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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.62 no.3 Rio de Janeiro 2010
ARTIGOS
Tecnologia e trabalho: sentidos produzidos no cotidiano do transporte coletivo
Technology and work: meanings produced in daily transportation
Sandra Aparecida Resende DalmasoI; Maria Chalfin CoutinhoII
I Mestre. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Santa Catarina. Brasil
II Docente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Santa Catarina. Brasil
RESUMO
Objetivamos compreender os sentidos produzidos por cobradores de ônibus sobre as tecnologias. As observações de cunho etnográfico (no terminal e nos ônibus), com uso do Diário de Campo, formaram a base para as entrevistas com os cinco cobradores e um motorista. A psicóloga e o gerente de tráfego também foram entrevistados. A partir do referencial teórico-metodológico do construcionismo social, criamos duas categorias de análises: a) implantação do Sistema Integrado e mudanças no trabalho; e b) os sentidos da tecnologia em uso no transporte. Esta última reúne sentidos tanto positivos (tecnologias incorporadas) quanto antagônicos (embarcadas). A catraca, principal repre-sentante das tecnologias embarcadas, agiliza e traz maior segurança e é também a causa de maior controle do trabalho e da insegurança em relação ao futuro. A tecnologia, vista como responsável pela submissão e substituição do trabalhador, desconsidera qualquer relação sócio-histórica nela materializada.
Palavras-chave: produção de sentidos; trabalho e tecnologia; transporte público urbano.
ABSTRACT
We aim to understand the meanings produced by bus collectors about technologies. The ethnographic observations (in the integrated bus station and in the bus), using Field Diary, formed the basis for interviews with five collectors and a driver. The psychologist and the traffic manager were also interviewed. From the social constructionism theoretical-methodological approach two categories of analysis were developed out: a) implementation of the Integrated System and changes at work and b) the meanings of the technology used in the transport. This last meeting meanings both positives (incorporate technologies) and antagonistic (on-board). The turnstile, the main representative of on-board technologies, accelerates and increases safety and is also the cause of greater control of work and uncertainty about the future. The technology, seen as being responsible for the submission and substitution of the worker, disregarding any social-historic relationship materialized in it.
Keywords: meaning production; work and technology; urban public transport.
Introdução
A presença das tecnologias no contexto do trabalho não é algo contemporâneo. Em diferentes proporções e intensidades, o ser humano sempre se deparou com essa questão. Também o medo de que a máquina venha substituir o trabalho humano é anti-go. No entanto, pensar na tecnologia somente como um método de substituição e desqualificação humana seria uma visão um tanto ingênua. O uso da escrita, por exemplo, é indiscutivelmente um dispositivo que revolucionou toda a humanidade, sendo inclusive o marco que delimita o início da História. A dicotomia presente no debate atual sobre a introdução de novas tecnologias é fortemente marcada, por exemplo, pela Biotecnologia, que confronta opiniões conflitantes sobre seus potenciais efeitos, dividindo discursos e práticas, dentro e fora da ciência.
A introdução de tecnologias é vislumbrada por Marx como “mero momento do processo de valorização do capital, segundo o seu lado material, pela transformação do meio de trabalho em maquinarias e do trabalho vivo em mero acessório dessa maquina-ria; como meio de sua ação” (1941/2009, p. 242). Dessa forma, no atual mundo capitalista de economia globalizada, a tecnologia seria “um meio para se atingirem fins, como a ciência aplicada em ferramentas para aumentar a eficácia na produção de bens e serviços” (NOVAES e DAGNINO, 2004, p. 192). A necessidade de produzir, cada vez mais com menores custos, afeta também o setor de serviços à medida que se expande sob as novas configurações do mundo do trabalho, submetendo-se a racionalidade capitalista (Antunes, 2000). Uma amostra disso é o contingente de trabalhadores descartados pelo setor bancário (CORONA, 2006) e pelo setor de telecomunicações (BIANCHETTI, 2008), no final do último século.
Nos transportes, já em meados de 1990, novas tecnologias foram constatadas por Lima (1995), tanto na garagem quanto nos veículos. Equipamentos adotados, conforme a autora, para controle do trabalho, uma vez que cobradores e motoristas passam a maior parte de suas jornadas fora dos limites das empresas. Na cidade pesquisada foi implantado em 2003 o Sistema Integrado de Transporte (SIT), possibilitando ao usuário transitar por mais de uma linha, em um determinado tempo, pelo valor de uma única passagem. Para viabilizar essa integração, foi implementado o uso do cartão com chip para o pagamento das passagens e, por conseguinte, as catracas eletrônicas. E, desde então, permanece, entre os atores desse contexto, a discussão sobre a demissão dos cobradores. Presente no cotidiano, em especial por meio da imprensa local e do sindica-to dos trabalhadores, tal discussão acarretou algumas paralisações do transporte público em defesa da função dos cobradores, afetando grande parte da população.
É nesse contexto que a pesquisa1, sob uma perspectiva socioconstrucionista, buscou entender quais os sentidos produzidos por cobradores do transporte coletivo urbano em relação ao uso da catraca eletrônica em seu cotidiano de trabalho. O presente relato trata-se de um recorte da pesquisa, focando os sentidos produzidos pelos trabalhadores sobre as tecnologias, considerando dois momentos: na implantação do SIT e em uso no cotidiano do transporte. Dessa forma, apresentaremos a seguir uma breve discussão sobre a indissociabilidade entre tecnologia, sociedade e a produção de sentidos, para então apresentarmos os caminhos percorridos no desenvolvimento da pesquisa. As discussões sobre os resultados serão tecidas a seguir, após o que traçaremos algumas considerações finais.
