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Interamerican Journal of Psychology

Print version ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. vol.41 no.3 Porto Alegre Dec. 2007

 

 

Representações sociais, representações individuais e comportamento

 

Social representations, individual representations and behavior

 

 

João Fernando Rech Wachelke1; Brigido Vizeu Camargo

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

Este trabalho é uma revisão da literatura sobre a teoria das representações sociais. Tem por objetivo apresentar um entendimento global acerca da teoria e do fenômeno das representações sociais e da relação entre indivíduo e grupo na teoria, mais especificamente as relações entre representações sociais e individuais e as relações entre representações sociais e comportamento. Tomam-se como base estudos empíricos e ensaios teóricos publicados na literatura científica internacional. Conclui-se que a teoria possui características que a aproximam de um paradigma de pesquisa e indica-se a relevância de investigar de modo mais aprofundado os efeitos de contextos interacionais com objetos sociais e relações entre pensamento social e individual.

Palavras-chave: Teoria das representações sociais, Cognição social, Pensamento social, Comportamento social, Representações individuais.


ABSTRACT

This paper is a bibliographical review about social representations theory. Its objective is to present a global understanding about the theory and phenomenon of social representations, as well as the relationship given by individual and group in the theory, more specifically the relationships between social and individual representations and the relationships between social representations and behavior. Empirical studies and theoretical essays published in scientific international literature are taken as a basis. It is concluded that the theory has characteristics that make it close to a research paradigm and the relevance of investigating in depth the effects of interaction contexts with social objects and relationships between social and individual thinking is indicated.

Keywords: Social representations theory, Social cognition, Social thinking, Social behavior, Individual representations.


 

 

O presente trabalho situa-se no domínio da psicologia social, a área do conhecimento científico que tem por objeto de estudo os processos de interação social (Maisonneuve, 1993a; Rodrigues, Assmar, & Jablonski, 1999), uma ciência de fronteira entre psicologia e sociologia (Maisonneuve, 1993b) que visa caracterizar e explicar as influências mútuas entre os indivíduos e a realidade dos grupos sociais de que fazem parte, ou, em última instância, a sociedade.

Considerando-se que a psicologia social, por ser uma ciência "híbrida", ocupa uma posição de intersecção entre psicologia e sociologia, abre-se também a possibilidade de concepção de projetos distintos para essa área do conhecimento, situados mais próximos de um ou de outro pólo do contínuo indivíduo - sociedade. É pertinente levar em conta a noção de níveis de análise para compreender as peculiaridades entre os estudos característicos dessas duas psicologias sociais. Ao buscar conectar as realidades dos fenômenos psicológicos e sociológicos, os psicólogos sociais explicam a interação social com base em processos situados em posições distintas desse contínuo. Assim, é possível lidar com considerar 1) processos intra-individuais; 2) processos interindividuais e situacionais; 3) processos que sofrem influência de posições na esfera social, como variáveis intervenientes, em situações de interação; e 4) processos que empregam concepções gerais difundidas na sociedade (Doise, 1984).

A articulação de níveis de análise em estudos sociopsicológicos fornece uma compreensão mais ampla dos fenômenos de interação social e permite uma maior cobertura dos estudos orientados por teorias sociopsicológicas específicas. A teoria das representações sociais é uma forma sociológica de psicologia social (Farr, 1998), contextualizada numa perspectiva européia com ênfase no estudo das relações intergrupais e numa abordagem cultural e societal dos processos sociopsicológicos (Farr, 1994).

A teoria das representações sociais reapresenta um problema que já é, historicamente, de interesse de outras ciências humanas, como a história, antropologia e sociologia (Jodelet, 2001). É uma teoria científica sobre os processos através dos quais os indivíduos em interação social constroem explicações sobre objetos sociais (Vala, 1996). O primeiro estudo orientado por essa perspectiva foi realizado por Moscovici (1961) durante a década de 50, voltado a descrever conhecimentos partilhados pelos diversos setores da sociedade francesa sobre um novo tipo de conhecimento científico e práticas descobertas teóricas e operacionalizações metodológicas sejam passíveis de transposição para outros construtos dessa natureza.

A presente revisão busca atender a dois objetivos. O primeiro é o de apresentar a teoria em linhas gerais, fornecendo uma síntese acerca de seus aspectos essenciais, incluindo definições, origens, processos constituintes e critérios de diferenciação junto a outros construtos sociopsicológicos. O segundo objetivo visa a contribuir para o debate, enfocando dois pontos que envolvem a teoria das representações sociais no que diz respeito às relações entre indivíduo e grupo. O primeiro desses pontos ponto busca apresentar avanços teóricos acerca de relações entre representações individuais e representações sociais, e o segundo trata das relações entre representações sociais e comportamento. Optou-se por embasar a revisão em contribuições clássicas e atuais de pesquisadores da psicologia social para a teoria.

 

A teoria das representações sociais

O problema da definição de representações sociais

Representação social designa ao mesmo tempo um produto e um processo (Valsiner, 2003). Há uma variedade de definições para o fenômeno das representações sociais, segundo o foco no processo ou produto, e pluralidade de perspectivas de estudo. Segundo Jodelet (2001), a representação social, "... é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (p. 22). Para Wagner (1998), representação social é simultaneamente um "... conteúdo mental estruturado - isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico - sobre um fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens ou metáforas, e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social" e "... um processo público de criação, elaboração, difusão e mudança do conhecimento compartilhado"(p. 3-4). Já a perspectiva de Doise (1985), concebe as representações sociais como "... princípios geradores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas dentro de um conjunto de relações sociais, e que organizam os processos simbólicos que intervêm nessas relações" (p. 246).

Dizendo de outro modo, para abarcar essa diversidade conceitual e situar alguns aspectos comuns acerca das definições de processos e produtos envolvidos na noção de representações sociais, pode-se dizer que o processo de representar resulta em teorias do senso comum, elaboradas e partilhadas socialmente (Wagner, 1998), ligadas a inserções específicas dentro de um conjunto de relações sociais, isto é, a grupos sociais (Doise, 1985), que têm por funções explicar aspectos relevantes da realidade, definir a identidade grupal, orientar práticas sociais e justificar ações e tomadas de posição depois que elas são realizadas (Abric, 1998).

Uma representação, segundo a teoria das representações sociais, não é uma cópia fidedigna de algum objeto existente na realidade objetiva, mas uma construção coletiva em que as profissionais que se difundia no país: a psicanálise. Foram estudados os modos pelos quais o conhecimento científico é apropriado pelo conhecimento leigo.

Para explicar os sistemas de conhecimento específicos de categorias sociais da França, mais precisamente de Paris, investigados por meio de questionários direcionados a amostras representativas de grupos profissionais e por uma análise de conteúdo de meios de comunicação, Moscovici revitalizou o conceito de representação coletiva, inspirando-se em Durkheim. A mudança do termo representação coletiva para representação social ocorreu com a finalidade de ressaltar uma mudança de postura. O novo termo passou a indicar um fenômeno, enquanto o termo tradicional indicava um conceito. Assim, seria tarefa da psicologia social explicar esse fenômeno (Moscovici, 2003).

