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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.70 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2018
ARTIGOS
Preconceito frente à obesidade: representações sociais veiculadas pela mídia impressa
Prejudice towards obesity: social representations in printed media
Preconcepto frente a la obesidad: representaciones sociales transmitidas por los medios impresos
Lidiane Silva AraújoI; Maria da Penha Lima CoutinhoII; Luciene Costa Araújo-MoraisIII; Shirley de Souza Silva SimeãoIV; Silvana Carneiro MacielV
IDocente. Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Cuiabá. Estado do Mato Grosso. Brasil
IIDocente. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIIDocente. Faculdade Maurício de Nassau. Campina Grande. Estado da Paraíba. Brasil
IVDocente. Universidade Federal da Paraíba(UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
VDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
RESUMO
Objetivou-se apreender as representações sociais (RS) do preconceito direcionado a pessoas com obesidade produzidas pela mídia impressa. Foi realizada uma pesquisa documental a partir da análise de 21 matérias veiculadas pelo jornal Folha de S. Paulo. Os dados foram submetidos à análise padrão do software Alceste e o corpus originou sete classes temáticas. Verificou-se a difusão da RS da obesidade como uma doença de forte domínio das ciências médicas, o que justifica o amplo espaço cedido pela mídia aos especialistas na abordagem e medicalização do assunto. As matérias reportaram a tendência ao preconceito aberto e à discriminação da pessoa com obesidade, especialmente no contexto laboral, demandando, sobretudo para a mulher, elevados custos na tentativa de ajustamento do seu corpo ao padrão considerado ideal. Além de razões estéticas, curiosamente, o preconceito apresentou justificativas médicas. Os achados salientam a necessidade de fomentar políticas inclusivas e novas pesquisas sobre o tema.
Palavras-chave: Obesidade; Preconceito; Representações sociais; Mídia impressa.
ABSTRACT
The aim was to apprehend the social representations (SR) of prejudice towards people with obesity, produced in printed media. A documental research was conducted, which analyzed 21 articles published in the newspaper Folha de S. Paulo. Data was analyzed using standard analysis in Alceste, and the corpus was structured in seven themes. A diffusion of SR of obesity as a disease under strong dominance of medical sciences was verified, justifying the large cover given by the media to specialists and to the medicalization of the issue. The articles reported the tendency to blatant prejudice and discrimination towards overweight people, especially in the working context, which demands, mostly from women, high investments in the attempt to adjust their bodies to the ideal standards. Besides the esthetic reasons, interestingly, the prejudice presented medical justification. The findings highlight the need to promote politics of inclusion and research about this theme.
Keywords: Obesity; Prejudice; Social representations; Printed media.
RESUMEN
Se objetivó detener las representaciones sociales (RS) del prejuicio dirigido a personas con obesidad producidas por los medios impresos. Se llevó a cabo una investigación basada en el análisis de 21 artículos publicados por el diario Folha de S. Paulo. Se sometieron los datos al análisis estándar del Alceste y el corpus se estructuró en siete clases temáticas. Se verificó la difusión de la RS de la obesidad como una enfermedad de fuerte dominio de las ciencias médicas, lo que justifica el amplio espacio dado por los medios a los expertos en el enfoque y la medicalización del asunto. Las materias reportaron la tendencia al prejuicio abierto y a la discriminación de la persona con obesidad, especialmente en el contexto laboral, requiriendo, especialmente para la mujer, altos costos en el intento de ajustar su cuerpo a la norma considerada ideal. Además de razones estéticas, curiosamente, el prejuicio presentó justificaciones médicas. Los resultados muestran la necesidad de promover políticas inclusivas y nuevas investigaciones sobre el tema.
Palavras clave: Obesidad; Preconcepto; Representaciones sociales; Medios impresos.
Introdução
Considerada uma pandemia na atualidade, a obesidade tem acarretado consideráveis impactos sociais e econômicos a muitas nações (Leitão, Pimenta, Herédia,& Leal, 2013; Pereira,& Brandão, 2014). Dado o seu caráter epidêmico e por se relacionar a comorbidades como a síndrome metabólica, diabetes mellitus, hipertensão, patologias respiratórias, entre outras (Mores et al., 2017), a obesidade tem provocado uma verdadeira celeuma nas sociedades, sobretudo ocidentais, suscitando atenção para o fenômeno, que é designado como um problema de saúde pública.
Face a esta realidade, estudar a obesidade é uma tarefa urgente e relevante, pois a doença está relacionada a distintas comorbidades, favorecendo em grande escala o risco de aparecimento e agravamento de doenças (Melo, Serra,& Cunha, 2010). No entanto, os prejuízos conduzidos pela obesidade são vastos; afora as associações a enfermidades crônicas, o sobrepeso é condição complexa que se agrega a uma gama de repercussões nas esferas psicossociais (Araújo, 2017). Segundo a literatura, pessoas com obesidade são passíveis de sofrer discriminação e preconceito social nas suas relações pessoais, com o público em geral, no âmbito profissional (Macedo, Palmeira, Guimarães, Lima, & Ladeia, 2013; Magallares, 2014), inclusive em serviços de atendimento médico-hospitalar (Bartolomé, & Guzmán, 2014; Obara, 2015; Puhl,&Heuer, 2010).
