis (10) do que os outros bebês: “Eu acho ela linda, acho ela linda, eu acho ela linda, mais bonita que os outros bebês”. Além da tendência a enfatizar as qualidades positivas dos bebês, alguns pais (7) descreveram essas características como semelhantes às suas, de sua esposa ou de outro familiar.

Quanto ao temperamento, muitos pais (12) mencionaram que seus bebês eram calmos e alegres, o que facilitava a interação com eles: “Quando chego ele dá aquele sorriso, não tem como não babar, ele sendo essa criança tranquila e faceira como é, foram dois meses ótimos, o jeito dele ser uma criança feliz facilita demais”. Contudo, outros pais (5) definiram seus bebês como bravos e agitados, o que, em alguns momentos, tornava difícil o manejo com eles.

Participação do pai na rotina do bebê

Os resultados mostraram que todos os pais estavam se envolvendo de alguma forma nos cuidados básicos do bebê e nas trocas afetivas. Entre esses, muitos pais (15) assumiam tarefas de cuidado espontaneamente, embora costumassem, com maior frequência, ter um papel de auxiliar (14). Algumas vezes, contudo, os pais (11) assumiam tarefas sozinhos: “Ajudo, sempre que eu tô em casa, a trocar as fraldas que é uma atividade que ela adora, fica sempre faceira. Ajudo a dar o banho, muitas vezes faço dormir porque a L.[esposa] já está cansada” (10).

Vários pais (9) assumiam tarefas de cuidados rotineiramente, realizando-as de maneira espontânea, por sentirem satisfação em ter um momento da rotina do bebê no qual sempre estavam presentes e pelo qual eram responsáveis:“Quando eu chego ela está dormindo, e rezo pra ela acordar de uma vez, pra aquela emoção de trocar de roupa e dar banho nela, eu combinei com a mãe dela para ela me esperar pra dar o banho”. O envolvimento esporádico e apenas quando solicitado nos cuidados do bebê, que foi mencionado por alguns pais (7), foi justificado pelo seu medo, insegurança, e pela crença de que as esposas tinham mais jeito do que eles. Outro motivo foi o pouco tempo que tinham para ficar junto ao bebê, preferindo, então, envolver-se em trocas afetivas.

Já no que diz respeito às atividades de troca afetiva, todos os pais as assumiam rotineira e espontaneamente: “Eu brinco muito com ela, canto pra ela, e converso com ela, faço cosquinha e ela dá risada, é aquele negócio rotineiro, conversando e cantando pra ela”. Percebeu-se, no entanto, que mesmo em trocas afetivas os relatos dos pais expressavam graus diferentes de envolvimento com o bebê.

 

Considerações finais

Os resultados a respeito das expectativas e sentimentos do pai mostram que a gestação foi vivida pelos participantes desse estudo como um período emocionalmente intenso, marcado por sentimentos ambivalentes de alegria, disponibilidade emocional, ansiedade e conflitos, no qual eles perceberam mudanças em suas próprias emoções e em sua sensibilidade para lidar com as situações e as pessoas, especialmente com a esposa. Essa caracterização confirma as proposições de diversos autores, os quais definem a gestação como um período de intensa mobilização e mudanças psíquicas (Bee, 1997; Cramer & Palacio-Espasa, 1993; Salmela-Aro et al., 2000). Ainda nesse sentido, os pais também evidenciaram muitas preocupações em relação a sua esposa e ao bebê, especialmente quanto à saúde, o que também corrobora os achados de vários estudos (Lebovici, 1992; Parke, 1996; Piccinini et al., 2004; Rhode, 1991). Isso aparecia, principalmente, através de sua preocupação em dar apoio, atendendo às necessidades emocionais e materiais da esposa durante esse período, bem como através da descrição do bebê que era imaginado pelos pais, em que destacavam o desejo de que fosse um bebê saudável.

Em relação às suas expectativas de mudanças no seu dia a dia após o nascimento do filho, elas eram, de maneira geral, otimistas. Esperavam uma melhora em sua vida, embora mencionassem preocupações com mudanças nos horários, nas suas responsabilidades e na necessidade de renunciar a algumas atividades, como de lazer. Também destacaram sua expectativa de mudanças na vida do casal, especialmente ligada à ideia de que ficariam em segundo plano a partir da chegada do filho, expressando assim um conflito entre a necessidade – e, em alguma medida, até um desejo – de abrir espaço para o bebê e seus sentimentos de exclusão. Esse sentimento, segundo Parke (1996), é universal e pode seguir bastante intenso após o nascimento do bebê.

