SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 issue1Virtual learning environments in physical education: a review of the use of ExergamesThe dynamics of the interlocutions and the emergency of the meanings according to Vygotsky: analysis of an educational process in the infantile education author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2010

 

Estudo de Caso

 

Escola e tecnologia: a capacitação docente como referencial para a mudança

 

School and technology: the teaching qualification as process of change

 

 

Josias Ricardo Hack; Fernanda Negri

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


Resumo

O referencial teórico do artigo parte da vertente educacional, com uma análise qualitativa do objeto e propõe uma reflexão sobre o uso de mídias nas escolas públicas de ensino fundamental e médio. A princípio, faz-se uma breve descrição do termo tecnologia de informação e comunicação, bem como se aborda algumas mudanças que estão ocorrendo no processo comunicacional docente devido à introdução de mídias no processo de ensino e aprendizagem. Na sequência, são apresentados os resultados obtidos em uma pesquisa realizada com os professores das escolas públicas dos municípios catarinenses de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Como resultado da análise feita, propõe-se uma capacitação que leva em consideração a importância de se adaptar as estratégias às peculiaridades humanas, estruturais e culturais das cidades objeto do estudo. O intuito da capacitação é proporcionar aos professores um espaço para, com qualidade: a) refletir de forma crítica sobre o uso de mídias em sala de aula; b) desenvolver habilidades instrumentais para a otimização do uso das TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação. Por fim, nas considerações finais são resumidos os principais resultados da pesquisa. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 089-099.

Palavras-chave: mídia; sala de aula; tecnologias de informação e comunicação; prática docente; refração à tecnologia.


Abstract

The text analyzes aspects of teacher communication with the use of media in public schools. The paper presents the results of a research with teachers of public schools of the Brazilian cities of Joaçaba, Herval d'Oeste and Luzerna. It describes a possible teacher training at takes into consideration the importance of adapting the strategies to the human, structural and cultural peculiarities. The intention of the training is to provide the teacher with the possibility of: a) reflecting about of the use of media in the school; b) developing instrumental abilities for the use of the Information and Communication Technologies. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 089-099.

Keywords: media; school; information and communication technologies; teaching practice.


 

 

Introdução

Várias obras tratam das mudanças ocorridas com a introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). As abordagens vão desde os deslumbrados com a tecnologia, que analisam entusiasticamente as possibilidades advindas com os meios comunicacionais, até aqueles que rejeitam completamente a utilização dos aparatos tecnológicos digitais. Para Negroponte (1995), as mudanças ocorridas devido à digitalização do cotidiano invadem âmbitos como o mundo da leitura. Ele exemplifica que no livro impresso as informações sucedem-se numa ordem determinada não somente pelo autor, mas também pela configuração física e sequencial do próprio livro. Mesmo que uma pessoa leia o livro de forma aleatória, ele se encontra confinado às três dimensões físicas que o delimitam. O autor continua seu exemplo e destaca que no mundo digital isso não acontece, pois o espaço da informação não se limita a três dimensões. A expressão de uma linha de pensamento pode incluir uma rede multidimensional de indicadores, onde uma coletânea de mensagens elásticas pode ser esticada ou encolhida de acordo com as ações do leitor, que inclusive pode abrir e analisar as ideias com múltiplos níveis de detalhamento.

Cairncross (2000: 36) também tem uma visão otimista sobre as profundas alterações que se processam e se processarão no mundo devido à mudança comunicacional contemporânea: "a revolução nas comunicações irá transformar o modo como trabalhamos, fazemos compras e somos governados; a assistência médica e a educação que recebemos, nosso lazer e nossa vida social". Para a autora, o principal impacto que a sociedade perceberá com a melhoria e o barateamento dos meios de comunicação será a criação de novas maneiras para as pessoas interagirem, fator que possibilitará o estabelecimento de comunidades de pessoas com os mesmos interesses. Ou seja, a mídia digital eliminará algumas barreiras geográficas e temporais, e enriquecerá a vida pela diminuição dos efeitos da separação resultante de viagens de negócio, estudo, etc. Aqui se utilizará o termo "mídia" ou "mídias" conforme a definição de Rabaça e Barbosa (1987: 401): "grafia aportuguesada da palavra media. Media é o plural de medium (palavra latina que significa "meio"). Designa os meios (ou o conjunto dos meios) de comunicação: jornais, revistas, TV, rádio, cinema etc.".