Tecnologia, Sociedade e Produção de Sentidos
A questão das tecnologias imbrica-se com o desenvolvimento da humanidade, uma vez que o uso de ferramentas potencializou a ação humana sobre a natureza: o que se traduziria em potencialização do próprio homem, pois este se constitui no/pelo trabalho (MARX, 1867/1998). O crescente desenvolvimento da tecnologia tem sido um dos fatores que corroboram para o redesenho do mundo do trabalho, não apenas de forma quantitativa. É inegável “o significado das transformações observadas nas últimas décadas, afetando tanto as relações concretas, como as formas de ser dos sujeitos incluídos/excluídos no atual contexto produtivo” (COUTINHO, 2009, p.189). Tais mudanças podem ser exemplificadas com a diminuição da carga de esforço físico e do trabalho repetitivo e enfadonho ou a supressão de profissões, como do acendedor de lampião (AUED, 1997). Visível também a modificação nos perfis das ocupações – substituição do telefonista, do datilógrafo e a emergência do programador e do operador de telemarketing (POCHMANN, 2005). Os novos postos de trabalho na área tecnológica, em especial a microeletrônica, pressupõem a desapropriação dos saberes dos trabalhadores e sua incorporação em softwares (BIANCHETTI, 2008). Dessa forma, têm-se configurado (e se reconfigurado) as mudanças das ocupações/profissões no atual contexto laboral.
Faz-se necessário situar a tecnologia como um artefato eminentemente humano. Tal afirmação pode parecer desnecessária em se tratando de um texto circunscrito às ciências ditas humanas; no entanto, só “recentemente alguns autores têm trabalhado com o pensamento de que a tecnologia é, antes de tudo, uma ciência humana” (TONELLI, 2000, p.48). Mesmo em autores das ciências sociais, a tecnologia é apresentada como um fator autônomo, além da sociedade que a produz (BENAKOUCHE, 2005). A tecnologia seria responsável por impactos produzidos em determinados grupos sociais, como se, dicotomicamente, estes fossem descolados dos artefatos que produzem. Ao opor-se a esse ponto de vista, a autora busca “desmistificar a falsa autonomia da técnica, rejeitar a noção de impacto tecnológico, reconhecer, sobretudo, a trama de relações – culturais, sociais, econômicas, políticas... – que envolve sua produção, difusão e uso” (p. 95).
Nesse mesmo sentido, Dagnino (2006) vai além de apontar a intrínseca relação entre ciência, tecnologia e sociedade, apresentando as distintas formas pelas quais tem sido abordada a relação entre os três construtos, constituindo duas grandes categorias. Uma primeira vertente parte do foco na ciência e tecnologia (C&T), e uma segunda discute essa relação a partir do foco na sociedade. Segundo o autor, quando se estuda C&T e sociedade focando na primeira opção, a tecnologia deixa de ser assunto político, passando a ser encarada apenas pelo seu aspecto técnico, de forma neutra e/ou determi-nista.
Dentro da visão de neutralidade tecnológica, haveria uma espécie de proteção, como uma barreira virtual, que separaria a sociedade da tecnologia. Assim, C&T seriam desprovidas de valores e intencionalidades; a tecnologia emergiria como um ente exter-no à sociedade. Essa visão está em consonância com a ideia de desenvolvimento progressivo, havendo uma sucessão e acúmulo de conhecimento, uma espécie de darwi-nismo tecnológico, no qual os mais aptos permaneceriam (DAGNINO, 2006). A não-neutralidade é a afirmação do conteúdo político materializado em cada novo dispositivo tecnológico (BIANCHETTI, 2005). É o reconhecimento dos contextos sociais e econômicos que proporcionam a emergência e permanência de certas tecnologias.
O determinismo tecnológico seria compreender a história de uma sociedade sendo determinada pelas tecnologias produzidas e/ou impostas a ela, ou sofrendo impactos, como foi apontado por Benakouche (2005). Uma vez instauradas num contexto capitalista, as catracas eletrônicas desenvolvidas pelas empresas privadas parecem não ter outro objetivo senão a busca pelo aumento da lucratividade. No entanto, de acordo com Zuboff (1988, apud COUTINHO, 2006), as transformações tecnológicas nem sempre ocorrem de acordo com o planejado pelas organizações. Uma vez que outros atores sociais estão envolvidos nessa complexa realidade, a implantação de um novo sistema de transporte também depende da participação dos trabalhadores e usuários. Portanto, é preciso compreender como ocorrem efetivamente (nas situações concretas) essas transformações e os respectivos sentidos produzidos pelos trabalhado-res do atual sistema de transporte.
As abordagens que tratam de sentidos parecem ser tão diversas quanto os múltiplos sentidos atribuídos às ações humanas. Uma descrição panorâmica das perspectivas teóricas acerca dos processos de significação no âmbito do trabalho foi realizada recentemente por Tolfo, Coutinho, Baasch e Cugnier (no prelo)2. No presente artigo, porém, o foco da análise está nos sentidos construídos por trabalhadores do transporte público urbano, ancorada no construcionismo social.
De acordo com Ibáñez (2003), o construcionismo emerge como crítica às correntes tradicionais e dominantes da psicologia social dos anos 60/70 do século passado. Uma crise tanto epistêmica quanto prática de uma psicologia ancorada nos paradigmas positivistas: um social de laboratório que não se comunicava com a sociedade em que se encontrava. Novos estudos passam então a considerar “as pessoas em sua interação cotidiana e as atividades que elas desenvolvem em seus contextos imediatos” (IÑIGUEZ, 2004, p. 78).
Epistemologicamente, o construcionismo busca superar a dicotomia entre a realidade dos empiristas e a subjetividade dos idealistas. Entende o discurso como ação, como processos relacionais das interações sociais. Dessa forma, as práticas discursivas não se originam nem no mundo interno, nem tampouco no mundo externo aos sujeitos. É justamente nesse afastamento das concepções mentalistas, clássicas da Psicologia, que o construcionismo social se aproxima da perspectiva materialista histórica – fundamentação teórica de muitos autores do presente texto3.
“O materialismo histórico e o construcionismo social fornecem contribuições ao desenvolvimento da Psicologia social. Ambos partem de uma perspectiva crítica de ciência, considerando a natureza sócio-histórica do ser humano, acirrando as contradições dos conceitos assumidos como “verdade” e, acima de tudo, buscando transformações no status quo” (CALDANA; FIGUEIREDO, 2008, p. 473).
Mesmo reconhecendo as diferenças entre as abordagens apresentadas, estamos de acordo com Codo (2002, p. 185) sobre a complexidade e o caráter inter, multi e transdisciplinar do trabalho como objeto de estudo; assim: “o pesquisador do trabalho deve aprender a conviver entre distintas ciências com distintas abordagens e distintos cacoetes metodológicos...”. Desse modo, buscamos neste estudo compreender os sentidos sobre tecnologias produzidos no cotidiano de trabalhadores do transporte, tomando como referência uma análise construcionista dos discursos produzidos pelos entrevistados; ao fazê-lo, dialogamos com diferentes estudiosos sobre temática do estudo.
