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Revista Brasileira de Orientação Profissional

On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.7 no.2 São Paulo Dec. 2006

 

ARTIGOS

 

 

SDS – questionário de busca auto-dirigida: precisão e validade1

 

SDS – self-directed search career explorer: precision and validity

 

SDS – cuestionario de búsqueda autodirigida: precisión y validez

 

 

Camélia Santina Murgo MansãoI * 2; Elisa Medici Pizão YoshidaII **

I Instituto Superior de Educação das Faculdades Integradas de Jaú, Jaú
II Pontifícia Universidade Católica, Campinas

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi o de avaliar algumas propriedades psicométricas do Questionário de Busca Auto-Dirigida (Self-Directed Search Career Explorer – SDS), de auto-relato, para a avaliação de interesses profissionais de estudantes de ensino médio. A amostra foi constituída por 1162 adolescentes estudantes de segundas e terceiras séries do ensino médio de três escolas, duas públicas e uma particular. Os resultados sugeriram boa consistência interna (a = 0,90) e bons índices de estabilidade temporal (teste-reteste de sete a dez dias = 0,82). A análise fatorial apontou seis fatores teoricamente compatíveis com os tipos profissionais de Holland: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional. Conclui-se que o SDS pode ajudar na identificação dos interesses de estudantes de ensino médio, em processos de Orientação Profissional, definindo-se o seu tipo profissional.

Palavras-chave: Interesses profissionais, Orientação profissional/vocacional, Avaliação psicológica, SDS.


ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate some psychometric properties of the Portuguese version of the SDS (Self-Directed Search Career Explorer), a self report questionnaire designed to evaluate professional interests in high school students. The sample was composed by 1162 teenagers, attending second and third grades of high school in three different schools: two state and one private institution. The results suggested a satisfactory internal consistence (a =0,90) to exist as well as good temporal stability (testretest from seven to ten days = 0,82). The factorial analyses pointed to six factors theoretically compatible to Holland’s six professional types: Realistic, Investigative, Artistic, Social, Enterprising and Conventional. It was concluded that the SDS may help to identify the interests of high school students in process of Professional Guidance, by helping them to define their professional type.

Keywords: Professional interests, Vocational guidance, Psychological evaluation, SDS.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue el de evaluar algunas propiedades psicométricas del Cuestionario de Búsqueda Autodirigida (Self-Directed Search Career Explorer – SDS) para la evaluación de intereses profesionales de estudiantes de enseñanza media. Constituyeron la muestra 1162 adolescentes del segundo y tercer año de la enseñaza media de tres escuelas, dos públicas y una particular. Los resultados sugirieron buena consistencia interna (a = 0,90) y buenos índices de estabilidad temporal (prueba y reprueba de siete a diez días = 0,82). El análisis factorial apuntó seis factores teóricamente compatibles con los tipos profesionales de Holland: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Emprendedor y Convencional. Se concluye que el SDS puede ayudar en la identificación de los intereses de estudiantes de enseñanza media, en procesos de Orientación Profesional, definiendo su tipo profesional.

Palabras clave: Intereses profesionales, Orientación profesional/vocacional, Evaluación psicológica, SDS.


 

 

Grande parte dos estudos sobre interesses profissionais na Psicologia foi feita por psicólogos americanos que possuíam sólida orientação experimental. Assim sendo, as teorias sobre este tema surgiram a partir da interpretação de dados empiricamente coletados dos quais resultaram estudos que permitiram a realização das primeiras classificações de áreas de interesses, relativamente independentes e homogêneas, com o auxílio de métodos estatísticos (Super, 1963).

Como resultado, três listas de tipos de interesses foram elaboradas conforme descrição de Super (1963): Grupos Ocupacionais de Strong – ciências biológicas, ciências físicas, técnica, bem-estar social, planejamento de negócios, agente comercial, literatura e direito; Campos de Interesses de Kuder – científico, mecânico, esporte, serviço social, contadoria, computação, persuasão, literário, artístico e musical; Fatores de Interesse de Guilford – científico, mecânico, esporte, bem-estar social, contadoria, negócios, expressão estética, crítica estética. Em continuidade às contribuições iniciais dos autores mencionados, encontram-se as idéias de Super (1963), das quais surgiram quatro categorias de interesses: a) Interesses Expressos – definidos pelas declarações que uma pessoa faz sobre seus interesses. Essas declarações são geralmente tomadas como expressão de valor. Sendo assim, acredita-se que uma pessoa que diz querer tornar-se engenheiro tem algum interesse pela engenharia; b) Interesses Inventariados – são também expressões de gostos ou antipatias de um indivíduo que não se restringem, porém, a simples declarações singulares. Estas são tratadas estatisticamente e só são consideradas as que apresentam resultados significantes; c) Interesses Manifestos – definidos em função das atividades reais de uma pessoa. Por exemplo, se um indivíduo diz que gosta de praticar esportes, mas sua maneira de praticar é muito limitada, conclui-se que ele demonstrou interesse na prática, mas seu interesse manifesto não está na mesma área. Já um sujeito que conserta carros como passatempo, porém com freqüência, estará manifestando interesses mecânicos e seu interesse manifesto está nesta área; d) Interesses Testados – definidos como sendo aquilo que uma pessoa aprende, dentro do princípio de que só se aprende aquilo pelo que se tem interesse.

