Services on Demand
article
Indicators
Share
Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.64 no.2 Rio de Janeiro Aug. 2012
ARTIGOS
Pesquisadoras brasileiras: conciliando talento, ciência e famíliai
Brazilian researchers: a balance among talent, science and family
Investigadoras brasileñas: conciliando talento, ciencia y familia
Renata Muniz PradoI; Denise de Souza FleithII
IMestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. Universidade de Brasília. Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília (UnB). Brasília - DF
IIDocente. Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento. Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília (UnB). Brasília. DF. Brasil
Endereços para correspondência
RESUMO
Este estudo teve como objetivo identificar características individuais e familiares de pesquisadoras de destaque no Brasil, bem como fatores promotores e inibidores do desenvolvimento de seu potencial ao longo da trajetória profissional e o impacto de seu talento na dinâmica familiar. A pesquisa ocorreu em duas etapas: 111 pesquisadoras participaram da primeira e oito da segunda. Os dados foram obtidos por meio de questionário sociodemográfico, análise documental e entrevista semiestruturada. Os resultados revelaram que a dedicação à carreira profissional é superior à devotada às áreas pessoal, familiar e social. Conflitos para conciliar carreira e vida familiar foram apontados como decorrência de estereótipos de gênero. O impacto do talento e sucesso profissional das participantes foi positivo em relação aos filhos e negativo no subsistema conjugal.
Palavras-chave: Gênero; Ciência; Família.
ABSTRACT
This study aimed to identify the individual and family characteristics of Brazilian eminent female researchers, as well as promoting and inhibiting factors to the development of their potential throughout professional trajectory, and the impact of talent in the family dynamics. The research occurred in two stages: 111 researchers participated in the first stage and 8 in the second one. The data was obtained through a socio-demographic questionnaire, documental analysis and a semi-structured interview. The results revealed that dedication of participants to the professional career is superior to personal, family and social areas. The conflicts to strike a balance between career and family life were pointed as a result of gender stereotypes. The impact of talent and professional success of the participants was positive in relation to children, but negative in the marital subsystem.
Keywords: Gender; Science; Family.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo identificar las características individuales y familiares de destacadas mujeres investigadoras en Brasil, así como los factores promotores e inhibidores del desarrollo de su potencial a lo largo de la carrera, y el impacto de su talento en la dinámica familiar. La investigación se llevó a cabo en dos etapas: 111 mujeres participaron en la primera y 8 en la segunda. Se recogieron datos mediante cuestionario sociodemográfico, análisis de documentos y entrevistas semiestructuradas. Los resultados revelaron que la dedicación a la carrera profesional es mayor que la devoción a la vida personal, familiar y social. Conflictos para conciliar carrera y vida familiar se mencionaron a menudo como resultados de estereotipos de género. El impacto del éxito profesional y del talento de las participantes fue positivo en relación con los hijos y negativos en el subsistema conyugal.
Palabras-clave: Género; Ciencia; Familia.
Constata-se uma inserção gradual das mulheres em atividades científicas e tecnológicas e em postos de prestígio, como chefia de departamentos, reitoria de universidades e associações profissionais. Porém, é importante ressaltar que essa atuação é muito recente e foi conquistada por meio de muita luta, respaldada nos movimentos feministas fundados na década de 1970 (Aquino, 2006; Bandeira, 2008; Cheung & Halpern, 2010; Citelli, 2000; Costa, 2006, 2008; Leta, 2003; Melo & Rodrigues, 2006).
Algumas estudiosas afirmam que o maior acesso das mulheres às atividades acadêmico-científicas modificou a percepção sobre sua condição social e posição na ciência (Keller, 2006; Schiebinger, 2001; Tabak, 2002). Apesar do crescimento da participação das mulheres nesse universo, as chances de sucesso e reconhecimento na carreira ainda são reduzidas. Um exemplo atual é a subrepresentação feminina entre os ganhadores do Prêmio Nobel. Desde que foi instituído, em 1901, apenas 44 mulheres, de 830 prêmios concedidos, foram laureadas (The Nobel Prize Foundation, 2011). As áreas em que elas se destacaram foram: física, química, fisiologia/medicina, economia, literatura e paz. Ressalte-se que, dentre as 44 agraciadas, 12 foram em literatura e 15 em paz. No Brasil, a Academia Brasileira de Ciências é outro exemplo: dos 673 membros, apenas 107 são mulheres (Academia Brasileira de Ciências, 2011).
Ellis (2003) afirma que, apesar dos avanços conquistados até então, a atividade científica difere de todas as outras carreiras por possuir estrutura e cultura que dificultam a ascensão profissional da mulher. A autora explica que a baixa representatividade feminina em cargos de maior poder e as poucas oportunidades de avanço na carreira devem-se à organização e estrutura do trabalho científico. Ela também indica fatores como conflitos com a maternidade, organização rígida dos laboratórios de pesquisa e representação social da mulher cientista.
Por que a estrutura do trabalho científico não seria favorável às mulheres? De acordo com Warrior (1997), a fase entre 25 e 35 anos é fundamental no estabelecimento de uma boa reputação na área, principalmente por meio de alta produtividade. Os estudantes, ao terminarem sua educação formal, estão mais atualizados e disponíveis a dar continuidade a seus estudos, já que em sua maioria ainda não possuem vínculos e responsabilidades empregatícias. No caso das mulheres, muitas entram em conflito por ter que tomar uma decisão - adiar a maternidade, conciliá-la com sua carreira ou não ter filhos (Evetts, 1996). Caso escolham dar uma pausa ou trabalhar meio período nas primeiras fases da maternidade, o retorno integral à atividade científica se torna uma dificuldade adicional, visto que os avanços na ciência ocorrem aceleradamente, além de não terem muitos produtos a serem apresentados às agências de fomento.
O sistema brasileiro de ciência e tecnologia não inclui benefícios que auxiliem a cientista a conciliar carreira e família. A exigência para cumprir os prazos das bolsas e manter os índices de produtividade não é atenuada nos períodos em que a mulher se dedica à maternidade, como ocorre com qualquer trabalhadora da nossa sociedade, visto que é um direito constitucional (Aquino, 2006). Se a pesquisadora que está amamentando reduz suas atividades para se dedicar a questões familiares, isso pode resultar em queda em sua produção científica, o que a deixa em piores condições nos critérios definidos de produtividade acadêmica e mérito científico (Tavares, 2008).