De acordo com Caldana e Figueiredo (2008), o construcionismo social é parte das ciências psicológicas que consideram fundamentalmente os processos sociais como construtores da subjetividade humana, sendo esse social, dialeticamente, produto das ações humanas. Por não ser uma prática intraindividual, a produção de sentidos é sempre dialógica, o que implica a linguagem em uso. Assim, o sentido é entendido pelo construcionismo social como
“uma construção social, um empreendimento coletivo mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas, na dinâmica das relações sociais, historicamente datadas e culturalmente localizadas, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta” (SPINK, 2004, p.48).
A vivência do cotidiano não é significativa por si só, mas a base material sobre a qual se produzem os sentidos, na relação com outras experiências vividas. Assim, “o sentido nada mais é do que uma forma complexa de consciência [...] é a consciência de que existe relação entre as experiências” (BERGER e LUCKMANN, 2004, p. 15). As experiências do aqui e agora são sempre relacionadas com experiências do passado. “O sentido do agir atual é prospectivo, contudo a ação realizada é retrospectivamente significativa. O agir é orientado no sentido de um objetivo preprojetado” (p. 16). Portanto, os sentidos produzidos nas ações do cotidiano, presentificados nos discursos, têm relação imediata com toda a biografia do sujeito, relação com o sentido da vida.
Método
Realizamos um estudo de caso de cunho etnográfico com os cobradores de uma empresa de transporte coletivo urbano. Esse tipo de pesquisa permite entrar em contato tanto com a linguagem como com as regras implícitas do cotidiano dos sujeitos, as quais não são apreendidas, muitas vezes, por outros instrumentos, possibilitando conhecer o contexto material no qual os processos de produções de sentidos se dão (SATO e SOUZA, 2001). A aproximação com o campo se deu por meio de entrevista realizada com a psicóloga responsável pela seleção dos cobradores. O gerente de tráfego, encarregado pelo setor de operação da empresa, também foi entrevistado.
Elegemos dois instrumentos para o levantamento das informações: observações e entrevistas individuais. Iniciamos as observações do cotidiano de trabalho do cobrador em um Terminal de Integração (TI), local de maior circulação dos trabalhadores. Por quatro meses permanecemos observando, dialogando e registrando no Diário de Campo o cotidiano do trabalho no transporte. Etapa fundamental por dois importantes fatores: criação de um vínculo de confiança com os sujeitos e para propiciar um contato direto com as relações laborais e os discursos produzidos em seu contexto original. Posteriormente acompanhamos o trabalho de três cobradores (totalizando 16 viagens). A escolha se deu pela descrição feita pelos trabalhadores qualificando as linhas como fortes ou fracas por diversos fatores (duração, itinerário, características dos usuários...). Durante as observações embarcadas, colocávamo-nos no banco imediatamente após o cobrador possibilitando assim uma melhor visualização da triangulação: cobrador, catraca e usuário.
E, por fim, outro instrumento que lançamos mão foi a entrevista, pois há entre ela e a observação uma relação inseparável. Sato e Souza (2001) sugerem que a utilização de uma pesquisa com orientação etnográfica em conjunto com a entrevista pode ser uma fértil proposta de se conhecer o cotidiano da vida dos sujeitos nos locais de trabalho. Seis trabalhadores foram entrevistados – cinco cobradores e um motorista. Utilizamos a entrevista compreensiva que, de acordo com Zago (2003, p. 295), “não tem uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação”. As entrevistas foram realizadas com dia e hora marcada num mesmo local: a sala de aula de uma instituição de ensino, uma vez que não havia no TI um local silencioso e que garantisse a confidencialidade dos sujeitos. Utilizamos um gravador de voz digital e as entrevistas foram transcritas na íntegra. Após esse tratamento as transcrições foram remetidas aos respectivos sujeitos para apreciação. Essa devolutiva é parte dos pressupostos éticos aos quais se respaldou essa pesquisa4.
A análise foi desenvolvida com inspiração no referencial teórico-metodológico do Núcleo de Psicologia Social e Saúde, coordenado pela Professora Mary Jane Spink, que fundamenta suas práticas no construcionismo social5. Spink (2004, p. 54) sugere a construção de mapas que “remetem a um estilo de exploração de territórios que tem como pressuposto a existência objetiva de terrenos cujas características podem ser reproduzidas em imagens”, permitindo a visualização do material transcrito e sistemati-camente organizado. Assim, as entrevistas são dispostas em forma de tabelas, mantendo as sequências das falas por meio das linhas, para não descontextualizá-las, e as colunas são definidas de acordo com os temas produzidos pelo discurso. Dessa forma, os mapas foram construídos a partir das entrevistas; no entanto, foram as observações do cotidiano do trabalho que proporcionaram uma base para o entendimento dos discursos dos sujeitos apresentados nos mapas. O Diário de Campo se constituiu num elemento fundamental tanto na fase da coleta quanto durante toda a análise das informações, possibilitando a integração dos múltiplos sujeitos, dando-nos um efetivo suporte para interpretação e contextualização das falas e dos não ditos durante as entrevistas.
Num primeiro momento, foram construídos mapas individuais. Porém, partindo da concepção do construcionismo de que não é possível produzir sentidos individual-mente, sendo sempre uma construção social, desenvolvemos então uma análise global a partir dos mapas. Assim, toda a prática discursiva, que, a princípio, se apresentava individualizada, deu forma a um único discurso: o discurso do coletivo. Dentre as categorias de análise produzidas a partir desse discurso, discutiremos no presente texto duas delas: a) implantação do Sistema Integrado e mudanças ocorridas no trabalho; e b) os sentidos produzidos sobre as tecnologias em uso no transporte.
O Transporte e suas tecnologias
A experiência vivida no cotidiano torna-se a base na qual construímos nossos processos de dar sentido ao mundo, uma vez que nós, seres humanos, somos capazes de relacionar as diferentes experiências dos diversos momentos da nossa história (BERGER e LUCKMANN, 2004). Assim, os sentidos são produções histórica e contextualmente locali-zadas. Os sentidos produzidos sobre as tecnologias aplicadas ao transporte no momento de sua implantação (ano de 2003) diferem daqueles produzidos hoje sobre as mesmas tecnologias, após anos de uso e adaptações. Dessa forma, analisaremos num primeiro momento a implantação do SIT e os sentidos produzidos sobre as tecnologias introduzidas no transporte e, posteriormente, os sentidos produzidos em relação ao uso no atual cotidiano do Transporte.