Dentre os teóricos que enfatizam os interesses profissionais destaca-se ainda Holland (1975), que propôs um instrumento de avaliação intitulado Self-Directed Search Career Explorer (SDS), com base em um referencial teórico próprio. Este se encontra estruturado segundo uma Tipologia Profissional composta por seis tipos de personalidade e seis modelos ambientais que possuem um construto e uma descrição comum e podem ser classificados com terminologias iguais. Tem-se, portanto, os tipos: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor, Convencional. E, igualmente, os Modelos Ambientais: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional.

Para Holland (1975) tipo é um modelo que serve para medir a pessoa real. Cada tipo é uma interação entre uma herança determinada e uma variedade de fatores culturais e pessoais que incluem as outras pessoas semelhantes, pais, adultos significativos, cultura e ambiente físico. As heranças biológica e social, unidas à história pessoal, ensejam uma série de capacidades, habilidades perceptivas e pontos de vista como: metas, valores, autoconceito e condutas de enfrentamento (estratégias específicas para resolver os problemas cotidianos). Um tipo é, portanto, uma completa síntese de características pessoais.

O tipo Realista refere-se ao masculino, fisicamente forte, pouco sociável. Tem boa coordenação motora e rapidez. Prefere os problemas concretos aos abstratos. O tipo Investigativo é hábil em lidar com a manipulação de palavras e idéias. É analítico, introvertido e crítico. Possui valores pouco convencionais e uma necessidade permanente de compreender as coisas. O tipo Social tende a ser responsável, sensível, humanista. Tem muita necessidade de interação social e costuma confiar mais nos sentimentos do que no racional para a solução de problemas. Possui capacidade verbal e interpessoal. O tipo Convencional mostra-se eficiente em tarefas bem organizadas, identifica-se com o poder, valorizando os bens materiais e a posição social. Está atento às metas, conceitos e valores aceitos pela sociedade. Demonstra-se inflexível, rígido e carente de criatividade. O tipo Empreendedor é caracterizado como aventureiro, dominante, entusiasta, impulsivo e extrovertido. Possui boa capacidade verbal para vender, dominar e persuadir. Gosta de assuntos ligados à política e economia, mostrando preocupação com o poder, a posição social e a liderança. O tipo Artístico costuma enfrentar as situações do cotidiano utilizando-se dos sentimentos, emoções, intuições e imaginação.

Holland (1985) apresentou várias evidências científicas que sustentam a Tipologia Profissional e os Modelos Ambientais. Refere-se, por exemplo, a pesquisas realizadas em 1962 com estudantes de escolas de ensino médio, em que utilizou inventários de interesses como o VPI (Inventário Vocacional de Interesses) e o 16-PF, tendo encontrado resultados positivos no que diz respeito às relações entre características de personalidade apontadas nos inventários e os tipos por ele descritos. Em 1963, um novo estudo, com uma amostra de 592 estudantes, buscou confirmar a existência de relações entre os tipos e as características de personalidade apontadas por seis escalas do Strong Vocational Interest Blank, tendo encontrado resultados semelhantes aos do estudo anterior.

Num terceiro estudo, Holland e Nichols (1964, citado por Holland, 1985) verificaram a intenção de escolha profissional em estudantes de ensino médio e após um período de curso no ensino superior. As características tipológicas encontradas no primeiro momento são sustentadas, na maior parte da amostra, na segunda aplicação. Em 1968, Holland realizou outro estudo com uma grande amostra de estudantes universitários (1576 homens e 1571 mulheres). Através do VPI os participantes foram classificados de acordo com os tipos e subtipos conforme classificação proposta pelo próprio VPI. Esse amplo estudo apontou que os resultados dos sujeitos do sexo feminino foram mais positivos em relação aos dos sujeitos do sexo masculino, no que diz respeito às correlações com tipos e variáveis medidas como competências, metas de vida e características de personalidade.