Tavares (2008) realizou um estudo quantitativo em que procurou identificar e mensurar a participação de mulheres em atividades acadêmicas e de pesquisa no Brasil. Foram analisados os Diretórios dos Grupos de Pesquisa (DGP), a base de dados Plataforma Lattes do CNPq e Coleta CAPES. Constatou-se baixa presença feminina em algumas áreas de pesquisa e um efeito pirâmide em direção ao topo da carreira de pesquisadora - a participação feminina tende a decrescer à medida que se sobe na hierarquia. Em relação ao total de pesquisadores doutores, bolsistas no último nível da hierarquia, as mulheres representavam apenas 23% em 2008.
Esse cenário sinaliza uma desvantagem das mulheres no universo científico, especificamente nas posições de maior nível hierárquico. Também em cargos administrativos e de direção, observa-se uma discrepância entre a situação masculina e a feminina. É indiscutível a necessidade de investimento em educação, ciência e tecnologia para o desenvolvimento de um país. No caso do Brasil, não estimular a participação das mulheres - metade da força de trabalho nesses setores estratégicos - "é um indício de desperdício de recursos humanos, que, se bem qualificados, podem contribuir significativamente para um maior desenvolvimento do sistema, dando a ele maior diversidade em valores, condutas, ações" (Leta, 2003, p. 281).
Preocupada com o desperdício do talento feminino, Reis (2005) propôs um Modelo de Realização do Talento em Mulheres em que quatro fatores atuam como mobilizadores, na mulher, de uma crença positiva em si mesma e um desejo de desenvolver seu talento e expressar seu propósito de vida, superando obstáculos diversos, como falta de apoio ou suporte. Os fatores são habilidade, personalidade, ambiente e percepção pessoal. A habilidade se refere ao potencial acima da média ou a talentos especiais. Em relação aos traços de personalidade, Reis verificou que a presença de características como determinação, motivação, criatividade, coragem e paciência está associada à intensa paixão pela vida e pelo trabalho que a mulher realiza, promovendo alta concentração, foco e prazer pelo que faz. O ambiente pode ser caracterizado especialmente pelo suporte afetivo e emocional. Outro aspecto relacionado ao ambiente é a presença de relacionamentos significativos, seja em nível familiar ou profissional. A percepção pessoal é o fator que se refere à consciência da importância social da manifestação do próprio talento.
O presente estudo foi realizado com o objetivo principal de descrever as características individuais e familiares de pesquisadoras brasileiras de destaque. Além disso, foram investigados o perfil das pesquisadoras, os fatores promotores e inibidores do desenvolvimento de seu potencial ao longo da trajetória profissional, bem como o impacto da carreira em sua família. O referencial teórico utilizado foi o Modelo de Realização do Talento em Mulheres (Reis, 2005).
Método
Participantes
Foram convidadas a participar deste estudo pesquisadoras que eram bolsistas de Produtividade em Pesquisa (PQ) na categoria 1, nível A, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A bolsa PQ é destinada a pesquisadores de diversas áreas que se destacam entre seus pares no que diz respeito à produção científica; formação de recursos humanos em nível de pós-graduação; contribuição científica, tecnológica e para inovação; coordenação ou participação principal em projetos de pesquisa; participação em atividades editoriais e de gestão científica; e administração de instituições e núcleos de excelência científica e tecnológica. Em 2010, entre as 12.942 bolsas de produtividade (PQ) concedidas em todas as categorias e níveis, 1.038 foram para pesquisadores 1A. Desse subtotal, apenas 242 foram destinadas a pesquisadoras. Nota-se que, do universo de bolsas PQ ofertadas, as pesquisadoras 1A representam 1,87% (CNPq, 2011).
O estudo foi realizado em duas fases. Participaram da primeira 111 pesquisadoras, aproximadamente 45,5% da população de mulheres bolsistas de produtividade 1A do CNPq. A idade média foi de 61,6 anos, variando entre 44 e 85 anos. Do total de participantes, apenas duas (1,8%) eram estrangeiras, 13 (11,7%) brasileiras naturalizadas e 96 (86,5%) brasileiras natas. No que diz respeito às áreas de atuação, verificou-se que Ciências Humanas, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde concentravam a maior quantidade das pesquisadoras. A grande maioria trabalhava em instituições de ensino público (n = 89). As demais estavam vinculadas a instituições de ensino particular (n = 13), instituições de pesquisa pública (n = 7) e de pesquisa particular (n=2). A maior parte das participantes exercia suas atividades na Região Sudeste (n=89; 80,2%), seguida das regiões Sul (n=11; 9,9%), Nordeste (n=8; 7,2%) e Centro-Oeste (n=3; 2,7%). Nenhuma participante atuava, no momento do estudo, na Região Norte. Com relação ao estado civil das pesquisadoras, 58 (52,3%) eram casadas ou possuíam união estável, 24 (21,6%) eram divorciadas ou separadas, 16 (14,4%) eram solteiras e 11 (9,9%) pesquisadoras eram viúvas. Duas participantes não informaram esse dado. Do total de participantes, 85 (76,6%) possuíam filhos, sendo que 40 (47,1%) possuíam dois filhos, 20 (23,5%) três filhos, 19 (22,4%) um filho e seis (7%) possuíam mais de três filhos.
A segunda fase contou com a participação de oito pesquisadoras, selecionadas aleatoriamente, que atuavam nas seguintes áreas: Ciências Biológicas (n = 2), Ciências Humanas (n = 1), Ciências da Saúde (n = 1), Ciências Agrárias (n = l), Engenharias (n = 1), Letras e Artes (n = 1), Linguística (n = 1). A idade média das participantes foi de 63,2 anos, variando entre 55 e 74. Em relação à nacionalidade, cinco eram brasileiras natas, duas eram brasileiras naturalizadas e uma era estrangeira.