Sentidos da Implantação do Sistema Integrado
A empresa, fundada na primeira metade do século XX, contava, no momento da pesquisa, com 720 trabalhadores, sendo 240 na função de cobrador de ônibus. Possuía 147 carros (mais de 30% da frota municipal) responsáveis por 15% das linhas regulares, possibilitando o transporte de aproximadamente 23% dos passageiros do SIT. Novas ferramentas de gestão e de produção do transporte urbano foram implantadas através de um consórcio entre cinco empresas com o objetivo de controlar todo o processo de produção e arrecadação, formando assim uma espécie de rede entre o empresariado do setor. A partir de então, uma nova concepção de gerenciamento do transporte público passou a vigorar na cidade, acompanhando as novas exigências estabelecidas pela re-estruturação produtiva. O SIT, projetado dentro da lógica de flexibilização, passa a fazer parte do cotidiano do trabalhador do Transporte. A descentralização do sistema de transporte (construção de terminais de integração), a organização de novas ferramentas de gestão e comercialização dos créditos (cadastro de usuários, emissão de cartões com chip e arrecadação) e a implantação de equipamentos para gestão da informação (catraca eletrônica, validador e o Terminal de Acerto de Contas – TAC6) alinham tanto equipamentos de infraestrutura quanto inovações de base microeletrônica, formando um conjunto de equipamentos embarcados e estacionários. A catraca eletrônica constitui-se, assim, um dos equipamentos do novo sistema de transporte implantado no ano de 2003.
Para o cobrador, a implantação do novo e complexo conjunto de tecnologias, bem como a sua adaptação, foi descrita como um período de pouca informação e muito trabalho. Um trabalhador lembra o desfalque no quadro dos operadores em função do aumento do número de linhas. Assim, até que 80 novos funcionários fossem contrata-dos, ele trabalhou por 55 dias corridos, sem folgas, com uma jornada que se iniciava às 5 da manhã e ia até a meia-noite: “foi uma fase bem difícil, bastante sofrida!” 7. A falta de informação aos usuários foi um dos principais fatores estressantes apontados pelos trabalhadores. Os novos terminais eram divididos em duas grandes áreas, separadas por catracas, tendo uma dessas áreas como destino o centro da cidade e outra os bairros. Essa divisão se fazia necessária, uma vez que os valores das passagens para esses dois destinos se diferenciavam. As passagens também variavam de acordo com a área da cidade (dividida em 7 regiões) e com a forma de pagamento: cartão ou dinheiro. Para os usuários do cartão havia também diferenciação entre as categorias: cidadão, trabalhador, estudante, idoso e deficiente. Todo esse contingente de novidades transformou a implantação em “uma época que marcou bastante pra gente pelo transtorno e pelo tumulto que dava ali, né?! Das pessoas que não sabiam pra onde iam, pra onde que... se desciam, se pagavam, se voltava”. Manifestações públicas ocorreram, na época da implantação, em todos os terminais de integração.
Por um período, imediatamente após a implantação do SIT, os “antigos passes de papel” ainda eram aceitos como forma de pagamento. Apesar do treinamento recebido, os cobradores precisavam “ter aquela manobra”, pois tinham em mãos vários cartões: um cartão para abrir e fechar as viagens, um cartão de estudante, um de gratuidades (deficientes e idosos), um de vale transporte. E quando era dinheiro, liberavam a catraca por meio de um botão.
“A gente fez um treinamento [...] tu ver as pessoas falando ali é assim e assim é uma coisa. Mas na hora tudo é novo ali pra ti, é bem diferente. Tu fica nervosa, tu fica: ‘Ah! Meu Deus! O que que eu faço com esse cartão?’. O que era ‘um pouco’ complicado, né?!. Principalmente quem fazia praia, imagine: um monte de gente embarcando e tem que tá ali ainda escolhendo cartão... no final sempre tinha diferença, né?!”.
O SIT foi um projeto pensado como solução para o transporte coletivo urbano, abarcando as cinco empresas concessionárias. A padronização de alguns processos de produção foi intensificada, independente da cultura e da realidade de cada empresa. A implantação de novas tecnologias produtivas em uma empresa familiar, como é o caso da empresa pesquisada, na qual as relações são fortemente marcadas por uma postura paternalista e pela valorização dos laços afetivos, se dá de forma bastante contrastante. Há na introdução de maquinarias uma reificação do trabalhador, uma valorização do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo (MARX, 1941/2009; WOLFF, 2009). E, por conseguinte, há um distanciamento das relações afetivas, uma das principais características das organizações familiares, conforme Macedo (2002).
Com a introdução do sistema integrado de transporte houve maior secção do trabalho do cobrador, surgindo inclusive uma nova ocupação: o agente de terminal. Esse profissional passou a executar apenas uma das tarefas do cobrador: administração de valores. Porém, a cobrança das passagens feita por ele se dá em um posto fixo, fora dos carros. Com a passagem paga antecipadamente, por meio do cartão eletrônico, um grande volume de dinheiro também se deslocou dos ônibus para poucos pontos fixos de vendas no terminal. Se por um lado gerou maior segurança para os cobradores8, por outro acarretou muita insegurança aos agentes de terminal. Uma média de R$ 400,00 por veículo se transformou em R$ 10.000,00 por guarita. Para o cobrador entrevistado faltou planejamento na implantação do sistema, o que resultou em um posto de trabalho inadequado para a nova função, principalmente pela falta de equipamento de segurança.
A fragmentação também alcançou aqueles que se mantiveram embarcados. Linhas longas, percorrendo bairros extremos da cidade até o centro, foram fracionadas, com diminuição da distância percorrida e o aumento da frequência. Anteriormente à implantação do SIT, o usuário era deslocado durante todo o extenso trajeto por uma única dupla de operadores, o que proporcionaria um espaço-tempo de convivência entre usuários e operadores – base de uma relação de respeito mútuo, de acordo com um cobrador.