De acordo com Vigarello (2012), "a estigmatização do gordo domina fortemente uma história da obesidade" (p. 339). Tal estigmatização muda com o tempo, o que precisamente justifica a abordagem histórica para o estudo desse fenômeno que se transmuta em função dos mais diversos condicionantes sociais, econômicos e culturais.Há registros de desenhos rupestres que mostram o homem pré-histórico com aspectos de peso excessivo para a sua altura. Neste sentido, pode-se afirmar que a obesidade acompanha a humanidade há muito tempo, entretanto, em cifras significativamente menores, evidentemente (Ferriani, Dias, Silva,& Martins, 2005).
Entre outros aspectos, a Idade Moderna é marcada pelo culto ao corpo relativamente magro (Alves,& Barreto, 2011). No entanto, nem sempre foi assim; na Idade Média, por exemplo, as anatomias maciças poderiam ser apreciadas como sinal de poderio, ascendência (Vigarello, 2012). Tais mudanças nos contornos peculiares dados ao corpo justificam-se pelo fato de o corpo humano se configurar como um objeto de estudo cuja importância social evidencia-se ao longo de toda a história, mediando as relações sociais. Assim, embora seja caracterizado como um objeto físico, que materializa a existência humana, o corpo também é formado por um componente simbólico, o qual é afetado pelo movimento das sociedades (Jodelet, 1994; Justo, 2011).
Considerando que as sociedades complexas são cambiantes, dinâmicas e fluidas (Coutinho,& Saraiva, 2013), os padrões de saúde e de beleza do corpo também se modificam. Neste ínterim, a gordura - que antes era sinônimo de saúde, beleza e poder - passa a ser associada a prejuízos à saúde, à falta de cuidado e também à feiura (Justo, 2011).
Por tal razão, o corpo tem sido objeto de interesse e evidência na mídia e nas produções científicas dos últimos anos, denotando a valorização deste objeto no seio da sociedade. Nesta direção, a mídia atua como um importante vetor para o saber social que é forjado acerca de um dado objeto representacional (Silva, Bousfield,& Cardoso, 2013). De acordo com Moscovici (2003), são estas influências dos processos de comunicação que dão sustentáculo às representações sociais, constituindo as realidades típicas da vida social.
Há de se destacar que as representações sociais não são edificadas num vácuo social. Neste processo, os meios de comunicação desempenham influência na construção das teorias do senso comum que os grupos formam sobre objetos que são concebidos como importantes para suas vidas. Assim, a construção do saber social se dá por meio das "práticas e falas que elas escutam dos demais integrantes da comunidade, do que leem, ouvem ou veem nos meios de comunicação e das experiências vivenciadas no transcorrer da sua história de vida e da sua convivência social" (Saraiva,& Coutinho, 2012, p. 114).
Portanto, as representações sociais são também nutridas "pelos produtos da ciência, que circulam publicamente através da mídia e das inúmeras versões populares destes produtos" (Spink, 1993, p. 305). Neste cenário, a mídia ocupa um lugar de destaque para a produção do conhecimento do senso comum; por compor um dos maiores meios de veiculação de ideologias, crenças e valores, a mídia contribui sobremaneira para a construção e difusão das representações sociais a milhares de atores sociais (Moscovici, 2012; Saraiva,& Coutinho, 2012), promovendo debates e suscitando o engajamento da sociedade no discurso da ciência (Motta-Roth, 2009). Destarte, considerando que o sistema de difusão ocupa importante espaço de veiculação de representações sociais sobre diversos objetos, quer como produto quer como processo, buscou-se conhecer as representações sociais produzidas e/ou difundidas por um jornal de circulação nacional acerca do preconceito baseado no peso.
Atualmente, vale salientar, parece existir apenas um tipo de corpo possível (o corpo magro), o que leva a entender que a sociedade vivencia uma época de "lipofobia" generalizada, o que está intimamente associado à obsessão pela magreza e sua consequente rejeição quase insana à obesidade, desumanizando o corpo. Indiscutivelmente, face a essa realidade, a exclusão, o preconceito, a discriminação e a estigmatização são grandes sequelas dessa época lipofóbica (Yoshino, 2010).
Apesar de o padrão de beleza da atualidade valorizar corpos magros, parcela significativa da sociedade é representada por pessoas acima do peso (Brasil, 2015). Por apresentar comorbidades médicas, a obesidade recebe atenção prioritária dos pesquisadores dessa área. Este cenário, portanto, faz com que os artigos publicados cintilem majoritariamente em periódicos dedicados às ciências biológicas (Casassa,&Onofrio, 2011).
Embora seja comumente estudada por um enfoque médico, a obesidade é uma doença crônica que "possui uma estrutura complexa, multifacetada e necessita de compreensão de diversas áreas do conhecimento" (Gleiser, 2009, p. 3). Deste modo, Ximenes, Ximenes e Lins (2009) preconizam que também é função da Psicologia aprofundar as questões e fenômenos psicossociais que emergem relacionados à obesidade, sobretudo o preconceito, campo de interesse e inserção da presente pesquisa.