Instrumentos e procedimentos
Os instrumentos utilizados na etapa inicial foram o questionário sociodemográfico e a análise documental. O primeiro foi elaborado em meio digital, com o intuito de caracterizar as participantes do ponto de vista pessoal e familiar. Após aprovação do projeto por um comitê de ética em pesquisa, uma carta-convite para participação no estudo foi enviada por correio eletrônico a todas as pesquisadoras 1A do Brasil. Nessa carta havia uma descrição do projeto de pesquisa e um link para o sítio do questionário. Assim que o link era acessado, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era visualizado. Ao final dessa página, havia um ícone com as opções "Aceito participar" e "Não aceito participar". Caso a pesquisadora decidisse não participar da pesquisa, ela era encaminhada a uma página de agradecimento. Entretanto, se a pesquisadora desejasse participar, ao clicar na opção adequada, ela era encaminhada para a página do questionário. A análise documental foi realizada por meio de consultas ao sítio do CNPq e currículo Lattes das pesquisadoras participantes. Foram verificadas as seguintes informações: ano de conclusão da graduação; formação acadêmica; região e instituição em que atuavam naquele momento; atuação em atividades administrativas; produção acadêmica; e orientações de graduação e pósgraduação. Foram calculadas a frequência e a porcentagem dos dados obtidos por meio desses dois instrumentos.
A obtenção dos dados na segunda etapa ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas. Para a construção do roteiro, foi realizado um estudo-piloto com uma pesquisadora com características semelhantes às do público-alvo da pesquisa. Desse modo, foi verificada a clareza das questões e o tempo necessário à realização da entrevista. Algumas questões foram reformuladas com base nas sugestões da pesquisadora. A versão final do roteiro incluiu tópicos como perfil da pesquisadora de destaque no Brasil, trajetória profissional, características individuais, características da família de origem, características da família atual, entre outros. No questionário respondido pelas participantes, havia um campo no qual elas poderiam indicar se tinham interesse em participar da etapa seguinte do estudo (realização de entrevistas). Das 111 respondentes, 33 (29,7%) informaram não ter interesse em participar da entrevista e 78 (70,3%) se disponibilizaram a contribuir nessa etapa. Então, foi enviada uma mensagem por correio eletrônico para as que demonstraram interesse em participar das entrevistas, convidando-as para essa fase do estudo. Foram obtidas 47 respostas. Entre essas, foram convidadas oito pesquisadoras, selecionadas por meio de sorteio, para a realização da entrevista, que ocorreu em três modalidades: três entrevistas face a face, com base na proximidade geográfica; três por comunicação virtual via internet, a partir do horário disponibilizado pelas participantes; e duas respostas por escrito, com base no interesse das participantes. Tanto as entrevistas face a face quanto as virtuais tiveram uma duração aproximada de 100 minutos.
Os dados provenientes dessas entrevistas foram categorizados e apreciados por um juiz, constituindo então o eixo da análise de conteúdo. De acordo com Strauss e Corbin (2008), esse tipo de análise é o "processo não-matemático de interpretação, feito com o objetivo de descobrir conceitos e relações nos dados brutos e organizar esses conceitos e relações em um esquema explanatório teórico" (p. 24). O conceito oriundo da sistematização dos dados coletados é a unidade de análise nessa abordagem. Os dados provenientes da entrevista foram organizados em um esquema classificatório em que foram consideradas suas propriedades e dimensões. Esse agrupamento possibilitou o surgimento de categorias. As relações estabelecidas entre essas categorias se configuraram na etapa final da análise, em que o conjunto de resultados favoreceu uma descrição cuidadosa sobre o fenômeno estudado.
Resultados
Os resultados referentes à primeira fase do estudo indicaram que o ano médio de conclusão do curso de graduação das participantes foi 1969, variando entre 1946 e 1987. Apenas uma participante não relatou essa informação. Em relação ao ano em que as participantes se tornaram pesquisadoras do CNPq, nota-se que, em média, foi 1988, variando entre 1962 e 2005. Dezessete participantes não responderam a essa questão. Além disso, observou-se que, em média, as participantes se tornaram pesquisadoras PQ 1A do CNPq no ano de 2000, variando entre 1976 e 2009. Dezesseis participantes não informaram esse dado. Se compararmos as médias do ano de conclusão do curso de graduação (M=1969) e do ano em que se tornaram pesquisadoras PQ 1A do CNPq (M=2000), verifica-se uma diferença de 31 anos. Ou seja, elas levaram um período de aproximadamente três décadas para alcançar o topo da carreira em suas respectivas áreas de atuação.
A respeito da quantidade de horas semanais dedicadas às atividades de pesquisa, observa-se entre as respostas a seguinte variabilidade: 40 (36%) pesquisadoras indicaram 30 horas, 33 (29,7%) relataram um total de 20 horas, 23 (20,7%) apontaram 40 horas, seis (5,5%) dedicavam entre 50 e 80 horas, cinco (4,5%) dedicavam menos de 20 horas e, por fim, quatro (3,6%) pesquisadoras dedicavam acima de 80 horas semanais a suas atividades de pesquisa. A maioria das participantes desse estudo atuava ou já tinha atuado em atividades além da pesquisa e ensino, geralmente em atividades administrativas como cargos de direção de instituto, departamento ou laboratório; em conselhos, comissões ou consultoria; em serviços técnicos especializados; treinamentos; e atividades de extensão universitária. Apenas 16 pesquisadoras nunca tinham atuado em outras atividades além da pesquisa e ensino. Nessa direção foi investigada a quantidade aproximada de dedicação às atividades profissionais excluindo as atividades de pesquisa. A maioria relatou despender entre 20 e 30 horas semanais com essas atividades.
O número de produções bibliográficas e de atuações em eventos variou bastante. A investigação realizada no currículo Lattes abarcou artigos completos publicados em periódicos, com média de 82,2, variando entre 13 e 329; organização e edição de livros (média de 7,8, variando de 0 a 45); capítulo de livros (média de 21,9, variando de 0 a 107); e artigos completos publicados em anais de eventos (média de 26,2, variando entre 0 e 230). A análise do currículo das participantes apontou, em média, 47,2 apresentações de trabalhos em eventos científicos e 8,2 organização de eventos.