“A gente trabalhava numa linha que ia até o centro direto. Não parava, entende? Não tinha terminal. E eram passageiros do dia a dia, eram do dia, todo dia. Todos os passageiros que entravam era ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite’, era às vezes... ‘oh seu motorista’, e ‘Sr. Cobrador...’ a mesma coisa... um respeito que eles tinham pela gente, sabe?! É... a amizade que se criava dentro do ônibus entre os passageiros, o motorista, o cobrador. Era uma coisa que era o cotidiano... era o dia a dia. [...] Hoje tem que é... aconteceu várias vezes de agressão, de passageiro contra cobrador, contra... teve um menino agora que ele trabalha com a gente que ele foi espancado na linha por uns 15 guri, porque ele mandou um cara botar a camisa9.”
De acordo com cobradores, todos se conheciam, sabiam onde moravam e para qual time de futebol torciam. Maior taylorização do transporte trouxe o que muitos trabalhadores apontam como um estranhamento entre as pessoas embarcadas cotidianamente no ônibus. De acordo com Almeida (2002, p. 67), “o contato com os (as) usuários(as) do transporte coletivo apresenta-se como o principal fator de estresse”. Os cobradores atribuem às novas tecnologias de gestão do transporte a principal dificuldade de seu trabalho: a árdua tarefa de atender os usuários. Em uma pesquisa sobre o proces-so de automatização dos sistemas financeiros, os bancários também entendiam como negativas as consequências da introdução de novas tecnologias em relação ao contato com os usuários. Esses profissionais, segundo Corona (2006, p. 84), consideravam “o contato face a face como um dos aspectos fundamentais para outorgar um sentido posi-tivo a seu trabalho”. No modelo de relação em que o passageiro era “um camarada da família”, as queixas eram feitas diretamente ao cobrador a cada eventualidade. Para os cobradores, não havia nesse momento o propósito de prejudicar os trabalhadores do transporte. Com o distanciamento ocorrido entre os atores desse contexto, originado pelo SIT, os anônimos usuários passaram a agredir e a denunciar os cobradores como forma de punição. Haveria, nesse momento, para os cobradores uma intenção, por parte dos passageiros, de prejudicar os trabalhadores do transporte. Cria-se um clima de tensão e de disputa de poder no espaço do ônibus.
Para a psicóloga encarregada pela seleção dos profissionais na empresa pesquisada, “apesar de o nome da função ser esse, hoje a função de cobrar as passagens talvez não seja a maior parte do trabalho”. Ao listar uma série de atividades, como auxiliar o motorista nas manobras e no embarque/desembarque de passageiros, atribui maior ênfase à tarefa do atendimento ao contingente de pessoas atendidas diariamente. Uma análise cuidadosa do trabalho efetivamente realizado pelos cobradores poderá nos mostrar que muitas das tarefas efetuadas no dia a dia não são prescritas e, consequentemente, não são reconhecidas. Talvez o título da ocupação não seja o mais indicado, ou pode-se dizer até mesmo que seja uma denominação bastante reducionista. O sentido do termo cobrador não traduz a realidade da ocupação. Cobrar a passagem pode ser simplesmente substituído por um processo automatizado, porém relacionar-se com os passageiros, auxiliar os motoristas e as demais atividades exercidas por esses profissionais talvez não seja passível de substituição.
Os sentidos produzidos sobre as tecnologias em uso no transporte
Embora as inovações tecnológicas estejam hoje presentes em todas as esferas da vida das pessoas, dentro e fora do espaço laboral, conceituá-las não se constitui em uma tarefa simples. Quando questionados, os entrevistados muitas vezes optavam por exemplificar num primeiro momento e, só posteriormente, definiam o que entendiam por tecnologia. Assim, foi-lhes solicitado que listassem tecnologias presentes no cotidiano doméstico e do trabalho. Os exemplos do âmbito doméstico estavam, em sua maioria, estreitamente ligados às inovações de base microeletrônica e, mais especificamente, às TICs – Tecnologias de Informação e Comunicação, como celular, notebook e internet. No espaço laboral, destaque foi dado à catraca eletrônica e/ou seus componentes. O motorista foi o único que não mencionou o sistema automático de bilhetagem.
A tecnologia foi definida como produto de um progresso, do avanço, de uma evolução natural, sempre em função de melhorias constantes a favor da humanidade. Especialmente no trabalho, os exemplos eram sempre conjugados a um qualificativo; assim, não se trata apenas de uma porta, uma direção ou uma catraca. As inovações trazem o aditivo que atesta a evolução em relação às versões anteriores, a porta agora é automática, a direção hidráulica e a catraca eletrônica. Uma espécie de darwinismo tecnológico, como denominado por Dagnino (2006), um processo em que sobrevivem as tecnologias mais aptas. No discurso dos entrevistados, o avanço tecnológico acontece independente da ação do sujeito, reservando a este apenas a tarefa de acompanhar o desenvolvimento das máquinas responsáveis pela direção a ser tomada pela humanidade. A tecnologia não é vista como um produto de relações sociais, historicamente marcadas, mas sim como produtora dessas. Não ser capaz de se qualificar para lidar com as tecnologias deixaria o sujeito à margem da sociedade, sendo o desemprego uma consequência automática e naturalizada desse progresso da humanidade para os que não acompanham os avanços. O desenvolvimento tecnológico, descrito pelos entrevistados como “uma coisa que é inevitável”, tornaria a vida das pessoas mais fácil.
Ao investigar os sentidos atribuídos às novas tecnologias no trabalho dentro de uma perspectiva socioconstrucionista, Tonelli (2000) analisou sentidos ambíguos que os trabalhadores outorgavam aos computadores utilizados no seu cotidiano de trabalho. Os sentidos produzidos por esses sujeitos foram agrupados em três grandes categorias: as máquinas corporificadas (com se fizessem parte do corpo humano), as máquinas encantadas (um objeto quase mágico, recoberto de afeto) e as máquinas vistas como instrumentais (parte indispensável do trabalho, sem as quais esse não seria possível). As tecnologias que foram nomeadas pela autora como corporificadas, tendo como exemplo o computador e o relógio, seriam descritas como uma extensão do corpo dos sujeitos.
O estudo citado inspirou a análise da presente pesquisa, porém, aqui os equipamentos tecnológicos se incorporam à própria máquina, sendo compreendidos como parte fundamental dessa estrutura, formando um único organismo. Assim, os sentidos produzidos pelos cobradores em relação às novas tecnologias produtivas foram analisados em dois grupos: os equipamentos incorporados aos veículos e as tecnologias embarcadas. Os primeiros passaram a fazer parte dos carros e são vistos como melhorias desses, uma espécie de evolução natural da máquina; assim, seriam partes essenciais do corpo do ônibus, como a direção, o motor e a porta, sendo uníssona sua avaliação positiva. Já as tecnologias “embarcadas” não se trata necessariamente de uma parte do veículo, mas uma espécie de acessório acoplado à máquina, um complemento sem o qual o transporte não ficaria impossibilitado de funcionar, como a catraca eletrônica. Esse segundo grupo, por sua vez, gera sentidos antagônicos em relação ao seu uso. Os trabalhadores acreditam que as tecnologias embarcadas são por um lado boas, pois facilitam o cotidiano, mas sempre há um condicional, ao serem um dispositivo usado para o controle do trabalho.
As inovações tecnológicas incorporadas aos veículos adequaram o setor do transporte urbano aos parâmetros da re-estruturação produtiva, tornando-o mais atraente no mercado, uma vez que a inovação “se tornou a principal estratégia competitiva das grandes empresas no atual contexto econômico” (WOLFF, 2009, p. 90). No entanto, para os operadores a incorporação das novas tecnologias aos veículos trouxe maior conforto, saúde e qualidade de vida no trabalho, sendo inquestionáveis os benefícios das mudanças tecnológicas ocorridas no transporte. “Aqui o capital – de modo completamente involuntário – reduz o trabalho humano a um mínimo, o dispêndio de forças. Isso vem para o bem do trabalho emancipado e é a condição de sua emancipação” (MARX, 1941/2009, p. 246). Trabalhadores relatam que os novos carros com caixas de direção hidráulicas, câmbios automáticos e freios a ar demandam menor desgaste físico, tornando o trabalho mais leve.
“Hoje os ônibus estão tudo mudando, mais... eu cheguei a pegar a época que era tudo a óleo. O motorista tinha que ficar em pé pra esterçar o volante. Hoje é tudo mais... o freio também era à óleo, era tudo duro, hoje é tudo à água. A marcha ali também eletrônica. É mais fácil de mudar a marcha. Pro motorista já melhorou bastante, né?”
Na indústria automobilística em geral, motores, carrocerias e combustíveis mais eficientes e econômicos são constantemente desenvolvidos, buscando sempre a superação tecnológica. A vibração causada pelos veículos, responsável por sérios problemas na coluna vertebral, como lombalgia e hérnia de disco, conforme apontam Silva e Mendes (2005), foi amenizada com os novos modelos de amortecedores desenvolvidos para transporte urbano. O deslocamento do motor da parte dianteira do veículo para a traseira, além da redução da temperatura, diminuiu consideravelmente a exposição ao ruído e, consequentemente, a probabilidade de perda auditiva dos trabalhadores. De acordo com Silva e Mendes (2005), a média dos níveis de emissão sonora do motor dianteiro é cinco vezes maior do que a média dos níveis de emissão do motor traseiro. Assim, o ruído, prejudicial à saúde auditiva e um dos fatores de irritabilidade e estresse dos trabalhadores do transporte, foi amenizado com as novas tecnologias. Para o cobrador, cuja grande parte das tarefas requer comunicação tanto com o motorista quanto com os usuários, o barulho no interior do veículo acrescido aos sons do trânsito pode levar a dificuldade de estabelecimento de vínculos e a necessidade de repetição das informações fornecidas, gerando maior desgaste ao trabalhador. Assim, as tecnologias “incorporadas” trouxeram ao trabalho dos motoristas e cobradores mais saúde tanto física quanto mental.
Em continuidade pela busca por redução do custo da produção e pela intensifica-ção do lucro, outras tecnologias foram introduzidas no sistema de transporte, porém estas não são mais percebidas pelos cobradores apenas como benéficas, enquadram-se na modalidade embarcadas. A automatização da bilhetagem tornou a prestação de contas menos mecânica, repetitiva, mais rápida e segura, agilizando a tarefa e diminuindo a chance de erro. Os vales transporte de papel eram colados, um a um, em formulários ao final do dia. Além de dispendioso, a perda de um desses passes resultava em prejuízo para o trabalhador, como descreve um entrevistado: “imagine então... 10, 15 folhas daquilo, colar passe por passe, cheio de cola Tenaz”. Para os cobradores a diferença no caixa é algo estressante, pois quando isso acontece são chamados na garagem para o acerto.
A bilhetagem eletrônica agiliza a viagem e aumenta a segurança no desembarque. O motorista aguarda o sinal do cobrador para a liberação das portas. A não atenção despendida, simultaneamente, ao embarque e desembarque de usuários pode causar graves acidentes. A segurança no interior do veículo aumentou também devido à menor quantidade de dinheiro transportado, o que foi, sem dúvida, um ganho para toda a população do transporte. Os assaltos à mão armada no transporte urbano compõem a realidade de muitas cidades, fazendo deste um espaço inseguro para os usuários e para os trabalhadores, ameaçando suas integridades física e psíquica. “Os sucessivos traumas experimentados pelos que trabalham nos veículos coletivos provocam ansiedade, transtornos de medo e conflitos de identidade” (Paes-Machado e Levenstein, 2002, p. 1223). Outro aspecto relacionado com a violência urbana são os atritos diários com os usuários. Com a compra dos passes eletrônicos dois problemas foram amenizados: a falta de troco e as notas falsas circulando no transporte. O menor contato com os usuários foi destacado também como um fator positivo do sistema integrado de transporte, considerando o desgaste emocional sofrido na relação usuário-cobrador.
Interessante ressaltar a contradição aqui presente. O distanciamento dos usuários foi apontado durante a pesquisa como um resultado negativo da implementação do SIT. A fragmentação das linhas teria diminuído o contato cotidiano entre usuários e trabalhadores do transporte, gerando um estranhamento e diminuindo assim o respeito mútuo entre os sujeitos desse contexto. No entanto, não há, nesse momento, o mesmo entendimento. A relação conflituosa instaurada com maior taylorização do transporte é então compreendida pelos trabalhadores de forma invertida. Assim, o usuário, que nas longas viagens do dia a dia se tornava camarada, torna-se alguém que incomodará necessariamente, e a introdução tecnológica deixa de ser a origem do conflito e passa a ser a solução para a relação conturbada, aumentando ainda mais o distanciamento e o estranhamento entre os sujeitos embarcados.
A listagem de fatores tidos como positivos pelos cobradores em relação ao uso das tecnologias “embarcadas” no cotidiano de trabalho é dicotomizada com dois sentidos negativos produzidos sobre esse conjunto de dispositivos: o maior controle do processo de trabalho e a eminência da substituição do trabalho humano pela máquina. Para Cruz (1998) o pessoal da operação é considerado um dos fatores de maior custo no transporte. Uma vez que cabe ao poder público a regulamentação das políticas tarifárias e do sistema de remuneração dos operadores, as empresas precisam criar outros parâmetros para o aumento da lucratividade. Portanto, o empresariado busca “novas formas de organização do trabalho, tendendo a utilizar-se de maior aparato tecnológico para controle e redução de custos de operação de pessoal e da frota” (CRUZ, 1998, p. 56), o que geraria, segundo o autor, economia de combustível, maior durabilidade do motor, maior vida útil dos pneus, menor desgaste das lonas de freio, entre outros benefícios econômicos para a empresa de transporte. Para os cobradores a catraca eletrônica e seus componentes são claramente ferramentas de monitoramento do seu processo de trabalho, interferindo no cotidiano do transporte.
“O validador guarda todas as informações da gente, de viagem, de tudo, dos cartões que passam. O TAC, que é onde a gente descarrega todo o nosso trabalho, né?, no fim do dia, onde a gente coloca o cartão ali e sai toda aquela fichinha de tudo que a gente fez durante o dia, jornada, viagem, pagantes com cartão, com dinheiro.”
A gama de atividades executadas fora dos portões da empresa passou então a ser registrada e acompanhada por esses equipamentos. O que seria no sistema capitalista inevitável, de acordo com Alves (2007, p. 187), pois a presença do trabalho vivo fará com que o capital sempre tenha “a necessidade obsessiva de instaurar mecanismos de integração (e controle) do trabalho humano”. A rotina do trabalhador passa a ser então “determinada e regrada por todos os lados pelo movimento da maquinaria e não ao contrário” (MARX, 1941/2009, p. 242). Equipamentos que, de acordo com Lima (1995), ameaçam a autonomia do trabalhador. A autora destaca outros dispositivos de controle, como os monitores de esforços excessivos em curvas e freadas e o sensor de tensão das correias do motor, responsáveis pelo registro de grande parte dos eventos ocorridos no decorrer da jornada de trabalho no transporte. O mural disposto no refeitório do TI pesquisado possui gráficos que expõem, constantemente, o desempenho de cada carro, alertando para as práticas de direção econômica, “incentivada” pela empresa, por meio de treinamentos.
No entanto, o controle exercido com o uso da catraca eletrônica tem, em algumas situações, um sentido positivo para o cobrador. A ocorrência de atos violentos cometidos contra os operadores no interior do ônibus pode ser investigada com a ajuda desse dispositivo. A catraca eletrônica é um instrumento que auxilia no rastreamento dos infratores. Uma vez que os usuários foram cadastrados, seus deslocamentos pela cidade podem ser mapeados por meio do banco de dados do SIT. Também incidentes ocorridos com as catracas mecânicas (antecessoras das automáticas) geravam diferenças nos valores a serem pagos ao final do dia e, consequentemente, prejuízo para o cobrador, responsabilizado por essa diferença. Com a catraca eletrônica há um maior controle sobre os usuários pagantes; somente com o aval do cobrador é possível transpor o equipamento.
“A outra catraca é o seguinte: o cara dava o passe e já passava. Daí já passava dois, três e eu ficava até meio perdido ali, não sei quem pagou, quem não pagou. Agora só se liberar pro cara passar, ninguém mais passa, porque ela tranca, e a outra era livre.”
Dessa forma, a catraca, uma ferramenta de controle desenvolvida pelos gestores, é utilizada pelos trabalhadores também em seu benefício. Assim, ela permite ao cobrador o controle da situação, tornando possível a interferência no processo de trabalho (SATO, 1991). O domínio da atividade de trabalho, proporcionado pela tecnologia, faz com que a catraca seja significada positivamente pelo trabalhador.
Outro sentido negativo produzido sobre a catraca eletrônica, apontado pelos entrevistados, foi a eminente extinção da ocupação do cobrador de ônibus. Cruz em 1998 já acreditava que “a adoção de sistemas de bilhetamento automático tenderia a diminuir o número de postos de trabalho para os cobradores” (p. 61). É unânime entre os trabalhadores o sentimento de ameaça à função, muito embora novos trabalhadores tenham sido contratados durante a implantação do SIT. Para os sujeitos, um trabalho manual e repetitivo, como o do cobrador, não requer conhecimentos específicos, podendo ser substituído por maquinários. Na análise marxista é a “divisão do trabalho que torna as operações do trabalhador mais e mais mecânicas, de tal modo que, em um dado ponto, o mecanismo possa entrar em seu lugar” (MARX, 1941/2009, p. 248).
No entanto, para os cobradores a potencial demissão em função da substituição pelo sistema eletrônico de bilhetagem é entendida como uma consequência natural e inevitável do uso de uma máquina que traria muitos benefícios ao trabalho do cobrador e à população usuária. A discussão sobre a permanência ou não dos cobradores iniciou-se antes mesmo da implantação do SIT. Depois de quase uma década, o tema parece ter se incorporado ao discurso cotidiano dos trabalhadores, passando a insegurança em relação ao futuro da ocupação ser como uma característica da própria função. Desse modo, observa-se uma “naturalização” da possibilidade futura de demissão em massa dos cobradores. De outra parte, os entrevistados pareciam estar cobradores; portanto, não havia uma identificação com a profissão a ser ameaçada com a potencial extinção do cargo. As vantagens trazidas pelo novo equipamento parecem superar o fator negativo agregado: a demissão em massa.
“É bom porque muitas coisas melhoram. Mas, no caso do cobrador, se não existisse a catraca eletrônica, acho que eles nunca iam querem que terminasse a função do cobrador, né?! E... melhora muita coisa no nosso dia a dia, né?!
Associam diretamente a catraca eletrônica à demissão dos cobradores, sem um entendimento mais amplo de todo o contexto socioeconômico produtor dessa relação. A catraca eletrônica, por si só, torna-se uma ameaça aos trabalhadores. Uma visão determinista, tornando a máquina o criador e nós suas criaturas, inversão que muito bem apontou Bianchetti (2005). No entanto, essa visão não foi unânime. Um dos trabalhadores não vê a supressão do trabalho vivo como uma consequência do desenvol-vimento tecnológico, mas como o objetivo deste em função da valorização do capital. Para o entrevistado a tecnologia da catraca eletrônica já foi implantada com o objetivo de substituir os cobradores. Afirma que há um jogo criado pelos empresários e que a tecnologia é a principal peça desse jogo.
Considerações finais
Iniciamos a pesquisa buscando compreender os sentidos produzidos por cobradores em relação ao uso das catracas eletrônicas em seu cotidiano de trabalho. No decorrer das análises, percebemos que o SIT consiste em um conjunto de inovações das ferramentas de gestão do transporte, sendo a catraca um dos equipamentos implantados. Não seria possível, dessa forma, fechar a análise apenas na catraca, correndo o risco de sermos deveras reducionistas. O novo sistema é muito mais amplo, produzindo uma nova concepção de deslocamento. Partindo desse ponto, percorremos os sentidos produzidos sobre todo o sistema de transporte, inclusive no período de sua implantação, e sobre as inovações tecnológicas inseridas por esse sistema.
Num caminho inverso à flexibilização propagada pelo ideário da re-estruturação produtiva, o arsenal de tecnologias implantadas não flexibilizou o processo de trabalho no transporte (CRUZ, 1998). Ao contrário, intensificou a divisão técnica do trabalho e aumentou o controle sobre os operadores, fatores predominantes da gerência científica de Taylor (BRAVERMAN, 1987). Se, por um lado, o SIT foi implantado sob a lógica da flexibilização e da integração da gestão e das ferramentas, por outro, o que se observa no cotidiano dos operadores é maior taylorização do trabalho, com destaque para as fragmentações das linhas e um menor espaço-tempo para o desenvolvimento de relações entre trabalhadores e usuários. O principal produto dessa fragmentação pode ser o “estranhamento” entre trabalhadores e usuários do transporte, criando um clima de constante disputa de poder materializado em extremas violências físicas e psicológicas.
Em síntese, as principais características relacionadas ao uso da catraca eletrônica são: maior agilidade no embarque de passageiros; ambiente de trabalho mais seguro; diminuição de atritos com os usuários; facilidade na prestação de contas. Por esses motivos os cobradores atribuem sentidos positivos ao sistema de bilhetagem eletrônica, considerado como facilitador do cotidiano, tornando o trabalho mais digno e menos repetitivo. Por outro lado, a catraca eletrônica, além de proporcionar maior controle sobre o trabalho dos cobradores, é responsável pela insegurança gerada a respeito do futuro profissional.
Ao analisarmos as vivências e as relações estabelecidas no cotidiano de trabalho dos cobradores a partir da introdução das diversas ferramentas que compõem o SIT, em especial a catraca eletrônica, foi possível observar a emergência de práticas discursivas contraditórias associadas a esse contexto. Deste modo, o usuário do transporte, por exemplo, antes visto pelo cobrador como um camarada na longa jornada, com as mudanças passa a ser significado como um estranho, alguém capaz de prejudicar o trabalhador. As próprias tecnologias implementadas ora têm sentidos positivos (incorporadas), ora ambíguos (embarcadas). Apesar dos sentidos diversos atribuídos às tecnologias, os participantes da pesquisa assumem uma postura determinista em relação a elas, mostrando-se impotentes diante do curso dessas mudanças que tanto afetam seu cotidiano de trabalho. Pensar nos sentidos produzidos em relação ao uso das tecnologias no ambiente de trabalho pode ser mais do que considerar qual o lugar ocupado pelos dispositivos na sociedade: se contra ou a favor do trabalhador. É necessário entender as políticas de ciências e tecnologia e o que está sendo desenvolvido para reduzir as desigualdades socioeconômicas dentro e fora do ambiente laboral.
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Sandra Aparecida Resende Dalmaso
E-mail:sanresend@yahoo.com.br
Maria Chalfin Coutinho
E-mail:chalfin@mbox1.ufsc.br
Recebido em: 06/04/2010
Aprovado em: 26/08/2010
Revisado em: 22/08/2010
1Trata-se da dissertação de mestrado produzida pela primeira autora e orientada pela segunda. Sua referência completa será disponibilizada posteriormente, evitando assim, neste momento, a identificação da autoria.
2Nesse texto os autores mapeiam abordagens teóricas recorrentes para o estudo dos processos de significação no trabalho e apresentam as seguintes: cognitivista, construcionista, sócio-histórica, existencialista e estudos culturais.
3A opção por utilizar autores dentro da perspectiva materialista histórica, em especial o próprio Marx, nos parece fundamental para o entendimento da introdução das tecnologias nos processos produtivos.
4O início da pesquisa de campo se deu após o projeto ter sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH 338, 15.12.2008). Todos os sujeitos entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preceitos éticos em vigor.
5Para um maior detalhamento buscar Spink e Medrado (2004).
6O validador é um aparelho acoplado à catraca eletrônica responsável pela leitura do chip, débito do valor da passagem e liberação da catraca. O Terminal de Acerto de Contas é um aparelho instalado no TI/Garagem, no qual os cobradores (e os motoristas em algumas linhas) concentram as informações da jornada de trabalho por meio de um cartão com chip que é posicionado sobre o aparelho.
7O texto destacado duplamente por uso de aspas e pelo itálico se refere à transcrição literal da fala dos sujeitos.
8A diminuição do valor embarcado foi uma das principais características apontadas como positiva pelos cobradores devido à maior segurança no local de trabalho, o que será analisado posteriormente.
9O tema violência urbana foi uma característica bastante presente na pesquisa, abordada no presente artigo apenas nos aspectos relativos aos benefícios da catraca em relação à violência vivenciada no transporte.