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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.37 Belo Horizonte July 2012

 

 

Os desdobramentos do gozo feminino na vida amorosa

 

The developments of the feminine enjoyment in the love life

 

 

Breno Ferreira Pena

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trabalhar a partir do ensino de Lacan com os possíveis desdobramentos do gozo feminino, diante das vicissitudes da vida amorosa, é o objetivo deste artigo. Com esta proposta procurou-se situar o arcabouço teórico do qual se favoreceu Lacan para articular como este modo de gozo feminino, quando vivenciado junto às contingências do encontro amoroso, provoca efeitos completamente opostos, que podem levar a mulher tanto à devastação quanto à experiência de um êxtase sexual.

Palavras-chave: Feminino, Édipo, Gozo, Devastação, Êxtase.


ABSTRACT

The objective of this text is to work upon the Lacan’s teaching about the possible developments of feminine enjoyment in front of vicissitudes of love life. With this proposal, the author tries to trace the theoretical framework from which Lacan uttered how this type of feminine enjoyment, when it is experienced within the contingencies of the love encounter, may cause completely opposite results either conducting the woman to a devastating experience or to sexual ecstasy.

Keywords: Feminine, Oedipus, Enjoyment, Devastation, Ecstasy.


 

 

Para trabalhar com o gozo feminino e seus desdobramentos na vida amorosa da mulher é importante, inicialmente, marcar o percurso teórico realizado por Lacan para que ele pudesse propor suas formulações acerca deste tema. Investigar o complexo de Édipo na menina e suas transformações durante o ensino lacaniano se mostra, portanto, fundamental para entender as especificidades que dão origem a este modo de gozo próprio ao feminino, que nos encontros e desencontros do amor pode levar a mulher tanto à devastação quanto ao êxtase.

No início de seu ensino, enfatizando a vertente simbólica, para constituição do sujeito, e muito próximo ao texto freudiano, Lacan ao trabalhar as questões que estão em torno do complexo de Édipo, o faz sempre pela lógica castração/falo. Divide, assim, o complexo de Édipo formulado por Freud em três tempos, que, como faz questão de ressaltar, são lógicos e não necessariamente cronológicos. O primeiro tempo se caracteriza essencialmente por um assujeitamento da criança ao desejo do Outro primordial, o bebê é aí convocado pela mãe a ocupar o lugar de falo imaginário. Em um segundo tempo, com o desvelamento da função paterna, o nome do pai mostra à criança que se colocar como falo imaginário é um engodo, o desejo da mãe está em outro lugar. A partir desse momento, segundo Lacan, a criança pode deixar “o jogo da tapeação” com a mãe e em um terceiro tempo, via castração, sair finalmente do tempo de ser o falo para entrar na dialética de ter ou não tê-lo. Até aí o complexo de Édipo se mostra semelhante tanto para a menina quanto para o menino. Lacan, no entanto, não deixa de salientar que existem diferenças neste complexo para os dois sexos e será a partir dessas diferenças que começam a ser apontadas que, em um segundo momento, ele vai poder traçar as particularidades do gozo feminino.

Para Lacan, se ambos os sexos, através do ideal do eu, fazem uma identificação viril ao pai, o que permite à criança se colocar em uma posição desejante, por se separar do Outro materno e sua lei caprichosa, cabe ainda à menina a tarefa de se fazer mulher, pois ao contrário do homem, ela não possui um significante próprio para representar seu sexo: “No caso do menino, a função do Édipo parece muito mais claramente destinada a permitir a identificação do sujeito com seu próprio sexo, que se produz, em suma, na relação ideal, imaginária, com o pai” (LACAN, 1995, p.208).

Ao final do Édipo o menino consegue que lhe seja permitido ter um pênis e, além disso, possui um significante que representa seu sexo, o falo. Ele tem um título de posse de virilidade do qual terá que dar provas, é verdade, mas já possui o falo como um significante identificatório do que é ser homem. Para isso ele conta com a identificação viril ao pai e com o suporte imaginário do próprio corpo. Já as meninas, por não terem o suporte imaginário do corpo e por ser o significante da sexuação apenas um, o falo, não conseguem ter um significante que diga do seu sexo. Lacan, entretanto, adverte que mesmo não tendo o falo localizado no imaginário do corpo e nem como significante que representa seu sexo, isso não impede que a mulher o tenha e que este seja invariavelmente um fator determinante no encontro entre os sexos: “Mas não ter o falo, simbolicamente, é dele participar a título de ausência, logo, é tê-lo de alguma forma. O falo está sempre para além de toda relação entre o homem e a mulher” (LACAN, 1995, p.155).