O que é proposto pela teoria das representações sociais é um estudo científico do senso comum. Por sua vez, o senso comum é objeto de estudo da psicologia social porque, de acordo com a teoria das representações sociais, essa modalidade de conhecimento varia conforme inserções específicas num contexto de relações sociais (Doise, 1985), isto é, esta forma de conhecimento está ligada à realidade dos grupos e categorias sociais, capacitando seus membros com uma visão de mundo e contribuindo para sua identidade social (Abric, 1998; Jodelet, 2001).

A teoria das representações sociais constitui-se tendo como pano de fundo a idéia de que o indivíduo extrai categorias de pensamento da sociedade. O conhecimento do senso comum não é uma versão primitiva e falha do conhecimento científico (Moscovici, 2003): essas formas de conhecimento possuem lógicas que operam com regras distintas (Grize, 2001; Rateau, 1995).

É importante apontar que, de modo mais preciso, a teoria das representações sociais é um desenvolvimento da corrente sociopsicológica denominada pensamento social. Trata-se de uma abordagem dedicada à investigação dos processos cognitivos e construtos relacionados ao modo como as pessoas pensam no cotidiano (Guimelli, 1999; Flament & Rouquette, 2003). Desse modo, a representação social é apenas uma dentre outras variedades de construtos do senso comum, juntamente com ideologias, atitudes, nexus, imagens sociais, dentre outros. No entanto, considera-se que o campo de estudo do pensamento social estruturou-se de modo mais decisivo, pelo menos no que diz respeito a sua participação na psicologia social francesa, a partir das pesquisas iniciais de Moscovici (1961) e da proposição da teoria das representações sociais. Assim, em certo sentido a teoria das representações sociais confunde-se com o próprio corpo teórico do pensamento social. Além disso, a maior parte das pesquisas conduzidas no campo do pensamento social volta-se para questões relativas às representações sociais. Cabe, de qualquer maneira, esclarecer que a teoria das representações sociais visa explicar uma forma específica do pensamento social, ainda que muitas das estruturas de conhecimento do grupo recriam o objeto com base em representações já existentes, substituindo-o (Moscovici, 1961). Trata-se de uma perspectiva segundo a qual as representações não são meros elementos mediadores entre características ambientais e ações comportamentais, mas sim a realidade que se apresenta aos atores sociais determinando tanto a natureza das características do ambiente quanto às ações a serem efetuadas (Moscovici, 2003). Busca-se deixar claro que por representação não se entende reprodução, na teoria das representações sociais. Mesmo assim, Ibañez (1992) questiona a adequação do termo, que inevitavelmente carrega uma conotação ligada a noções de imagem e cópia, o que acaba implicando uma tendência a uma objetivação de representações, segundo a qual se poderia "olhá-las", estando elas "localizadas" na realidade social. O autor aponta que se a teoria tivesse o nome de teoria das produções simbólicas coletivas, isso provavelmente não ocorreria.

Falar em teorias do senso comum pode implicar também uma aproximação excessiva com as características de teorias científicas, levando a identificar similaridades com as representações sociais, quando na verdade os produtos dessas duas formas de conhecimento - ciência e senso comum - estruturam-se e operam de modo distinto. Laszlo (1997) sugere que se fale em narrativas, construções criadas e compartilhadas socialmente para construir e organizar experiências sociais de modo a tornar o mundo inteligível, dando referências a memórias individuais. Carugati, Selleri e Scappini (1994) abordam as representações sociais como arquiteturas de cognições. Moscovici (1988) também se refere a uma representação social enquanto uma rede de conceitos e imagens que interagem entre si, cujos conteúdos evoluem continuamente.

O processo de representação social permite às pessoas interpretar e conceber aspectos da realidade para agir em relação a eles, uma vez que a representação toma o lugar do objeto social a que se refere e transforma-se em realidade para os atores sociais. As representações sociais tanto são normativas, inserindo objetos em modelos sociais, quanto são prescritivas (Moscovici, 2003), servindo de guia para ações e relações sociais (Abric, 1998). A finalidade das representações sociais é classificar os eventos da vida social segundo uma grade de interpretação grupal, permitindo ações relativas a esses acontecimentos. Segundo Moscovici (1961), a representação social é uma forma de conhecimento que visa a transformar o que é estranho em familiar, por meio da agregação da novidade a estruturas de conhecimento já existentes e dotadas de certa estabilidade. Valsiner (2003) afirma que o processo da representação social diz respeito à construção de signos para lidar com um futuro imediato desconhecido, delimitando sua incerteza; nesse sentido, as representações sociais transformam o futuro em passado.

Assim, as representações sociais, enquanto forma de conhecimento, possuem finalidade até certo ponto oposta à do conhecimento científico. A ciência traça o caminho inverso, buscando estranhar fenômenos que à primeira vista são familiares ou inteligíveis, para chegar a conhecimentos válidos sobre a realidade (Moscovici, 2003). As representações sociais possuem uma lógica específica que se aproxima do pensamento ingênuo: aspectos racionais e irracionais são integrados, dando-se prioridade às conclusões e soluções que às premissas (Abric, 1996; Moscovici, 2003). Menciona-se o pensamento ingênuo porque é uma forma de conhecimento que não se debruça sobre si mesma, sendo "absorvida" por seus conteúdos, voltando-se para resultados práticos (Rouquette, 2005).

Critérios para o reconhecimento de representações sociais

A noção de representação social apresentada pode parecer demasiado ampla, o que dificultaria a realização de estudos científicos rigorosos. Por esse motivo, é essencial o estabelecimento de critérios para definir representações sociais. Wagner (1998) apresenta cinco critérios derivados de um caráter sócio-genético teoricamente suposto, que especificam os processos e produtos sócio-representacionais. Esse caráter sócio-genético refere-se às características das representações sociais que são devidas ao fato de elas serem produzidas e compartilhadas por membros de grupos sociais. Apesar de não terem repercutido extensivamente na comunidade acadêmica, trata-se de critérios pertinentes que, se observados, garantiriam maior validade, transparência e especificidade aos estudos de representação social. Por esse motivo, cabe enumerá-los.

O primeiro desses critérios é o consenso funcional: papel desempenhado pela representação para manter a unidade do grupo, orientar as autocategorizações e interações de seus membros (Wagner, 1998). Um segundo critério é a relevância: as representações sociais referem-se a objetos sociais relevantes para os atores sociais em questão (Sá, 1998; Wagner, 1998). O objeto das representações sociais é o objeto implicado em práticas, especialmente práticas de comunicação (Rouquette, 2005). O critério de prática aponta que uma representação existe se é acompanhada por correspondência nas práticas realizadas por uma quantidade razoável de pessoas num grupo reflexivo. O comportamento associado à representação deve constituir parte da rotina do grupo (Wagner, 1998).