Método
Tipo de estudo
Tratou-se de uma pesquisa documental, de caráter descritivo e exploratório, realizada mediante a coleta de notícias disponíveis na internet pelo jornal Folha de S. Paulo. Segundo informações da Associação Nacional de Jornais (ANJ, 2016), embasada no Instituto Verificador de Circulação (IVC), a Folha é um dos jornais brasileiros de interesse geral com ampla tiragem e média de circulação, motivo pelo qual foi escolhido como fonte de busca no presente estudo.
Instrumento
Como instrumental, utilizou-se do recurso de busca oferecido pelo sítio do portal da Folha de S. Paulo (http://www.folha.uol.com.br/), sob condição de assinatura do serviço, uma vez que o acesso ao acervo é limitado para não assinantes.
Procedimento
O rastreamento das notícias incluiu todos os gêneros textuais (opinião/editorial, painel do leitor, notas, reportagem, entrevista, depoimento e tendências e debates) sobre o objeto de interesse. As expressões utilizadas no campo de pesquisa foram empregadas em conformidade com as características do objeto representacional. Embora o estudo enfatize o fenômeno do preconceito frente à obesidade, no campo de busca, foram inseridas expressões correlatas ao assunto, tais como: "preconceito contra pessoas com sobrepeso", "preconceito contra gordos", "preconceito contra obesos", "discriminação contra gordos", "discriminação contra obesos", considerando o período de busca de 01 de janeiro de 2009 a 01 de janeiro de 2014. Além disto, buscaram-se as notícias na seção impressa do jornal, excluindo as seções "site" e "guia", de modo a restringir a análise documental aos conteúdos que são igualmente veiculados pela versão impressa da mídia.
Análise dos dados
Utilizou-se o software Alceste para desempenhar a análise lexical e classificação hierárquica descendente. Este programa sustenta-se em cálculos executados sobre a co-ocorrência de palavras em segmentos de texto, objetivando diferenciar classes de palavras que representem formas diversas de discurso sobre o tema de interesse de pesquisa (Saraiva, Coutinho& Miranda, 2011). Ao nível teórico-metodológico, as classes podem indicar representações sociais ou, ao menos, campos imagéticos sobre um determinado objeto, o que justifica sua adequada utilização neste estudo (Veloz, Nascimento-Schulze, & Camargo, 1999).
Resultados e discussão
Submetido à análise padrão do Alceste, o corpus constituído por 21 unidades de contexto iniciais (UCIs) -representado pelas notícias- gerou uma classificação hierárquica descendente (CHD) dividida em 203 unidades de contexto elementares (UCEs), contabilizando 6.977 ocorrências, das quais 2.353 constituíram formas distintas, com uma média de três ocorrências por palavra. Com a redução do vocabulário às suas raízes, 60% das UCEs foram retidas no corpus (122), as quais foram distribuídas em sete classes. Estas, por seu tempo, foram formadas com, no mínimo, 11 UCEs, conforme pode ser visualizado no dendrograma representado na Figura.
Na etapa inicial da análise, o corpus foi particionado em dois subcorpora.Um deles distinguiu a classe 2, à extrema direita, do material textual remanescente. O segundo subcorpusdesmembrou-se em dois (2a partição), fazendo emergir, de um lado, a classe 4 e, de outro, as classes 1, 5, 3, 7 e 6. Posteriormente, o terceiro subcorpus (3a partição) foi outra vez dividido, originando, de um lado, as classes 3, 7 e 6 e, de outro, as classes 1 e 5. Na quarta partição, o subcorpus foi dividido em dois, diferenciando a classe 6 das classes 3 e 7. Por sua vez, a quinta partição deu origem, de um lado, à classe 1 e, de outro, à classe 5. Finalmente, o sexto subcorpus desencadeou a divisão das classes 3 e 7.
Na análise em questão, consideraram-se as palavras com frequência igual ou superior à média (3) e com χ2superior a 3,84 (g.l.=1, p ≥ 0,05). Com efeito, as classes que constituem o dendrograma são compostas pelas palavras mais significativas ou frequentes e suas respectivas associações com cada classe (qui-quadrado).
A partir dos contextos temáticos expostos no dendrograma, pode-se inferir que as classes evidenciadas na Figurase desdobram de um conjunto textual mais amplo, neste estudo, o preconceito/discriminação em relação ao sobrepeso e/ou à obesidade. Assim, o conjunto de classes demonstra as representações sociais sobre o objeto de interesse e cada classe apresenta as peculiaridades que compõem as representações sociais ou campos imagéticos sobre o preconceito baseado no peso que são veiculadas pelo jornal impresso analisado. A seguir, são descritas as classes evidenciadas no dendrograma, com seus respectivos valores e principais enunciados.
