SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 issue1Metaphors of "Terra da Gente" and the media learning scientific conceptsNeuroaccounting: reinterpreting research results in Managerial Accounting author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.18 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2013

 

Artigo Científico

 

Jogos cognitivos eletrônicos: contribuições à aprendizagem no contexto escolar

 

Cognitive electronic games: contributions to the learning in the school context

 

 

Daniela Karine Ramos

Departamento de Metodologia de Ensino, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


Resumo

Este artigo tem o objetivo de reforçar a importância dos jogos para o desenvolvimento infantil e apresentar uma nova modalidade que são os jogos cognitivos eletrônicos e suas contribuições ao processo de aprendizagem no contexto escolar. A pesquisa realizada teve um caráter exploratório e pautou-se na abordagem quantitativa e qualitativa, tendo como sujeitos quatro professores que participaram da aplicação de um programa de neuroeducação, baseado no uso de jogos cognitivos eletrônicos, por um período entre 10 e 15 semanas em 4 turmas do Ensino Fundamental, somando um total de 100 alunos. Os resultados obtidos a partir da observação sistemática com base em categorias comportamentais revelaram mudanças em relação a atenção, a capacidade de resolver problemas e aos comportamentos sociais. © Cien. Cogn. 2013; Vol. 18 (1): 019-032.

Palavras-chave: jogos cognitivos; jogos eletrônicos; aprendizagem; neuroeducação.


Abstract

This article aims to reinforce the importance of games to the children development and present a new modality, which is cognitive electronic games and its contributions to the learning process in school context. The survey had an exploratory nature and was based on quantitative and qualitative approaches. The subjects were four teachers who participated in the implementation of a computer application for neuroeducation using cognitive electronic games. It was applied, for a period between 10 and 15 weeks, in four classes of elementary school (total of 100 students). The results obtained from systematic observation based on behavioral categories revealed changes in: attention, problem-solving skills, and social behaviors. © Cien. Cogn. 2013; Vol. 18 (1): 019-032.

Keywords: cognitives games; electronic games; learning; neuroeducation.


 

 

Introdução

Este artigo tem o objetivo de reforçar a importância dos jogos para o desenvolvimento infantil e apresentar uma nova modalidade que são os jogos cognitivos eletrônicos e suas contribuições ao processo de aprendizagem no contexto escolar. Os jogos cognitivos são um conjunto de jogos variados que trabalham aspectos cognitivos, propondo a intersecção entre os conceitos de jogos, diversão e cognição. Desse modo, parte-se do reconhecimento da contribuição que os jogos oferecem ao desenvolvimento infantil e coloca-se ênfase nos aspectos cognitivos.

A cognição descreve "a aquisição, o armazenamento, a transformação e aplicação do conhecimento" (Matlin, 2004, p. 2) e envolve uma diversidade de processos mentais, como memória, percepção, raciocínio, linguagem e resolução de problemas.

No que se refere às contribuições dos jogos eletrônicos ao desenvolvimento de aspectos cognitivos destacamos que a partir da interação com esse tipo de jogos, os jogadores passam a ter um tempo menor de reação, melhor desempenho relacionado as habilidades visuais básicas e a atenção (Li, Polat & Bavelier, 2010); exercitam habilidades relacionadas à atenção, como o aumento do número de objetos que são percebidos simultaneamente, a atenção seletiva e a atenção dividida (Feng, Spence & Pratt, 2007; Dye & Bavelier, 2010); melhoram o desempenho cognitivo, aprimorando a capacidade de fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo e tomar decisões executivas (Boot, Kramer, Simons, Fabiani & Gratton, 2008).

 

Contribuições dos jogos a aprendizagem

O trabalho pedagógico a partir dos jogos contribui para que o exercício e o desenvolvimento dos aspectos cognitivos se tornem mais lúdico e prazeroso, ao mesmo tempo em que usufrui das reconhecidas contribuições que o jogo oferece ao desenvolvimento infantil.

No que se refere a esse aspecto, Vigotsky (1989) destaca que o jogo cria Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZPD). Assim, o jogo traz benefícios sociais, afetivos e cognitivos para a criança e permite trabalhar aspectos como a imaginação, a imitação e a regra.

Kishomoto (2001), a partir da revisão de autores, contribui para ampliação da importância do jogo nesse processo, descrevendo-o como instrumento de desenvolvimento, forma de expressão, processo assimilativo, ação para compreensão e aquisição da linguagem.