Quanto às expectativas em relação ao papel paterno, ser um pai participativo, presente na vida do filho, foi a característica mais mencionada pelos pais. Eles esperavam interagir com seus filhos tanto através da realização de cuidados como em trocas afetivas. Muitas dessas expectativas estavam relacionadas às lembranças das experiências de serem paternados por seus próprios pais. Os dados mostraram que as recordações positivas, relacionadas à lembrança dos próprios pais como afetivos, emocionalmente próximos e envolvidos em atividades interativas apareceram associadas a um desejo de seguir o modelo paterno. Por outro lado, alguns deles descreveram seu relacionamento com seus pais como distante. Esses eram vistos como figuras ausentes em suas vidas, por passar pouco tempo com eles, estando mais voltados para o suporte material, ou como rígidos, fechados, com os quais tinham um relacionamento superficial. Já os pais do presente estudo se propunham a resgatar as falhas que percebiam em seus pais, esforçando-se para serem mais próximos e emocionalmente conectados aos seus filhos. Essa expectativa corresponde ao atual ideal de paternidade, de acordo com o qual se espera uma divisão de responsabilidades entre pai e mãe, uma relação afetiva de grande proximidade entre pai e filhos e a intensa participação paterna na rotina dos bebês e crianças (cf. Cabrera et al., 2000; Lamb, 1997; Parke, 1996). Os participantes desse estudo também demonstraram essa concepção do papel paterno através de suas atitudes já durante a gestação, pois relataram estar participando ativamente dessa experiência, tanto através do apoio emocional como do apoio material oferecido à gestante.

Os resultados a respeito da experiência da paternidade no segundo mês de vida do bebê mostraram que, ao vivenciarem a paternidade, a grande maioria dos recém-pais mencionou sentimentos positivos e grande satisfação. A satisfação desses pais com a paternidade foi associada ao desejo de ser pai, ao planejamento da gravidez e ao fato de gostar de crianças, o que lhes dava uma maior segurança no manejo do filho. Em geral, portanto, suas experiências como pais confirmaram as expectativas positivas construídas durante a gestação.

Alguns pais, contudo, expressaram ambivalência entre esses sentimentos positivos e alguns desagrados e dificuldades com a paternidade. As dificuldades experimentadas pelos pais foram relacionadas à necessidade de ter um período de adaptação ao bebê, para que pudessem conhecê-lo e aprender sobre ele. Como esse estudo foi realizado no primeiro trimestre de vida do bebê, acredita-se que os pais ainda estavam vivendo este período inicial de estranhamento, o qual estava sendo, pelo menos para alguns, mais difícil do que eles imaginavam. Outro aspecto negativo relatado pelos pais referia-se à percepção de uma diminuição dos momentos para o casal, uma vez que as necessidades do bebê estavam em primeiro plano, o que gerava sentimentos de ciúmes e de estar sendo deixado de lado. Percebe-se que o sentimento de exclusão, já presente durante a gestação, continuou presente após o nascimento do bebê, novamente confirmando as proposições de vários autores (Anderson, 1996; Parke, 1996).

De modo geral, os pais buscavam acompanhar o desenvolvimento do bebê, relatando mudanças e aquisições nos dois primeiros meses de vida do filho. Todos estavam empenhados em participar da rotina de seus filhos, seja através de trocas afetivas ou de participação nos cuidados básicos. No entanto, a participação deles nas tarefas de cuidado mais comumente se restringia a auxiliar a esposa, sendo que as suas atividades preferidas associavam-se ao comportamento de um pai mais tradicional, com destaque para atividades recreativas, como brincar e passear, ao invés de atividades de cuidados, apesar de que alguns deles eram responsáveis por essas atividades em caráter rotineiro. Assim, percebe-se que havia uma grande proximidade e afeto na relação pai-bebê, o que corresponde às expectativas que esses pais construíram durante a gestação. Contudo, sua participação nos cuidados do bebê não se mostrou tão efetiva quanto eles planejavam. Essa diferença entre o ideal cultural de paternidade – de acordo com o qual o pai deve dividir tarefas de cuidado e responsabilidades com a mãe – e a realidade do comportamento paterno tem sido destacada pela literatura. Segundo Daly (1996), existiria uma lacuna entre o que os pais pensam a respeito do seu papel e o que efetivamente fazem. Ou seja, embora os pais sejam capazes de funcionar de modo muito similar às mães, isso poucas vezes acontece de forma rotineira (Belsky et al., 1984). Assim, parece que as mudanças observadas atualmente quanto à paternidade relacionam-se por vezes mais às relações de afeto e à liberdade no relacionamento familiar, do que propriamente à divisão de tarefas de cuidado do bebê (Rezende & Alonso, 1995).