Também foram coletadas informações sobre as orientações e supervisões de doutorado, mestrado, conclusão de curso e iniciação científica. Todas as participantes já tinham orientado ou estavam orientando alunos de mestrado, sendo a média de 21 orientações, variando entre três e 93. Os resultados indicaram que as pesquisadoras haviam orientado, em média, 16 alunos de doutorado, 16 bolsistas de iniciação científica e cinco graduandos (trabalhos de conclusão de curso).
Em relação às características familiares, as respostas foram divididas em duas categorias: família de origem e família atual. Quanto à posição na família, 45 (40,5%) pesquisadoras eram primogênitas, 38 (34,2%) ocupavam outras posições como filha do meio ou segunda de quatro filhos, 19 (17,1%) eram caçulas e nove (8,1%) eram filhas únicas. Em relação ao nível de escolaridade dos pais, a grande maioria tinha ensino médio (n=29), ensino superior (n=38) ou pós-graduação (n=10). Por outro lado, no que diz respeito ao nível de escolaridade das mães, a maior parte tinha o ensino fundamental (n=38) ou o ensino médio (n=45). Sobre a ocupação das mães das pesquisadoras, a maioria dedicava-se ao trabalho doméstico não remunerado (n=68) ou atuava como professora (n=22). O grupo dos pais das participantes apresentou uma gama diversificada de ocupações. As profissões mais mencionadas foram comerciante (n=14), advogado (n=11), bancário (n=10), empresário (n=9), engenheiro (n=9) e funcionário público (n = 7). Uma participante não respondeu a esse item.
As participantes também foram solicitadas a atribuir níveis de importância a suas famílias (de origem e atual) para o desenvolvimento da carreira de pesquisadora. Quanto à família de origem, 43 (38,7%) pesquisadoras responderam que ela foi muito importante, 34 (30,6%) revelaram que foi importante, 17 (15,3%) atribuíram-lhe pouca importância e 16 (14,4%) relataram que não foi importante. Uma participante não informou esse dado. Em relação à família atual, 61 (55%) responderam que ela era muito importante, 27 (24,3) consideraram-na importante, 12 (10,8%) atribuíram-lhe pouca importância e cinco (4,5%) alegaram que não era importante para o desenvolvimento de suas carreiras. Seis participantes não responderam a esse item.
Por fim, foi solicitado às participantes que informassem a porcentagem aproximada de dedicação de seu tempo, no período de um ano, para as áreas familiar, profissional, pessoal e social. A maioria das pesquisadoras 1A do CNPq (n=88) dedicava de 10 a 30% de seu tempo anual à família. Quanto às atividades sociais, 93 relataram dedicar de 10 a 20% de seu tempo. O mesmo se observou em relação ao tempo utilizado para tratar de questões pessoais: 94 pesquisadoras revelaram dedicar entre 10 e 20%. Por outro lado, a maior parte (n = 73) devotava de 50 a 70% de seu tempo ao trabalho. É interessante notar que mais tempo era dedicado à vida profissional em comparação ao tempo despendido com a família, vida pessoal e social.
Foi solicitado às pesquisadoras que informassem os fatores internos e/ou externos que facilitaram seu desenvolvimento profissional. Quanto aos fatores internos, elas citaram com maior frequência o prazer em relação ao que faziam (f=98; 88,3%) e a dedicação (f=93; 83,8%). Em seguida, foram mencionadas a curiosidade, a determinação e a iniciativa (f=66; 59,5% cada). Outros fatores que se destacaram, sendo muito mencionados pelas participantes, foram persistência (f=56; 50,5%), organização (f=52; 46,8%), independência (f=51; 45,9%) e coragem para correr riscos (f=46; 41,4%). Os fatores internos menos ressaltados foram habilidade inata (f=3; 2,7%) e inspiração (f=9; 8,1%). Os fatores externos mais sinalizados foram: possuir modelos no início da carreira (f=42; 37,8%), excelente formação (f=38; 34,2%), apoio familiar (f=36; 32,4%) e parceria do cônjuge (f=32; 28,8%). Os menos destacados foram: sorte (f=8; 7,2%), encorajamento externo (f=4; 3,6%) e pressão social (f=2; 1,8%).
Em diversos momentos da entrevista, as falas indicaram incômodo e exaustão resultantes da sobrecarga e condições de trabalho, entre a maioria das participantes. A sobrecarga quantitativa, como o excesso de tarefas realizadas, foi mais evidente que a qualitativa (quando as entrevistadas se deparavam com demandas além de suas habilidades ou aptidões). Ao serem perguntadas sobre o que significa ser pesquisadora no Brasil, foi evidenciado o stress gerado pela excessiva demanda e pressão que a carreira acadêmica lhes impõe.
A dificuldade em conciliar vida familiar e profissional, relatada pelas participantes do estudo, se configurou na subcategoria conflito entre carreira e família. Uma delas (Pesquisadora 8) justificou que "para a pesquisadora se torna mais difícil, pois a família exige muita atenção; procuro conciliar, mas nem sempre é possível". Duas pesquisadoras ficaram grávidas no período do doutorado e informaram que precisaram de uma rede social de apoio para o concluírem.
Quando meu filho nasceu, estava fazendo minha tese de doutorado. Aqui cheguei, agora não vou viajar, vou ter o bebê! E durante todo o período de escrever a tese estive grávida. Me lembro com uma barriga gigantesca... Tive o bebê e ia na aula, seminários, com ele no canguru, amamentei em sala de aula. (Pesquisadora 3)
Outro fator apontado nas entrevistas, e que em alguns momentos pode ser considerado como barreira, foi a tendência ao perfeccionismo, ou nível elevado de exigência. Os relatos das pesquisadoras evidenciaram forte influência do ambiente familiar no desenvolvimento desse atributo. Todas as participantes enfatizaram a dedicação e o esforço para alcançarem a posição profissional que possuem. A Pesquisadora 7, por exemplo, considerou seu processo de ascensão longo e fruto de muita luta e suor. Porém, apenas uma entrevistada fez menção a suas habilidades, aptidões ou vocação relativa a suas trajetórias profissionais. Foi incluída então como subcategoria das barreiras internas a atribuição do sucesso ao esforço versus aptidão.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar muito..., agora isso me custou muito, porque precisei de muita dedicação, a manhã começa 7 horas da manhã e só termina 1 a 2 da manhã, até conseguir cumprir com todas as atividades. Trabalhando muito, direto! Sempre em paralelo atividade de pesquisa e ensino, precisa muita dedicação. (Pesquisadora 2)
O tema que expressou a barreira externa mais recorrente nas respostas foi a influência do estereótipo acerca dos papéis sociais desempenhados pela mulher. Uma participante (Pesquisadora 4) revelou que "ser jovem e bonita foi uma barreira, pois muitos não acreditavam ser possível ser boa pesquisadora com estes atributos".