O quarto critério denomina-se critério de holomorfose, segundo o qual as representações sociais sempre contêm referências à pertença grupal, por serem parte da identidade social. A respeito da questão sobre diferenças entre representações sociais e individuais, o critério de holomorfose adquire importância fundamental para delinear limites entre processos de pensamento localizados em pontos distintos do continuum individual - social. Enquanto o conhecimento mais individualizado baseia-se em experiências pessoais que não dizem respeito ao grupo, as representações sociais trazem meta-informações sobre ele. Cada indivíduo vinculado a um grupo possui, potencialmente, conhecimento sobre como outros membros se comportariam numa dada situação ou pensariam sobre ela (Wagner, 1998). As pessoas geralmente tendem a projetar suas crenças em outras pessoas que partilhem sua pertença grupal, quando se trata de crenças fundadas em representações sociais; o mesmo não acontece com crenças ligadas a representações individuais. As pessoas conseguem discernir com alguma competência entre crenças que são partilhadas e formam um sistema de senso comum específico a um grupo ou categoria social, ou mesmo hegemônico, e entre representações que lhes sejam particulares. Por essa razão, o critério de holomorfose é útil para distinguir entre representações sociais e individuais, ao passo que outros aspectos funcionais, estruturais e de compartilhamento podem não sê-lo (Wagner, 1995). Alinhado com o critério de holomorfose, há o critério de afiliação, segundo o qual é possível delimitar uma realidade sócio-grupal dentro da qual certa representação existe. É o lado objetivo do critério de holomorfose, permitindo validar este último (Wagner, 1998).

Wagner (1998) aponta que nem todos os critérios apresentados estão necessariamente presentes em todas as representações, uma vez que há diferenças estruturais e funcionais em representações de diferentes tipos, como as representações cujos objetos são objetos culturalmente construídos, aquelas que se dirigem as condições e eventos sociais contemporâneos e representações de idéias científicas socializadas.

Origens das representações sociais

Em certo sentido, as representações sociais, enquanto fenômenos dinâmicos ligados a contextos sociais específicos, são característicos das sociedades modernas (Moscovici, 2003). Isso ocorre devido ao desenvolvimento dos métodos e das tecnologias de comunicação, que se modificaram consideravelmente com o advento da Modernidade. Diferente do que acontecia nas sociedades tradicionais, em que as representações coletivas eram fatos sociais coercitivos e partilhados por praticamente todos os integrantes de uma civilização, na era moderna houve uma descentralização dos detentores de poder, agentes sociais responsáveis pela legitimação e produção do conhecimento social. O conhecimento científico constitui um exemplo de empreendimento que surge para contestar representações fundadas em sistemas feudais ou religiosos. Aliada ao advento dos meios de comunicação de massa, essa alteração viabilizou a emergência de novos núcleos sociopsicológicos de produção de conhecimento do senso comum e uma conseqüente diversificação das representações, bem como a redução de sua estabilidade (Duveen, 2003).

Se, num sentido amplo, as representações coletivas das sociedades tradicionais e as representações sociais modernas podem equivaler-se (Moscovici & Marková, 2003), por outro lado é possível identificar diferenças significativas em suas propriedades. As representações coletivas são muito abrangentes, constituindo sistemas cognitivos compartilhados por grandes coletividades, como uma sociedade inteira. Além disso, são quase estáticas, por assim dizer: a mudança ocorre só em condições excepcionais, de crise. As representações sociais apresentam estabilidade variada, mas devido à fluidez da comunicação dos tempos atuais, alteram suas configurações de conteúdo e estrutura continuamente. A abrangência das representações sociais também é consideravelmente mais limitada, situando-se em grupos definidos (Moscovici, 1988).

As representações sociais são construídas e difundidas por meio da interação pública entre atores sociais, em práticas de comunicação do cotidiano (Moscovici, 1961; 2003). Por meio da comunicação que ocorre dentro dos grupos próprios e também num contexto intergrupal são negociadas convenções para lidar com os eventos da realidade. Os pontos de referência para pensar sobre e agir em relação aos objetos sociais são, desse modo, específicos a posições específicas no contexto social, isto é, a grupos, estruturados em maior ou menor extensão (Doise, 1985). Para Wagner (1998), as representações sociais indicam um fenômeno específico de grupos cujos membros efetivamente se definem como integrantes de um grupo e conhecem os limites e critérios para definir quem participa do grupo ou não. São os chamados grupos reflexivos, distintos dos grupos nominais ou taxonômicos, que são definidos arbitrariamente por um observador externo (geralmente o pesquisador), independentemente do reconhecimento de pertença grupal pelos membros.

Cabe ressaltar que as representações sociais têm a comunicação de massa como condição de possibilidade e determinação (Jodelet, 2001), pois é por meio da comunicação em larga escala que idéias podem difundir-se extensivamente e chegar a membros de grupos sociais, gerando debate na esfera pública. Assim, o conhecimento social é criado e recriado, tendo como vetores os veículos de comunicação social (Camargo, 2003). O modo como são comunicadas as representações também é importante. Representações difundidas segundo sistemas de comunicação distintos quanto a objetivos, destinatários, recursos argumentativos e contextos de relações intergrupais em que se situam implicam diferenças nos conteúdos e estruturas representacionais (Moscovici, 1961).

Em alguns casos, as representações parecem veicular crenças arcaicas, ligadas a sistemas de pensamento mais amplos, mantidos por grupos sociais por séculos (Jodelet, 2001). Moscovici e Vignaux (2003) apresentam a hipótese de que as representações sociais originam-se de idéias-chave que permeiam o pensamento social, que possuem longa duração e estabilidade. Assim, as representações sociais ancoram-se a nesses temas antigos, os themata. Os autores comparam essas idéias-fonte a axiomas de teorias do senso comum, sendo as representações sociais neles ancoradas o equivalente a teoremas derivados. As representações sociais, assim, poderiam ser tomadas como temas metodológicos passíveis de aplicação a campos da realidade, funcionando como chaves interpretativas. Para Rouquette (2005) as representações sociais são geradas por ideologias. As representações sociais seriam um espécimen gerado e englobado por uma formação ideológica, de nível hierárquico superior enquanto forma de pensamento.

Estrutura e funcionamento das representações sociais

Em relação ao funcionamento das representações sociais, Moscovici (1961) identifica dois processos principais: objetivação e ancoragem. A objetivação é o processo por representação, ligados a sistemas de valores (Abric, 2003). Como hipótese a ser verificada, é possível associar os elementos do sistema central com os themata mencionados anteriormente, como unidades cognitivas estáveis e duráveis (Abric, 1996).