De modo geral, o jogo é muito importante para o processo de desenvolvimento infantil, pois, segundo Seber (1997), ele permite compreender os diferentes papéis sociais e o contexto no qual a criança está inserida, oferece oportunidade para compreensão das suas experiências e favorece a socialização. O jogo "fornece uma organização para a iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais" (Winnicott, 1965/1982, p. 163).

A criança, no decorrer de seu desenvolvimento, passa a conhecer e lidar com a realidade humana. Nessa perspectiva, Leontiev (2001, p. 59) destaca os jogos como atividade importante nesse processo, pois ultrapassa "os estreitos limites da manipulação dos objetos que a cercam, a criança penetra um mundo mais amplo, assimilando-o de forma eficaz". Do mesmo modo, os jogos "servem de elo entre, por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior, e, por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa e compartilhada" (Winnicott, 1965/1982, p. 164).

Ao mesmo tempo em que temos inúmeras contribuições dos jogos para o desenvolvimento humano, também encontramos uma variedade de tipos que podem ter diferentes formatos, materiais, regras, níveis, tempo, complexidade, entro outros aspectos. Cada jogo possibilita ou privilegia o desenvolvimento de determinadas habilidades ou cumpre uma função específica.

A literatura descreve vários tipos de jogos como: jogos de faz-de-conta que envolvem a representação de papéis e situações imaginárias; brincadeiras de movimento que implicam o domínio do corpo por meio de atividades físicas e movimentos corporais; jogos de lógica baseados em regras, desafios e pensamento, jogos de roda que envolvem um grupo, músicas e movimentos, entre outros (Kishimoto, 2001; Seber, 1997; Huizinga, 1993; Caillois, 1990). Todos esses e outros tipos de jogos, envolvem peculiaridades e características próprias. Diante desta variedade, Kishomoto (2001) descreve que é difícil conceituar o que é jogo, enquanto categoria que dê conta dos diversos tipos e características, o que é reforçado por Huizinga (1993, p. 10), segundo o qual o jogo "é função de vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos".

 

Os jogos cognitivos: conceitos e contribuições

Em nosso trabalho, dentro da diversidade de tipos, destacamos aqueles que podem ser considerados jogos cognitivos pelos exercícios significativos dos aspectos cognitivos. São eles: jogos de desafio, jogos de tabuleiro e jogos cognitivos eletrônicos.

  • Jogos de desafio: apresentam problemas que mobilizam o jogador a pensar, levantar hipóteses, experimentar, planejar, testar, realizar cálculos. Desse modo, contribuem com o desenvolvimento do raciocínio lógico, do planejamento, da percepção visual e da atenção, por exemplo.
  • Jogos de tabuleiro: apresentam diversos formatos e objetivos, de modo geral, envolvem a participação de pelo menos dois jogadores, o exercício de estratégia e raciocínio lógico para vencer o adversário ou resolver o desafio apresentado.
  • Jogos cognitivos eletrônicos: propõem desafios que exigem o exercício de aspectos cognitivos como memória, raciocínio lógico, cálculo, criatividade, resolução de problemas e atenção, por exemplo. Esses jogos podem ser apresentados em diferentes formatos, de modo geral, são jogos simples e apresentam níveis de dificuldade crescentes e podem reproduzir os jogos tradicionais, como de tabuleiro, utilizando o meio digital.

Os jogos cognitivos tem potencial para contribuir com o processo de aprendizagem e com a educação em uma perspectiva mais integral do sujeito. Segundo Lee e Jones (2008) a educação que tem como objetivo o desenvolvimento do cérebro, envolve a aprendizagem de exercícios e práticas destinadas a melhorar e transformar a maneira como o cérebro funciona. De modo similar como as partes do corpo, o cérebro também pode ser reformulado por meio de uma estimulação consistente (Zaroa, Rosat, Meireles, Spindolad, Azevedo, Bonini-Rochaf & Timmg, 2010, p. 203).

Essa perspectiva reforça a noção da plasticidade cerebral, que tem maior expressividade na infância, favorecendo a formação de novas conexões e a reorganização de funções cerebrais. A plasticidade cerebral pode ser definida como a "capacidade adaptativa do sistema nervoso central permitindo modificação na sua própria organização estrutural e funcional" (Oda, Sant'Ana & Carvalho, 2002, p. 173).

Ao considerarmos essas noções, os jogos cognitivos permitem a estimulação e a realização de exercícios que tem o potencial de modificar a organização estrutural e funcional do cérebro, o que resulta no melhor desempenho dos jogadores em algumas tarefas que exigem habilidades cognitivas, destacando nesse trabalho o processo de aprendizagem.

Esses jogos ganham o formato eletrônico agregando as contribuições relacionadas ao uso de tecnologias educacionais, como vídeos, animações e multimídia. Ao mesmo tempo em que convergem com a neuroeducação que propõe a reflexão sobre "a possibilidade de desenvolver e aplicar estes recursos de forma a que possam, comprovadamente, dar suporte a alguma das variáveis dinâmicas que compõem a cognição humana, identificando essas variáveis observáveis e seus processos de inter-relação" (Zaroa et al, 2010, p. 209).

Em nossa pesquisa focamos as contribuições que os jogos eletrônicos podem ter sobre o processo de aprendizagem. Isso porque a estrutura e a forma como as informações são apresentadas no jogo podem ter impacto psicológico e assim melhorar capacidade de manter a atenção e as habilidades visuais, por exemplo. O exercício das habilidades cognitivas também pode ser observado na mecânica do jogo, pois, dependendo do controle que o jogo requer habilidades motoras finais ou gerais e o equilíbrio podem ser exercitadas (Gentile, 2011).

As contribuições que o uso dos jogos cognitivos oferece ao desenvolvimento e ao exercício de aspectos cognitivos, que por sua vez contribuem com o processo de aprendizagem, são identificadas por vários estudos e pesquisa. A interação com jogos de ação, mesmo tendo conteúdos agressivos e brutais, oferece, ganhos substanciais na atenção espacial e na rotação mental (Feng et al, 2007), melhoram o desempenho na tarefa que exige atenção visual, reduzindo a distração (Wu, Cheng, Feng, D'Angelo, Alain, & Spence, 2012) e a velocidade de reação e habilidades visuais básicas (Li et al, 2010).

Reforçando as contribuições que os jogos oferecem ao exercício da atenção, Dye e Bavelier (2010) trabalharam com crianças de 7 a 17 anos e adultos com idade entre 18 e 22 anos, para testar três aspectos da atenção visual: a capacidade de distribuir o campo visual de atenção na busca de um alvo, o tempo necessário para localizar o alvo e o número de objetos para os quais a atenção pode ser alocada simultaneamente. A partir dos testes observaram que os jogadores de games de ação tiveram um melhor desempenho em todos os aspectos da atenção testados.

Nesse sentido, a interação com jogos por um longo período de tempo pode resultar em um melhor desempenho em algumas atividades que exigem habilidades cognitivas. Boot et al (2008) comparou diferenças e efeitos da interação com videogames com relação a habilidades cognitivas, como atenção, memória e controle executivo, por meio da aplicação de vários testes e avaliações em diferentes grupos. Os resultados revelaram que jogadores mais experientes conseguiam rastrear objetos movimentando-se em velocidades maiores, demonstraram melhor memória visual de curto prazo e conseguiam mudar mais rapidamente de tarefa.

A partir dos estudos descritos podemos identificar que os jogos eletrônicos, como jogos de ação e estratégia, podem ter efeito sobre o desempenho de algumas habilidades cognitivas. Porém, muitos desses jogos não foram desenvolvidos com esses objetivos, diferentemente dos jogos cognitivos que são projetados visando exercitar e contribuir com o melhor desempenho dessas habilidades.

Além das características dos jogos cognitivos, que favorecem o exercício das habilidades cognitivas, outros aspectos podem também ser considerados em relação aos seus efeitos. Nesse sentido, ao propormos um estudo sobre as contribuições dos jogos cognitivos eletrônicos estamos considerando os cinco aspectos descritos por Gentile (2011) que precisam ser considerados em estudos relacionados ao videogame. São eles: o tempo que se joga, o conteúdo do jogo, o contexto que o jogo é utilizado, a estrutura e as mecânicas do jogo eletrônico.

Desse modo, muitos estudos que apresentam resultados negativos e prejudiciais relacionados à interação com jogos eletrônicos têm como questão principal o tempo que se joga. Já o conteúdo do jogo pode se relacionar a aprendizagem e afetar comportamentos futuros, como estudos já sugeriram, e o contexto, que incluiu onde e com quem se joga, como aspecto que pode modificar as respostas dos jogadores. Além disso, dependendo com quem se joga podemos ter maior agressividade ou comportamentos relacionados à cooperação e ajuda mútua (Gentile, 2011).

A partir disso, podemos entender que os jogos cognitivos eletrônicos envolvem um conteúdo, uma estrutura e uma mecânica de jogo que favorecem o exercício de habilidades cognitivas, que se tornam fundamentais a evolução do desempenho no jogo. O tempo e o contexto nesse tipo de jogo reforçam o potencial de mudança da estrutura cognitiva e dos comportamentos sociais relacionados.

 

Metodologia

A pesquisa realizada teve um caráter exploratório, pois visou proporcionar uma maior familiaridade com o problema, com a ideia de torná-lo mais explícito e construir hipóteses, propiciando assim uma nova visão acerca do problema estudado (Gil, 1996). Pautou-se na abordagem quantitativa e qualitativa, para ampliar a compreensão sobre a interseção entre o uso dos jogos cognitivos, o desenvolvimento de aspectos cognitivos e suas relações com o processo de aprendizagem, buscando indicadores sobre a efetividade do uso de jogos cognitivos eletrônicos no contexto escolar.

Amostragem

A pesquisa foi desenvolvida com quatro turmas do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina, visando avaliar as contribuições que o uso dos jogos cognitivos oferece ao desenvolvimento e ao processo de aprendizagem.

A amostra da pesquisa foi composta de forma não-aleatória por conveniência e composta por quatro turmas, sendo duas do 2º ano e duas do 3º ano, contabilizando um total de 100 alunos participantes da atividade e 4 professores.

Procedimentos metodológicos e instrumento de coleta

O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado no Comitê de Ética, conforme parecer 200.436. A partir disso, após a seleção das turmas foram entregues o Termo de Livre Consentimento aos pais e responsáveis sobre a pesquisa a ser desenvolvida. Após isso, iniciou-se uma atividade diária com duração de 20 minutos nas turmas participantes.

Nessa atividade os alunos acessavam o blog do projeto1, no qual temos a seleção de 15 jogos cognitivos eletrônicos selecionados e classificados de acordo com as habilidades cognitivas trabalhadas. Além de permitir o acesso aos jogos, o blog informa as habilidades exercitadas e descreve as orientações para jogar.

O conjunto de jogos cognitivos eletrônicos selecionados compõe o programa de neuroeducação baseado em jogos disponíveis na web e nos registros realizados tanto pelos alunos como professores.

O professor recebeu orientação para conduzir a atividade, fazer observações e registros periódicos conforme categorias comportamentais definidas. Assim, esse trabalho apresenta os resultados obtidos a partir da observação dos professores que foram sintetizadas por meio da realização de entrevistas semiestruturadas individuais realizadas ao final da aplicação do programa de neuroeducação, o qual foi proposto a partir do uso diário dos jogos cognitivos eletrônicos selecionados.

Os aspectos observados pelo professor foram a atenção, a capacidade de resolução de problemas, a interação social e o desempenho de modo geral. A partir da observação os professores responderam um inventário, por meio da entrevista, no qual esses aspectos foram descritos na forma de comportamentos que poderiam ser observados e a resposta poderia ser dada considerando as seguintes alternativas: 0 - Não; 1 - Em algumas crianças; 2 - Na maioria das crianças; 3 - Na turma como um todo.

Sistematização dos resultados

Os dados coletados a partir das entrevistas e registros realizados foram organizados e tabulados utilizando uma planilha digital. As questões objetivas puderam ser contabilizadas e analisadas com base na estatística descritiva.

Na análise considerou-se a pontuação obtida no inventário já que cada alternativa correspondia um número crescente que indicava a predominância do aspecto avaliado nas turmas em que o programa foi aplicado.

As questões abertas foram pré-analisadas por meio de uma leitura flutuante, seguida pela identificação de palavras-chaves e elaboração de indicadores que foram considerados no processo de análise e discussão.

 

Resultados e discussão

Neste trabalho apresentamos os resultados parciais da pesquisa que vem sendo desenvolvida visando identificar as contribuições dos jogos cognitivos para o exercício e aprimoramento de habilidades cognitivas, como a atenção e a resolução de problemas. Considerando ainda o contexto escolar incluímos a investigação sobre aspectos relacionados à aprendizagem e ao comportamento social.

Desse modo, ao investigarmos aspectos cognitivos, psicológicos e sociais reforçamos que a aquisição de conhecimentos envolve uma combinação de processos cognitivos e de aprendizagem que incluem três dimensões: cognitivas, sociais e emocionais (Arndt, 2012).

A partir do programa de neuroeducação proposto aplicado por um período determinado que variou de 10 a 15 semanas nas turmas apresentamos os resultados referentes as observações e a avaliação realizada pelos professores participantes do projeto.

Quando os professores foram questionados se observaram mudanças na turma depois que foi iniciado o programa baseado no uso de jogos cognitivos, um manifestou ter observado mudanças em algumas crianças, dois na maioria e um na turma como um todo. Dentre as mudanças percebidas foram destacadas maior:

  • capacidade de concentração;
  • maturidade;
  • rapidez na resolução de problemas e execução das atividades propostas em sala;
  • competitividade;
  • autonomia e;
  • persistência.

Ao considerarmos essas mudanças que foram percebidas pelos professores destacam-se aquelas relacionadas aos aspectos cognitivos e que são importantes ao processo de aprendizagem. Nesse sentido transcrevemos o relato de uma das professoras que ilustra as contribuições da atividade desenvolvida: "hoje eles participam de atividades em sala que exige concentração, leitura de textos maiores, interpretação, participar de rodas". (Professora do 2º ano).

Assim, é possível reforçar a contribuição que o uso dos jogos no contexto escolar oferece para o aprimoramento de funções executivas que são fundamentais ao processo de aprendizagem. Essas funções envolvem uma ampla variedade de funções cognitivas que implicam: atenção, concentração, seletividade de estímulos, capacidade de abstração, planejamento, flexibilidade de controle mental, autocontrole e memória operacional (Green, 2000; Spreen & Strauss, 1998).

Outras mudanças referem-se a aspectos comportamentais que também interferem no processo de aprendizagem e na própria formação integral dos alunos. A persistência e a autonomia são exemplos dessas mudanças. Considerando essas mudanças, uma das professoras do 3º ano destaca que "algumas crianças estão tentando mais, são mais perseverantes em resolver; outras estão com mais facilidades".

No que se refere as habilidades cognitivas, um dos aspectos exercitados a partir dos jogos foi a atenção, por compreendermos sua importância para o processo de aprendizagem e também por ser tema recorrente nas queixas dos professores com relação aos seus alunos.

Segundo Lent (2005), a atenção envolve dois aspectos principais: um estado geral de sensibilização (alerta) e a focalização desse estado sobre certos processos mentais e neurobiológicos (atenção propriamente dita). Considerando esses aspectos destacamos que alguns jogos utilizados usavam de forma intensiva a atenção e que sem a mesma não era possível avançar no jogo. Dentre os jogos, destacamos o jogo "Siga aquele cachorro", no qual os alunos deveriam localizar o cachorro vermelho que se escondia atrás de uma das pedras, para tanto era preciso acompanhar atentamente o movimento das pedras para identificar o esconderijo do cachorro quando elas paravam.

Figura 1

Figura 1. Jogo Siga aquele cachorro. Fonte: Cérebro Nosso http://www.cerebronosso.bio.br/ateno-espacial-siga-aquele-cac/.

A partir das observações realizadas pelas professoras das turmas participantes do programa e da sistematização por meio da avaliação dos comportamentos descritos foi possível quantificar mudanças em relação a atenção por meio de escores que variaram de 0 a 3, conforme a predominância do comportamento na turma.

Para mensurar a atenção três comportamentos foram quantificados: a) a maior capacidade de se manter focados após a realização da atividade com os jogos; b) aumento do tempo dedicado a uma mesma tarefa e c) capacidade de responder adequadamente ao que é perguntado e solicitado. Os resultados obtidos podem ser observados na Tabela 1.

Comportamentos

Turmas

Mostram-se mais atentos e focados nas atividades desenvolvidas em sala

Conseguem ficar mais tempo realizando uma mesma tarefa

Respondem adequadamente aquilo que é perguntado ou solicitado

2o ano A

2

2

3

2o ano B

1

2

1

3o ano A

1

0

2

3o ano B

2

2

2

Escore total

6

6

8

Tabela 1. Comportamentos observados relacionados a atenção

A partir da Tabela 1 podemos notar que o comportamento percebido pelos professores que teve maior mudança foi a capacidade de responder adequadamente ao que era perguntado ou solicitado. Em todas as turmas pelo menos algumas crianças (1) tiveram melhoras, em duas turmas observaram-se mudanças na maioria das crianças (2) e em uma turma isso foi identificado na turma como um todo (3).

Além disso, observaram-se mudanças na capacidade de manter a atenção e no tempo que as crianças conseguiam ficar fazendo uma mesma atividade. Apenas na turma do 3º ano A não foi percebida pela professora nenhuma mudança com relação a esses comportamentos.

Outro aspecto avaliado pelos professores foram comportamentos relacionados a resolução de problemas. Essa habilidade é utilizada "quando queremos atingir determinado objetivo, mas a solução não se apresenta imediatamente (Matlin, 2004, p. 234). E segundo a autora a resolução de problemas é caracterizada por três componentes: o estado inicia (situação anterior a resolução), o estado meta (objetivo relacionado a resolução do problema) e os obstáculos (restrições e dificuldades).