Intitulada "Discriminação da gordura", a classe 1 foi constituída por 19 UCEs, correspondendo a 15,57% desse conjunto e foi formada por palavras e radicais no intervalo de χ2 = 28 (gordos) a χ2 = 4 (os, forma, parte, tipo, continua e saudável), relacionadas às notícias publicadas na seção textual opinião/editorial e características do ano de 2011. O substrato desta classe aborda a discriminação (χ2 = 17) da gordura (χ2 = 9) como fenômeno que abrange todo o mundo (χ2 = 6) e, indiretamente, anuncia a falta de espaço para a pessoa gorda (χ2 = 28) no seio social nos tempos (χ2 = 11) atuais, ressaltando a magreza como um ideal supremo, conforme ilustram os recortes textuais a seguir:
[...] A ciência decretou, a moda difundiu, nossos superegos aceitaram: gordo é errado. [...] E curioso tal tipo de discriminação acontecer nesses tempos tão politicamente corretos. [...] Com o gordo, justificam falando que estão preocupados com a saúde, mas pera lá: gordura não é sinônimo de doença. [...] Pelas esquinas e mesas de bar, pelas praias e parques, podem-se ouvir os cochichos, cada vez menos discretos: Deus do céu, será que ele não tem vergonha na cara? Devia ser proibido uma mulher dessas usarbiquini! [...] Se fosse um filho meu, internava num SPA.
Este panorama remete ao que alguns autores refletem sobre a sociedade moderna que, embora os crie, não tolera os obesos, pois a gordura é sinônimo de desqualificação social(Alves,& Barreto, 2011; Bosello,&Cuzzolaro, 2010; Schencman, 2013; Soratto, 2009; Vigarello, 2012). De tal modo, verificam-se alguns desdobramentos desta perspectiva, indicando que o feito discriminatório direcionado à gordura pode estar relacionado a práticas abusivas, uma vez que, conforme a literatura aponta, o sobrepeso (não necessariamente a obesidade) é um fator de predição de violência (Lumenget al., 2010; Mattos,& Luz, 2009), objetivando desde formas mais sutis a comportamentos mais evidentes de abuso, os quais são justificados em motivos diversos, quais sejam eles médicos ou estéticos. Esta perspectiva pode ser evidenciada nos enunciados que se completam a seguir:
[...] no último ataque, um garoto muito menor, cercado e estimulado por colegas, começou a socá-lo. [...] ele se tornou um herói porque deu um basta na discriminação que a maioria dos gordos sofre calada. E não é exagero falar em preconceito; discriminar alguém por uma característica física é o quê?
A classe 2, "Exclusão no contexto laboral", englobou 20 UCEs, o que representou 16,39% deste conjunto, sendo formada por palavras e radicais no intervalo de χ2 = 50 (secretaria) aχ2 = 4 (ao), características das notícias veiculadas no ano de 2011. Conforme demonstra o material textual a seguir, o conteúdo informacional destacado nesta classe situa a obesidade como motivo clínico de inaptidão para o trabalho.
[...] A Folha teve acesso ao inquérito. Nele, há um ofício da secretaria de gestão pública enviado para a promotoria afirmando que a obesidade, se mórbida, é motivo de inaptidão do concursado. [...] O documentodiz que a razão para considerar o obeso mórbido inapto para o serviço público é o mesmo aplicado a qualquer candidato que apresenta qualquer outra doença.
Como dito, a variável atributo que mais contribuiu para a formação da referida classe foi o ano 2011, período marcado pelo resultado de um concurso público no setor da educação. Neste processo, um número considerável de professoresfoi aprovado, mas a nomeação imediata de alguns desses profissionais foi inviabilizada por justificativas médicas, dentre as quais a ratificação da obesidade como doença incapacitante para o trabalho, principal motivo de reprovação do concursado visto como legítimo pela perícia médica.
Este cenário iguala a obesidade a qualquer outra doença que torna a pessoa inabilitada para o labor, impossibilitando o ingresso legítimo de pessoas obesas ao mercado de trabalho, inclusive no setor público. Evidentemente, esta justificativa impeliu muitos candidatos a buscarem a garantia de seus direitos. Como tal, uma segunda avaliação por um novo corpo de especialistas foi realizada e a inaptidão por motivo de obesidade foi revista, assegurando o direito de parte desse grupo de ingressar para o serviço público, conforme ilustram os excertos a seguir.
[...] o governo paulista reavaliou a situação de 304 professores aprovados em concurso público, mas que foram considerados inaptos pela perícia médica do estado. [...] Segundo os dados da secretaria, 73 por cento dos professores barrados por obesidade que pediram reavaliação foram considerados agora aptos. […] A reavaliação e aprovação de 223 professores obesos em concurso pelo estado de São Paulo é um avanço importante e representa um progresso com relação ao preconceito contra a obesidade.
Em linhas gerais, a classe 2demonstra que as perdas conduzidas pela obesidade são diversas, transpondo sua relação com doenças crônicas não transmissíveis e denunciando a sua repercussão, sobretudo, na esfera psicossocial, constituindo motivo de exclusão no campo profissional (Macedo et al., 2013; Magallares, 2014). À vista disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011) reconhece que a discriminação significa uma barreira considerável à realização de um trabalho digno para todos e destaca que a discriminação baseada no peso é um empecilho que carece de atenção e intervenção.
Embora o contexto desta classe apresente a exclusão como destaque, há que se refletir, conforme preconiza Sawaia (2006), que a exclusão não se forja de maneira distanciada da inclusão. Parafraseando a autora, trata-se de um conceito-processo que reflete a complexidade do fenômeno exclusão/inclusão social. Aplicando-se esta reflexão ao tema de interesse, torna-se notório que, em decorrência do aumento das normas de emagrecimento e do refinamento - cada vez mais rigoroso - do padrão estético do corpo, a pessoa obesa distancia-se do modelo hegemônico de beleza/saúde/magreza (modelo perverso de inclusão), sendo condenada à exclusão social (Alves, & Barreto, 2011; Vigarello, 2012).