Os elementos não-centrais constituem o chamado sistema periférico. Enquanto os elementos centrais são mais abstratos e possuem natureza normativa, os elementos periféricos referem-se a scripts de práticas concretas, são como esquemas, de natureza mais funcional: descrevem e determinam ações (Abric, 2003; Flament, 2001). São esses elementos mais concretos, em ligação com os elementos centrais, que garantem que a representação social seja um guia de leitura para a realidade, relacionando-se com eventos do cotidiano dos atores sociais (Campos, 2003). Talvez por esse motivo, seu significado tenha menor flexibilidade.

Tradicionalmente se pensava que o sistema central possuiria uma função geradora, isto é, daria sentido aos demais elementos da representação (Abric, 1998); no entanto, há indícios empíricos de que, mesmo que os elementos centrais permaneçam os mesmos - devido a sua maior estabilidade -, seus significados podem ser interpretados de diferentes modos conforme o contexto de comunicação ou ativação da representação. Assim, a função do sistema central assemelha-se a uma marcação denotativa, viabilizando a comunicação mais por meio de "rótulos" para orientar interações com significados fluidos que pela geração de significados numa determinada direção (Moliner & Martos, 2005).

Já os elementos periféricos são mais concretos e possuem significados menos flexíveis, sendo pertinentes a situações mais particulares, em vez de definir a representação para muitos indivíduos. São elementos mais instáveis, que se modificam com facilidade devido a alterações no contexto dos grupos sociais e sua relação com algum objeto social. Servem como proteção para o sistema central, adaptando-se a alterações contextuais ao mesmo tempo em que é preservada a integridade do sistema central (Flament, 2001). A diferença entre elementos centrais e periféricos não é questão de saliência quantitativa, mas, sobretudo, qualitativa: efetivamente é o papel diferenciado na representação, por tratar-se de elementos vinculados a sistemas diferentes, que permite distinguir entre uns e outros. A necessidade de apoiar-se em alguns elementos, ditos centrais, para definir a representação é que os diferencia do sistema periférico (Flament, 1994).

Os elementos representacionais são ativados diferentemente segundo a natureza do objeto social visado, as relações do grupo com o objeto, o contexto de enunciação da representação e a finalidade do objeto na situação (Campos, 2003). Quanto mais ativado é um elemento, mais importante ele é para essa situação específica, enquanto outros elementos podem permanecer "adormecidos" (Abric, 2003).

Moliner (1995) acrescentou à perspectiva estrutural uma dimensão avaliativa. Assim, os elementos representacionais podem ser classificados quanto à sua centralidade (central ou periférico) bem como segundo um potencial avaliativo (descritivo ou avaliativo). Elementos simultaneamente centrais e descritivos meio do qual um conceito ou noção abstrata ganha forma e torna-se concreta por meio de imagens ou idéias (Vala, 1996), resultando numa organização estrutural dos conteúdos semelhante a um mapa conceitual (Doise, Clemence, & Lorenzi-Cioldi, 1992). A ancoragem é o processo de classificar informações sobre um objeto social em relação a estruturas de conhecimento anteriormente existentes; assim as representações sociais dependem de uma memória coletiva (Moscovici, 2003).

Muitos avanços foram alcançados por pesquisas destinadas a investigar as maneiras como as representações sociais se organizam, operam e se modificam. O estudo do campo de representação, isto é, da estrutura das relações entre conhecimentos (Capozza, Falvo, Robusto & Orlando, 2003) equivale ao estudo do processo de objetivação (Doise, Clemence & Lorenzi-Cioldi, 1992). A Escola de Aix-en-Provence (Abric, 1998) propõe um estudo fundamentado em pesquisas experimentais para conhecer a estrutura das representações sociais (Abric, 2001; Moliner, 1994).

Os conceitos, idéias ou noções que compõem as representações sociais organizam-se numa estrutura de conhecimento (Abric, 1998) que relaciona estes elementos, segundo uma lógica natural, diferente da lógica formal acadêmica (Rateau, 1995). Essa organização estrutural possui natureza hierárquica, o que implica dizer que os sistemas de cognições interligadas diferenciam-se quanto a suas naturezas e funções relativas à representação.

Anteriormente apresentamos a comparação de representações sociais a redes dinâmicas de conceitos e imagens (Moscovici, 1988) e arquiteturas de cognições (Carugati, Selleri e Scappini, 1994). São noções que de certo modo já assumem seu caráter estrutural, pois trazem implícita a necessidade de princípios de organização e encadeamento de elementos cognitivos.

Uma representação social estruturada é formada por dois sistemas de cognições: sistema central e sistema periférico (Sá, 1996). O sistema central compreende as cognições que determinam a identidade da representação, isto é, a existência de sistemas centrais diferentes é que indica a existência de representações diferentes, enquanto que representações com sistemas centrais idênticos, não importando as demais cognições, podem ser consideradas idênticas (Abric, 1998). Outras funções do sistema central são dar estabilidade à representação e organizar seus elementos (Abric, 2003).

O sistema central contém os elementos mais estáveis da representação, o que significa que são resistentes a mudanças (Abric, 2003). Bauer (1994) afirma que as representações sociais funcionam como um sistema imunizante que neutraliza ativamente inovações simbólicas através de sua ancoragem em formações tradicionais. Uma mudança no sistema central acarreta uma mudança de representação: são elementos não-negociáveis (Abric, 2003). As cognições centrais são mais freqüentes e aparecem fortemente ligadas às outras cognições (Campos, 2003). Além disso, os componentes desse sistema geralmente são abstratos e tratam de aspectos normativos da constituem definições, ou características de todos os objetos processados pela representação. Elementos periféricos e descritivos formam um conjunto de descrições, contendo as características mais prováveis e freqüentes do objeto social da representação. Elementos centrais e avaliativos fornecem normas, ou seja, critérios para avaliar o objeto. Finalmente, os elementos periféricos e avaliativos tratam de expectativas, ou características desejadas referentes ao objeto. Esse modelo integrando centralidade e o continuum descritivo - avaliativo formam o que o autor chama de modelo bidimensional de representações sociais.

Há também contribuições importantes da abordagem estrutural no que diz respeito às transformações de representações sociais. O que define mudança numa representação social é a alteração de seu sistema central, que faz com que a representação perca sua identidade original. Uma contestação de elementos periféricos, devido a mudanças contextuais ou novas práticas sociais, não ameaça a coerência da representação, por deixar seu núcleo central "intocado" e, portanto, não implica transformação representacional. Porém, quando há contestação de elementos do sistema central, pode ocorrer um processo de transformação. Sabe-se que, nesses casos, o sistema periférico serve como escudo para os elementos do sistema central, viabilizando mecanismos de defesa da representação (Flament, 2001).

A transformação das representações pode ocorrer por mudanças ocasionadas na relação do grupo com o objeto, nas relações integrupais, ou em outras mudanças do contexto social. Ainda que os elementos centrais busquem dar estabilidade à representação, as representações sociais são construtos dinâmicos, e portanto sofrem alterações (Moliner, 2001a). Em verdade, um estudo de representações sociais que leve em conta uma dimensão cronológica é capaz de identificar fases distintas de estágios evolutivos representacionais: emergência, estabilidade e transformação (Moliner, 2001b).