Bianchetti (2001) aborda a temática com um equilíbrio entre o deslumbramento e a rejeição da tecnologia. O autor afirma que compete aos pesquisadores e educadores contribuírem para que os resultados da produção social, quer as tecnologias, quer os frutos das suas aplicações, sejam coletivamente usufruídos.

Enfim, seja entre os deslumbrados ou com os hesitantes, falar das TIC é focalizar a trajetória de duas diferentes tecnologias que passaram a convergir a partir da invenção do transistor em substituição às válvulas - que promoveu o início da revolução microeletrônica. Ou seja, é visitar o campo que se abriu da diluição de fronteiras entre a informática e as telecomunicações. Campo que surgiu devido às possibilidades geradas pelas TIC na forma de veicular conteúdo, pela inclusão de som, imagem, texto, etc. em um mesmo suporte tecnológico. É aquilo que Bianchetti (2001) chama de nova maneira de coletar, armazenar, processar e transportar informações, que levaram o setor a conhecer uma explosão de novos serviços e aplicações, bem como promoveu mudanças significativas na vida e trabalho de pessoas, nações e blocos.

Contemporaneamente, a Internet materializou-se como o prático caminho que leva à informação e à comunicação, pois ela integra telefonia, radiodifusão, sistemas televisivos, mídia impressa, bem como possibilita a manifestação daqueles que outrora apenas recebiam a comunicação emitida pela mídia. Agora, o cidadão comum também pode midiatizar o conhecimento. Entretanto, ao mesmo tempo que as TIC trazem as possibilidades de mediação multimidiática da informação, também acrescentam complexidade ao processo, pois há dificuldades a serem vencidas para uma utilização otimizada das TIC no processo de construção do conhecimento. Afinal, como destaca Belloni (2001), as características essenciais das TIC - simulação, virtualidade, acessibilidade à superabundância e extrema diversidade de informações - são novas e demandam concepções metodológicas diferentes das tradicionais.

Balizando-se no pensamento de Peters (2001), percebe-se que mesmo diante das dificuldades, a acomodação não convém. Afinal, a revolução digital interfere na vida em geral. Por exemplo, até mesmo os aposentados precisam de um cartão magnético para retirar seus benefícios mensalmente, pois as redes de computadores alcançam cada vez mais todas as atividades produtivas. Então, é preciso entender que todos os níveis e modalidades educacionais estarão inseridos no contexto de mediação multimidiática do conhecimento. Devido às suas características técnicas, as TIC oferecerão possibilidades inéditas de interação midiatizada entre as partes envolvidas no processo de ensino e aprendizagem, bem como permitirão a interatividade com materiais de boa e má qualidade, em grande variedade. As técnicas de interação midiatizada (e-mail, listas, grupos de discussão, sites, entre outros) apresentarão grandes vantagens, pois permitirão combinar a flexibilidade da interação humana com a independência no tempo e no espaço.

Então, na discussão do papel das TIC e também nas muitas tentativas de experimentá-las, está em jogo sua utilização otimizada no processo educacional como midiatizadoras do conhecimento. Ninguém sabe o que poderá ser realizável, sejam por motivos financeiros, logísticos, pragmáticos ou também pedagógicos. Entretanto, existem providências técnicas necessárias, mas financeiramente dispendiosas, que deverão ser implementadas a fim de possibilitar a realização de determinadas mediações multimidiáticas do conhecimento. Também existem outros questionamentos no que tange ao tempo que os envolvidos com o conhecimento midiatizado precisarão para se acostumar à experiência, ou então se os docentes estarão preocupados com o assunto. Afinal, poderá ser que apenas um pequeno grupo considerará a mudança do processo comunicacional docente como necessária, enquanto a maioria permanecerá nas formas tradicionais do ensino