Um conteúdo representacional que merece ser destacado nesta classe diz respeito à presença de crenças ambivalentes e de atitudes negativas dos profissionais (perícia médica) frente à obesidade, situação destacada de modo análogo em artigo de revisão sistemática publicado por Teixeira, Pais-Ribeiro e Maia (2012).
Desta feita, embora haja uma preocupação unânime em torno da obesidade, o campo imagético evidenciou que o próprio saber científico (neste caso, representado pela perícia médica do concurso), ancorado em medidas de diagnósticos (por exemplo, o índice de massa corpórea [IMC]), tem legitimado processos de exclusão, preconceito e discriminação em relação à pessoa com obesidade (Fernando-Ramírez,&Escudero, 2012; Figueiredo, 2009; Mortoza, 2011; Yoshino, 2010). Sob o pretexto de que a obesidade é uma doença como outra qualquer, este argumento parece ser suficiente para libertar a categoria médica de qualquer atitude discriminatória em relação ao grupo minoritário. Segundo Pereira e Vala (2011), estas cognições ou ideologias são chamadas "mitos legitimadores" e podem "servir como justificações socialmente mais aceitáveis e [...]'neutras' para ações discriminatórias" (p. 368), isentando, conforme demonstrado neste estudo,a classe médica de qualquer condenação social.
Na classe 3, designada "Resultados de pesquisa" sobre excesso de peso/obesidade, verificou-se um número de 14 UCEs, correspondentes a um percentual de 11,47% do total de UCEs. Esta classe apresentou palavras e radicais no intervalo de χ2 = 49 (excesso de peso) a χ2 = 4 (uma), apresentando informações de pesquisas sobre o tema referentes aos anos 2010 e 2013.
Ao abordar resultados de pesquisa, a classe 3 revelou que a mídia impressa tem contribuído para difusão de informações a respeito do fenômeno da obesidade como doença de caráter epidêmico, indicando, assim como o fazem os estudos e os relatórios de saúde publicados no âmbito científico, as cifras de prevalência do excesso de peso e de obesidade em todo o mundo (Bosello,&Cuzzolaro, 2010; Brasil, 2010, 2011; SBCBM, 2014;WHO, 2004).
[...] Hoje, quase metade da população, 49 por cento, brasileira está acima do peso, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O excesso de peso inclui os que estão acima do peso e os obesos. [...] Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), pelo menos dois terços dos norte-americanos têm sobrepeso e 36 por cento são obesos. No Brasil, mais de 53 por cento das pessoas têm sobrepeso, enquanto quase 20 por cento são obesas.
Além de aportar estatísticas do sobrepeso e obesidade, a terceira classe também destacou o sobrepeso como entrave social. Este resultado sugere que, conforme Zoche, Neves e Liberali (2012), além de custos diretos aos cofres públicos no setor de saúde, a obesidade implica em repercussões psicossociais, sendo considerada um obstáculo nas relações socioafetivas, sexuais e de trabalho das pessoas, conforme elucida o trecho a seguir:
[...] Metade dos paulistanos e dos cariocas declara que não se casaria com uma pessoa obesa, revela pesquisa inédita do HCOR, Hospital do Coração. [...] Na avaliação de 81 por cento dos entrevistados, o excesso de peso também interfere no sucesso profissional. Um representante comercial, 49 anos, que pesa 130 kg, afirma ter sido preterido em uma promoção por ser obeso.
A classe 4, "Medicalização da obesidade",com palavras e radicais no intervalo de χ2 = 52 (remédio) a χ2 = 6 (drogas, aumenta, melhora, clínica e simples), representou 15,57% do conjunto de UCEs retidas na análise e foi associada às notícias publicadas no ano de 2010 na seção tendências e debates.
Esta classe destaca os perigos da medicalização da obesidade para a saúde dos usuários de sibutramina, tipo de medicamento já suspenso no contexto europeu. Ao mesmo tempo, os enunciados da referida classe abordam o uso polêmico de emagrecedores dessa natureza no Brasil, apresentando discursos de médicos que relativizam a necessidade de suspensão e prescrição de remédios à base de sibutramina, de acordo com o que expõem os trechos a seguir:
[...] O remédio pode ativar algum sistema no organismo que pode ser deletério. [...] A Emea, agência de medicamentos da Europa, recomendou ontem a suspensão da venda e da prescrição de remédios para emagrecer que contém sibutramina, uma das substâncias mais usadas para emagrecimento no Brasil. [...] O laboratório Abbott, fabricante de drogas com sibutramina, meridia e reductil, parou de comercializar as drogas na Europa. No Brasil, os remédios continuam disponíveis. Aqui, o medicamento é de uso controlado, sendo vendido somente com receita médica retida. Médicos brasileiros defendem a eficácia do medicamento.