Holland (1975), com base em pesquisas anteriores, elaborou o Dictionary of Holland Occupational Codes, no qual são descritas, por meio de abundantes informações e evidências, as características e particularidades de cada um dos seis tipos de Holland. Esse material é utilizado largamente no contexto internacional, mas no Brasil ainda é muito pouco conhecido e pesquisado, como indicou a revisão da literatura realizada por Mansão (2002), relativa ao período de 1996 e 2000, e que teve como objetivo, conhecer os instrumentos psicológicos utilizados em Orientação Profissional no país.

Utilizando as palavras-chave: orientação profissional, escalas e testes, a autora consultou as bases de dados Scielo, Index-Psi, Biblioteca de Teses e Dissertações da USP e Unicamp. Dos 51 artigos encontrados, 13 faziam referência à análise de características psicométricas de instrumentos utilizados em orientação profissional, 11 à utilização de instrumentos em processos de orientação profissional e 27 descreviam práticas em orientação profissional. Além das bases de dados, foram consultadas as editoras: Casa do Psicólogo, Vetor e Cepa, tendo sido encontrados um total de oito instrumentos comercializados por elas, cujo objetivo é o de auxiliar na escolha da profissão (Mansão, 2002).

A autora recorreu ainda à análise de trabalhos apresentados nos Congressos da ABOP (Associação Brasileira de Orientadores Profissionais), SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia), ABRAPEE (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional) e ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa em Psicologia), tendo encontrado apenas 138 trabalhos que faziam referência a instrumentos de avaliação psicológica. Destes, 103 (74,6%) foram encontrados nos Anais da ABOP, 18 (13%) nos da ABRAPEE e 17 (12,4%) nos Anais da SBP. Quanto aos Anais da ANPEPP, não registravam nenhum trabalho com a temática da Orientação Profissional (Mansão, 2002).

Do total de 138 produções sobre Orientação Profissional, 80 (57,9%) referiam-se a trabalho com alunos; 14 (10,14%) abordavam a formação do orientador profissional; 13 (9,42%) discutiam técnicas de Orientação Profissional; dez (7,25%) eram resenhas, seis (4,34%) descreviam a Orientação Profissional como um trabalho de apoio aos pais de adolescentes pré-vestibulandos; cinco (3,62%) descreviam trabalhos de Orientação Profissional em Escolas Públicas; o mesmo número de trabalhos (5 - 3,62%) tratava do uso de testes psicológicos como instrumentos da Orientação Profissional; quatro (2,9%) discorriam acerca da re-orientação de carreira junto a adultos, como uma nova perspectiva do trabalho de Orientação Profissional, e apenas um (0,72%) trabalho falava de intervenção junto a professores (Mansão, 2002).

Em relação aos testes psicológicos, foram encontrados 27 instrumentos no levantamento realizado nas bases de dados, editoras e anais de congressos (Mansão, 2002). Na Tabela 1, eles aparecem divididos em categorias elaboradas com base no construto que o teste pretende medir, conforme especificações encontradas nos respectivos manuais ou artigos consultados. Como se pode observar, embora empregados em processos de orientação profissional, nem todos são testes específicos para esse fim, sendo que alguns visam medir aspectos mais amplos da personalidade ou sintomas psicopatológicos. Ademais, apenas quatro instrumentos de avaliação eram alvo de pesquisas para aferir suas qualidades psicométricas: IDDP – Inventário de levantamento das dificuldades de decisão profissional (Primi e colaboraores, 2000), BBT – Teste de fotos de profissões (Achtnich, 1991), EMEP – Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (Neiva, 1998) e BPR 5 – Bateria de Provas de Raciocínio (Primi & Almeida, 2000 a).

Tabela 1

Instrumentos identificados em revisão da literatura brasileira sobre Orientação Profissional, no período de 1996-2000*

 

 

* Mansão (2002)

Frente à escassez de pesquisas concernentes aos testes e instrumentos de avaliação específicos para processos de Orientação Profissional, e, considerando que se tratam de auxiliares efetivos no diagnóstico do quadro vocacional, considerou-se relevante contribuir para a maior compreensão das características psicométricas do SDS – Self-Directed Search Career Explorer – SDS (Holland, 1963), cuja versão em português recebeu a denominação de Questionário de Busca Auto-Dirigida (Primi e colaboradores, 2000).