Dentre os jogos, destacamos o jogo "Bloxz", no qual os alunos deveriam colocar a caixa no buraco localizado na plataforma, utilizando o teclado e em alguns momentos a barra de espaço.

Figura 2

Figura 2. Tela do jogo Bloxz. Fonte: Miniclip http://www.miniclip.com/games/bloxorz/pt/.

Para mensurar a capacidade de resolver problemas quatro comportamentos foram quantificados pelos professores observando a predominância na turma: a) pensar antes de começar a responder ou resolver um problema; b) manifestar maior competência na resolução de problemas; c) utilizar novas estratégias para resolver problemas e d) ser mais persistente e paciente para lidar com situações que apresentem dificuldades. Os resultados obtidos podem ser observados na Tabela 2.

A partir da Tabela 2 destacamos que todos os professores identificaram alguma mudança na competência dos alunos para resolver problemas, sendo que esse comportamento foi o que teve melhor escore (âˆ' = 8), seguido pelo uso de novas estratégias para resolução de problemas (âˆ' = 5), como exceção da turma do 3º ano A. Foram, também, observadas melhorias em relação ao fato de pensarem mais antes de resolver um problema e ter maior persistência em situações de dificuldades.

Comportamentos

Turmas

Agora pensam mais antes de começar a responder ou resolver um problema

Estão mais competentes na resolução de problemas

Buscam resolver os problemas utilizando novas estratégias que antes não utilizavam

Demonstram maior persistência e paciência para lidar com situações em que possuem dificuldades

2o ano A

2

1

2

2

2o ano B

1

2

1

1

3o ano A

0

3

1

0

3o ano B

1

2

1

1

Escore total

4

8

5

4

Tabela 2. Comportamentos observados em relação a resolução de problemas

Esses resultados reforçam achados encontrados por Miller e Robertson (2010) em estudo realizado com o objetivo de investigar como um jogo que trabalha a agilidade mental pode influenciar na aprendizagem e na auto-percepção de alunos. Os resultados revelaram ganhos significativos relacionados aos alunos que participaram das atividades com jogos, tanto na precisão como na rapidez na resolução de problemas que envolviam cálculos.

Ao considerarmos os aspectos sociais relacionados ao jogo e o contexto escolar intrinsecamente social, observamos aspectos relacionados a interação social e a aprendizagem de modo geral. Salientamos que durante o desenvolvimento do programa, por questões operacionais e técnicas, alguns alunos jogavam em dupla e a turma interagia durante o desenvolvimento da atividade.

Na tabela 3, podemos observar que a melhora no desempenho escolar foi o comportamento que recebeu maior escore, mesmo quando comparado as tabela anteriores. Esse fato reforça os benefícios sociais, afetivos e cognitivos (Vigotsky, 1989) que o uso dos jogos cognitivos pode oferecer para o melhor desempenho dos alunos justamente por exercitar habilidades fundamentais ao processo de aprendizagem.

Comportamentos

Turmas

Melhoraram, de modo geral, o desempenho escolar

Interagem melhor em grupo e de forma mais produtiva

Melhoraram a interação social, conseguindo o diálogo, não discutir ou alterar-se quando é contrariado

2o ano A

2

3

3

2o ano B

3

2

2

3o ano A

3

0

0

3o ano B

2

2

2

Escore total

10

7

7

Tabela 3. Comportamentos observados relacionados a interação social e ao desempenho escolar.

Os comportamentos relacionados à interação social receberam destaque na soma dos escores, reforçando que mesmo o jogo eletrônico pode ser utilizado para reforçar comportamento sociais mais adequados e o respeito as regras, conforme anuncia Winnicott (1965/1982).

A partir da Tabela 4 podemos observar que a turma que teve melhor desempenho com relação aos comportamentos avaliados pelo professor foi a turma do 2º ano A. Ao considerar as habilidades avaliadas, os comportamentos relacionados a interação social foram os que tiveram a melhor média (= 1,8) indicando que esse foi o aspecto que melhor se beneficiou da atividade proposta de acordo com os professores.

Turmas

Escore atenção

Escore resolução de problema

Escore interação social

Escore total

âˆ'

n

âˆ'

n

âˆ'

n

âˆ'

2o ano A

4

7

6

22

2o ano B

3

5

4

16

3o ano A

3

4

0

10

3o ano B

4

5

4

17

Escore total

14

3

1,2

21

4

1,3

14

2

1,8

65

Tabela 4. Soma dos escores, número de questões e média por habilidade cognitiva.