Todavia, não basta apenas constatar a importância e a viabilidade da utilização de produtos audiovisuais na educação presencial ou a distância, pois a base humana precisa estar no centro das decisões. É preciso discutir com os pares e analisar cada estratégia de aplicação das TIC no meio educacional como mediadoras do conhecimento. Ao utilizar sistemas multimidiáticos é imprescindível um cuidado com relação à contextualização de cada realidade no sentido de evitar a sobrecarga cognitiva, que poderá inclusive desorientar o usuário. É também indissociável a necessidade de capacitação dos docentes e técnicos que irão atuar com os novos instrumentos. Em suma, é preciso manter o senso crítico e a percepção criativa alerta para poder compreender as mudanças no processo comunicacional advindas com as TIC e buscar uma implantação coerente da tecnologia como mediadora multimidiática do conhecimento, da maneira mais adequada a cada característica regional, de forma a impelir o usuário à utilização crítica e criativa dos meios disponíveis.

 

Comunicação midiatizada do conhecimento: o papel do docente

Para se adaptar à comunicação midiatizada do conhecimento, o docente precisa reconhecer o papel da tecnologia como um recurso de aprendizagem e entender-se cada vez mais como um orientador e cooperador do estudante na construção do conhecimento pela mediação multimidiática. Assim, as tecnologias podem assumir muitas das funções do docente e liberá-lo para novos modos de assistência aos alunos, bem como pode incrementar o processo comunicacional. No entanto, os professores precisam de ajuda para entender e colocar em prática essas novas posturas. Para realizar as transformações esperadas é preciso que o professor saiba lidar criticamente com as TIC e utilize-as pedagogicamente. É necessário, igualmente, trabalhar com o conhecimento adquirido e com a busca de novas informações ao se capacitar continuamente para acompanhar as mudanças estruturais dos saberes. O docente também deve assumir a postura de questionamento e criticidade diante das informações, bem como precisa exercer o papel de orientação e cooperação com os discentes, ensinando-os a aprender e aprender ensinando.

De modo geral, para ensinar utilizando a mídia os professores precisam exercer uma variedade de talentos e habilidades diferentes: alguns podem atuar como planejadores de curso, outros como desenhistas instrucionais, ainda existem os especialistas técnicos, os escritores ou editores, entre outros. Então, a busca de especialização é indissociável do perfil do docente que no processo comunicacional estabelecido com seus alunos midiatiza o conhecimento. Entretanto, diante das múltiplas funções dadas ao professor, para muitas das quais ele inclusive não foi preparado, uma das competências mais importantes e indispensáveis ao professor será saber midiatizar. Como destacado anteriormente, midiatizar não é uma competência totalmente nova para o docente, a novidade está na quantidade de mídias disponíveis atualmente.

É importante destacar a relevância da transparência e clareza sobre as reais possibilidades de comunicação midiatizada do conhecimento que o docente pode empreender com o uso das TIC disponíveis em sua instituição. Bem como é necessário lembrar que, aqui, visualiza-se uma educação crítica, criativa e contextualizada sobre e para o uso das mídias como instrumentos potencializadores aos professores e alunos, verdadeiros sujeitos do processo de ensino e aprendizagem. É necessário saber como, quando e por quê ligá-las ou desligá-las. Afinal, a ação docente na mediação multimidiática do conhecimento não requer apenas uma mudança tecnológica, mas uma reflexão da percepção do que é ensinar e aprender. O professor precisa compreender que as TIC são instrumentos utilizados para a criação, transmissão e armazenamento de informações, mas ainda falta transformar a informação em conhecimento - onde entra a importância da comunicação dialogal, que também pode ser construída com o uso das TIC. Em suma, para o professor auxiliar na construção do conhecimento, precisará estabelecer uma interlocução constante com o aprendiz através de mídias que permitam a comunicação dialogal entre as partes. A novidade não está no auxílio à construção do conhecimento pelo diálogo, mas nas múltiplas possibilidades que as TIC abrem à interação entre as partes envolvidas no processo de ensinar e aprender.