De acordo com Figueiredo (2009), assim como outros assuntos ao longo da história, a obesidade, ao ser designada como doença, passou a ser de domínio da medicina. Trata-se de um processo socialmente construído do qual fazem parte profissionais da área de saúde e que é também nutrido por representantes de governos, do mercado, assim como da imprensa. Sobre este último setor, especificamente, ao analisar 305 matérias sobre o tema publicadas no jornal Folha de S. Paulo, na faixa temporal de 1998 a 2008, Figueiredo (2009) identificou que, do conjunto de notícias analisadas, mais de 70% enfocaram a obesidade como doença ou epidemia, relacionando a outras morbidades e seus consequentes riscos para os atores sociais e as despesas gerais aos cofres públicos. Segundo a autora,
a imprensa representa um importante papel na construção da epidemia da obesidade, apoiada no discurso médico, autoridade científica que legitima o processo da medicalização, e que conta com o apoio dos laboratórios farmacêuticos e o poder público na disseminação da ideia da doença e de possível cura (p. xvii).
Figueiredo (2009) afirma que, ao divulgar cifras alarmantes sobre o excesso de peso, a mídia impressa associa a estas notícias a voz dos especialistas (os médicos) como fonte principal nas matérias, reforçando o domínio da saúde nesta conjuntura, em detrimento de outros setores que refletem sobre o tema, principalmente acerca das questões que estimulam o aumento da obesidade. Com efeito, o processo de medicalização contribui para levar problemas não necessariamente médicos paraa jurisdição da medicina, tornando-os tratáveis com procedimentos médicos; que merecem atenção e cuidados da saúde pública; pelos quais os indivíduos podem ou não ser responsabilizados, principalmente se não recorrerem aos profissionais da medicina para obterem a cura para o mal que os acomete (p. 139).
Em face dos fragmentos expostos, conforme Figueiredo (2009) e Mortoza (2011), ao reforçar o discurso da construção da obesidade como uma doença fatal que sobrecarrega o sistema público de saúde, alguns mecanismos de poder garantem o modelo hegemônico da medicalização da obesidade, alimentando muitos setores, desde o mercado (indústrias da beleza, farmacêutica, alimentícia)à produção científica.
Quanto ao uso de medicamentos neste cenário, o interesse ávido por lucros tem levado à aprovação de novas drogas, ainda que elas sejam posteriormente retiradas do mercado (Figueiredo, 2009), como foi o caso da sibutramina em alguns contextos. A propósito, em setembro de 2014 - períodoapós a faixa temporal de análise das notícias aqui em discussão - o senado aprovouum projeto de decreto legislativo com o intuito de suspender a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que impunha restrições à comercialização e ao registro de sibutramina.Considerando que os senadores não dispõem de conhecimento técnico paraendossar tal reflexão, torna-se perceptível quão polêmica é esta discussão em torno do uso de medicamentos emagrecedores no Brasil.
A classe 5 abordou o "Preconceito: diferenças de gênero e fatores econômicos" na vivência da obesidade, assunto marcante nas matérias publicadas em 2012, e obteve o maior percentual de UCEs dentre as classes (24%). Esta classe apresentou palavras e radicais no intervalo de χ2 = 37 (preconceito) a χ2 = 4 (disseram, perdem, coisa, mulheres, problemas, Estados Unidos), elencando as repercussões da doença, mas, sobretudo, destacando o preconceitocomo causa maior de sofrimento associado à obesidade, conferindo, ainda, impactos econômicos e diferenças na sua vivência em função do gênero.
[...] As pessoas que a procuram com o objetivo de emagrecer, afirma, tem dois motivadores: problemas de saúde relacionados à obesidade, como infarto, e sofrimento devido ao preconceito. [...] Em 2010, cansado de fazer dietas que não surtiam efeito, iniciei um tratamento contra a obesidade e, no fim, foi sugerida a cirurgia de redução do estômago. [...] Para alguns especialistas, porém, o preconceito contra os obesos é tão nocivo quanto os problemas de saúde que a obesidade acarreta.
Diversos autores já refletiram acerca do preconceito como repercussão associada à obesidade (Alves,& Barreto, 2011; Bosello,&Cuzzolaro, 2010; Costa, Silva,& Oliveira, 2012; Fernando-Ramírez,&Escudero, 2012; Justo, 2011; Mattos,& Luz, 2009; Puhl,&Heuer, 2010; Vigarello, 2012; Ximeneset al., 2009; Yoshino, 2010). Ademais, as formas de expressão do preconceito, conforme o exposto, também possuem diferenças em função do gênero. Este debate, de acordo com o fragmento de texto a seguir,revela como as perdas vivenciadas na obesidade afetam predominantemente as mulheres, demandando-lhes maiores prejuízos também na esfera econômica.
[...] Peso no orçamento: economistas calcularam quanto custa ser gordo nos Estados Unidos e descobriram que a conta sai mais alta para as mulheres. Os pesquisadores consideraram algumas despesas diretas, como gastos com saúde, e indiretas, como perda de produtividade no trabalho e o salário. [...] É uma situação altamente estressante. [...] Na opinião da Radominski, as mulheres sofrem ainda mais preconceito do que os homens. A pressão é enorme. [...] Em uma enquete do Gordinhas Maravilhosas sobre quem sofria mais preconceito, 56 por cento disseram ser a mulher, 5 por cento, os homens, e 35 por cento, os dois. [...] As obesas pagam o pato e perdem 4.879 dólares, 8.255 reais, a mais por ano por causa do peso extra. [...] Para mulheres, a barra é mais pesada.