Há estudos experimentais (Andriamifidisoa, 1982; Domo, 1984; Flament, 200;Guimelli, 1989) que demonstram os processos de transformação das representações sociais quando os grupos vêem-se forçados a adotar práticas em contradição com elementos do sistema central da representação. Nesse caso, uma noção que adquire importância é a da reversibilidade da situação. Quando os membros do grupo pensam que a situação que os leva a novas práticas é reversível, ocorrem mudanças no sistema periférico, mas que são integradas à representação. Quando a situação das novas práticas é tida como irreversível, então podem ocorrer três tipos de transformação. Quando as práticas podem ser gerenciadas pelo sistema periférico, formam-se os chamados esquemas estranhos, configurações de elementos que, ao menos provisoriamente, evitam a contestação do sistema central. No entanto, a proliferação desse tipo de formação leva à mudança do sistema central; a isso, chama-se transformação resistente. Um segundo tipo de transformação consiste no caso em que as novas práticas não contradizem totalmente o núcleo central, e novos elementos são gradativamente acrescentados a ele, constituindo uma nova representação. Trata-se da transformação progressiva. Por fim, quando as novas práticas atacam o núcleo de modo inegociável pelo sistema periférico, tem-se uma transformação imediata do sistema central e, conseqüentemente, da representação, no que se convencionou chamar transformação brutal (Abric, 1998).

Além disso, também são estudadas as relações entre representações sociais diferentes. As representações sociais podem ser autônomas, isto é, possuírem um sistema central bem definido, ou não. No segundo caso, remete-se a outras representações sociais (Flament, 2001). Vergès (2005) afirma que há casos em que algumas representações são dependentes de outras, especialmente no caso de objetos sociais novos, que são elaborados em referência a outros mais antigos. Segundo Morin e Vergès (1992), na década anterior a aids enquadrava-se nessa situação, sendo classificada de modo semelhante a objetos como doença e flagelo social. Mas cabe lembrar que, segundo a noção de ancoragem, não há uma representação "pura", no sentido de independente das outras.

Numa perspectiva estrutural, foram identificados dois tipos de relações entre representações sociais: encaixe e reciprocidade. Na relação de encaixe, a representação social de um objeto dependente de outro contém o objeto hierarquicamente "superior", de natureza normativa, como um elemento em seu sistema central. Representações "encaixadas" em outras são não-autônomas, referem-se ao mesmo tipo de valor, diferenciando-se na dimensão funcional do sistema central. A relação de reciprocidade implica duas representações em que cada um dos objetos sociais a que se referem está presente no sistema central da outra representação. Esses elementos "cruzados" são de ordem funcional, sendo os elementos normativos específicos de cada representação (Abric, 2003).

Há uma outra perspectiva de estudo do campo da representação, apresentada pela Escola de Genebra. Trata-se de uma perspectiva não consensual das representações sociais, que são tomadas como princípios geradores de variações entre tomadas de posição de indivíduos. Esses princípios estão ligados a inserções específicas dentro de um conjunto de relações sociais e organizam os processos simbólicos que intervêm nessas relações (Doise, 1985; Doise, Clemence & Lorenzi-Cioldi, 1992). Assim, o estudo não enfoca propriamente estruturas representacionais objetivadas de um grupo, mas em vez disso dá ênfase aos pontos de referências que orientam o debate social, permitindo o posicionamento de grupos e indivíduos em diversas localidades desse "espaço" de conhecimento. Segundo a perspectiva de Genebra, são esses princípios organizadores, esses pontos de referência que esboçam as condições e os termos de discussão e elaboração do pensamento sobre um dado objeto social, que são compartilhados. As pesquisas voltadas para essa perspectiva permitem um estudo da ancoragem, por delimitar as diferenças de pessoas e categorias sociais com características e estatutos distintos no que diz respeito a suas concepções partilhadas sobre objetos sociais (Doise, Clemence & Lorenzi-Cioldi, 1992).

É importante vincular as teorias provenientes das Escolas de Aix-en-Provence e Genebra, pois ambas se complementam, cada uma enfocando um dos dois processos identificados por Moscovici (1961). A perspectiva estrutural prioriza o estudo da objetivação e da organização interna das representações, enquanto que a Escola suíça trata substancialmente da ancoragem do conhecimento a dinâmicas sociais (Molinari & Emiliani, 1996). A princípio poder-se-ia pensar que são teorias incompatíveis, pois a escola francesa apresenta resultados que sustentam uma visão segundo a qual há elementos compartilhados extensivamente no grupo e que determinam a representação, enquanto a perspectiva suíça não abordaria um compartilhamento propriamente de cognições constituintes de representações, mas de contextos orientadores para a tomada de posição individualizada. No entanto, Rateau (2004) apresenta resultados de experimentos que evidenciam a relação de complementaridade entre os estudos das duas vertentes. Ao investigar a representação social de estudantes sobre os estudos, identificou a existência de três princípios organizadores da representação, isto é, as representações situam-se em relação à finalidade pragmática dos estudos, finalidade intelectual, e o investimento realizado. Mesmo situando suas representações tomando como referência essas três dimensões, os grupos pesquisados, estudantes de diversos níveis, apresentam estruturas representacionais e, mais especificamente, sistemas centrais também distintos. Ou seja, princípios transversais e abstratos são partilhados por vários grupos, mas em cada um deles ocorrem tomadas de posição específicas, consensuais e não negociáveis em função da inserção sociopsicológica das pessoas. Cada grupo remete-se a uma representação própria, com sistema central e periférico, situada num espaço de debate comum a outros grupos que mantenham relações com o objeto social referente às representações.

Com isso, conclui-se a primeira etapa da revisão, apresentando-se um panorama geral sobre a teoria das representações sociais, ainda que necessariamente restrito a alguns autores e abordagens. Com base nesses fundamentos, é possível partir para a problemática mais específica das relações entre indivíduo e grupo no contexto da teoria das representações sociais.

 

Relações entre indivíduo e grupo na teoria das representações sociais

Representações sociais e representações individuais

Uma preocupação legítima para o psicólogo social consiste em inquirir sobre a extensão em que os indivíduos compartilham representações sociais e têm crenças e comportamentos orientados por elas, ou mesmo a maneira como os indivíduos participam para construí-las e comunicá-las. Afinal, como interagem as representações sociais e as representações individuais? Nesse ponto, a relação entre indivíduos e representação é tão importante quanto complexa em sua apreensão, por exigir um esforço de aproximação entre níveis de análise distintos.