Então, ao se falar do papel docente na comunicação midiatizada do conhecimento entende-se que a atuação do professor envolve não só a realização de ações que permitam prever, ordenar, dirigir, coordenar e controlar todos os processos e produtos relacionados, mas também, todos os problemas que dela derivem, utilizando-se para tanto da comunicação. Afinal, como se percebe, a educação sempre foi e continua a ser um processo complexo que utiliza meios de comunicação para complementar ou apoiar a ação do docente em sua interação com os estudantes. Na educação presencial, o quadro negro, o giz, o livro, entre outros, são instrumentos pedagógicos que fazem a ponte entre o conhecimento e o aluno. Na Educação a Distância, a interação com o professor passa a ser indireta, por isso torna-se necessária a utilização de uma combinação de suportes técnicos de comunicação. As TIC possibilitam formas inéditas de interação midiatizada e de interatividade no processo de ensino e aprendizagem ao combinar a flexibilidade da interação humana com a independência no tempo e no espaço, sem por isso perder velocidade, como por exemplo, ao utilizar o e-mail, as listas e grupos de discussão ou as páginas da web (Hack, 2006).

Então, o processo comunicacional docente será repensado continuamente para a otimização dos momentos de troca dialogal com o estudante. Afinal, ao se participar de processos de comunicação dialogais, aprende-se não somente os fatos, mas as suas relações com o todo. Em suma, o papel do professor não é substituído, mas repensado. O processo comunicacional docente deixa de ser voltado especificamente para a fala quase exclusiva do professor "repassador de informações" e passa a ser guiado pelo diálogo interativo entre as partes, que pode inclusive ser mediado multimidiaticamente, onde o professor é o agente organizador, dinamizador e orientador da construção do conhecimento através do auxílio crítico e criativo na seleção das inúmeras informações às quais o aluno é submetido cotidianamente. Seria uma reorientação do papel do professor para a função de mediador no ensino e auxílio aos alunos para a busca e exploração dos dados existentes nas mídias. Em outras palavras, na caminhada educacional, docente e discente passam a estabelecer um diálogo constante onde a cooperação mútua passa a ser essencial e o aluno aprende a aprender, a fazer ciência, a fazer arte, enfim, a construir o conhecimento pela mediação multimidiática.

 

Análise de uma experiência

A UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina - contribui com o desenvolvimento regional e proporciona condições para que os professores de ensino fundamental e médio da região oeste catarinense se qualifiquem pessoal e profissionalmente. Entretanto, as transformações tecnológicas e a aplicação de mídias no processo de ensino e aprendizagem vêm mudando muito o perfil do docente. Nesse contexto, durante o ano de 2006, desenvolveu-se uma pesquisa que buscou identificar quais as necessidades dos professores públicos de três municípios do oeste catarinense, no que tange ao uso de mídias em sala de aula. A originalidade da pesquisa alicerçou-se no reconhecimento de que o estudo promoveu um maior diálogo entre os professores das escolas públicas e a UNOESC, com vistas à solução das possíveis dificuldades que possam existir para a melhor utilização dos recursos tecnológicos em sala de aula. É importante destacar aqui, que o trabalho proposto não se sedimentou em modelos descontextualizados, mas nasceu de uma reflexão crítica e criativa sobre a realidade regional.

A pesquisa tomou corpo ao pretender não apenas apresentar uma explanação teórica sobre a temática, mas propor uma análise sobre o uso de mídias nas escolas públicas de ensino fundamental e médio nos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. As instituições pesquisadas foram devidamente cientificadas, dando suas autorizações. Como o objetivo do estudo era levantar informações sobre a temática para elaborar um conjunto de ações que visavam sua solução, caracterizou-se como uma pesquisa aplicada. O referencial teórico partiu da vertente educacional, com uma análise qualitativa do objeto (Selltiz et al., 1987). A coleta de dados consistiu na aplicação de questionários com todos os professores, entretanto, dos 373 instrumentos aplicados, retornaram 242 (65%). Em um segundo momento, como continuidade da pesquisa, alguns docentes foram selecionados para uma entrevista de aprofundamento sobre a temática (Hack e Negri, 2006).