Questionário de Busca Auto-Dirigida

O SDS - Questionário de Busca Auto-Dirigida - é um inventário de interesses que se baseia no modelo hexagonal de John L. Holland (Holland, 1975). O instrumento vem sofrendo repetidas revisões desde sua primeira publicação. Para além da forma regular (Forma R), existem três outras versões: a Forma E - Easy - aplicável em indivíduos com pouca habilidade de leitura, a Forma CP - Career Planning - utilizada com adultos em processo de reorientação de carreira e a Forma CE - Career Explorer (Holland, Fritzshe & Powell, 1994). Essa forma, que é objeto da presente pesquisa, é destinada a alunos que estão cursando o último ano do ensino fundamental ou as séries do ensino médio.

Estudos realizados com a Forma CE, por Holland (1985), apontaram resultados satisfatórios quanto à validade desse instrumento para diferentes populações, originárias de países tais como: Nova Zelândia, Canadá, Nigéria, Gana e Austrália. Nas últimas décadas, continua expressiva a produção de trabalhos no âmbito internacional referentes à tipologia de Holland e pesquisas realizadas com o SDS. Por exemplo, Gottfredson, Jones e Holland (1993) estudaram as relações entre as dimensões dos tipos propostos por Holland e os cinco grandes fatores de personalidade em oficiais da marinha. Foram encontradas correlações positivas entre o tipo Social e a característica extroversão, os tipos Intelectual e Artístico com característica de franqueza, o tipo Convencional e a característica de racionalidade. Não foram observadas outras correlações entre variáveis vocacionais e de personalidade.

Arnold (2004) questionou o modelo de Holland, fazendo referência ao problema da congruência, isto é, a existência de relação entre tipo e o modelo ambiental. Para ele, é provável que os seis tipos não sejam suficientes para representar adequadamente a estrutura vocacional de interesses e de personalidade, podendo não ser suficientes para contemplar a totalidade desses construtos. Acredita também que o modelo de Holland não consiga dimensionar com exatidão os efeitos da relação entre os tipos e os modelos ambientais e que o Código de Holland ou Código das Três Letras (obtido através do Self-Directed Search) não seja adequado o suficiente para a verificação do tipo e do modelo ambiental correspondente. Arnold (2004) questiona ainda se as inovações culturais e as constantes mudanças nas demandas de ocupações exigiriam uma revisão permanente na descrição dos tipos e modelos ambientais. Apesar das críticas, conclui que o “problema da congruência” não invalida a Tipologia de Holland que continua sendo uma das mais importantes bases para novos achados teóricos e novas práticas em Orientação Profissional.

No Brasil, Primi e colaboradores (2001) correlacionaram o SDS com o IDDP - Inventário de Dificuldades de Decisão Profissional - e o IFP - Inventário Fatorial de Personalidade, baseados na expectativa de que as escalas indicando dificuldades de escolha se correlacionariam negativamente com os índices de diferenciação. Isto é, que quanto maior a dificuldade relatada, menor seria a diferenciação dos perfis de personalidade e interesse. Os resultados demonstraram uma única associação significativa entre a imaturidade avaliada pelo IDDP e a indiferenciação de perfis de interesses do SDS.

Quanto às subescalas do IDDP e os tipos do modelo de Holland, obteve-se associação entre a subescala que avalia o conflito resultante da preferência por várias opções, com todos os tipos de Holland, o que foi interpretado como uma evidência de validade, uma vez que escores mais altos nessa subescala estariam associados a interesses por todos os tipos do SDS. Ainda de acordo com os resultados, alunos que relataram dificuldades econômicas apresentaram tipos Realista, Social, Empreendedor e Convencional. E os com maior motivação econômica também tenderam a escores mais altos no tipo Empreendedor. Por sua vez, a tendência à insegurança e à percepção de falta de informação associou-se de modo significativo ao tipo Convencional (Primi e colaboradores, 2001).

Apesar dos autores não esclarecerem o sentido de expressões tais como “dificuldade econômica”, “maior motivação econômica”, esta primeira pesquisa brasileira com o SDS trouxe alguns dados relevantes quanto às qualidades psicométricas daquele instrumento, que foram posteriormente ampliadas por Primi, Moggi e Casellato (2004), em pesquisa que teve como objetivo correlacionar o SDS com o IFP.

De acordo com os resultados (Primi e colaboradores, 2004), o tipo Investigador aparece mais associado à valorização da dimensão intelectual (IFP); da mesma maneira, o tipo Social, relacionase ao aspecto da cooperação social, da preocupação em não entrar em desacordo com os outros. No tipo Artístico a associação predominante foi com o fator deferência, o que pode ser entendido como tendência à admiração de pessoas que tiveram grandes feitos. Isto é, pode refletir uma necessidade de expressão que leva à admiração de pessoas grandiosas. O tipo Empreendedor apareceu ligado à liderança e atitudes executivas e competitivas, enquanto o tipo Convencional, à sistematicidade. Os coeficientes de consistência interna (a) para os tipos do modelo RIASEC variaram de 0,86 a 0,93, o que indica uma precisão muito satisfatória, apesar da pequena amostra do estudo (81 participantes).