Como apontado pela literatura, numa sociedade na qual a gordura é símbolo de repulsa (Mattos,& Luz, 2009), a beleza (leia-se, magreza) emerge como um objeto de desejo e consequente item de mercado (Flor, 2010). Considerando a desigualdade de gênero que também perpassa a corrida contra a gordura, as mulheres parecem corresponder à boa fatia dos consumidores deste serviço.
Diante do exposto nos fragmentos de texto, fica evidente que as pessoas com obesidade, principalmente as mulheres, sofrem com o imperativo da magreza, corroborando dados de pesquisas anteriores, que afirmam que o corpo da mulher é cada vez mais ajustado ao padrão corporal da atualidade (Yoshino, 2010), revelando a magreza como passaporte para o romance e a felicidade (Justo,& Camargo, 2013) e, por conseguinte, a idealização do corpo perfeito como elemento constituinte da identidade feminina (Camargo, Justo,&Jodelet, 2010).
Sob o título de "Preconceito aberto", a classe 6 foi formada por 11 UCEs, 30 palavras analisadas, perfazendo o menor percentual de UCEs retido (9%) na classificação. Com palavras e radicais no intervalo de χ2 = 53 (fotografia) a χ2 = 6 (trabalha), esta classe correspondeu às publicações na seção textual opinião/editorial, especificamente no ano de 2013. Nesta classe, o conteúdo em destaque foi o relato de um projeto de fotografia sobre o tema obesidade, conforme explanam os excertos a seguir.
[...] Inverto o olhar, e o foco fica sobre as pessoas que me observam, explica Morris Cafiero, que trabalha há quatro anos nesse projeto. O resultado é a série waitwatchers, jogo com a grafia e o som das palavras peso, weight, e espera,wait. [...] O destaque, porém, é a reação das pessoas ao corpo de Morris Cafiero. Nos rostos e na linguagem corporal dos fotografados, há ironia, deboche, surpresa, condenação: em uma palavra, preconceito.
Os fragmentos de texto apresentados referem-se a um editorial sobre obesidade. De acordo com Morris Cafiero, a fotógrafa idealizadora do projeto divulgado no jornal, ela participou de uma experiência na qual ela mesma representou um corpo obeso e saiu às ruas para ser fotografada e fotografar a reação das pessoas face ao seu corpo. De caráter sociológico, a experiência aborda a captura do preconceito (ou melhor, a discriminação - componente comportamental do preconceito) pelas lentes da fotografia.
Conforme visto na revisão da literatura deste artigo, o corpo medeia as relações sociais (Jodelet, 1994; Justo,& Camargo, 2013); neste aspecto, como previsto, em tempos nos quais é predominante o corpo magro (Justo, 2011; Mattos,& Luz, 2009; Soratto, 2009; Yoshino, 2010), sobretudo no tocante à feminilidade, os olhares da sociedade aparecem atravessados frente ao corpo com as marcas do excesso, como é o caso da fotógrafa no relato da sua experiência.
De modo análogo, um estudo sobre gordofobia na perspectiva de usuários de uma rede social desempenhada por Araújo (2017) evidenciou a ancoragem da obesidade como doença epidêmica. A visão dos internautas sobre a obesidade, segundo a autora, justificou a expressão do preconceito baseado no peso na maioria dos comentários, muitos dos quais negaram a existência do fenômeno gordofobia, destacando, por outro lado, a preocupação com a saúde, identificando as pessoas gordas como inferiores e responsabilizando-as por suas "inadequações" corporais.
Finalmente, intitulada "Políticas de inclusão", a classe 7- com 12 UCEs (10%), 17 palavras analisadas e palavras e radicais no intervalo de χ2 = 48 (vagas) a χ2 = 5 (trabalha) - trata da necessidade de se criar, quer em espaços coletivos (mobilidade, lazer ou cultura) quer em áreas privadas (organizações), leis que assegurem os direitos desse grupo de pertença.
O médico do trabalho e ergonomista Renato Igino dos Santos diz que esse tipo de adaptação só é feito para os frequentadores de ambientes com grande circulação, como no transporte público. [...] O mobiliário corporativo é feito para pessoas de constituição média, assinala Carlos Maurício Duque, ergonomista da DCA ergonomia. Segundo ele, o obeso fica desconfortável no posto de trabalho e tende a apresentar redução na produtividade. [...] O assunto é polêmico; vários grupos lutam hoje para garantir o direito de a pessoa ser gorda e ser respeitada nesta condição. [...] Juristas, congressistas e entidades civis participaram da elaboração do estatuto, que tem 134 artigos. No capítulo relativo ao direito, cultura, esporte, turismo e lazer, o texto determina que as vagas reservadas a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida, inclusive aos obesos, em salas de espetáculos, cinemas, ginásios, teatros.
Embora indique a criação de alguns documentos que assegurem políticas inclusivas, na classe apresentada, destaca-se também a dificuldade em efetivar tais direitos, uma vez que, conforme elencado na revisão da literatura, qualquer esforço que se mobilize em oposição ao modelo de corpo hegemônico na contemporaneidade (Vigarello, 2012) parece ínfimo.