Apesar dos resultados apresentados, algumas dificuldades foram identificadas, principalmente, relacionadas ao uso dos netbooks do Programa Um Computador por Aluno (PROUCA) que era utilizado para acesso ao blog e aos jogos. A maior dificuldade estava relacionada a falta de computadores suficientes, seja por esquecimento, já que os netbooks são levados para casa todos os dias, ou por problemas técnicos, relacionados, por exemplo, ao funcionamento da bateria, já que não há reposição da mesma.

Considerando os imprevistos a atividade podia ser desenvolvida em duplas, alternando-se o uso do netbook ou jogando juntos, dependendo do jogo. Porém, o fato de jogar em dupla tornava confuso o registro relacionado ao desempenho no jogo que precisava ser feito, já que dependendo da forma como a dupla se organizava o registro era diferente. Quando jogavam juntos, tentando solucionar problemas, por exemplo, a pontuação (escore) era o mesmo para ambos, porém quando se alternava o uso do netbook cada um tinha sua pontuação individual. Segundo uma professora do 3º ano "em grupo, às vezes, só um joga e o outro anota assim não tem o resultado real".

Outra dificuldade recorrente, apontada por todos os professores participantes do projeto era o peso do netbook para trazer todos os dias para a escola. Muitos pais chegaram a reclamar diretamente aos professores. Entretanto, por questões de segurança e local apropriado para guardá-los não é possível deixar os equipamentos. Além disso, há poucas tomadas, em média duas por sala de aula, o que dificulta recarregar as baterias.

Essas questões levantadas reforçam a ideia de que a implantação de tecnologias no contexto escolar precisa tomar como preocupação a metodologia e os recursos que possam ser utilizados, pois as tecnologias constituem-se apenas em meios e o conteúdo a ser vinculado a mesma é que revela o potencial à mudança e a melhoria das condições de ensino e aprendizagem. Assim, ressaltamos que a possibilidade que o uso das tecnologias tem para enriquecer e transformar o processo de ensino e aprendizagem "só se efetiva com base em uma prática pedagógica que utilize as tecnologias como meios de desenvolver mediações pedagógicas e atividades educacionais inovadoras que contribuam com a formação de um aluno capaz de apropriar-se do conhecimento científico produzido; atuar ativamente e criticamente no seu contexto social; refletir sobre a realidade ao seu entorno" (Ramos, 2011, p. 50).

A partir dos resultados e dificuldades descritas, podemos afirmar que os jogos cognitivos inseridos no contexto escolar pressupõem condições de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo que precisam ser observadas. A importância dessas condições são reforçadas por Arndt (2012) que descreve características gerais e estruturais que espaços de aprendizagem precisam favorecer melhores resultados em relação a aprendizagem, pois algumas características podem influenciar na vontade de aprender, no bem-estar emocional e na sensação de segurança, bem como aspectos específicos podem influenciar em processos cognitivos, como percepção, atenção, compreensão e reflexão.

 

Considerações finais

A partir do exposto podemos reconhecer a contribuição que os jogos cognitivos oferecem ao desenvolvimento de aspectos cognitivos que são fundamentais para a aprendizagem. Assim, ao incluir o uso desse tipo de jogos na escola estamos favorecendo o desenvolvimento de habilidades que repercutem sobre o desenvolvimento dos alunos e com o seu processo de aprendizagem.

Por outro lado, sabemos que a escola de modo geral centraliza os seus objetivos de aprendizagem sobre conteúdos factuais e conceituais, sem dar o mesmo valor aos conteúdos procedimentais e atitudinais que são fortemente trabalhados nos jogos cognitivos.

Outro aspecto refere-se às condições necessárias para o uso dos recursos tecnológicos para o trabalho com jogos cognitivos eletrônicos e que oferecem vantagens como a maior acessibilidade e o menor custo, já que permitem o acesso a uma diversidade de jogo, sem custo e restrição de acesso. A inserção dos jogos eletrônicos garante acesso a um universo diversificado e múltiplo de jogos, dispõe de variadas opções sem custo, aproveita-se dos investimentos realizados na modernização das escolas, contribuindo com a inclusão e alfabetização digital dos alunos.

 

Referências bibliográficas

Arndt, P. A. (2012) Design of Learning Spaces: Emotional and Cognitive Effects of Learning Environments in Relation to Child Development. Mind, Brain, and Education, 6 (1), 41-48.         [ Links ]

Boot, W. R.; Kramer, A. F.; Simons, D. J.; Fabiani, M.; Gratton, G. (2008). The effects of video game playing on attention, memory, and executive control. Acta Psychologica. 129, (3), 387-398.         [ Links ]

Caillois, R. (1990). Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia.         [ Links ]

Dye, M. W. G.; Bavelier, D. (2010). Differential development of visual attention skills in school-age children. Vision Research, 50, 452-459.         [ Links ] Retirado em 01/10/2011, de world wide web: http://www.bcs.rochester.edu/people/daphne/VisionPDF/DyeBavelier2010.pdf.