Com base nestes dois primeiros estudos brasileiros com o SDS julgou-se que se tratava de instrumento de grande valia na orientação de crianças, adolescentes e adultos, tanto na tomada de decisão e clarificação da escolha, como no desenvolvimento de carreira, uma vez que poderia ajudá-los a encontrar as carreiras profissionais que mais se aproximam dos seus interesses. Por outro lado, trata-se de um instrumento de fácil aplicação e entendimento, já tendo sido disponibilizado no Canadá na versão online, o que favorece que um número maior de adolescentes tenham acesso a esse recurso.

No contexto internacional, já é largamente utilizado, porém era necessária a avaliação empírica de suas propriedades psicométricas no ambiente sóciocultural brasileiro. Assim, este estudo teve por finalidade contribuir para o processo de validação da versão em português do Self-Directed Search Career Explorer – SDS, a partir da versão adaptada por Primi e colaboradores (2000), que realizaram a tradução do instrumento para o português.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por estudantes da segunda e terceira séries do Ensino Médio de três escolas, duas públicas e uma particular, localizadas em cidade do interior de São Paulo. Foi constituída por 1162 estudantes, dos quais 659 eram de escolas públicas, 502 de escola particular e um participante não indicou o tipo de escola.

Para a definição do tamanho mínimo da amostra foi utilizado o critério da “razão itens/sujeitos”, segundo o qual a amostra deve ter entre cinco e dez sujeitos por item do instrumento. Considerando que o SDS tem quatro dimensões, sendo 66 itens para as dimensões Atividades e Competências, 72 itens para Carreiras e 16 para a dimensão Habilidades, num total de 220 itens, seria necessário um mínimo de 1100 participantes (cerca de 5 por item). Além disto, este critério satisfaz o requisito exigido para a realização de análises fatoriais, que é de se contar ao menos com 200 sujeitos (Pasquali, 1999; Pasquali, 2001).

Instrumento

O Self-Directed Search Carrer Explorer – SDS - Forma CE - (Holland, 1975) cuja versão brasileira é denominada Questionário de Busca Auto- Dirigida (Primi e colaboradores, 2000), consiste num instrumento para verificação de interesses profissionais estruturado em quatro seções: atividades, competências, carreiras e habilidades. Cada seção inclui ítens representativos dos tipos propostos por Holland que são: Realista (R), Investigador (I), Artístico (A), Social (S), Empreendedor (E) e Convencional (C). As respostas para as seções atividades, competências e carreiras são dicotômicas – S (sim) ou N (não). Essas seções são compostas por 66 itens cada. As respostas da seção Habilidades são de tipo Lickert de sete pontos, variando de 1 (baixa habilidade) até 7 (alta habilidade) sendo essa seção composta por 12 itens. À medida que o sujeito responde às seções do instrumento define, através dos resultados obtidos, as duas primeiras áreas com um maior escore de pontos, construindo um código (Código de Holland) que representa seu perfil de interesses. A partir deste código, pode procurar por profissões em dicionários ocupacionais, nos quais elas aparecem classificadas segundo o modelo RIASEC (acrônimo que representa os seis tipos). Por exemplo: a profissão Psicólogo corresponderá ao código SI que representa os tipos Social e Investigador; Engenheiro Industrial – código EI que representa os tipos Empreendedor e Investigador.

Procedimento

Foi inicialmente solicitada permissão à Editora PAR para a realização da pesquisa e reprodução do SDS. Após contato com as escolas e posterior autorização da direção, a primeira autora fez o convite aos participantes. No primeiro contato foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e solicitado que os estudantes consultassem seus pais quanto à participação e levassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que assinassem. Foi solicitada também a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo adolescente. A aplicação dos questionários foi coletiva, em grupos de aproximadamente 30 pessoas, nas próprias salas de aula. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética para Pesquisas com Seres Humanos da PUC-Campinas.

Foram retestados 122 participantes após uma semana, sendo 61 pertencentes ao sistema de ensino público e 61 ao sistema particular de ensino. Quanto ao gênero 56 eram do sexo masculino e 66 do feminino. Quanto à escolaridade, 58 eram estudantes da segunda série do Ensino Médio e 64 da terceira série. A faixa etária ficou entre 16 e 17 anos.

