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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.61 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2009
RESENHA
Partisan publics: Communication and contention across Brazilian youth activist networks
Amana Rocha Mattos
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil
Endereço para correspondência
(MISCHE, Ann. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2008. 433 p.)
Partisan publics: communication and contention across Brazilian youth activist networks, da socióloga Ann Mische, traz um detalhado estudo sobre a participação política de jovens brasileiros em partidos políticos, movimento estudantil, ONGs e movimentos sociais no Brasil. A autora realizou seu trabalho de campo entre o final dos anos 1980 e 1990, e o livro traz a discussão de sua trajetória - que incluiu seis anos vividos no Brasil -, com as mais variadas inserções em campo, incluindo observação participante, aplicações de questionários, entrevistas formais e conversas informais com centenas de jovens, além da análise de publicações brasileiras e internacionais sobre política, participação e movimentos sociais. Apesar de a pesquisa ser composta por momentos políticos e grupos heterogêneos entre si (que vão da eleição do presidente Fernando Collor de Mello até meados dos anos 1990, passando pelo impeachment de Collor, e trazendo casos de jovens com inserções tão diversas quanto partidos políticos e empresas juniores vinculadas a universidades), seu texto apresenta ao leitor uma organizada sistematização do material recolhido, e oferece questionamentos importantes para se pensar a atuação política juvenil em nossa sociedade.
O livro desenvolve pontos que são de interesse para todos aqueles que, também na área da Psicologia, se dedicam a entender o processo de participação de jovens no cenário público, e nesse processo se veem às voltas com a política como algo institucionalizado e comprometido com um projeto para o país (''partidário'', no termo usado pelos sujeitos de sua pesquisa), ou como um exercício de envolvimento dos sujeitos com causas coletivas, com projetos de âmbito mais amplo do que os interesses privados. Essa tensão entre os diferentes tipos de participação e engajamento é explorada pela autora nos grupos por ela acompanhados, oferecendo uma abrangente discussão no campo das Ciências Sociais sobre o tema.
No que diz respeito às contribuições de seu texto para o campo da Psicologia, de início devemos ressaltar que o estudo de fenômenos políticos (não só na Psicologia Social, mas também no campo que vem se configurando como Psicologia Política) está ganhando cada vez maior interesse em nossa área. Além disso, seu livro traz um estudo aprofundado sobre um significativo período político brasileiro, em que o jovem despontou como um ator visível e participante nas mudanças ocorridas. Por fim, os perfis traçados pela autora e as detalhadas narrativas conferem densidade subjetiva aos resultados: ao acompanharmos passo a passo os inflamados debates em congressos do movimento estudantil em que jovens debatem as decisões a serem tomadas pelo grupo, ao lermos os argumentos de jovens de uma empresa júnior justificando por que não se envolvem com partidos políticos, ou ao tomarmos contato com as dificuldades encontradas por jovens negros que tentam organizar um congresso, entramos em contato com o rico e intenso campo da participação política, e com as diferentes inserções subjetivas e coletivas que são aí possíveis.
O livro é dividido em duas partes. Na primeira, intitulada ''Institutional Intersections'', a autora explora as sobreposições que podem ser observadas nos perfis de atuação das lideranças que se engajaram durante a década de 1980. Em um momento em que o país se reorganizava politicamente após anos de ditadura e de ilegalidade dos partidos políticos, o vínculo partidário era visto com orgulho pelos militantes e como uma referência central no trabalho desenvolvido por eles - mesmo quando atuando em outras instituições ou campos. A múltipla inserção das lideranças juvenis em diferentes frentes de atuação teria contribuído decisivamente para a articulação dos movimentos existentes, criando as redes de interlocução que vão permitir as conquistas da década seguinte.
Na segunda parte, ''Contentious Communication'', Mische discute as dinâmicas de comunicação política nos anos 1990 do ativismo juvenil. A participação massiva de jovens nas manifestações que antecederam o impeachment de Collor deu autoconfiança, maturidade e reconhecimento aos atores políticos juvenis. O texto faz uma cuidadosa apreciação de como esse momento foi sendo gestado pelos anos de mobilização política anteriores, pelas redes sociais que foram se constituindo e solidificando, pela articulação entre as lideranças, culminando no fenômeno aparentemente espontâneo que foi a saída dos jovens às ruas para reivindicar mais ética e transparência na política e, finalmente, a saída do presidente do cargo, no movimento que ficou conhecido como o dos ''caras pintadas''. Entretanto, passado esse momento em que forças opostas se uniram por um objetivo comum, o cenário político brasileiro se reorganizou profundamente, e a relação dos jovens com a política partidária já não é mais de simpatia e adesão como era alguns anos antes. Proliferam as atuações por causas pontuais e mais pragmáticas, aumentam as ações sociais que contam com recursos privados para sua execução, como é o caso do Terceiro Setor, e a filiação ostensiva a partidos políticos passa a ser vista com desconfiança. O partidarismo fica fora de moda.
Mische divide as jovens lideranças entrevistadas em coortes de acordo com o período em que começaram a se engajar politicamente. De maneira geral, para os jovens que iniciaram a militância nos anos 1980 - período de fundação e consolidação dos partidos políticos - a vinculação partidária é algo constante e acompanha as trajetórias dos entrevistados. Já entre os jovens que começam a atuar na década de 1990, período marcado pelo impeachment de Collor e liberalização e globalização da economia brasileira e mundial, a autora observa uma ambivalência ou mesmo hostilidade em relação à vinculação a partidos políticos. Assim, muitos desses jovens buscaram outros meios de participação para encaminhar seus interesses políticos e sociais, particularmente nas áreas cultural e profissional.
Uma das contribuições teóricas centrais do livro é pensar o espaço público, que seria o espaço de encontro e atuação política em nossa sociedade. Mische propõe uma acepção mais geral para a dimensão pública para, em seguida, discutir os diferentes estilos de atuação das lideranças e grupos nesse espaço, ressaltando suas potencialidades e fraquezas no exercício participativo. A autora entende a dimensão pública como um espaço intersticial, entre sujeitos e instituições, no qual os participantes suspenderiam temporariamente certas marcas identitárias (vinculação a determinados grupos, movimentos, ideologias) visando à possibilidade de interlocução e negociação com outros sujeitos. Em suas palavras, não se trata de '''livre expressão', 'publicidade', ou 'comunicação ilimitada', mas de suspensão provisória de aspectos potencialmente distraidores, disruptivos ou divisivos das múltiplas afiliações dos participantes.'' (MISCHE, 2008, p. 355). São marcas do espaço público o conflito e o embate de posições. Mische explora ao longo do livro as habilidades e práticas que são utilizadas por diferentes perfis de lideranças e grupos na atuação no espaço público, em contextos institucionais e relacionais específicos. Esses ''modos de ação'' variam entre a colaboração coletiva e a competição, entre a preferência pela discussão de ideias ou pela ação prática, e são discutidos à luz de casos empíricos e dos efeitos que cada estilo produz no funcionamento desses grupos.
Partisan publics, de Ann Mische, oferece um rico material para pensarmos a situação política brasileira atual. Com vasta discussão de casos e organização dos mesmos em esquemas e quadros que facilitam a leitura e problematizam as experiências dos jovens, o livro é excelente fonte de inspiração e informação para estudantes e pesquisadores interessados na participação do jovem na esfera pública, nos seus desafios e nas suas potencialidades.
Endereço para correspondência
Amana Rocha Matto
E-mail: amanamattos@gmail.com
Submetido em: 27/04/2008
Revisado em: 11/03/2009
Aprovado em: 31/03/2009