Feng, J.; Spence, I.; Pratt, J. (2007). Playing an action video game reduces gender differences in spatial cognition. Psychological Science, 18, 850-855.         [ Links ] Retirado em 10/08/2012, de world wide web: http://www.psych.utoronto.ca/users/spence/Feng,%20Spence,%20&%20Pratt%20%28in%20press%29.pdf.

Gentile, D. A. (2011). The multiple dimensions of video game effects. Child Development Perspectives, 5, 75-81.         [ Links ] Retirado em 10/08/2012, de world wide web: http://www.drdouglas.org/drdpdfs/Gentile-5Dimensions.pdf.

Gil, A, C. (1996) Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Green, J. (2000). Neuropsychological evaluation of the older adult: A clinician's guidebook. San Diego, CA: Academic Press.

Huizinga, J. (1993). Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Kishimoto, T. M. (2001). O jogo e a educação infantil. In: Kishimoto, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. (pp. 13-44). 5ª ed. São Paulo: Cortez.

Lee, I.; Jones, J. (2008). Full Bloom: A Brain Education Guide for Successful Aging. Best Life Media: Sedona, AZ.

Lent, Roberto. (2005) . Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. Ed. rev. e atual. São Paulo: Atheneu.         [ Links ]

Leontiev, A. (2001). Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: Vigotsky, L. S.; Luria, A. R.; Leontiev, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. (pp. 119-142). São Paulo: Ícone.         [ Links ]

Li, R.; Polat, U.; Scalzo, F.; Bavelier, D. (2010). Reducing backward masking through action game training. Journal of Vision, 10 (14), 1-13.         [ Links ] Retirado em 01/10/2012, de world wide web: http://www.journalofvision.org/content/10/14/33.

Matlin, M. W. (2004). Psicologia cognitiva. 5. ed Rio de Janeiro (RJ): LTC.

Oda, J. Y.; Sant'ana, D. M. G.; Carvalho, J. (2002). Plasticidade e regeneração funcional do sistema nervoso: contribuição ao estudo de revisão. Arq. Ciênc. Saúde Unipar, 6 (2), 171-176.         [ Links ]

Miller, D. J.; Robertson, D. P. (2010). Using a games console in the primary classroom: Effects of 'Brain Training' programme on computation and self-esteem. Br. J. Educ. Technol., 41: 242-255.         [ Links ]

Ramos, D. K. (2011). As tecnologias da informação e comunicação na educação: reprodução ou transformação?. ETD: Educação Temática Digital, 12, 44-62.         [ Links ]

Seber, M. da G. (1997). A importância do jogo no desenvolvimento psicológico da criança In: Seber, Maria da Glória; Luís, Vera Lúcia F. Psicologia do pré-escolar: uma visão construtivista. (pp. 52 a 69). São Paulo: Moderna.         [ Links ]

Spreen, O., & Strauss, E. (1998). A compendium of neuropsychological tests. Administration, norms, and commentary. New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Vigotsky, L. S. (1989) A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1982). Por que as crianças brincam. Winnicott, D. W. A criança e o seu mundo. (pp. 161-165) 6ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. (Original publicado em 1965).

Wu, S; Cheng, C. K.; Feng, J.; D'angelo, L.; Alain, C.; Spence, I. (2012). Playing a First-person Shooter Video Game Induces Neuroplastic Change. J. Cogn. Neurosci., 24(6), 1286-1293.         [ Links ]

Zaroa, M. A; Rosat, R. M.; Meireles, L. O. R.; Spindolad, M.; Azevedo, A. M. P.; Bonini-Rochaf, A. C.; Timmg, M. I.(2010). Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar valor à pesquisa educacional. Cien. Cogn., 15 (1), 199-210.         [ Links ] Retirado em 10/09/2011, de world wide web: http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/viewArticle/276.

 

Notas

D. K. Ramos
UFSC - Departamento de Metodologia de Ensino (MEN), Campus Universitário, 1o. andar, Bloco B/CED. Caixa Postal: 476. Trindade, Florianópolis, SC 88040-900, Brasil.
E-mail para correspondência: dadaniela@gmail.com.

(1) Endereço do blog utilizado no projeto: http://jogoscognitivos.blogspot.com.br/