Ainda quanto à relação pai-bebê, alguns fatores apareceram como facilitadores da interação que se estabeleceu entre eles, destacando-se o apoio e aprovação da esposa, a experiência de uma boa relação com seu próprio pai, a identificação com o papel paterno e a reciprocidade e responsividade do bebê aos seus estímulos. Além disso, a insegurança de alguns pais em lidar com o bebê destacou-se como um importante fator que bloqueava o envolvimento do pai, o qual foi amenizado na medida em que eles sentiram a aprovação de suas esposas. Por outro lado, quando houve pouco incentivo e/ou desaprovação da mãe às atividades realizadas pelo pai, evidenciou-se uma retirada dos pais e uma relação pai-bebê mais distante e tradicional. Destaca-se que esses fatores são basicamente os mesmos que têm sido destacados pela literatura internacional (Anderson, 1996; Lamb et al., 1985; Parke, 1996; Rustia & Abott, 1993).

Juntos, os achados do presente estudo oferecem uma contribuição à literatura sobre a paternidade, ao descrever alguns aspectos do processo de transição à paternidade e ao apontar para fatores que podem facilitar ou dificultar o exercício do papel paterno. Ao investigar esse momento tão intenso e complexo da vida do pai, o estudo revelou expectativas, vivências e sentimentos pré e pós-nascimento do bebê, e permitiu um espaço para que o pai, muitas vezes pouco valorizado socialmente em seu papel, falasse sobre suas vivências de paternagem. Além disso, os resultados oferecem uma contribuição não apenas a respeito da díade pai-bebê, mas sobre aspectos da tríade pai-mãe-bebê, podendo embasar intervenções que focalizem as interações e o funcionamento familiar como um todo.

 

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Recebido em: 1/11/2008
Aceito em: 9/02/2009

 

 

Adriane Diehl Krob, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Psicóloga do Hospital Guarnição de Uruguaiana. Endereço para correspondência: Av. Polonia 1093, CEP 90230-110, Porto Alegre. Endereço eletrônico: krobpsi@terra.com.br
Cesar Augusto Piccinini, Doutor pela University College London (Inglaterra), Professor do Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Pesquisador do CNPq. Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rua Ramiro Barcelos, 2600, CEP 90035-003, Porto Alegre. Endereço eletrônico: piccinini@portoweb.com.br
Milena da Rosa Silva, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Psicóloga Clínica. Endereço para correspondência: Rua Coronel Corte Real, 764/202, CEP 90630-080, Porto Alegre. Endereço eletrônico: milenarsilva@hotmail.com
1 Artigo é baseado em parte da dissertação de mestrado da primeira autora realizada sob orientação do segundo autor, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1999.
2 Tendo em vista a ausência de um termo em português para designar o pai na gestação – como existe para a mãe o termo gestante – neste artigo a palavra pai será utilizada para se referir tanto ao ‘pai na gestação’ como ao ‘pai após o nascimento do filho’. Em inglês alguns autores utilizam o termo ‘expectant-father’ para se referir ao pai na gestação, o que poderia ser traduzido como futuro-pai. Contudo, acreditamos que esta nomenclatura não representa bem a condição de pai vivida já na gestação da esposa, tanto em nível psicológico quanto social.
3 Neste artigo, será utilizado sempre o substantivo ‘filho’ no masculino, independentemente do sexo do bebê/criança.
4 Na dissertação de mestrado na qual se baseou este artigo são apresentados inúmeros outros exemplos de relatos dos pais, os quais não foram incluídos no presente artigo por falta de espaço. Pela mesma razão aqui também se buscou editar algumas citações, excluindo partes que não eram fundamentais para o seu entendimento.