Ao se fazer a análise qualitativa (Bauer e Gaskel, 2007) dos resultados do estudo, percebeu-se que os professores precisam de apoio continuado para lidar com as TIC. Afinal, não adianta obter sugestões de utilização da tecnologia em sala de aula sem o domínio efetivo do instrumento tecnológico. O professor precisa se sentir sujeito da tecnologia e não sujeitado à tecnologia. Conforme destacou um dos docentes que participou da pesquisa, um profissional é competente na sua totalidade, quando evolui e acompanha as mudanças do meio em que está inserido. Um dos respondentes do questionário inclusive destacou que o docente tem pouco tempo para pesquisar, sentar numa máquina e localizar os conteúdos. Ou seja, é necessário que os resultados da pesquisa revertam em sugestões de como abordar os temas trabalhados em sala de aula, de forma a otimizar o uso das TIC no processo de ensino e aprendizagem.

Na continuidade da coleta de dados, foram aplicadas entrevistas com 28 professores dos estabelecimentos públicos municipais e estaduais do município de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. A amostra representava 11,5% dos docentes que responderam ao questionário. O objetivo da entrevista foi aprofundar a reflexão sobre o uso de mídias em sala de aula, para verificar as práticas dos docentes, seus anseios e assim tentar antever perspectivas para a capacitação dos docentes. A análise dos resultados obtidos está explicitada na sequência.

As entrevistas identificaram que 100% dos 28 professores interpelados procuram desenvolver alguma atividade em sala de aula com o uso das TIC, como:

  • 75% utilizam filmes e documentários sobre os conteúdos estudados;
  • 46% utilizam o rádio;
  • 32% estimulam a pesquisa na internet para aprofundar os conhecimentos em relação aos conteúdos trabalhados em sala de aula;
  • 18% utilizam o computador para elaborar textos e planilhas.

Para os entrevistados, o maior entrave para a inserção das TIC em sala de aula é a falta de equipamentos e de capacitação para a utilização adequada da tecnologia. Em alguns momentos, devido ao número pequeno de equipamentos, um professor precisa modificar a estratégia de ensino, pois a tecnologia já está sendo utilizada por um colega. Também foi destacada a falta de cuidado de alguns alunos com o manuseio dos equipamentos. Ainda salientou-se a dificuldade de uso da tecnologia quando não existe uma sala preparada com o instrumento que será utilizado, afinal, em muitos casos o professor precisa pegar o equipamento, carregar, montar e testar, desperdiçando grande parte do seu tempo.

Quando questionados sobre as alternativas para resolver as dificuldades enfrentadas, os docentes salientaram a necessidade de investimento em equipamentos atualizados e na capacitação para a otimização do uso das TIC como ferramentas didáticas. Aqui, ficou claro que o professor precisa ser preparado e estar motivado, bem como é importante uma formação pedagógica atualizada. Outro ponto crucial mencionado foi: a necessidade de ampliar o tempo de integração e reflexão entre a teoria e a prática. Em outras palavras, destacou-se a necessidade do planejamento com apoio e suporte pedagógico.

Ao final da entrevista, os professores enunciaram características que uma capacitação sobre o uso de mídias em sala de aula precisa ter para atrair a atenção dos cursistas. Dos 28 entrevistados, 03 preferiram não responder a questão e os demais se manifestaram da seguinte forma:

  • 11 docentes destacaram a importância de cursos no formato de oficinas, que apenas apresentem atividades práticas, possíveis de serem executadas em sala de aula;
  • 04 entrevistados informaram que uma capacitação deve ensinar o básico aos que não possuem nenhum domínio sobre as TIC, ajudando-os a perder o "medo" de usar a tecnologia;
  • 04 professores indicaram a necessidade de cursos que articulem a teoria com a prática do uso das tecnologias;
  • 03 docentes ressaltaram a relevância dos treinamentos por área do conhecimento, para que seja possível discutir e analisar o uso da tecnologia em cada disciplina curricular;
  • 02 entrevistados apontaram que a capacitação para o uso de tecnologias deve ser uma atividade gradual, continuada, atrativa e com características lúdicas;
  • 01 professor destacou a importância de propiciar, ao final do curso, a visualização prática dos resultados obtidos com o estudo.