No princípio a mudança para [cidade] foi uma barreira e é uma barreira ainda, pois aqui ser mulher ainda não é tão fácil! Por isso você acaba tendo que desenvolver uma atitude mais rigorosa, mais rígida pra ganhar seu espaço (...) nós matamos o leão todo dia pra poder sobreviver, mas graças a Deus deu certo. Com um tempo, tendo que ter uma garra forte, acabo sendo um pouco autoritária, é um defeito que quero controlar, mas confesso que não consigo. Isso, em decorrência de querer puxar [a área de atuação], acabo desenvolvendo algumas coisas que nem sempre são as melhores. (Pesquisadora 1)
Eu vejo colegas que pensam que, para conseguir prestígio e consideração na área delas, precisam vestir a carcaça de general, têm que se masculinizar na voz, na maneira de se comportar. Minha felicidade não vai por aí. Sou infantil! Nunca abandonei minha criança interior! (Pesquisadora 3)
Outro tema que apresentou alta frequência na fala das participantes diz respeito aos impedimentos em sua carreira por conta das responsabilidades familiares. Uma participante relatou que não possuía filhos, mas precisou voltar do exterior para acompanhar a mãe que estava doente, assim como não realizou o pós-doutorado no período em que o pai estava doente. Nessa direção houve outra declaração que exemplifica a relação entre vida profissional e familiar:
Sempre coloquei minha vida familiar (ou seja, meu marido, meus filhos e minha casa) acima de minha vida profissional. Durante uns 20 anos só trabalhei à noite (até altas horas da madrugada, quando lia, escrevia, pesquisava), reservando o dia, os fins de semana, as férias, para eles. Só comecei a participar de atividades extraordinárias, viagens de trabalho, congressos, bancas, quando meus filhos já voavam com suas próprias asas. (Pesquisadora 6)
Outra barreira externa presente na fala das pesquisadoras se refere às condições de trabalho em diversos aspectos, como obter recursos por meio das agências de fomento, lidar com falta de infraestrutura de pessoal e professores despreparados, bem como administrar as três atividades essenciais à vida acadêmica (pesquisa, ensino e extensão).
Ser pesquisadora no Brasil é um stress, porque as condições de trabalho são muito difíceis, é como se diz, você tem que trabalhar, plantar cana, colher e chupar a cana. Isso se torna um stress muito grande, e a burocracia mais ainda! A burocracia, tanto dentro da universidade quanto em manuseio de recurso, infraestrutura de pessoal (não temos técnicos devidamente preparados), dificulta, comparado aos colegas no exterior, que têm uma infraestrutura muito melhor que a nossa. (Pesquisadora 1)
Eu acho que tem que existir avaliação, mas nos moldes que as avaliações têm sido feitas vão acabar com a qualidade da produção, até porque não medem qualidade. Para o recurso que o Brasil está colocando em ciência e tecnologia, a influência do Brasil no mundo tem sido pouca! Exigindo da pessoa uma dimensão exterior da produtividade, quantidade. Nós não fazemos influência por quantidade, a influência se faz pela qualidade, não há uma verdadeira reflexão que permite acompanhar o pesquisador nesse tempo de formação. Nesse tempo inicial você pode ver a forma como ele [o pesquisador em início de carreira] está crescendo, como está crescendo sua imaginação... a avaliação deveria estar sendo feita em outro sentido! ... Eu tenho pena dessas novas colegas, elas não vão ter muita paz! Antes das avaliações eu tinha tempo pra mim, para eu entender, formando um perfil, uma personalidade autoral! Essa geração nova não vai ter, é uma máquina de exterioridade! (Pesquisadora 3)
O impacto da falta de tempo na trajetória profissional das participantes foi destacado e ressaltado como barreira tanto na carreira quanto na vida pessoal e familiar. Para ilustrar esse fator, seguem alguns relatos:
Se eu tenho pendências, sempre temos, pois é um trabalho que nunca termina, trabalho até meia-noite e meia. É a hora que vou dormir. Agora estou tentando desligar um pouco da minha carga de trabalho pra fazer atividade física, mais por necessidade... começam dores aqui, dores ali. (Pesquisadora 2)
O que dificulta a vida de uma pesquisadora? Ter filhos, ficar grávida e de licença por muito tempo, ter que organizar e administrar a casa. Faço compras no supermercado à noite. Quando preciso comprar um presente ou uma roupa pra mim, faço à noite. (Pesquisadora 4)
As pesquisadoras avaliaram como positivo o impacto de seu talento em sua família quando percebem que atuam como modelo bem sucedido de mulheres com uma carreira. Sua dedicação ao trabalho e as escolhas profissionais serviram de exemplo para os familiares em diversas esferas, tanto filhos, quanto netos, irmãos ou primos, pois muitos seguiram a carreira acadêmica. Ademais, por serem profissionais de sucesso, observaram que eram mais respeitadas pelos familiares.
O impacto na minha família foi positivo, elas [filhas] hoje estão fazendo mestrado, viam a mãe estudar e trabalhar e passaram a encarar isso com naturalidade, esses desafios melhor! Com o resto da família o impacto é negativo, pois não entendem que não dá pra ir num churrasco, pois tem que entregar uma tese, um relatório, a gente acaba virando o patinho feio da família, a maioria não entende. Mas na minha casa, que é o que mais me importa, não afetou nada, muito pelo contrário, estamos nos unindo cada vez mais! (Pesquisadora 1)
Os relatos das pesquisadoras mostram mais impactos positivos que negativos. Porém, entre os fatores mencionados que poderiam influenciar de forma negativa a dinâmica familiar, não contar com a participação do cônjuge na divisão das responsabilidades domésticas foi o mais destacado. As participantes informaram que isso gera conflitos, competição e, em alguns casos, divórcio, e é um indicador da falta de compreensão da família acerca de seu papel como profissional de sucesso e com muita demanda de trabalho. Sobre esse tema, uma das entrevistadas (Pesquisadora 1) verbalizou: "Chegamos em casa, vamos cuidar do filho, lavar a louça, ver o que está faltando em casa... o homem, nada".