Em linhas gerais, a sociedade que se preocupa em regular os desvios do corpo poupa suas energias para incluir e acomodar em suas estruturas as pessoas com sobrepeso. Destarte, fica nítida a necessidade de o tecido social, além de criar, fiscalizar estas políticas e, mais ainda, refletir sobre os processos subjacentes ao fenômeno do preconceito associado à obesidade. Considerando que a mídia exerce um papel de importância na disseminação de informações (Silvaet al., 2013; Spink, 1993) sobre a obesidade, a divulgação deste tipo de pauta pode contribuir para a conscientização da população sobre a existência do preconceito neste contexto e sobre a necessidade de estabelecer políticas de inclusão e respeito à alteridade.
Considerações finais
O presente estudo objetivou apreciar o conhecimento midiático elaborado sobre o preconceito associado à obesidade. Para tanto, apreenderam-se as representações sociais presentes nas notícias acerca do tema veiculadas pela mídia impressa, nomeadamente por um jornal de grande circulação nacional, a Folha de S. Paulo.
Com o auxílio do software Alceste, a classificação hierárquica descendente revelou a emergência de sete classes temáticas, as quais refletiram as multifacetas do fenômeno estudado. Em resumo, a análise das representações sociais veiculadas pelo jornal demonstrou que a obesidade é difundida como uma doença, sendo considerada um tema de forte domínio das ciências da saúde, o que justifica o amplo espaço concedido pela mídia impressa aos especialistas para falarem sobre o assunto, abordando desde dados de pesquisa a medidas de diagnóstico e o uso polêmico de medicamentos para tratá-la.
Considerando a hegemonia do padrão corporal magro e saudável, observou-se que a discriminação da gordura tem sido cada vez mais naturalizada, circulando, inclusive, no meio médico (Rodrigues, Guedes, Fernandes,& Oliveira, 2016). Corroborando Obara (2015) e Teixeira et al. (2012), Araújo (2017) argumenta que atitudes negativas de profissionais de saúde em relação à obesidade podem embaraçar o exercício digno e humanizado da conduta profissional, implicando em queda na qualidade de cuidados prestados aos pacientes sob a condição de obesidade (Garcia, 2012; Phelan et al., 2015), apartando as pessoas com obesidade dos serviços de saúde e inviabilizando a adesão dessas ao tratamento.
Ao ancorar a obesidade como doença, a gordura passa a viver sob o rígido controle da medicina, a qual estabelece critérios de diagnóstico (por exemplo, o IMC) a seu respeito, podendo utilizá-los até mesmo como ferramenta legítima de exclusão dessas pessoas no contexto laboral, como foi contemplado em algumas notícias veiculadas pela mídia estudada. Este panorama, indubitavelmente, pode corroborar para que o preconceito face ao "corpo gordo" assuma uma expressão ainda aberta ou flagrante, demandando políticas de inclusão e novas reflexões sobre o assunto.
De forma geral, o saber produzido e difundido pelo jornal em questão tem revelado que, para além da condição de doença e risco de comorbidades, o preconceito associado à obesidade emergiu nas notícias como razão considerável de sofrimento psíquico e socioafetivo e de exclusão no contexto laboral dos atores sociais, sobretudo para a mulher. Esta, na tentativa de conformar seu corpo ao que é preconizado pela mídia e atestado pela ciência, se sente excluída do tecido social, empreendendo, por conseguinte, gastos econômicos superiores aos realizados pelos homens na busca por um corpo socialmente valorizado.
Evidentemente, como qualquer tipo de produção do conhecimento, este estudo apresenta limitações, dentre elas a análise do saber difundido apenas por uma mídia impressa, o que sugere a necessidade de conhecer o saber veiculado por outros jornais. Ademais, considera-se importante dar continuidade às pesquisas neste espaço midiático, buscando conhecer, sobretudo nas revistas de saúde e beleza de grande circulação nacional, quais as representações sociais que são veiculadas em torno da obesidade e procurando apreender como esses veículos de informação têm legislado sobre o lugar do corpo obeso no seio social. Também importa saber como este fecundo tema tem ocupado espaço nas redes sociais.
Diante do saber alçado a partir da análise do jornal, também se considera urgente e relevante conhecer sobre as representações sociais da obesidade elaboradas por profissionais que lidam diretamente com o tratamento da pessoa com obesidade (médicos, nutricionistas, educadores físicos, psicólogos, entre outros), verificando, se possível, quais os aspectos que influenciam positiva ou negativamente nos cuidados de saúde dispensados por esses atores sociais. Do mesmo modo, recomenda-se a realização de novas pesquisas que priorizem a voz das pessoas que vivenciam a experiência de sobrepeso numa sociedade onde a ordem à inclusão passa pela tríade da beleza/saúde/magreza e verifiquem, se possível, a relação com outros construtos importantes neste contexto (imagem corporal, estigma, sexualidade, depressão, qualidade de vida).
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Endereço para correspondência:
Lidiane Silva Araújo
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Luciene Costa Araújo-Morais
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Submetido em: 29/09/2015
Revisto em: 23/10/2017
Aceito em: 05/02/2018