Em suma, o estudo apontou o interesse dos docentes em introduzir TIC no processo de ensino e aprendizagem nos estabelecimentos públicos de ensino dos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Todavia, a discussão precisa vir acompanhada da análise apurada de cada contexto e das necessidades reais de sua utilização. Que mídia utilizar? Que estratégias adotar para criar um ambiente colaborativo entre os participantes do processo de ensino e aprendizagem? São questões que apenas encontrarão suas respostas ao buscar uma proposta contextualizada para cada situação. A resposta não está na produção de DVDs, CD-ROM, utilização de rádio e canais de televisão, introdução de textos e outros materiais didáticos na Internet de forma combinada ou isolada. A resposta está em conhecer as especificidades de cada contexto e adaptar o processo comunicacional para que a construção do conhecimento aconteça em uma via de mão dupla.

Se não forem tomados os devidos cuidados para a introdução contextualizada das TIC no processo educacional, pode-se caracterizar sua inserção em sala de aula como um "matar o tempo", ou seja, acabou o assunto então vamos ao uso da televisão, do vídeo ou do computador. Em outros momentos, as TIC podem estar presentes na sala de aula quase cotidianamente e inclusive de forma entusiástica, mas sem um plano de trabalho para sua utilização. É preciso então, após conhecer cada realidade específica, pensar cuidadosamente as estratégias de deflagração do processo que levará à mediação multimidiática do conhecimento Para tanto, a capacitação dos docentes é um ótimo princípio. Mas, é preciso levar em consideração a importância de adaptar as estratégias, pois um programa bem sucedido no Nordeste do país pode ser um fracasso no Sul se não forem apuradas in loco as peculiaridades humanas, estruturais, climáticas, culturais, etc.

 

Proposta de capacitação

Como resultado da pesquisa descrita anteriormente, surgiu uma proposta de capacitação docente. O objetivo da capacitação é proporcionar aos professores um espaço para, com qualidade: a) refletir de forma crítica sobre o uso de mídias em sala de aula; b) desenvolver habilidades instrumentais para a otimização do uso das TIC. A capacitação deverá ser realizada de forma continuada e permitirá aos participantes obter conhecimentos teóricos e desenvolver habilidades práticas permanentemente.

A realização do primeiro módulo/curso da capacitação é pré-requisito para os demais cursos, mas após a conclusão do primeiro módulo a ordem de realização dos demais será estabelecida pelo próprio cursista.

A metodologia a ser praticada na capacitação continuada busca oportunizar a aprendizagem em rede entre professores, professores/cursistas e cursistas/cursistas, sob os princípios da cooperação, respeito e autonomia. Os procedimentos metodológicos específicos (leituras / exercícios / oficinas / fóruns de discussão / consultas ao banco de dados e endereços selecionados) serão adotados de acordo com a natureza do objeto de estudo de cada módulo/curso. As comunicações ao longo do curso serão midiatizadas, prioritariamente, no ambiente Internet, via correio eletrônico, fóruns de discussão e salas de bate-papo, através de um portal de ensino ou uma plataforma informatizada de Educação a Distância. Se necessário, também se fará o uso de fax, correio postal, telefone e encontro presencial.

Cada módulo/curso apresentará avaliações com o intuito de diagnosticar dificuldades na compreensão dos assuntos tratados. Os trabalhos serão avaliados com os conceitos: alcançou ou não os objetivos. Caso necessário, o cursista poderá refazer a atividade.

As aulas inaugurais dos módulos/cursos serão presenciais, com o objetivo de formar uma comunidade de estudos. Alguns módulos exigirão outros encontros com presença física para a socialização dos resultados das atividades. Os momentos presenciais serão realizados em períodos previstos no momento da matrícula.

Sugestões de módulos/cursos

Com base nos resultados obtidos na pesquisa realizada em estabelecimentos públicos de ensino dos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna, a seguir destacam-se os módulos/cursos que poderão compor uma capacitação continuada, suas respectivas ementas e carga horária.