Discussão
Alcançar o topo de qualquer carreira é, sem dúvida, um processo complexo, resultante da interação de múltiplos aspectos como traços de personalidade, ambiente favorável e até mesmo sorte. Se acrescentarmos a essa análise a idade de aposentadoria para as mulheres no Brasil, a partir de 60 anos, além de 30 anos de contribuição para a previdência social, constata-se que essas mulheres chegam ao cume da carreira apenas no final de sua trajetória profissional. Se realizarmos uma comparação do número de bolsas concedidas pelo CNPq nas diversas fases da trajetória científica - iniciação científica, mestrado, doutorado e produtividade em pesquisa -, nota-se que o aumento da participação feminina não é acompanhado, na mesma proporção, pela inserção nos níveis mais qualificados da carreira. Ou seja, quanto maior o nível da hierarquia, menor a presença feminina. Conforme exposto, a baixíssima representatividade e o longo caminho para alcançar níveis mais altos da carreira podem indicar a presença de diversos fatores inibidores no processo de ascensão profissional da pesquisadora brasileira.
As participantes relataram dedicar entre 40% e 70% de seu tempo anual à vida profissional. As áreas social e pessoal foram as que obtiveram menor investimento, com aproximadamente 10%, seguida da familiar, cujo tempo anual de dedicação variava de 10% a 30%. Esses dados constatam a prevalência da carreira na vida das pesquisadoras. Isso pode ocorrer pelo intenso envolvimento e prazer na atividade realizada e/ou pela demanda excessiva de trabalho.
Este estudo observou também que a importância dada à família de origem para o desenvolvimento da trajetória profissional é menor do que à família atual. Carter e McGoldrick (1995) salientam os estágios do ciclo de vida familiar, seus momentos de transição e a importância dada a cada etapa desse processo, ou seja, a família tem uma série de tarefas a serem cumpridas em função dos períodos específicos de seu desenvolvimento como grupo e do desenvolvimento individual de seus integrantes. A família de origem tem função preponderante nos estágios iniciais da carreira de seus membros. Além da transmissão de crenças e valores e provimento de recursos econômicos, ela oferece suporte afetivo necessário ao desenvolvimento da identidade, autoestima, atitudes e percepções acerca das próprias potencialidades (Aspesi, 2007; Goldani, 1993). Assim que a família de origem "lança o jovem adulto", ela assume um papel coadjuvante frente à família que o jovem passa a constituir.
As famílias constituídas pelas pesquisadoras, denominadas neste trabalho de famílias atuais, não são baseadas na tradicional divisão de papéis, ou divisão sexual do trabalho. Esse grupo de mulheres viveu e ainda vive o processo de transição pelo qual as famílias contemporâneas estão passando, devido à inserção feminina no mercado de trabalho, sua maior participação no sistema financeiro familiar e necessidade de compartilhamento das tarefas e responsabilidades domésticas. Ademais, seus relacionamentos passam a ser embasados mais em escolhas e afinidades do que em obrigações ou dependência econômica. "Esse processo de transição implica vivências contraditórias de modelos passados e emergentes, o que pode gerar conflitos e desafios para as pessoas, principalmente no âmbito dos relacionamentos" (Perlin, 2006, p. 19).
Com relação às características individuais e fatores que mais contribuíram para a carreira, os mais citados foram prazer em relação ao que se faz e dedicação. Inquestionavelmente, a motivação intrínseca é um componente poderoso no trabalho dessas pesquisadoras, o que pode explicar, em parte, seu sucesso e reconhecimento. Conforme apontado pela literatura, as mulheres talentosas são apaixonadas por suas ideias, e essa relação afetiva com o trabalho atua como mecanismo de proteção frente às barreiras encontradas na trajetória profissional (Antunes & Almeida, 2008; Kerr, 1994; Noble, Subotnik, & Arnold, 1999; Reis, 1998, 2005). Não se pode negar que empenho e dedicação são aspectos que contribuem para a ascensão profissional. Porém, notou-se uma valorização maior do esforço do que das aptidões e talentos. Isso se confirma nas respostas ao questionário fornecidas pelas participantes deste estudo, que pouco mencionaram suas habilidades como fator relevante para o desenvolvimento de suas carreiras. Esse fenômeno pode ser resultado da internalização de estereótipos de gênero que sugerem a inferioridade feminina como fator limitante ao avanço na profissão, sendo necessário um esforço muito maior do que o empenhado pelos homens (Ferreira, Azevedo, Guedes, & Cortes, 2008; Fox, 2005; Narvaz & Koller, 2007). Por um lado, isso pode de fato ocorrer, mas não em função do nível de capacidade das mulheres, e sim como resultado de desafios e barreiras enfrentados.
Conclusões
As principais conclusões suscitadas pelo presente estudo indicaram que: (a) a participação feminina na atividade acadêmica e científica brasileira tende a se reduzir à medida que o grupo é mais qualificado, assim como o porcentual de mulheres no topo da carreira acadêmica não tem acompanhado na mesma proporção a crescente inserção feminina na academia; (b) a presença de fatores inibidores se sobrepõe aos fatores promotores na trajetória profissional das pesquisadoras, o que pode justificar a pouca participação das mulheres no nível mais alto da carreira; (c) as pesquisadoras de destaque estão predominantemente na Região Sudeste do Brasil, em instituições públicas e nas seguintes áreas: Ciências Humanas, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde; (d) as características pessoais mais indicadas foram prazer em relação ao que se faz e dedicação - nota-se um intenso envolvimento com a tarefa realizada, ou seja, as pesquisadoras são motivadas e apaixonadas pelo trabalho; (e) a dedicação à carreira profissional é maior do que às áreas pessoal, familiar e social - isso pode ocorrer tanto por escolha própria, pelo prazer que sentem com a realização de seu trabalho ou mesmo pela sobrecarga gerada por ele; (f) o conflito entre carreira e família foi apontado como uma das principais barreiras no início da carreira, assim como a dificuldade em conciliar as demandas profissionais com as responsabilidades familiares, muitas vezes devido à menor participação do cônjuge na realização das tarefas domésticas; (g) a presença de estereótipos de gênero se configura como barreira em toda a trajetória profissional; (h) a estrutura e as condições do trabalho científico brasileiro também foram indicadas como barreiras - nesse caso há um impacto direto não apenas no desempenho e qualidade do trabalho desenvolvido, mas também na saúde e bem-estar das pesquisadoras.