Para a menina, neste primeiro momento do ensino de Lacan, parece restar então apenas duas saídas para ela lidar com sua subjetividade feminina, todavia, ambas se dão por uma vertente estritamente fálica: sua relação com o homem ou com um filho. Estas formulações, assim, se mostraram insuficientes para pensar a mulher, já que com o filho, mesmo que em alguma medida tampone sua falta fálica, isso diz respeito à mãe e não resolve seu lado mulher. Já com seu parceiro, nesta perspectiva fálica, restaria à mulher, para ser amada, apenas tornar-se o que ela não tem, ou seja, o falo ao se identificar ao significante do desejo do homem para atraí-lo. Esta estratégia, no entanto, que põe em evidência o ter e pretende esconder a falta, vai se mostrar, ao longo do ensino lacaniano, muito mais como uma solução histérica do que uma saída possível para a mulher.

Lacan (1999), neste período, entretanto, diz que uma posição decidida de ir buscar o falo, em quem supostamente tem, torna a saída do Édipo na menina mais fácil, mesmo que, como afirma o próprio autor, isso possa trazer por si mesmo todo tipo de complicações e impasses para a sexualidade feminina no futuro. Conclui que tanto para Freud (1996) quanto para ele, a menina ao final do Édipo, diante do complexo de castração, possui uma saída mais simples que a do menino: “Para ela, com efeito, essa terceira etapa, como sublinha Freud – leiam seu artigo sobre o declínio do Édipo –, é muito mais simples” (LACAN, 1999, p.202). Esta suposta facilidade, segundo Lacan, seria em virtude de a menina não ter que dar provas da virilidade, ela já sabe quem tem e onde deve buscá-lo e vai em direção ao pai, que neste caso, para o autor, não encontraria dificuldade de se fazer preferir à mãe.

Lacan, portanto, demonstra que o complexo de Édipo não se dá da mesma maneira entre meninos e meninas, mas mesmo evidenciando estas particularidades de cada sexo, como destaca Zalcberg (2003), em um primeiro período do ensino lacaniano, estas diferenças se dão estritamente a partir da referência fálica, não se levando em conta o que há de mais marcante no ser de uma mulher, o que se encontra além do falo.

 

Uma releitura do Édipo feminino

A partir dos anos sessenta, Lacan iniciará um segundo momento de seu ensino. Já com suas formulações sobre o gozo e o objeto a, irá destacar a vertente própria ao real, essencialmente, como um registro que resiste a qualquer simbolização. Propõe, assim, que a lógica castração-falo, que se apoiava, sobretudo, nas vertentes simbólica e imaginária, era útil para explicar o Édipo no menino, mas se apresentava pouco eficaz para demonstrar as particularidades do complexo edipiano da menina, pois há especificidades extremamente relevantes em sua constituição, enquanto mulher, que se encontram voltadas exclusivamente para a vertente do real.

Ao propor uma rearticulação do conceito de castração com o de gozo, Lacan (1998) obtém o fundamento teórico necessário para formular uma releitura do Édipo feminino. Assim, se pensava a castração como a interdição realizada pelo pai, que desloca a criança do lugar de falo imaginário da mãe dando-lhe a possibilidade de ter e não mais ser o falo, agora, apesar de manter esta perspectiva para castração, dá também um novo sentido para ela, trata-se de uma perda no nível do gozo. Com isso, concebe uma castração estrutural que se dá pela proibição de se manter um gozo original sem limites, um primeiro modo de gozo, que se esvai quando a criança entra na linguagem: “Aquilo a que é preciso nos atermos é que o gozo está vedado a quem fala como tal (...)”(LACAN, 1998, p.836).