 

RESULTADOS

Precisão de Teste-Reteste

Os coeficientes de Pearson estimados para a precisão de teste-reteste, em cada um dos tipos do modelo RIASEC, demonstraram que todos eles detinham muito boa estabilidade temporal: Artístico (0,91), Investigativo (0,87), Social (0,86), Realista (0,85), Empreendedor (0,83) e Convencional (0,82).

Consistência Interna

A consistência interna do SDS foi estudada pela estimativa da homogeneidade dositens representativos dos construtos de cada seção do modelo RIASEC. Os coeficientes alfa de Cronbach (a) indicaram bons índices com variação entre 0,87 e 0,90 (Tabela 2).

Tabela 2

Consistência interna (a de Cronbach) de cada seção do SDS segundo cada tipo profissional do modelo RIASEC de Holland

 

 

Os coeficientes a foram, em sua maioria, bastante altos, variando entre 0,78 e 0,86 na seção Atividades, entre 0,79 e 0,85 na seção Competências e entre 0,80 e 0,85 na seção Carreiras. Na seção Habilidades, os índices foram 0,71 no tipo Empreendedor; 0,75 no tipo Convencional e 0,76 nos tipos Artístico e Social. Os tipos Investigador (0,32) e Realista (0,60) foram os que apresentaram menores índices. É possível que esses coeficientes menos expressivos se devam ao reduzido número de itens – dois para cada tipo e não 30 como nos demais – o que pode diminuir a probabilidade do sujeito relacionar um dos dois itens com a profissão que deseja escolher. Ademais, eles parecem não contemplar a diversidade de habilidades que podem ser necessárias numa dada ocupação.

Pode-se cogitar, ainda, que o conteúdo dos itens teria se constituído em variável responsável pelos baixos coeficientes encontrados. No tipo Realista, o conteúdo refere-se a conserto de coisas, uso de ferramentas e trabalho com as mãos, que são descrições não relacionadas diretamente a este tipo, representado pelas ocupações da área das ciências exatas. Além disso, a expressão trabalho com as mãos pode remeter à idéia de uma ocupação mais ligada a trabalhos manuais e artísticos, o que no Brasil, culturalmente, são atividades pouco valorizadas porque são ligadas a subempregos, ou profissões com menor status social como, por exemplo, pintor, pedreiro e carpinteiro. Observa-se o mesmo para o tipo Investigativo, no qual os conteúdos dos itens referem-se a trabalhos com números e fórmulas, característicos das ocupações que envolvem cálculos, tais como as de ciências exatas e não das ciências biológicas, principais representantes deste tipo.

Outra estimativa da consistência interna do SDS foi realizada considerando-se cada tipo para a amostra de acordo com o sistema de ensino (público e particular) e segundo o sexo. Quanto ao sistema de ensino, os coeficientes alfa variaram entre 0,88 e 0,90 para todos os tipos, tanto no grupo dos estudantes de escolas públicas quanto nos da escola particular. Quanto ao sexo, os coeficientes variaram entre 0,82 e 0,90 tanto no sexo feminino, quanto no masculino. Essa constatação se aplica a todos os tipos do SDS (Tabela 3).

Tabela 3

Coeficiente Alfa (a) para cada tipo profissional do SDS segundo, o sistema de ensino, particular (SE Pa) ou público (SE P), o sexo (F, M) e amostra Total

 

 

Análise Fatorial

A Análise Fatorial, por meio do método do componente principal, objetivou definir a dimensionalidade do instrumento, definido os fatores mais representativos do construto medido. Para a tomada de decisão quanto ao número de fatores a serem extraídos foram considerados os seguintes critérios: fatores com eigenvalue > 1,0 e cargas fatoriais dos itens superiores a 0,30 (Pasquali, 1999). Foram encontrados seis fatores que atendiam a estes critérios e que explicavam 94,42 % da variância, percentual excelente em se tratando de instrumento de auto-relato. Ou seja, a solução de seis fatores, indicou ser bastante representativa do construto interesses profissionais. O estudo das cargas fatoriais dos itens baseou-se nos resultados da rotação Promax, realizada sobre seis fatores (Tabela 4).