O desenvolvimento e a expressão do talento do indivíduo trazem benefícios não apenas para aquele que vê seu potencial se transformar em alta realização ou produção, mas para a sociedade moderna, que vive cada vez mais desafios ecológicos, tecnológicos, econômicos, sociais, éticos e morais. Não reconhecer, aceitar e estimular as habilidades e interesses das pessoas resulta em desperdício de excelência humana frente às necessidades atuais que a vida moderna tem imposto à humanidade.
É consenso entre diversos estudiosos a importância do contexto para a manifestação do talento (Alencar & Fleith, 2001; Antunes & Almeida, 2008; Kerr, 1994; Reis, 2005). As características do indivíduo são compreendidas em interação com o ambiente em que está inserido. Esse processo é mediado pela cultura, que imprime suas crenças e valores nos papéis, práticas e expectativas sociais. Dessa maneira, a presença de estereótipos pode dificultar ou retardar a identificação, promoção e expressão de talentos. Esses estereótipos muitas vezes são internalizados e passam a se configurar como barreiras à expressão do potencial latente no indivíduo. A conscientização dos estereótipos de gênero que tendem a influenciar a carreira das pesquisadoras deve ser um dos primeiros passos em direção à eliminação das barreiras por elas enfrentadas. Assim, será mais fácil identificar o que é próprio do indivíduo e o que pode ser resultado de forças socioculturais. Divulgar e dar visibilidade à atuação de mulheres em atividade científicas, por meio de palestras ou cursos, em escolas, bem como apresentar modelos femininos de sucesso na vida acadêmica poderá auxiliar a modificar a imagem da mulher cientista. Programas de orientação vocacional, desde o ensino médio, e de acompanhamento no ensino superior poderão também identificar e discutir desafios enfrentados pelas mulheres e apresentar estratégias bem sucedidas para superá-los.
Percebe-se, tanto pela revisão da literatura quanto pelos resultados deste estudo, a dificuldade vivenciada pelas mulheres de conciliar os múltiplos papéis a ela atribuídos, especialmente os familiares e profissionais. Nessa direção, os resultados aqui obtidos corroboram os de pesquisas anteriores que afirmam a importância da relação equilibrada entre família e trabalho para o desenvolvimento do talento feminino (Kerr, 1994; Reis, 1998, 2005; Noble et al., 1999). Os múltiplos papéis desempenhados pela mulher não afetam seu bem-estar psicológico se exercidos com harmonia por meio da divisão de tarefas. Porém, a percepção da necessidade de desempenhá-los com excelência, juntamente à sobrecarga de trabalho, provoca dúvidas e tensões, afetando sua saúde (Dedecca, 2004; Jonathan & Silva, 2007; Martins, 2006; Mourão, 2005; Negreiros & Féres-Carneiro, 2004; Rocha-Coutinho, 2009). Campos e Teixeira (2010) explicam que "desigualdades criadas entre os gêneros são reproduzidas pelas políticas sociais adotadas na América Latina, em conexão com as condições oferecidas pelo mercado de trabalho e com a estrutura familiar predominante" (p. 26). Por isso, a ampliação de serviços de orientação e aconselhamento familiar voltados para a discussão de temas como o conflito entre a carreira e a família pode servir de suporte e auxiliar a mulher a administrar as diferentes dimensões de sua vida.
Outro aspecto considerado relevante na literatura e detectado nesta pesquisa foi a atuação da rede social de apoio no início da trajetória profissional das pesquisadoras, especialmente as que tiveram filhos. Salienta-se a necessidade de as famílias, o Estado e a sociedade em geral se envolverem nessa etapa de transição do ciclo familiar (Brasil, 2010; Organização Internacional do Trabalho, 2009). Portanto, a formação de grupos de estudos que se engajem na discussão acerca da importância da rede social de apoio e a criação de associações que tenham como finalidade refletir sobre novas estratégias de conciliação podem trazer soluções para que a mulher não seja prejudicada, caso opte também pela maternidade.
O estudo do talento por uma perspectiva de gênero apresenta várias possibilidades de pesquisa, tais como: (a) investigar fatores que contribuem para o envolvimento de pesquisadoras talentosas com sua área de interesse, analisando a influência de fatores culturais, sociais e familiares em suas escolhas; (b) replicar esse estudo com pesquisadoras em início de carreira e pesquisadoras 1A do CNPq, de forma a comparar os resultados com os dados do presente estudo; e (c) verificar as concepções de talento, criatividade e inteligência entre pesquisadores e pesquisadoras de destaque.
Referências
Academia Brasileira de Ciências. (2011). Busca de acadêmicos. Disponível em http://www.abc.org.br. Acesso em 20 de dezembro de 2011. [ Links ]
Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2001). Superdotados: determinantes, educação e ajustamento. São Paulo: EPU. [ Links ]
Antunes, A., & Almeida, L. S. (2008). Variáveis pessoais e contextuais da excelência no feminino: um estudo de caso. Sobredotação, 9,63-75. [ Links ]
Aquino, E. M. L. (2006). Gênero e ciência no Brasil: contribuições para pensar a ação política na busca da equidade. In Brasil (Org.), Pensando gênero e ciência (pp. 11-25). Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. [ Links ]
Aspesi, C. C. (2007). A família do aluno com altas habilidades/superdotação. In D. S. Fleith (Org.), A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. O aluno e a família (pp. 29-47). Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Especial. [ Links ]
Bandeira, M. L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Feministas, 16,207-228. [ Links ]
Brasil. (2010). Relatório anual do observatório Brasil da igualdade de gênero 2009/2010. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. [ Links ]
Campos, M. S., & Teixeira, S. M. (2010). Gênero, família e proteção social: as desigualdades fomentadas pela política social. Revista Katálysis, 13,20-28. [ Links ]
Carter, B., & McGoldrick. M. (1995). As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Cheung, F. M., & Halpern, D. F. (2010). Women at the top: Powerful leaders define success as work+family in a culture of gender. American Psychologist, 65,182-193. [ Links ]
Citelli, M. T. (2000). Mulheres nas ciências: mapeando campos de estudo. Cadernos Pagu, 15,39-75. [ Links ]
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. (2011). Estatísticas e indicadores de fomento. Quantitativos de bolsas, por sexo. Disponível em http://www.cnpq.br/estatisticas/bolsas/sexo.htm . Acesso em 20 de dezembro de 2011. [ Links ]
Costa, M. C. (2006). Ainda somos poucas: exclusão e invisibilidade na ciência. Cadernos Pagu, 27,455-459. [ Links ]
Costa, M. C. (2008). Divulgando a visibilidade das mulheres na ciência. História, Ciências, Saúde -Manguinhos, 15,289-293. [ Links ]
Dedecca, C. S. (2004). Tempo, trabalho e gênero. In A. A. Costa, E. M. Oliveira, M. E. B. Lima & V. Soares (Orgs.), Reconfiguração das relações de gênero no trabalho (pp. 21-52). São Paulo: CUT BRASIL. [ Links ]
Ellis, P. (2003). Women in science-based employment: What makes the difference? Bulletin of Science, Technology & Society, 23,10-16. [ Links ]
Evetts, J. (1996). Gender and career in science and engineering. London: Taylor & Francis. [ Links ]
Ferreira, L. O., Azevedo, N., Guedes, M., & Cortes, B. (2008). Institucionalização das ciências, sistema de gênero e produção científica no Brasil (1939-1969). História, Ciências, Saúde -Manguinhos, 15,43-71. [ Links ]
Fox, M. F. (2005). Gender, family characteristics, and publication productivity among scientists. Social Studies of Science, 35,131-150. [ Links ]
Goldani, A. M. (1993). As famílias no Brasil contemporâneo e o mito da desestruturação. Cadernos Pagu, 1,67-110. [ Links ]
Jonathan, E. G., & Silva, T. M. R (2007). Empreendedorismo feminino: tecendo a trama de demandas conflitantes. Psicologia & Sociedade, 19,77-84. [ Links ]
Keller, E. V. (2006). Qual o impacto do feminismo na ciência? Cadernos Pagu, 27,13-34. [ Links ]
Kerr, B. (1994). Smart girls two: A new psychology of girls, women and giftedness. Dayton, OH: Ohio Psychology Press. [ Links ]
Leta, J. (2003). As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso. Estudos Avançados, 17,271-284. [ Links ]
Martins, A. L. M. (2006). Casamento e trabalho: reflexões sob a ótica de gênero e do ciclo vital. Dissertação de mestrado não publicada, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, 308pp. [ Links ]
Melo, H. P., & Rodrigues, L. M. C. S. (2006). Mulheres e ciência: uma história necessária. Revista Estudos Feministas, 14,819-820. [ Links ]
Mourão, T. F. (2005). Mulheres no topo da carreira: flexibilidade e persistência. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos das Mulheres. [ Links ]
Narvaz, M. G., & Koller, S. H. (2007). A marginalização dos estudos feministas e de gênero na psicologia acadêmica contemporânea. Psico, 38,216-223. [ Links ]
Negreiros, T. C. G. M., & Féres-Carneiro, T. (2004). Masculino e feminino na família contemporânea. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 4,34-47. [ Links ]
Noble, K., Subotnik, R., & Arnold, K. (1999). To thine own self be true: A new model of female talent development. Gifted Child Quarterly, 43,140-149. [ Links ]
Organização Internacional do Trabalho - OIT. (2009). Trabalho e família: rumo a novas formas de conciliação com corresponsabilidade social. Brasília: OIT. [ Links ]
Perlin, G. B. (2006). Casamento contemporâneo: um estudo sobre os impactos da interação família-trabalho na satisfação conjugal. Tese de doutorado não publicada, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, 284pp. [ Links ]
Reis, S. M. (1998). Work left undone: Choices and compromises of talented females. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press. [ Links ]
Reis, S. M. (2005). Feminist perspective on talent development: A research-based conception of giftedness in women. In R. J. Sternberg & J. Davidson (Orgs.), Conceptions of giftedness (pp. 217-245). New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Rocha-Coutinho, M. L. (2009). Os estudos de gênero em psicologia e suas contribuições para o conhecimento humano e para a busca de uma cidadania plena: a mulher brasileira em cargos de liderança. In M. H. Fávero & C. Cunha (Orgs.), Psicologia do conhecimento (pp. 273-293). Brasília: UNESCO, Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Liber Livro Editora. [ Links ]
Schiebinger, L. (2001). O feminismo mudou a ciência? Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração. [ Links ]
Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Tabak, F. (2002). O laboratório de pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro: Editora Garamond. [ Links ]
Tavares, I. (2008). A participação feminina na pesquisa: a presença das mulheres nas áreas do conhecimento. In Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Org.), Simpósio gênero e indicadores da educação superior brasileira (pp. 31-62). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. [ Links ]
The Nobel Prize Foundation. (2011). Women Nobel laureates. Disponível em http://nobelprize.org/nobel_prizes/lists/women.html. Acesso em 20 de dezembro de 2011. [ Links ]
Warrior, J. (1997) Cracking it: Helping women to succeed in science, engineering and technology. Watford, UK: Training Publications. [ Links ]
Endereços para correspondência:
Renata Muniz Prado
pradobasto@gmail.com
Denise de Souza Fleith
dfleith2004@hotmail.com
Submetido em: 09/02/2012
Revisto em: 18/07/2012
Aceito em: 18/07/2012
i Texto referido à dissertação da autora, sob a orientação da coautora, desenvolvida com apoio CAPES.