Freqüentemente, o aprendizado de conteúdos de representações sociais ocorre antes de uma conceituação sobre objetos da realidade. Crianças são capazes de emitir julgamentos razoavelmente sistemáticos antes de terem idéias estruturadas sobre as coisas; no desenvolvimento das representações sociais, a valorização precede a construção de conceitos sólidos (Duveen & De Rosa, 1992). Se pensarmos nas relações entre cognições individuais e pensamento social, estudar as representações sociais é estudar as regulações de metassistemas cognitivos de ordem social no sistema cognitivo individual (Doise, Clemence & Lorenzi-Cioldi, 1992). Assim, as representações sociais são sistemas objetivos de restrições (Rouquette, 1995). Segundo Doise (2001a), os mesmos indivíduos podem referir-se a metassistemas diferentes de acordo com as especificidades das situações com que se deparam.

As representações sociais precisam ser transformadas em representações intra-individuais para que possam explicar ou orientar crenças e comportamentos individuais (Deveureux, 1961 apud Wagner, 1994). Seria improvável supor que os indivíduos pertencentes a um grupo social compartilham os mesmos elementos de uma representação social, como uma espécie de consenso simplista (Rose, Efraim, Gervais, Joffe, Jovchelovitch & Morant, 1995), e que essa representação provocaria os mesmos efeitos em suas representações cognitivas particulares. De fato, as duas perspectivas detalhadas na seção anterior tratam dessa questão. Para a Escola de Genebra, as representações são estudadas enquanto conhecimento específico de indivíduos que se situam num espaço de discussão comum (Doise, Clemence, & Lorenzi-Cioldi, 1992). Para a Escola de Aix-en-Provence, existem elementos estruturais centrais que definem a especificidade das representações e são de fato compartilhados, mas há também elementos periféricos que dão conta dos contextos particulares em que essas teorias são empregadas no cotidiano, abarcando o conhecimento idiossincrático e não-compartilhado. Os elementos periféricos são os aspectos individualizados das representações sociais (Abric, 1998; Flament, 2001).

É pertinente apontar que a posição desenvolvida no presente trabalho baseia-se num espaço de explicação macro-redutivo das relações entre representações sociais e representações intra-individuais, conforme o princípio da prioridade taxonômica para explicar as relações entre níveis de agregação hierarquizados de fenômenos. Segundo esse princípio, atribuído por Wagner a Harré, é necessário compreender os fenômenos em nível molar para explicar fenômenos de um nível de agregação sub-ordenado, de nível molecular. No presente caso, as representações sociais são o fenômeno de nível superior e as representações individuais, o de nível inferior: de acordo com a perspectiva adotada, as representações do indivíduo só fazem sentido se contextualizadas em seu meio social (Wagner, 1994).

A partir de uma perspectiva macro-redutiva, faz sentido partir das representações sociais, isto é, do pensamento coletivo, para explicar processos sociopsicológicos comumente estudados sob uma ótica individual. Nesse sentido, os fenômenos característicos do domínio da cognição social, que se ocupa de como os indivíduos formulam percepções sobre os outros, atribuem causas à realidade social, e formam e mantêm atitudes sociais (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 1999), poderiam ser considerados como contrapartes individuais da realidade coletiva das representações sociais. Adotando-se esse modelo, a teoria das representações sociais passa a dispor de grande capacidade integrativa em psicologia social.

De fato, em diversas situações aparenta ser válido estudar as atitudes como representações sociais (Doise, 2001b), ou conceber a atitude como um aspecto subjetivo de representações e valores compartilhados por grupos (Jaspars & Fraser, 1984). Mesmo em nível coletivo, sugere-se que a atitude, ou carga afetiva, seja tomada como uma dimensão presente na representação social (Moscovici, 1961).

Também uma tentativa de integrar os domínios da atribuição de causalidade e das representações sociais poderia complementar significativamente os avanços realizados pelas duas perspectivas, uma vez que ambos os campos lidam com muitos problemas em comum (Hewstone, 2001). É possível vincular as teorias de atribuição de causalidade e as representações de modo análogo ao proposto acima para as atitudes, subordinando as atribuições a teorias de senso comum que as orientariam numa ou noutra direção. Assim, as representações sociais atuariam como mediadoras de atribuições individuais (Moscovici, 2003).

Se por um lado esse projeto de integração entre cognição social e a teoria das representações sociais gera controvérsias, apresenta-se coerente dentro de um espaço de explicação macro-redutivo. Não se pretende implicar, contudo, que o recurso a noções de nível macro seja capaz de dar conta de todos os aspectos de fenômenos de um nível mais molecular. Explicações situadas num espaço homológico (isto é, explicações de fenômenos micro por meio a uma realidade micro e explicações de fenômenos macro com base em recursos explicativos também situados no nível macro) mostram-se adequadas (Wagner, 1994) e cobrem aspectos distintos dos explicados conforme um modelo macro-redutivo.

Ao delimitar como objetivo estudar representações individuais e sociais em relação umas às outras, cabe listar algumas perguntas norteadoras de base. O que distingue uma variedade de representação da outra? Noutras palavras, quais as características distintivas das representações sociais e das representações individuais? Partindo de uma explicação macro-redutiva, como as representações sociais criam as condições para desenvolvimento das representações cognitivas individuais? E finalmente, em que situações as representações sociais adquirem relevância para os indivíduos?

A respeito da questão sobre diferenças entre representações sociais e individuais, o critério de holomorfose, já apresentado, adquire importância fundamental para delinear um limite entre pensamento social e individual. Ao adotar como critério para a definição de representações sociais a característica de holomorfismo, abre-se a possibilidade de conceber o desenvolvimento de representações individuais baseadas na experiência pessoal. Por sua vez, essas representações particulares são constantemente balizadas por representações sociais, que são trazidas à tona à medida que situações com relevância para os grupos que detêm essas representações entram em evidência no contexto social. Algumas dessas teorias de senso comum condicionam a experiência individual, e dão sentido às representações idiossincráticas que são construídas tendo como pano de fundo esses ambientes cognitivos.

Mesmo que um dado indivíduo possua crenças que questionem os conteúdos da representação de seu grupo, ele tem consciência da existência da representação social, e provavelmente saberá que se trata de um conhecimento mais ou menos atribuído àquela categoria social de que faz parte, ou a uma outra. No caso, a representação social não determina sua representação individual, mas serve como uma referência para que esta seja construída. Percebe-se que, segundo essa perspectiva, não há conflito entre as noções de representações do grupo e do indivíduo, ao mesmo tempo em que é respeitada a especificidade de cada uma.