Tabela 4

Auto-valores e auto-valores acumulados dos seis primeiros do SDS resultantes de rotação Promax (N=1162)

 

 

Em todos os fatores, recorreu-se à análise dos enunciados dos itens, dos tipos que representam e das seções às quais pertencem, para a definição da dimensão do construto interesse melhor representada. Esta análise indicou que o Fator 1, encontra-se predominantemente associado ao tipo Convencional; o Fator 2 ao tipo Artístico; o Fator 3 ao tipo Realista; o Fator 4 ao tipo Investigativo; o Fator 5 ao tipo Social e o Fator 6 ao tipo Empreendedor. A carga fatorial de cada item, o tipo que representam e a seção à qual foram relacionados são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5

Porcentagens de respostas obtidas nos itens avaliados pelo total de ex-usuários (N=104), segundo o conceito atribuídos aos resultados obtidos com o Serviço de Orientação Profissional

 

 

*Atividades (ATIV), Competências (COMP), Carreiras (CARR).

A análise fatorial resultou, portanto, em seis fatores bem definidos, o que sugere uma correspondência com as seis Tipologias profissionais conforme proposto por Holland na versão original do SDS: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional.

Nos fatores 1, 3, 4, 5 e 6 todos os itens que tiveram cargas superiores a 0,30 devem ser mantidos nos respectivos fatores, porque são congruentes com as dimensões do construto interesse por eles representadas (Tabela 5). No entanto, no fator 2 (Artístico), a análise semântica aponta que os itens 8 e 11, descrevem funções mais ligadas ao perfil Empreendedor (vender e gerenciar), e o item 3 ao perfil Intelectual (pesquisar, investigar). Neste sentido, devem ser eliminados na versão em português que fica, portanto, com 203 itens para caracterizar seis tipos nas três primeiras seções - Atividades, Competências e Carreiras.

A quarta seção do SDS, denominada Habilidades, foi analisada isoladamente. Essa separação fez-se necessária em função da diferença no formato de habilidades é composta por 12 habilidades, sendo duas para descrever cada um dos seguintes tipos: Habilidades Mecânicas e Manuais (tipo R), Científicas e Matemática (tipo I), Artística e Musical (tipo A), Ensino e Entendimento dos Outros (tipo S), Vendas e Gerenciamento (tipo E), Escriturário e Administrativa (tipo C).

Estimou-se as correlações entre os tipos e as habilidades para verificação de sua possível correspondência (Tabela 6).

Tabela 6

Coeficientes de Correlação de Pearson (r) entre as habilidades e os tipos profissionais1 do SDS

 

 

1 Realista ( R ), Investigativo ( I ), Artístico ( A ), Social ( S ), Empreendedor ( E ), Convencional ( C ) . *p<0.05; **p<0,01

Os resultados das correlações encontradas vêm de encontro à expectativa de que cada um dos tipos estaria representado na quarta seção por duas habilidades. Neste sentido, por exemplo, verifica-se que o tipo realista encontra-se mais fortemente associado às habilidades Mecânica (0,78) e Manuais (0,60) e fracamente associado à habilidade Artística (0,06) e Musical (0,16), teoricamente esperadas para se associarem ao tipo Artístico, com o qual efetivamente encontram-se mais fortemente associadas. Este raciocínio se aplica a todos os tipos, como se observa na Tabela 6, para os quais duas habilidades mostram-se fortemente associadas. Neste sentido, a seção Habilidades da versão em português do SDS fica representada por 12 itens, sendo dois itens para representar cada tipo: Realista - habilidades Mecânica e Manuais, Investigativo – habilidades Científica e Matemática, Artístico - Artística e Musical, Social - habilidades de Ensino e Entendimento dos Outros, Empreendedor – Vendas e Gerenciamento, Convencional - Escrituraria e Administrativa.

 

DISCUSSÃO

Os resultados permitem afirmar que a versão em português do SDS (Forma CE) detém qualidades psicométricas satisfatórias para estudantes de Ensino Médio brasileiro, sejam eles de escolas públicas ou privadas e independentemente do sexo. Estas se traduzem em bons indicadores de precisão, assim como de validade do instrumento, reproduzindo, em grande medida, os achados de pesquisas realizadas em outros contextos sócio-culturais, como por exemplo, Nova Zelândia, Canadá, Nigéria e Gana, Austrália, entre outros, conforme mencionado por Holland (1985).

Em relação à precisão, o estudo de teste-reteste apontou muito boa estabilidade temporal para os seis tipos profissionais avaliados pelo instrumento. Contribuiu provavelmente para este resultado, o fato das respostas aos itens serem dicotômicas, o que torna a tarefa relativamente simples, pois o sujeito deve apenas concordar ou não com a afirmação do item, e o intervalo de tempo, relativamente, pequeno entre as duas avaliações (uma semana). Em novas pesquisas intervalos de tempo mais extensos devem ser investigados.

Quanto à medida de consistência interna, os resultados apontaram para a homogeneidade dos itens relativos a cada um dos tipos do modelo RIASEC, seja quando se considerou o tipo de escola (particular ou pública), seja quando a amostra foi dividida segundo o sexo. Além disto, os índices da presente pesquisa ficaram muito próximos dos reportados por Primi e colaboradores (2004), reforçando os indícios de precisão do instrumento.

A análise fatorial forneceu dados da dimensionalidade do construto, reproduzindo os seis componentes preconizados pelo modelo teórico. Efetivamente, os seis fatores extraídos explicaram 94,42% da variância e corroboraram o pressuposto de que o construto interesse profissional é representado por seis tipos conforme a versão original do instrumento: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional. Além disto, cada um deles contém itens representativos das quatro seções do instrumento (igualmente propostas na versão original) que são Atividades, Competências, Carreiras e Habilidades.

O tipo Convencional ficou claramente representado no primeiro fator, cujos itens descrevem sujeitos metódicos, organizados e com habilidades para atividades comerciais. O segundo fator representou o tipo Artístico, comum entre sujeitos inovadores e criativos. O terceiro, sujeitos práticos, conservadores e dotados de habilidades mecânicas, caracterizaram-se como os do tipo Realista. As características relacionadas a sujeitos analíticos, curiosos por explorar e descobrir novos inventos, foram observadas no fator 4, representante do tipo Investigativo. O fator 5 mostrou a descrição do tipo Social, dos sujeitos interessados em ajudar, aconselhar, trabalhar para o bem estar dos outros. Por fim, o sexto fator está mais associado ao tipo Empreendedor, no qual se destacam as habilidades persuasivas e de gerenciamento.

A análise das correlações entre as habilidades descritas na quarta seção e os seis tipos mostrou a existência de associação significante entre as doze habilidades e os tipos, sendo cada duas correspondentes a um tipo. Isto é, Habilidades Mecânicas e Manuais para tipo Realista, Científica e Matemática para tipo Investigativo, Artística e Musical para tipo Artístico, Ensino e Entendimento dos Outros para Social, Vendas e Gerenciamento para Empreendedor e, por último, Habilidades Escriturárias e Administrativas para o tipo Convencional.

Pode-se dizer, portanto, que o SDS é um instrumento capaz de avaliar interesses profissionais por meio dos itens distribuídos nas quatro seções que representam aspectos importantes a serem considerados em processos de tomada de decisão de carreira. Além disto, o instrumento deve ser mantido no formato original no que diz respeito às quatro seções, apenas com a eliminação dos três itens do fator 2 mencionados, visando o ajuste do conteúdo semântico daquele fator.

E, finalmente, o estudo das características psicométricas do SDS comprovou sua capacidade de avaliar interesses profissionais de forma simples e rápida, demonstrando que sua utilização em situações individuais ou coletivas em processos de Orientação Profissional, nos contextos clínico ou escolar, permite o delineamento de um perfil tipológico, indicando uma possível inclinação para a escolha de uma ocupação.

Vale salientar ainda que o SDS não objetiva identificar interesses apenas para profissões de nível superior, sendo o modelo RIASEC aplicável a inúmeras ocupações, o que o torna especialmente útil à realidade brasileira em que carreiras universitárias continuam sendo privilégio de muito poucos. Uma outra vantagem é a facilidade de aplicação do SDS, que dispõe inclusive de versão em inglês, on-line, para ser respondida pelo próprio adolescente.

Embora essa característica do SDS desvele uma possibilidade de maior acesso e ajuda para a escolha da profissão por adolescentes que não possuem oportunidade de serem beneficiados com auxílio profissional, há que se cuidar para que a Orientação Profissional não seja feita com base na aplicação de um único instrumento, havendo necessidade de se considerar todas as variáveis envolvidas no processo o que, certamente, não se restringe à identificação dos interesses profissionais. Faz-se adequada a compreensão da pessoa como um todo, incluindose aí, suas habilidades cognitivas, sua maturidade emocional, motivações inconscientes, condição sócio-cultural, suporte afetivo-emocional, entre outros aspectos.

 

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Recebido em: 24/07/2006
1ª Revisão: 14/11/2006
Aceite Final: 21/11/2006

 

 

1 Apoio CAPES.
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Sobre os autores
* Camélia Santina Murgo Mansão é Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade de Campinas, professora do Instituto Superior de Educação das Faculdades Integradas de Jaú e orientadora profissional.
** Elisa Medici Pizão Yoshida é Doutora em Ciências (Psicologia) pela Universidade de São Paulo, Pós-Doutorado na Universidade de Montréal, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e psicoterapeuta.