Ao retomar a questão do feminino, em seu texto “Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina”, de 1960, Lacan pode, a partir de um novo entendimento a respeito da castração, ressaltar que a falta de um significante que represente o feminino tem como consequência para a menina ter algo do seu ser fora da simbolização. Apesar de ser marcada, em parte, pela castração, ela está inserida na linguagem, o que propicia uma perda de gozo, outra parte dela não se submete à operação simbólica da castração; portanto, na menina algo escapa à lei edípica e efetivamente não pode ser simbolizado. Assim, com parte de seu ser sem recobrimento simbólico, as mulheres, ao contrário dos homens, conseguem ter acesso, além do gozo fálico, a um outro modo de gozo que, ao não ter sido modulado pela linguagem, se mostra “envolto em sua própria contiguidade” (LACAN, 1998, p.744). Esta especificidade do feminino, diante do gozo, irá marcar definitivamente o modo com que Lacan vai pensar a mulher e sua sexualidade, pois esta além de ter que lidar com o gozo fálico, como o homem, tem que se haver também com outro modo de gozo que é, inclusive, mais real por estar totalmente disjunto do significante. Como destaca Soler (2006), é um gozo bem peculiar o feminino, pois se não sabe nada sobre o falo, fica completamente foracluído do simbólico e “fora do inconsciente”. Um gozo que não se faz representar, inacessível à linguagem, escapa a qualquer significação.

Por este novo prisma teórico, Lacan pôde, no Seminário Mais, ainda, livro 20, trabalhar com as diferenças do gozo fálico, este marcado pela linguagem e evidenciado pela relação com o falo em ambos os sexos, e o gozo propriamente feminino, que denomina de suplementar. O gozo fálico, ao qual o homem está inteiramente submetido e a mulher parcialmente, é aquele que após a operação da castração resta ao ser falante, um gozo sexual, descontínuo e regido pela fantasia. Já o gozo suplementar, que Lacan faz questão de ressaltar que não é complementar, não se submete à castração promovida pela linguagem e por isso transcende o próprio sujeito que o vivencia pelo real: “Ao contrário do gozo fálico, o gozo outro, suplementar, ‘ultrapassa’ o sujeito. Para começar, por ser heterogêneo à estrutura descontínua dos fenômenos regulados pela linguagem, com a consequência de que esse gozo não é identificatório” (SOLER, 2006, p.56).

Para a menina há um gozo que não pode ser nomeado, ex-existe ao simbólico, mas com o qual ela vai ter que lidar, em suas vivências psíquicas, durante toda sua vida. É relevante ressaltar ainda – mesmo Lacan (2003) tendo destacado, neste segundo momento do seu ensino, que a menina enquanto mulher espera mais substância da mãe do que do pai – que um significante que possa ter a função de representar o feminino também não pode ser fornecido pela mãe à filha, nem mesmo através de seu lado mulher. É a partir desta particularidade própria da mulher que Lacan (1985) pôde propor, então, que não existe “A mulher” como universal, elas devem se fazer, por uma ficção que vai se estruturar de maneira única, cada mulher deve construir a sua, diante de uma parceria amorosa.

É bom frisar, todavia, que o gozo fálico também captura a mulher que pode estar nele a toda, como faz questão de destacar o próprio Lacan, embora demonstre que o que dá ao feminino suas particularidades é o gozo suplementar. Assim, cabe à mulher em sua relação com o homem, se fazer enquanto tal, diante deste modo de gozo que, como lembra Miller (2008), é ilimitado, mas por isso mesmo está na base tanto do amor quanto da devastação feminina. Um gozo exclusivo do feminino, que é contínuo e não tem a marca do falo, e que por estas propriedades pode favorecer a uma mulher a vivência da devastação, mas também lhe propiciar um encontro com êxtase sexual.