Assim, por exemplo, seria perfeitamente viável que nos anos 50 os integrantes do partido comunista francês considerassem a psicanálise como uma doutrina pseudocientífica com objetivo oculto de disseminar os valores norte-americanos (Moscovici, 1961) ao mesmo tempo em que um simpatizante desse partido discordasse dessa concepção, entendendo a psicanálise de modo não tão negativo ou mesmo refutando a idéia típica de seu grupo. Mesmo assim, esse simpatizante teria alguma consciência do que os comunistas pensavam, bem como outros segmentos relevantes, e até mesmo opostos, da sociedade. Aliás, mesmo refutando os elementos da representação dos comunistas sobre a psicanálise, o próprio emprego das mesmas dimensões de avaliação para caracterizar esse objeto social já implicaria uma influência da representação social na representação individual. Breakwell (1993), buscando apresentar pontos de ligação entre a teoria da identidade social com a teoria das representações sociais, já levantou a hipótese de que a disponibilidade e emprego do conhecimento das representações sociais por um indivíduo provavelmente são função de sua posição no grupo e relação com o objeto social. - Existe um outro ponto a considerar que complexifica as interações entre representações sociais e representações individuais. A identidade social é a parcela do autoconceito individual que deriva do conhecimento de pertença a grupos ou categorias sociais (Tajfel, 1982). Na sociedade contemporânea, todas as pessoas pertencem a uma grande quantidade de categorias sociais (Tajfel, 1973): ao mesmo tempo em que um indivíduo é brasileiro, por exemplo, pode ser partidário de idéias políticas de esquerda, pertencer a uma categoria profissional de engenheiros, e torcer por um determinado clube de futebol. No entanto, algumas dessas pertenças são para ele mais importantes que outras, tanto num nível geral quanto em situações específicas. Breakwell (1993) aponta a necessidade de realizar pesquisas investigando as relações entre múltiplas pertenças grupais de um mesmo indivíduo e representações sociais. Quais representações são ativadas, nesses casos?

Há que se levar em consideração que as pessoas não se orientam por uma única representação social frente a um dado objeto social, mas potencialmente por tantos quantos sejam os grupos de que os indivíduos tomam parte. Evidentemente, algumas dessas representações mostram-se mais pertinentes ao se levar em conta que algumas pertenças grupais gozam de maior valoração por parte do indivíduo de que outras. Parece razoável supor que uma representação social torna-se relevante para um indivíduo, sobretudo quando a pertença grupal correspondente à representação lhe seja saliente (Vala, 1996). Um aspecto da teoria das representações sociais que justifica a execução de estudos é o da conjugação das teorias do senso comum com o funcionamento cognitivo individual, para verificar se, efetivamente, e em que condições, as pessoas orientam-se por representações de diversos grupos em situações de ativação diferencial das pertenças grupais.

Além disso, Breakwell (1993) também questiona se poderia haver uma interação entre representações sociais. Caso isso seja verdade, o conhecimento proveniente de contextos grupais diferentes, vinculado a pertenças grupais de um mesmo indivíduo, pode mesclar-se em representações individuais devido à sua coexistência para o indivíduo. Mais uma vez, isso também se configura como uma hipótese a ser verificada em pesquisas.

Representações sociais e comportamento

Para finalizar, é pertinente apresentar algumas considerações sobre as relações entre representações sociais e comportamento. Cabe esclarecer que o sentido dado à palavra comportamento, aqui, é o de ação observável, emitida por indivíduos seja em contextos particulares ou interações claramente sociais. Na literatura sobre representações sociais, o termo comportamento freqüentemente assume a forma de práticas sociais. Nesse caso, interessa o comportamento emitido por indivíduos enquanto membros de grupos. Embora Rouquette (1998) aponte para a complexidade da noção de práticas sociais e para a polissemia do termo, empregaremos comportamentos e práticas sociais como sinônimos no presente trabalho, julgando que isso dê conta dos fins propostos para a argumentação.

Bergmann (1998) considera as representações sociais como disposições comportamentais adquiridas, juntamente com os outros conceitos sociopsicológicos de valores e atitudes, com maior estabilidade que as últimas. Para a teoria das representações sociais, o comportamento é ação refletida (Wagner, 2003). Prever comportamento a partir de representações sociais não é uma operação direta, pois há grande quantidade de variáveis que atuam na determinação de ações humanas. A teoria das atitudes já avançou significativamente quanto a isso. Segundo um desenvolvimento teórico recente sobre as atitudes, a teoria do comportamento planejado (Ajzen, 2001), as pessoas agem conforme suas intenções e percepções de controle sobre o comportamento, sendo as intenções influenciadas pelas atitudes frente ao comportamento e normas subjetivas percebidas.

Uma reflexão semelhante pode ser feita segundo a teoria das representações sociais. Há diversos tipos de ações emitidas, e apenas uma parcela dessas formas de comportamento poderia ser explicada pelas representações sociais às quais os indivíduos aderem. Vala (1996) refere-se a isso como a distinção entre comportamentos representacionais e comportamentos situacionais. No primeiro caso, características do ambiente imediato em que ocorre a ação não-relacionadas à representação seriam menos importantes, e assim o conteúdo da representação social teria significativo valor preditivo sobre alguma ação efetuada. Já no caso de comportamentos situacionais, as características do contexto, e não a representação social, são mais salientes e, portanto, dirigiriam o comportamento; e nesse caso a representação social possuiria, no sentido de prever comportamento, menos importância.

O estudo das relações entre representações sociais e atitudes permite também considerações acerca da ligação entre representações e comportamento, tomando as atitudes como predisposições comportamentais mais individuais e de nível mais micro. Buscando realizar uma articulação com a teoria do comportamento planejado de Ajzen (2001), as representações sociais poderiam servir como referência para a percepção de normais subjetivas por parte dos indivíduos; afinal, uma representação social fornece aos atores sociais indicações sobre o que é e como agir referente a um objeto social qualquer.

Rouquette (2005) propõe relações hierárquicas entre alguns construtos do pensamento social formalizadas numa arquitetura cognitiva. O autor situa as representações sociais num nível superior às atitudes; assim, um conjunto de atitudes seria gerada por uma representação social. Abric (2003) fez uma revisão de estudos estruturais que demonstram que as atitudes dependem das representações sociais, mas estas dependem pouco das primeiras. Mudanças induzidas no sistema central provocam alterações significativas nas atitudes, enquanto que contestações de elementos periféricos não o fazem. Por outro lado, mudanças de atitudes provocam apenas mudanças no sistema periférico; como o sistema central não sofre mudanças, pode-se dizer que a representação permanece a mesma nesses casos.

A própria noção de sistema periférico, proveniente da perspectiva estrutural, também é útil para evidenciar as relações entre representações e comportamento individual. De acordo com Flament (2001), os elementos periféricos permitem a ligação entre elementos abstratos e essenciais à representação e contextos particulares de uso ou relevância da representação; atuam como esquemas ou scripts de ações relativas ao objeto da representação social, e, portanto, em certo sentido, permitem "explicar" o comportamento.

Entretanto, a distinção entre representação e comportamento é contestada por alguns autores. Para Wagner (1994), a representação não explica a ocorrência de comportamentos; o próprio comportamento faz parte da representação. Dizer que a representação explica o comportamento seria, assim, seguir o raciocínio dos próprios atores sociais, e não uma realidade científica. Ações seriam exemplos do conteúdo representacional, num outro tipo de registro. Para o autor, o que deve ser explicado não é a relação entre representação e comportamento, mas a relação do complexo representação-ação e suas conseqüências na realidade social. Como exemplo, é citado o caso de um protesto universitário ocorrido na Bélgica, em que a existência de representações divergentes entre estudantes, e conseqüentes problemas de comunicação, explicariam o fracasso do movimento.