  • Mídias em sala de aula - Funcionamento e recursos de um portal de ensino. A mídia como agente e instrumento do processo ensino e aprendizagem. O processo comunicacional docente com múltiplas tecnologias no ensino fundamental e médio. Os diferentes tipos de material didático midiatizado - suas características e aplicabilidade no ensino fundamental e médio. Educação para o uso dos Meios de Comunicação Social (MCS): análise crítica do mundo editado pela mídia. Visão geral dos diversos âmbitos vinculados com os processos de elaboração, análise e uso de diferentes mídias em sala de aula. Carga horária: 40 horas.
  • Educomunicação - Pressupostos teóricos da Educomunicação. A autogestão dos estudos. Formação ao longo da vida. Professor e estudante como parceiros na construção do conhecimento. Comunicação dialogal com o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação na aprendizagem autônoma. Como lidar com a geração "copia e cola"? Carga horária: 20 horas.

Importa destacar que os módulos/cursos descritos acima são introdutórios para as temáticas desenvolvidas pela capacitação. Ou seja, cada módulo/curso poderá originar muitos outros, rápidos ou mais detalhados, que visem o aprofundamento teórico ou desenvolvimento de habilidades específicas. Abaixo são apresentados exemplos de módulos/cursos vinculados. Salienta-se que os cursos mais técnicos, por exemplo sobre a utilização das TIC, poderão ser desenvolvidos de forma rápida, em módulos de 08, 12 ou 16 horas. Alguns cursos/módulos também serão extremamente práticos, onde o cursista será acompanhado por um orientador em todos os passos do processo.

 

Mídias em sala de aula

 1.1. Estratégias para uso da TV no ensino fundamental e médio.

 1.2. Análise de softwares educativos e sua aplicação.

 1.3. Como otimizar o uso do e-mail com os alunos.

 1.4. Administração pedagógica de fóruns virtuais.

 1.5. O bate-papo virtual como estratégia de ensino e aprendizagem.

 1.6. O blog no ensino.

 1.7. Pesquisa na Internet.

 1.8. Produção de vídeos didáticos.

 1.9.Noções básicas de construção de sites educativos.

Educomunicação

 2.1. Estratégias de abordagem motivacional ao estudante via TIC.

 2.2.Estudar sem cobrança?

 2.3. Aprender a aprender.

 2.4. Aluno e professor como parceiros na construção do conhecimento.

 2.5. Aprendizagem em rede.

 2.6. Estratégias de construção cooperativa do conhecimento.

 2.7. Medo de errar: empecilho à aprendizagem autônoma.

 2.8.A mídia no cotidiano e os desafios ao professor.

 2.9. Pesquisa na web e direitos autorais.

Os módulos/cursos originados a partir das temáticas principais da capacitação enumerados acima são apenas para ilustrar as múltiplas possibilidades de abordagem reflexiva ou prática dos assuntos. Por isso a capacitação se caracteriza como uma formação continuada. Outras combinações também podem ser feitas pela interconexão entre os eixos temáticos principais.

Fluxo de funcionamento

A capacitação não pretende apenas promover o domínio de meios e ferramentas para a interação entre as partes. O objetivo também é construir uma concepção diferenciada do processo de ensino e aprendizagem, um programa de formação onde o docente reflita intensamente sobre sua prática e desenvolva habilidades para a comunicação midiatizada do conhecimento no ensino fundamental e médio.

Para tanto, é de suma importância o estabelecimento de um processo comunicacional dialogal na construção do conhecimento. Ou seja, o docente precisará estar habilitado para a interlocução constante com o aprendiz através de mídias que permitam a comunicação entre as partes.

Ao inscrever-se na capacitação, o professor iniciará um processo contínuo de formação. Sua introdução no programa acontecerá pela participação no "módulo 1", que habilitará o professor para o uso das ferramentas necessárias para um bom desempenho durante o curso, bem como o familiarizará com o universo das mídias. Após a realização do "módulo 1" o professor entrará no processo continuado de capacitação e poderá, com liberdade, inscrever-se no curso que achar mais conveniente e no grau de aprofundamento que atenda às suas necessidades.

Com a compreensão acima, o fluxo de funcionamento do Programa de Capacitação Continuada de Docentes em EAD será:

 

Figura 1 - fluxo de funcionamento do Programa de Capacitação Continuada de Docentes em EAD

 

Como se observa, a capacitação passa a ser um processo de conscientização contínua. Em outras palavras, um momento de reflexão rigorosa e coletiva sobre a realidade em que se vive, de onde emergirão novos projetos de ação a serem executados de maneira crítica, criativa e contextualizada. Assim, o programa será um espaço onde o processo comunicacional docente é repensado continuamente para a otimização do uso de mídias em sala de aula, primando pela manutenção da liberdade do cursista em construir sua própria formação, segundo suas necessidades.

Inúmeras iniciativas poderiam ser propostas a partir do aprofundamento de cada um dos módulos/cursos, por isso é indispensável a compreensão de construção continuada do processo de capacitação docente, sem regras ou ações específicas e definitivas, que respeite o contexto institucional, temporal, cultural e sócio-econômico, entre outros. Um processo dialético de reflexão crítica sobre os pressupostos teóricos e inovação constante de práticas criativas para a otimização do processo comunicacional docente com múltiplas tecnologias no ensino fundamental e médio.

 

Considerações finais

Aqui se buscou não apenas apresentar uma explanação teórica sobre a temática, mas propor uma reflexão crítica para uma atuação criativa com o uso de mídias nas escolas públicas de ensino fundamental e médio. Os estudos demonstraram que o papel do professor não é substituído, quando ele usa TIC em sala de aula, mas repensado. Na caminhada educacional, docente e discente passam a estabelecer um diálogo constante onde a cooperação mútua passa a ser essencial e o aluno aprende a aprender, a fazer ciência, a fazer arte, enfim, a construir o conhecimento pela mediação multimidiática.

Por fim, percebeu-se que os professores precisam de apoio constante para lidar com as TIC e a capacitação contínua utilizando estratégias de Educação a Distância pode ser uma alternativa viável. Mas, para se evitar a introdução descontextualizada das TIC no processo educacional, constatou-se a necessidade de planejar uma capacitação que leve em consideração a importância de se adaptar as estratégias às peculiaridades humanas, estruturais e culturais de cada cidade. Ou seja, uma capacitação que proporcione aos professores um espaço para, com qualidade: a) refletir de forma crítica sobre o uso de mídias em sala de aula; b) desenvolver habilidades instrumentais para a otimização do uso das TIC.

 

Referências Bibliográficas

Bauer, M.W. e Gaskell, G. (2007). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 6. ed. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Belloni, M.L. (2001). Educação a distância. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados.         [ Links ]

Berlo, D.K. (1999). O Processo da Comunicação: Introdução à Teoria e à Prática. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Bianchetti, L. (2001) Da chave de fenda ao laptop - tecnologia digital e novas qualificações: desafios à educação. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Bordenave, J.D. (1988). Além dos meios e mensagens: introdução à comunicação como processo, tecnologia, sistema e ciência. 8. ed. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Cairncross, F. (2000). O fim das distâncias: como a revolução nas comunicações transformará nossas vidas. São Paulo: Nobel/Exame.         [ Links ]

Hack, J.R. (2006). Processo comunicacional docente para a midiatização do conhecimento na EAD: reflexões sobre um Estudo de Caso no Ensino Superior. Em: Hetkowski, T.M. e Lima Junior, A. S. de (orgs.). Educação e Contemporaneidade. Rio de Janeiro: Quartet, p. 237-256.         [ Links ]

Hack, J.R. e Negri, F. (2006). O uso contextualizado de mídias e multimídias em sala de aula: aportes para a formação continuada dos docentes das escolas públicas de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Joaçaba: UNOESC. (Relatório de Pesquisa de Demanda Induzida).         [ Links ]

Negroponte, N. (1995). A vida digital. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Peters, O. (2001). Didática do ensino a distância. São Leopoldo: Unisinos.         [ Links ]

Rabaça, C. A. e Barbosa, G. (1987). Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática.         [ Links ]

Selltiz, C.; Wrightsman, L.S. e Cook, S.W. (1987). Métodos de pesquisa nas relações sociais. 2. ed. São Paulo: E.P.U.         [ Links ]

 

Notas

Josias Ricardo Hack
Endereço para correspondência: Campus Universitário Trindade, CCE/B, sala 231, Florianópolis, SC 88.040-970, Brasil.
E-mail para correspondência: professor.hack@hotmail.com.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License