 

Êxtase e devastação

As propriedades do gozo feminino abrem a possibilidade para a mulher vivenciá-lo de maneiras completamente distintas a partir das contingências da vida amorosa. Esse gozo suplementar, sem nenhuma representação possível no psiquismo, quando se encontra em excesso, traz uma vivência de devastação para as mulheres. No encontro com um homem, entretanto, pela via do amor, também lhes é possível, através das especificidades deste gozo, alcançar um êxtase sexual que não pode nem sequer ser nomeado, por não ter nenhuma marcação simbólica: “O gozo feminino pode ter esse vínculo direto e sem resistência com a vida pulsional, o que explica encontrarmos na mulher não só a sexualidade em êxtase e transes, mas também em uma dimensão mortífera” (ZALCBERG, 2008, p.144).

Para Lacan, o amor na mulher é algo que favorece uma amarração para o ilimitado do gozo feminino. Nesse momento de seu ensino, entretanto, não se trata mais para a mulher, em sua parceria amorosa, ser tão somente o significante do desejo de um homem, o falo, mas, sobretudo, conseguir se colocar como objeto causa de desejo para seu homem. É necessário, assim, que a mulher possa construir uma saída pelo feminino, solução que consente com o sexual e que lhe possibilita o êxtase no exercício de sua sexualidade. Na posição feminina, ao contrário da posição histérica que o recusa, a mulher aceita o lugar de objeto a na fantasia do seu parceiro. Com isso ela pode ocupar o lugar designado pela fantasia do homem; entretanto, como frisa Zalcberg (2008), também é fundamental que esta mulher possa ser desejada e amada por seu parceiro, nesta posição, para que consiga aferir uma significação fálica a este lugar e também obtenha mais consistência em seu lado mulher, via um homem, que vai representar para ela o significante do desejo e fazê-la se reconhecer como sua mulher. Assim, ela apazigua seu ser em falta de um significante que a represente como mulher e possibilita uma amarração para o ilimitado do seu gozo feminino. Como lembra Soler (2006), mesmo não existindo A mulher, é possível ainda ser ‘uma’ mulher, ou seja, a escolhida de um homem.

É preciso que a mulher, no entanto, aceite ocupar o lugar de objeto a na fantasia de um homem, o que se mostra, muitas vezes, uma incumbência difícil para ela. Ao não consentir ocupar este lugar, todavia fica bem mais vulnerável às vivências da devastação, via gozo feminino. É pela mediação de seu parceiro amoroso, que a coloca como objeto a em sua fantasia, e por seu consentimento de ocupar este lugar que a mulher, na contingência do encontro amoroso, consegue dar mais consistência a seu ser: “O homem serve aqui de conector para que a mulher se torne este Outro para ela mesma, como o é para ele” (LACAN, 1998, p.741). Mas para que isso aconteça também é necessário que o homem inclua sua mulher em sua fantasia ao colocá-la como objeto causa de seu desejo, dando possibilidade a ela de também incluí-lo na fantasia dela, o que possibilitará a esse homem tocar em seu gozo feminino.

Para Lacan, esse gozo suplementar que só a mulher experimenta, quando vivido no encontro amoroso, pode propiciar a ela o êxtase, por estar fora da referência fálica. Entretanto, para que ela possa ter acesso a esta experiência de transe depende também, necessariamente, da presença do gozo fálico de um homem, embora ele não consiga efetivamente participar deste gozo extasiante que possibilita a sua mulher, “[...] fazendo-a parceira de sua solidão, enquanto a união permanece na soleira” (LACAN, p.467). Neste momento, Lacan evidencia mais uma vez que não há como se pensar em uma união entre sexos, pois no transe sexual uma mulher é levada para além de si mesma e goza sozinha, na solidão, já que este outro gozo fora do simbólico, o homem não pode vivenciar de nenhuma maneira, é exclusivo dela.

Lacan (1985) também frisa que diante do gozo suplementar, nenhuma mulher sabe dizer nada; por estar inteiramente fora do simbólico, ele só pode ser vivenciado como êxtase, mas se elas o experimentam, sabem disso muito bem. Isso porque este gozo disjunto do significante possibilita à mulher que o experimente em sua sexualidade como uma espécie de transe, que não pode ser significado: “Há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada. Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o experimente – isto ela sabe. Ela sabe disso, certamente, quando isso acontece. Isso não acontece a elas todas ” (LACAN, 1985, p.100). O gozo feminino por ser ilimitado, em um encontro amoroso, pode propiciar a uma mulher o êxtase sexual, todavia, esta mesma propriedade que o caracteriza como ilimitado, lhe dá também a possibilidade de se apresentar como devastação para mulher.

Portanto, o gozo feminino que não tem uma modulação propiciada pelo simbólico se desvela, quando em excesso, repleto de pulsão de morte e favorece um modo de gozo devastador, que se não puder obter limite pelo amor, pode produzir consequências desastrosas para a mulher, que o experimenta como devastação. Lacan, em um primeiro momento de seu ensino, formula a devastação para caracterizar um gozo que perpassa a relação mãe e filha. Entretanto, como ressalta Soler (2006), ao longo de seu ensino, também descreve a devastação a partir das parceiras da mulher com um homem devastador. A mulher sempre tem que se haver com um outro gozo; assim, por vezes, o homem nas contingências do encontro amoroso pode favorecê-la a experimentar este modo de gozo feminino também como devastação: “Pode-se dizer que um homem é para uma mulher tudo que quiserem, a saber, uma aflição pior que um sinthoma. Vocês podem inclusive articular isso como lhes for conveniente. Trata-se mesmo de uma devastação” (LACAN, 2007, p.98).

A relação mãe e filha, todavia, como lembra Zalcberg (2003), pode interferir na sexualidade da filha de tal maneira que a menina ao se tornar mulher recuse ou tenha enormes dificuldades de ocupar o lugar de objeto na fantasia de um homem, o que favorece a repetição da devastação também na vida amorosa. Esta recusa se daria já que a menina, presa na devastação com sua mãe, não pode lidar com sua própria sexualidade, que requer que ela construa de maneira própria e singular sua identidade feminina, na parceira com um homem, para que consiga se colocar como objeto causa de desejo deste seu parceiro amoroso. Entretanto, mesmo que a menina não tenha uma vivência devastadora com a mãe, isso não é garantia de que não vai encontrar com a devastação, posteriormente no amor, pois mesmo que possa ocupar o lugar de objeto na fantasia de um homem, ainda depende das contingências do encontro com seu parceiro. Isso porque o amor pode propiciar encontros que favoreçam um limite para o excesso do gozo feminino, mas a vida amorosa também se faz de desencontros, não encontros, além de estar sujeita a todo tipo de vicissitudes que o próprio existir pode impor como, por exemplo, a perda ou a morte do parceiro amoroso. Para Lacan, todavia, a devastação na mulher está irremediavelmente ligada às particularidades do gozo outro, feminino. E como ressalta Soler, este modo de gozo sempre deixa suas manifestações no psiquismo de uma mulher:

“É esse o núcleo da devastação: é o gozo outro que devasta o sujeito, no sentido forte de aniquilá-lo pelo espaço de um instante. Os efeitos subjetivos desse eclipse nunca faltam. Vão da mais leve desorientação até a angústia profunda, passando por todos os graus de extravio e evitação” (SOLER, 2006, p.185).

Na verdade, a mulher, queira ou não, vai sempre ter que se haver com um gozo ilimitado, parte de seu ser é inexoravelmente submetida a ele, e por consequência, exposta a seus efeitos. Um modo de gozo que se faz como pura intensidade, e por sua característica pulsional de não ter uma marcação fálica, abre a possibilidade para a mulher vivenciar seus desdobramentos psíquicos de duas maneiras bastante antagônicas. Pode possibilitar a devastação, mas também favorecer a ela um estado de êxtase nas vivências de sua sexualidade. São especificidades de um modo de gozo que dá uma particularidade ao feminino e propicia outro entendimento da subjetividade da mulher a partir das incidências do real.

 

Referências

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ZALCBERG, M. Amor paixão feminina. Rio de Janeiro: Campos/Elsevier, 2008.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Ceará, 1709 – Sala 1003 – Funcionários
30150-311 – Belo Horizonte/MG
Tel.: (31)3221-4045
E-mail: brenopena@hotmail.com

RECEBIDO EM: 14/03/2012
APROVADO EM: 04/04/2012

 

 

Sobre o Autor

Breno Ferreira Pena
Psicólogo. Mestre em Psicologia pela PUC-MG. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Coordenador da Clínica de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.