Já Rouquette (1998) afirma que as representações exercem coerção variável sobre as práticas sociais: uma ação pode ser revista ou recalculada a partir dos conteúdos representacionais, não implicando, portanto, determinação direta. As representações sociais seriam um componente da situação e uma direção para a prática, semelhantes a dados de um problema.

As influências de representações sociais e práticas sociais são de mão dupla. Para Rouquette (1998), as representações sociais são condições de práticas e as práticas são agentes de transformação de representações. Ambas possuem efeito umas sobre as outras: como mencionado anteriormente, ao tratar de transformações representacionais, a adoção de práticas sociais contraditórias com uma representação pode provocar mudanças tanto no sistema periférico quanto central (Abric, 1998). Há situações, que envolvem configurações específicas como conflito intergrupal ou comportamento cooperativo, em que há evidências para considerar a determinação de práticas pelas representações. E finalmente, há ocasiões em que representações e práticas formam uma relação circular interagindo mutuamente, dificultando a identificação de uma relação de causalidade. Ainda não se chegou, contudo, a um modelo único das relações entre comportamentos e representações sociais. (Campos, 2003).

 

Considerações finais: contribuição da teoria das representações sociais para a psicologia social

Após enumerar sobre os aspectos básicos da teoria das representações sociais, torna-se claro seu valor, que vem se sustentando desde sua proposição inicial nos anos 60. Mais que uma compreensão de base acerca dos processos constituintes de um fenômeno específico, ela inaugurou uma forma distinta de enquadrar os fenômenos sociopsicológicos, seguindo pressupostos diferenciados da perspectiva da cognição social, que por sua vez situa as investigações em níveis de análise intra-individuais e interpessoais, mais próxima de uma psicologia geral. Fundamentalmente, a corrente do pensamento social adquiriu força, primeiramente na França e posteriormente em uma variedade de países no continente europeu e latino-americano, a partir da adoção no meio científico da teoria das representações sociais, que viabilizou uma outra via de investigação das relações entre psicologia e sociedade.

Se a teoria das representações sociais for considerada em seu caráter mais amplo, a partir da perspectiva de Moscovici (1961), pode-se questionar até que ponto ela se trata de uma teoria no sentido clássico do termo, com todas as hipóteses dela decorrentes passíveis de verificação empírica. Algumas noções e construtos propostos pelo autor são difíceis de operacionalizar e aparentam servir mais como pressupostos de base que como relações que possam ser postas à prova. Assim, entende-se, como já observou um dos autores deste trabalho (Camargo, 2005), que a teoria das representações assemelha-se mais a um paradigma de pesquisa, uma estrutura de conceitos e processos que possibilita uma nova via de acesso aos fenômenos cognitivos, que a uma teoria formal. Note-se, contudo, que algumas abordagens específicas mesmo dentro da área de representações sociais, como a escola estrutural de Aix-en-Provence, fazem uso de teorias no sentido mais comum do termo, como por exemplo a teoria do núcleo central.

Assim, a teoria das representações sociais contém elementos para caracterizar em linhas gerais um domínio de investigação dentro da psicologia social. Prova disso é a multiplicidade de perspectivas que vem se dedicando a aspectos específicos dos fenômenos apontados por Moscovici, as quais, apesar de manterem sempre um vínculo com a teoria inicial e suas concepções, gradativamente formam sistemas teóricos e metodológicos próprios, cada vez mais específicos.

O crescimento da adoção da teoria em diversos contextos internacionais demonstra que ela é bem sucedida como recurso científico. Certamente, contudo, há muito espaço para aprimoramentos, de modo a refinar o quadro teórico, seja em termos de uma maior formalização da teoria, seja em termos de especificar com mais precisão a estrutura conceitual. Talvez o ponto essencial para nortear investigações futuras na teoria das representações sociais diga respeito a sua maior integração com outras teorias da psicologia social, oriundas da tradição da cognição social.

Ao abordar esse ponto, cabe buscar integrar investigações situadas em níveis de análise distintos. Relacionar conhecimento sobre fenômenos situados em níveis integrupais e societais, típico de teorias como a teoria das representações sociais, com o conhecimento sobre processos que vem sendo avaliados sob uma perspectiva mais psicológica, tornará mais útil e abrangente a teoria das representações sociais junto às demais áreas sociopsicológicas. Os estudos que buscam articular representações com atitudes, atribuição de causalidade, estereótipos, relações intergrupais, dentre outros, tanto auxiliam a situar a teoria das representações sociais na psicologia social quanto podem dar indicações de novos rumos de pesquisa a problemas encontrados no âmbito dessas outras teorias. Afinal, mesmo que partindo de pressupostos diferentes sobre o fenômeno psicológico, as abordagens da cognição social e do pensamento social chegam a resultados que acrescentam aos corpos teóricos uma da outra.

Buscou-se, com a presente revisão, apontar soluções integrativas que alguns dos principais autores dedicados ao estudo das representações sociais têm encontrado para construir uma ligação entre a psicologia social do indivíduo e do grupo. São possibilidades promissoras vinculando representações ao comportamento e às representações individuais. Nesse sentido, é pertinente assinalar a necessidade de dar atenção ao processo de ativação das representações sociais por indivíduos. Ainda que se deva admitir que o pensamento do indivíduo é uma modalidade de pensamento social, seguramente há alguns aspectos que lhe são mais particulares. É nesse sentido que se buscou falar de representações individuais; não como construtos psicológicos associais ou de natureza oposta ao de representações sociais, mas sim como estruturas cognitivas baseadas na experiência subjetiva e menos públicas e compartilhadas. Considerando a importância de compreender a relação entre esses construtos cognitivos mais individualizados (o que não implica não serem uma forma de pensamento social) e representações sociais, torna-se essencial conceber projetos de pesquisa voltados para o estudo do contexto de interação do ator para com o objeto social, bem como os processos de ativação de elementos de representações compartilhadas e sua transposição para esquemas de pensamento mais particulares.

 

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Received 22/12/2006
Accepted 29/07/2007

 

 

João Fernando Rech Wachelke é mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador associado do Laboratório de Psicossociologia da Comunicação e Cognição Social (LACCOS) da mesma universidade.
Brigido Vizeu Camargo é doutor em psicologia social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales e professor associado do departamento de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. É coordenador do Laboratório de Psicossociologia da Comunicação e Cognição Social (LACCOS) da mesma universidade.
1 Endereço: R. Octavio Lebarbenchon, 69. Santa Mônica. Florianópolis - SC - Brasil. CEP 88037-290. Telefone: (55 - 48) 3233-3785. E-mail: wachelke@yahoo.com. Este artigo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil