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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.38 no.116 São Paulo May/Aug. 2021
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210023
ARTIGO DE REVISÃO
Relações entre funções executivas e TDAH em crianças e adolescentes: uma revisão sistemática
Relationships between executive functions and ADHD in children and adolescents: A systematic review
Isadora de Lourdes Signorini SouzaI; Fabiana de Fátima FariaII; Eliane Gouveia Consulin dos AnjosIII; Carolina Meira MeneghelliIV; Thais Dullius FujitaV; Lilian CaronVI; Ana Lucia IvatiukVII
IMestre em Genética - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
IIEspecialista em Neuropsicologia - FAE Business School, Curitiba, PR, Brasil
IIIEspecialista em Neuropsicologia - FAE Business School, Curitiba, PR, Brasil
IVEspecialista em Neuropsicologia - FAE Business School, Curitiba, PR, Brasil
VEspecialista em Neuropsicologia - FAE Business School, Curitiba, PR, Brasil
VIMestre em Psicologia - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
VIIDoutora em Psicologia como profissão e ciência - PUC Campinas (SP), Curitiba, PR, Brasil
RESUMO
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) se caracteriza pela desatenção, hiperatividade e impulsividade, que podem ser observadas já no início da infância. O TDAH afeta diretamente as Funções Executivas (FE), responsáveis pela regulação de comportamentos sociais e habilidades cognitivas, reduzindo o desempenho escolar e gerando problemas pessoais. Sendo assim, pesquisas relacionadas ao tema mostram-se importantes do aspecto clínico e educacional, podendo contribuir para a melhora da qualidade de vida dos indivíduos afetados. Portanto, neste estudo de revisão sistemática, buscou-se quantificar e explorar artigos com pesquisas empíricas que relacionam o TDAH e as FE. Foram utilizadas as bases de dados: Periódicos CAPES, LILACS, SciELO, PePSIC e SIBiUSP. Os critérios de inclusão foram o ano de publicação (2009-2019), língua portuguesa e artigos relacionados apenas à infância e à adolescência. No total foram encontrados 112 artigos, dos quais seis foram analisados. Os critérios examinados incluíram neuroanatomia, instrumentos de avaliação utilizados para a detecção do transtorno, entrevistas realizadas, gênero e nível escolar dos participantes. Foi observado que os instrumentos mais utilizados, nos artigos analisados, foram o SNAP IV, o WASI, o Teste de Trilhas, o Teste dos Cinco Pontos, o Teste de Atenção por Cancelamento e o subteste Go-no-Go do Neupsilin Infantil. A atual pesquisa permitiu mostrar o que há de mais recente sobre o assunto. Porém, apesar de sua importância, notou-se que existe uma escassez de estudos nacionais que correlacionam estes temas. Logo, são necessários mais estudos empíricos brasileiros que se dediquem a contribuir para estas áreas do conhecimento.
Unitermos: Função Executiva. Desatenção. Hiperatividade. Impulsividade. Instrumentos de Avaliação. Neuroanatomia.
SUMMARY
Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is characterized by inattention, hyperactivity, and impulsivity, which can be observed as early as childhood. The disorder directly affects Executive Functions (FE), those responsible for controlling social performance and cognitive skills, school performance, and the management of personal problems. Thus, research related to the theme shows important clinical and educational aspects and may contribute to improve the quality of life of affected individuals. Therefore, look through this systematic review study, quantify and explore articles with empirical research related to ADHD and EF. CAPES, LILACS, SciELO, PePSIC and SIBiUSP were used as Periodic databases. The inclusion requests were the year of publication (2009-2019), Portuguese language and articles related only to childhood and adolescence. We found 112 articles, of which six were analyzed. The tests examined include neuroanatomy, the assessment tools used to detect disorders, interviews, gender, and school level of the survey participants. It was observed that the most used instruments in the analyzed articles were the SNAP IV, the WASI, the Trail Test, the Five Point Test, the Attention for Cancellation Test and the Go-no-Go subtest Neupsilin childish. The current research shows the latest on the subject. However, despite their importance, there is no shortage of national studies that correlate these themes. Therefore, more Brazilian empirical studies are needed to dedicate the contribution to these areas of knowledge.
Keywords: Executive Functions. Inattention. Hyperactivity. Impulsiveness. Evaluation Instruments. Neuroanatomy.
INTRODUÇÃO
A literatura sugere que a história do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) teve início com as obras de dois médicos e escritores, o escocês Alexander Crichton, em 1798, que relatou em seu livro a falta de atenção em jovens, e o alemão Heinrich Hoffman, em 1845, que publicou o livro "João Felpudo". Porém, o início oficial da história do TDAH foi descrito e apresentado em 1902 pelo pediatra George F. Still1. O artigo apresentado pelo pediatra explicitava sobre a "deficiência do controle moral" em crianças, em que provavelmente a causa seria um dano neurológico e biológico.
Entre os anos de 1917 e 1918, final da Primeira Guerra Mundial, houve um surto epidêmico de encefalite letárgica misteriosa na América do Norte e, devido a isto, essa doença teve uma associação com início e a causa da existência do TDAH. Já em 1937, surge a primeira medicação sugerida pelo psiquiatra americano Charles Baddley, denominada bezenderina2. Logo, em 1944, na Suíça, a medicação utilizada passou a ser o metilfenidato e, atualmente, esse mesmo fármaco é utilizado com eficácia, recebendo o nome comercial de Ritalina3.
O TDAH é considerado um problema de saúde pública de acordo com a American Psychiatric Association4 e é caracterizado pela desatenção, isto é, pela dificuldade em prestar e manter a atenção por um determinado tempo, em responder corretamente quando algo lhe for solicitado, não conseguir seguir regras impostas, seja pelos pais ou professores, dificuldade em concluir tarefas diárias e de se organizar em determinado assunto ou contexto; hiperatividade que se caracteriza por movimentos estereotipados como agitação das mãos e pés, não conseguir permanecer em um mesmo local por muito tempo; e impulsividade, ou seja, a criança oferece respostas precipitadas e tem dificuldade em esperar sua vez5.
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5a edição (DSM-5)4, comportamentos disfuncionais como estes ocasionados pelo TDAH reduzem o desempenho escolar, propiciam rejeição social e geram altos níveis de conflitos interpessoais, o que pode contribuir para futuros transtornos psicossociais na adolescência e na idade adulta, bem como uma maior probabilidade de uso de substâncias tóxicas, estando mais propensos a se envolver em acidentes, violações de trânsito e prisão4.
Existem três formas de combinações para o TDAH, sendo elas: com predomínio de sintomas de desatenção; com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade e com os sintomas combinados6. Os sintomas do TDAH se sobrepõem a uma série de outras condições médicas e psiquiátricas, incluindo fatores psicossociais, ambientais e podem estar associados a conflitos ou traumas emocionais7.
Conforme os critérios do DSM-5, para que o diagnóstico seja caracterizado é preciso que a criança apresente pelo menos seis ou mais dos sintomas de desatenção, seis ou mais sintomas de hiperatividade e impulsividade em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e ter impacto negativo direto nas atividades sociais e acadêmicas4. O transtorno também deve estar presente em pelo menos dois ambientes distintos, tais como escola e ambiente doméstico. Porém, é comum que exista uma variação dos sintomas em determinados contextos.
Seus sintomas se iniciam em idade ainda pré-escolar ou nas séries iniciais escolares, sendo de início precoce e evolução crônica, e as inquietações e os sintomas de desatenção são frequentemente percebidos pelos professores6,8. Vale ressaltar que houve modificações importantes quanto à idade para classificação diagnóstica na nova edição do DSM, passando de 7 anos para 12 anos, bem como novos critérios de comorbidades e classificação de subtipos e agora passou a ser usado o termo "apresentação" para não tornar tais subtipos como categorias fixas, visto que pode haver modificações na apresentação dos sintomas ao longo da vida de uma pessoa com TDAH9.
Ainda de acordo com o DSM-5, esse transtorno é encontrado em diversas culturas e acomete aproximadamente 5% das crianças. No Brasil a prevalência média é de 6,7%10. Quanto ao gênero, o TDAH tem apresentado maior prevalência em crianças do sexo masculino em comparação a crianças do sexo feminino, mostrando maiores índices de problemas comportamentais11, gerando uma proporção de 2:1. Salientando que no sexo feminino predominam primariamente características de desatenção quando comparado ao sexo masculino4.
O TDAH também é considerado um transtorno heterogêneo de origem multifatorial, nos quais os seus sintomas e severidade estão relacionados com a interação entre fatores genéticos, sendo múltiplos genes associados, fatores neurobiológicos, ambientais e sociais12-17.
Quanto aos fatores genéticos, "[...] atualmente a literatura dá suporte particularmente ao papel dos genes que codificam receptores dopaminérgicos (DRD4, DRD5) e serotoninérgicos (HTR1B), transportadores de dopamina (DAT-SL-C6A3) e proteínas envolvidas na regulação da liberação de neurotransmissores (SNAP 25) na etiologia do transtorno"7. Sendo assim, possíveis alterações em áreas envolvidas nesse processo, tais como o córtex pré-frontal e o córtex parietal, podem ser responsáveis por um déficit do comportamento inibitório e das chamadas funções executivas18.
As funções executivas (FE) são habilidades cognitivas que controlam ações, pensamentos, planejamento, raciocínio flexível, atenção concentrada, inibição comportamental e emoções19. São divididas entre quentes e frias, sendo as quentes ligadas ao córtex pré-frontal orbitofrontal e envolvem a regulação de comportamentos sociais, com a capacidade de regular as emoções; e as frias estão relacionadas ao córtex pré-frontal dorsolateral e são mais voltadas para as habilidades cognitivas20.
Além de serem classificadas entre frias e quentes, são catalogadas em três categorias de competências: autocontrole, que é a capacidade de resistir a um impulso, fazendo com que o indivíduo preste atenção e se mantenha concentrado no que está fazendo; memória de trabalho, ou seja, a capacidade de manter e manipular as informações, é através dessa memória que são realizadas as tarefas cognitivas; flexibilidade cognitiva, na qual é usado o pensamento criativo e a adaptação às mudanças, essa função auxilia as crianças a usarem a imaginação e a resolverem problemas19.
As FE são responsáveis por planejar, ponderar, focar no objetivo visando alcançar um resultado e realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo. Elas estão presentes em atividades com raciocínio flexível, atenção concentrada, inibição comportamental e planejamento. São denominadas como controle cognitivo, desenvolvendo habilidades que controlam o comportamento, pensamentos e emoção20.
Para o desenvolvimento integral das FE, é necessário algum tempo, pois é um processo de amadurecimento do córtex pré-frontal que prossegue até a terceira década da vida adulta. Porém, seu desenvolvimento na infância, entre os 6 e 8 anos, é mais evidente devido à maior mielinização das conexões pré-frontais nessa fase. Após esse período, passam a estabilizar e durante o envelhecimento vão diminuindo sua eficiência21. Sendo assim, suas experiências e vivências geradas na infância influenciam por toda sua vida.
Ter um bom funcionamento das FE faz com que uma pessoa lide melhor com o ambiente, tenha melhores habilidades emocionais, morais, sociais e consiga lidar melhor com ambientes em constantes mudanças. Pessoas com dificuldades nas FE podem vir a ter problemas de comportamento, complicações na aprendizagem e até mesmo depressão, que podem permanecer por toda a vida. No contexto escolar, os estudantes podem apresentar dificuldades em prestar atenção, seguir instruções, esperar pela sua vez e não conseguir seguir regras, acarretando, desta forma, um nível de aprendizagem abaixo do esperado22.
Ajudar as crianças a melhorar suas FE traz vários benefícios para a vida, pois estas permitem um melhor direcionamento comportamental no alcance de metas, na resolução de problemas imediatos, na inibição de comportamentos inadequados frente a algumas situações e agindo também na regulação da impulsividade23.
As maneiras de melhorar as FE são com jogos específicos, treinamentos cognitivos, atividade física, definição de metas, planejamento, organização, manipulação da memória de trabalho, entre outras24. Nos casos em que há lesões nas áreas pré-frontais, o uso de estratégias mentais internas e recursos externos para uma reabilitação são usados, como lembretes, anotações, agenda, calendário e alarmes, sendo utilizados por toda a vida do paciente25.
Tendo em vista a importância clínica, educacional e social do TDAH e seu prejuízo nas FE, este estudo tem como objetivo apresentar o que há de mais recente na literatura relacionando esse transtorno às FE, na infância e na adolescência. Além disso, abordar os aspectos neuroanatômicos relacionados às FE que abrangem o TDAH e analisar o que a literatura mostra sobre o processo de avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes com TDAH.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão sistemática de literatura baseada nos critérios do PRISMA26 sobre as relações entre o TDAH e as FE, na infância e na adolescência, sendo conduzida a partir de uma busca eletrônica por artigos disponíveis no dia 16 de abril de 2019. A busca ocorreu nas seguintes plataformas digitais: SciELO, SIBiUSP, LILACS, PePSIC e Portal de Periódicos da CAPES. Os descritores utilizados foram: "TDAH e funções executivas" e "transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e funções executivas", com a definição da busca para artigos escritos apenas em língua portuguesa.
Os critérios de inclusão foram artigos publicados em um período de 10 anos (de janeiro de 2009 a abril de 2019) e artigos completos publicados em periódicos on-line que relacionassem as variáveis pesquisadas e que fossem estudos abrangendo a infância e a adolescência. Os critérios de exclusão foram estudos que não relacionassem as variáveis pesquisadas, artigos indisponíveis na Internet, publicações em outros idiomas, anteriores ao ano de 2009, teses e dissertações, estudos conduzidos com público adulto e artigos de revisão teórica.
A busca inicial, referente à fase de identificação, resultou em 112 artigos encontrados, sendo as quantidades, respectivamente: Periódicos CAPES (n=60), LILACS (n=26), SciELO (n=15), PePSIC (n=10) e SIBiUSP (n=1). Destes, 17 foram eliminados por estarem duplicados, restando 95 artigos. Posteriormente, durante a fase de seleção, seguindo os critérios de inclusão estabelecidos, 80 artigos foram excluídos, sendo que 29 não estavam disponíveis gratuitamente, 34 estavam publicados em outros idiomas, cinco eram anteriores ao ano de 2009, sete eram teses e/ou dissertações e cinco explanavam sobre o tema na fase adulta.
Portanto, 15 artigos foram selecionados, para a fase de elegibilidade, os quais foram lidos na íntegra. Após essa leitura detalhada, mais nove artigos foram excluídos com justificativa, pois três deles não relacionavam as variáveis pesquisadas e seis eram artigos de revisão teórica. Finalmente, seis artigos foram contemplados para a fase de inclusão da revisão sistemática: dois artigos encontrados na plataforma digital SciELO, dois na PePSIC e dois no Portal de Periódicos da CAPES. A Figura 1 mostra o fluxograma das buscas e as análises referidas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As principais informações referentes aos seis artigos selecionados para esta revisão sistemática seguem descritas na Tabela 1.
O Qualis Periódicos, utilizado como um dos elementos na tabela, é um sistema usado para classificar as produções científicas e aferir uma nota de acordo com a qualidade dos periódicos científicos publicados. As notas para uma revista podem mudar de acordo com o critério de classificação de cada área do conhecimento, porém, os estratos indicativos de qualidade mais elevado são, sequencialmente: A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, sendo este último peso zero de classificação27.
No atual estudo foram analisadas a classificação de periódicos Qualis, do quadriênio 2013-2016, nas áreas de Psicologia e Educação, das seis revistas dos artigos selecionados (Tabela 1). Na área de Psicologia a revista "Psicologia: Reflexão e Crítica" é classificada como A1, o periódico da "Psico-USF" recebeu classificação A2, e os periódicos "Jornal Brasileiro de Psiquiatria", "Neuropsicologia Latinoamericana" e a "Revista CEFAC" foram classificadas no estrato B1, sendo que apenas a revista "Revista Psicopedagogia" foi classificada em estrato abaixo de B1. Já na área da educação, o periódico "Psicologia: Reflexão e Crítica" também foi classificado como A1, evidenciando sua qualidade, enquanto os periódicos "Psico-USF" e a "Revista CEFAC" foram classificados no estrato B1, sendo que as demais revistas receberam uma nota de classificação abaixo deste estrato.
Podemos observar a relevância dos estudos do TDAH relacionado às FE pela classificação do Qualis das revistas que trazem o tema. Apesar destes resultados, podemos perceber que a pesquisa do TDAH relacionado às FE é uma área relativamente nova em âmbito nacional, uma vez que, nas buscas, foram encontrados apenas 112 artigos, dos quais apenas 15 atendiam os critérios estabelecidos, resultando em apenas seis artigos empíricos sobre o tema posteriores a 2009 (Figura 1).
No artigo "Identificação dos Procedimentos de Contagem e dos Processos de Memória em Crianças com TDAH"28, os autores objetivaram identificar os processos de memória e procedimentos de contagem utilizados por estudantes com diagnóstico de TDAH dos tipos desatento e combinado. A análise contou com a participação de estudantes, com idades entre 8 e 14 anos, e resultou, mesmo que de maneira inconclusiva, em atraso no desenvolvimento dos procedimentos de contagem. A pesquisa de Pereira et al.29 empregou crianças pré-escolares de amostra não clínica com o objetivo de investigar as relações entre desempenho de tarefas de FE e indicadores de hiperatividade e desatenção, contribuindo para a avaliação e identificação precoce.
No estudo "Desempenho de Escolares com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Tarefas Metalinguísticas e de Leitura"15 os autores utilizaram tarefas metalinguísticas e de leituras para comparar e caracterizar o desempenho de crianças em idade escolar com e sem queixa de TDAH. O estudo concluiu que crianças com estes transtornos tiveram desempenho inferior em tarefas mais complexas. Já Gonçalves et al.30 compararam o desempenho em tarefas neuropsicológicas em meninos com diagnóstico de TDAH e controles saudáveis. Foram constatadas diferenças que evidenciam as contribuições desse tipo de estudo nas relações das FE em crianças com TDAH.
Na pesquisa "Associações entre medidas de Funções Executivas e sintomas de desatenção e hiperatividade em crianças em idade escolar"9 foram investigadas as relações entre as medidas de FE e de TDAH em crianças com e sem sintomas desse transtorno, utilizando instrumentos de avaliação que apresentaram evidências de validade respeitando as características de cada manifestação clínica.
Por último, o estudo de Trevisan et al.31 teve como objetivo investigar, traduzir e adaptar as propriedades psicométricas do Inventário de Funcionamento Executivo da Infância (CHEXI)32. Os resultados forneceram bons parâmetros psicométricos para este instrumento, contribuindo também para estudos com indicadores de TDAH e FE.
De acordo com esses seis artigos, foram adotados critérios, considerados relevantes, que serão a base para a análise do atual estudo, sendo que as informações estão agrupadas conforme ilustração da Tabela 2.
Quanto aos aspectos neurobiológicos, dos seis artigos selecionados três trouxeram informações pertinentes à anatomia cerebral relacionada ao TDAH e às FE. Os artigos "Associações entre medidas de Funções Executivas e sintomas de desatenção e hiperatividade em crianças em idade escolar"9, "Desempenho de Escolares com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Tarefas Metalinguísticas e de Leitura"15 e "Identificação dos Procedimentos de Contagem e dos Processos de Memória em Crianças com TDAH"28 abordam, na introdução, informações que relacionam o TDAH com alterações no córtex-frontal e em redes subcorticais. Os autores citam ainda a relação dessas alterações no lobo frontal com os prejuízos nas FE, observadas em crianças com TDAH.
A pesquisa "Desempenho de Escolares com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Tarefas Metalinguísticas e de Leitura"15 relaciona o desempenho de escolares com TDAH em tarefas metalinguísticas e de leitura, enquanto "Identificação dos Procedimentos de Contagem e dos Processos de Memória em Crianças com TDAH"28 traz a problemática de crianças com TDAH relacionadas a procedimentos matemáticos, como contagem, armazenamento e acesso a fatos aritméticos, mostrando que em ambas as disciplinas o TDAH acarreta prejuízos diretos, pois essas tarefas se relacionam às FE.
Dos seis artigos selecionados para o presente estudo, apenas o artigo de Gonçalves et al.30 trabalhou exclusivamente com crianças do sexo masculino. Os demais artigos trabalharam com crianças de ambos os sexos. Em amostras clínicas, os meninos mostraram maior índice de problema comportamental11, o que pode ajudar a explicar por que a maioria dos estudos são feitos com crianças do sexo masculino. Porém, no atual estudo, pode-se perceber que, apesar desta diferença bem documentada, a maior parte das pesquisas foram realizadas com ambos os sexos, evidenciando que o gênero não é um impedimento para estudos dessa natureza.
Quanto ao perfil das crianças estudadas, referente à idade e ao nível escolar, os artigos "Avaliação de crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade"29 e "Childhood Executive Functioning Inventory: Adaptação e Propriedades Psicométricas da Versão Brasileira"31 trabalharam com amostras de crianças com idades entre 4 e 7 anos, o grupo pré-escolar; já os demais artigos utilizaram amostras de crianças escolares com idade entre 6 e 14 anos.
É interessante, para a atual revisão sistemática, haver estudos com o TDAH utilizando crianças em idade pré-escolar, pois os sintomas desse transtorno tendem a iniciar antes dos 7 anos de idade, em idade ainda pré-escolar, porém muitas vezes só é percebido quando a criança começa a frequentar a escola6,8. O foco principal sobre a infância mostra a preocupação entre os pesquisadores com o diagnóstico e a intervenção precoce.
Todos os seis artigos selecionados utilizaram amostras de crianças de escolas públicas, sendo que apenas o artigo de Gonçalves et al.30 trabalhou também com estudantes de escolas particulares. Não foram encontrados na literatura estudos que destacam a diferença de prevalência do TDAH nessas diferentes instituições, assim como possíveis motivos para essa ocorrência, então, supõe-se que o fato de haver mais estudos em ambientes escolares públicos se deve a uma facilidade institucional e burocrática de conseguir adentrar nessas instituições e acompanhar os estudantes, em relação às escolas particulares.
No que se refere aos instrumentos utilizados nos estudos sobre a avaliação do TDAH e das FE, o artigo de Trevisan et al.31 aborda o CHEXI32, o Inventário de Funcionamento Executivo da Infância desenvolvido para mensurar o funcionamento executivo de crianças de 4 a 12 anos com o auxílio de pais e professores. O instrumento inclui quatro subescalas diferentes, utilizando a memória de trabalho, regulação, planejamento e controle inibitório. Nesse contexto procurou-se analisar sua precisão, investigar evidências de validade, tanto de constructo quanto em relação a outras variáveis, verificando se o instrumento pode predizer os indicadores de desatenção e hiperatividade/impulsividade, assim como utilizado pela escala SNAP IV33.
Neste artigo em questão, foram utilizadas amostras não clínicas de crianças e os inventários foram respondidos por pais e professores para que houvesse uma comparação da precisão entre os instrumentos. É importante salientar que as crianças participantes desta pesquisa passaram por uma avaliação da aptidão geral de raciocínio por meio da Escala de Maturidade Mental Columbia (CMMS), instrumento esse que tem por objetivo avaliar a capacidade de raciocínio geral de crianças34, sendo que o critério de inclusão foi percentil acima de 25. O resultado obtido com as análises apontou para o rigor e credibilidade do recurso no que se refere à avaliação de FE em crianças mediante relato de pais e professores, segundo expõem Trevisan et al.31.
A escala SNAP IV33, utilizada nos estudos de Montiel et al.9, Costa et al.28, Pereira et al.29 e Trevisan et al. 31, refere-se a um questionário construído a partir dos sintomas do TDAH relatados no DSM-54 e compreende uma lista com 18 sintomas, sendo nove deles relacionados à desatenção, seis à hiperatividade e três à impulsividade, sendo que o diagnóstico pode ser realizado após a identificação de, no mínimo, seis sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade. Esse questionário pode ser utilizado com pais e/ou professores, compondo uma importante ferramenta no auxílio do diagnóstico precoce e na intervenção clínica de portadores de TDAH.
Assim como Trevisan et al.31, o artigo produzido por Pereira et al.29 trabalhou com amostras não clínicas de crianças e a SNAP IV33 foi respondida por pais e professores. Nos estudos, Pereira et al.29 buscaram o comparativo de pais e professores na correlação das informações de acordo com o desempenho de cada aluno. Os resultados encontrados corroboraram entre o desempenho de FE e a presença de desatenção e hiperatividade, porém observou-se que houve maior número de correlações estatisticamente significativas entre os testes de FE e o relato dos professores, e não com o relato dos pais29.
O estudo "Identificação dos Procedimentos de Contagem e dos Processos de Memória em Crianças com TDAH"28 também fez uso da escala SNAP IV33 sendo respondida por pais e professores para ser analisada a intensidade dos sintomas de TDAH após a escolha dos alunos. O que difere neste artigo é a amostra clínica utilizada: os estudantes foram selecionados do banco de dados do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Após a triagem, conforme salientam os autores, os candidatos foram submetidos a avaliação com uma entrevista semiestruturada, houve uma discussão diagnóstica em comitê clínico coordenado por psiquiatra da infância e adolescência e uma avaliação clínica.
Ainda segundo Costa et al.28, os dados obtidos nesse artigo sugeriram o uso prolongado de estratégias e de procedimento de contagem nos estudantes que participaram da pesquisa, dando suporte à ideia de que há um atraso na maturação de determinadas áreas cerebrais. Isso traria implicações educacionais, pois o aluno com TDAH precisaria de mais tempo e prática para consolidar o conhecimento e não um ensino diferenciado.
Seguindo os instrumentos utilizados, Montiel et al.9 fizeram uso da escala SNAP IV33 porém, de forma diferenciada: foi aplicada somente aos professores e, posteriormente, levantada hipótese de ter ocorrido desvio nas respostas e, portanto, nos resultados que classificaram os alunos pelos subtipos do TDAH, havendo assim a necessidade de reanálise da amostra.
Além disto, o estudo contou com a aplicação de mais quatro testes na avaliação, sendo eles: Teste de Cinco Pontos ou TCP35, que tem por objetivo avaliar a organização, a flexibilidade cognitiva e principalmente o controle inibitório através de uma prova de fluência figural; Teste de Trilhas B ou TT36, que também avalia o controle inibitório, a flexibilidade cognitiva e sobretudo permite identificar os processos da atenção dividida; Teste de Atenção por Cancelamento37, que consiste em três etapas, sendo a primeira avaliar a atenção seletiva para identificar se a criança consegue, apesar de estar em contato com diferentes estímulos, reter a atenção a um determinado estímulo, na segunda etapa, avaliar e realizar o mesmo processo, mas com um grau de dificuldade maior em relação ao primeiro e, na terceira etapa, aplicar o teste de atenção alternada para saber se a criança consegue mudar o foco de atenção de tempos em tempos quando é solicitado; o quarto e último teste utilizado neste estudo é o Teste de Símbolos e Dígitos ou SDMT38, que permite fazer uma avaliação do rastreamento visual, velocidade de execução motora e avaliar a atenção dividida.
Dentre os artigos analisados, Montiel et al.9 e Pereira et al.29 utilizaram-se do TT36, sendo que o segundo estudo empregou suas propriedades psicométricas para a avaliação de pré-escolares, aferindo a flexibilidade cognitiva das crianças participantes. Segundo Pereira et al.29, pode-se observar que os sintomas de desatenção e hiperatividade são evidenciados em crianças menores e a relação de desempenho em testes de FE, especificamente em flexibilidade cognitiva, é corroborada no TT para pré-escolares.
O estudo realizado por Montiel et al.9, por sua vez, procurou utilizar o TT para identificar os processos de flexibilidade cognitiva, atenção dividida e controle inibitório. Para a aplicação do teste, foram feitas variações e desenvolvida uma versão com 24 itens, sendo 12 números (1 a 12) e 12 letras (A a M). A tarefa consiste em ligar os números e as letras, alternando entre as ordens alfabéticas e numéricas.
Como resultado, pode-se perceber que, quanto mais sintomas de desatenção, menos conexões os alunos estabelecem, o que acaba implicando em déficits na flexibilidade cognitiva e no controle inibitório para as crianças mais desatentas. E ainda, segundo avaliado pelos autores, uma das limitações do trabalho menciona que o TT optou por estudar algumas particularidades do controle inibitório e que, para resultados mais completos, o teste poderia ter sido aplicado em sua íntegra, pois, ainda de acordo com os autores, para que uma criança seja diagnosticada com TDAH, é preciso que ela apresente padrões de comportamentos e comprometimentos em mais de um ambiente, que não seja somente o escolar.
Os instrumentos utilizados pelas seis pesquisas analisadas foram de fundamental importância para a detecção dos sintomas do TDAH e das disfunções executivas apresentadas pelos participantes, sendo que, destes, destacaram-se pela validade de constructo, como pode ser acompanhado na Tabela 3, os questionários SNAP IV33 e CHEXI32, os subtestes do WISC39 e do WASI40, como Vocabulário, Cubos, Dígitos, Semelhanças, Teste de Trilhas forma B36 e para pré-escolares41, TCP35, Teste de Atenção por Cancelamento37 e subteste Go-no-Go do NEUPSILIN-INF42.
Além dos comparativos desses instrumentos acima citados, outros subsidiaram os trabalhos de pesquisa entre o TDAH e FE como apresentaram Costa et al.28 ao indicarem que se fez avaliação do nível intelectual dos participantes por meio da Escala de Inteligência Wechsler para crianças (WISC-IV) e, sobre a avaliação da qual o estudo se propôs, percebeu-se que o uso de material concreto auxilia na memória de trabalho e que crianças com TDAH confiam mais na contagem com os dedos que seus pares que não possuem o transtorno.
As dificuldades aritméticas, segundo a pesquisa, não significam desvio, mas sim um atraso no desenvolvimento desses estudantes. Neste sentido, pode ser percebida também a diferença em relação à velocidade na aprendizagem, justificando a necessidade de alunos portadores de TDAH necessitarem de mais tempo e prática para consolidar o conhecimento e não um ensino diferenciado28.
Em contrapartida ao estudo da matemática que se faz tão importante, Cunha et al.15 pautaram-se em estudos da leitura, igualmente relevante, de acordo com o Protocolo de Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura, PROH-MELE43, utilizado em seus estudos. Observou-se que o desempenho de escolares com TDAH foi inferior ao grupo controle nas tarefas avaliadas. Dados da pesquisa sugerem que os aspectos da linguagem mais prejudicados no TDAH são o pragmático, fonológico e sintático, haja vista que, nestes aspectos da aprendizagem, fazem-se necessários recursos de atenção e controle inibitório que se encontram deficitários em escolares com este transtorno.
No estudo retratado por Cunha et al.15 aponta-se que sintomas relacionados à alteração do processamento auditivo condizem com os sintomas do TDAH como dificuldade de atenção e escuta, dificuldades de seguir instruções, facilidade em se distrair, necessidade de um tempo maior para realização de tarefas, o que corrobora com a complexidade do aprendizado das duas principais matérias que são a base do Ensino Fundamental.
Nesse parâmetro, respalda-se a importância da realização de uma avaliação audiológica completa no processo do diagnóstico do TDAH pois, "ainda não há clareza se as defasagens estão mais associadas às tarefas neuropsicológicas que exigem input auditivo-verbal ou visual"30. Devido a isto, é muito importante reconhecer possíveis dissociações e dificuldades entre esses domínios cognitivos relacionados ao TDAH para que se possa descartar possíveis déficits e chegar mais perto do diagnóstico correto.
Ainda de acordo com Gonçalves et al.30, existe uma falta de consenso na literatura sobre um perfil cognitivo de crianças com TDAH devido a uma ampla inclusão de amostras estudadas, sejam elas por existir diferentes quadros de comorbidades que podem dificultar o diagnóstico, seja pelos transtornos de humor e de conduta ou pelos déficits no processo de aprendizagem, tais como, discalculia, dislexia, desvios de linguagem, ou até mesmo déficits intelectuais ou problemas de acuidade visual ainda não detectados.
Devido a estas questões de linguagem, Gonçalves et al.30 apresentaram uma bateria de exames neuropsicológicos para a realização deste estudo, pois essa bateria é inédita na aplicabilidade para o TDAH devido a alguns testes não estarem disponíveis para a comunidade científica e nem para a aplicação em clínicas brasileiras, pois estão em fase de normatização. Porém, sendo a princípio pioneira nessa população, tem por finalidade contribuir para a literatura nacional apresentando novos instrumentos, especialmente o de uso de fluência livre, que é um constructo importante, mas que é raramente estudado com crianças que apresentam TDAH.
O estudo de Gonçalves et al.30 contou com uma amostra de sete meninos que passaram por avaliação psiquiátrica e que foram diagnosticados com TDAH, estes foram comparados a um grupo controle de 14 meninos considerados saudáveis, da mesma faixa etária e da mesma escolaridade visando compreender quais habilidades executivas diferenciam do controle saudável, tendo como hipótese inicial de que o grupo clínico teria desempenho inferior aos controles em todas essas funções.
Os instrumentos neuropsicológicos utilizados neste estudo para caracterização da amostra foram o Questionário de Conners44, que tem como finalidade investigar a presença de sintomas atencionais e de hiperatividade, associado ao TDAH, Subtestes da Escala Wechsler Abreviada (WASI), contendo apenas os subtestes de Raciocínio Matricial e Semelhanças40 para avaliar o nível intelectual dos participantes e Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, CPM-RAVEN45 para medir a inteligência geral.
Como tarefas neuropsicológicas para exame das funções executivas, o estudo de Gonçalves et al.30 utilizou da Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação (Bateria MAC) o subteste Tarefa de Discurso Narrativo46, que avalia, através de reconto de histórias, as memórias episódica e de trabalho, o processamento de inferências discursivo-pragmático e a compreensão de texto - essa bateria avalia quatro componentes do processamento comunicativo: discursivo, pragmático-inferencial, léxico-semântico e prosódico; Geração Aleatória de Números, GAN47, essa tarefa avalia flexibilidade cognitiva, automonitoramento e componentes executivos de inibição; o Subteste Go-no-Go do NEUPSILIN-INF42, que avalia subcomponentes das funções executivas como, flexibilidade cognitiva, automonitoramento, atenção concentrada e seletiva auditiva, inibição e iniciação; Teste de Cancelamento dos Sinos, TCS48, que tem como propósito avaliar atenção concentrada e seletiva, percepção visual, velocidade de processamento, organização, seleção e manutenção de estratégias bem sucedidas, além de mostrar-se sensível para a detecção de negligência visual leve e moderada; Tarefa N-Back auditiva49, que avalia o componente executivo central da memória de trabalho por meio de estímulos auditivos e visuais.
Além disto, Gonçalves et al.30 apresentaram o QI dos participantes diagnosticados com TDAH sendo classificados como nível médio através da bateria neuropsicológica utilizada (WASI e CPM-RAVEN), porém, observou-se que as crianças com TDAH do tipo desatento ou combinado apresentaram desempenho inferior ao grupo saudável em todas as medidas neuropsicológicas.
No que diz respeito aos componentes executivos, o estudo de Gonçalves et al.30 observou que os meninos com TDAH podem ter mais dificuldades em atividades que exijam iniciação e inibição, automonitoramento e executivo central da memória de trabalho, salientando que os dados deste estudo corroboram com estudos achados anteriormente que defendem que o déficit inibitório pode ser uma das causas das dificuldades atencionais e executivas de crianças com TDAH, validando a questão que envolve todo o processo de aprendizagem escolar.
Contudo, existe uma limitação deste estudo devido à amostragem reduzida e pela falta de estudos de comparações aos testes que ainda não estão disponíveis para aplicação e embasamento científico. Para que se tenha resultados específicos sobre quais componentes das FE estão mais prejudicados em crianças e adolescentes com o TDAH, faz-se necessário investir em mais pesquisas direcionadas nesta questão30.
Os instrumentos utilizados pelas seis pesquisas analisadas foram de fundamental importância para a detecção dos sintomas do TDAH e das disfunções executivas apresentadas pelos participantes, sendo que, destes, destacaram-se pela validade de constructo os questionários SNAP33, que é um recurso validado para uso no Brasil como ferramenta de diagnóstico de TDAH, baseado nos critérios do DSM-5; CHEXI32, em que os autores tiveram como proposta traduzir e adaptar as propriedades psicométricas para o Brasil e, assim como o instrumento anteriormente citado, é respondida por pais e professores e resultou em resultado positivo na avaliação da FE.
Foram utilizados também o Questionário Abreviado de Conners44, com a finalidade de apontar sintomas de hiperatividade e déficits de atenção nos participantes. Os subtestes Raciocínio Matricial e Semelhanças do WASI40 contribuíram significativamente na busca da avaliação intelectual de cada participante. O Teste de Trilhas forma B36 e Teste de Trilhas para pré-escolares41 objetivaram a avaliação da atenção dividida, além do controle inibitório e flexibilidade cognitiva, funções comprometidas no TDAH.
Seguindo a importância dos instrumentos, o TCP35, TAC37 e TCS48, Baterias MAC46 e GAN47, Tarefa N-Back auditiva49 e subteste Go-no-Go do NEUPSILIN-INF42 objetivaram, de maneira geral, verificar a velocidade do processamento cognitivo, contribuir para o diagnóstico de dificuldades atencionais executivas, examinar o processamento comunicativo, avaliar a inibição, flexibilidade cognitiva, memória de trabalho por meio de estímulos visuais e auditivos, atenção concentrada e seletiva auditiva, constando, posteriormente, que o déficit inibitório pode ser uma das causas das dificuldades executivas e atencionais de crianças com TDAH, assim como nas habilidades verbais, mnemônicas, na falta de inibição e na impulsividade, conforme citam Gonçalves et al.30.
Ainda sendo necessário descartar déficits intelectuais, auditivos (principalmente do processamento auditivo) e visuais para o diagnóstico de TDAH, os artigos analisados utilizaram os instrumentos CMMS34, CPM-RAVEN45, WISC39 e WASI40 para avaliação da inteligência.
CONCLUSÃO
Com a realização desta pesquisa, foi possível alcançar os objetivos propostos, pois explanou-se sobre a atualidade dos temas das FE e do TDAH, incluindo os achados neuroanatomofisiológicos destes, bem como a utilização de instrumentos para a avaliação das FE e do TDAH na infância e na adolescência. Foram apresentados também os conceitos de FE, suas implicações nas atividades da vida diária, na aprendizagem e nas relações interpessoais, assim como os critérios diagnósticos para o TDAH, seus desafios para as crianças e adolescentes, seus pais e professores.
Por se tratar de um transtorno mental, o diagnóstico do TDAH é clínico e feito com base nos critérios dos manuais de Psiquiatria, como o DSM-54, contudo, a avaliação neuropsicológica pode auxiliar o profissional de medicina no processo diagnóstico. Por se tratar de um transtorno mental heterogêneo, com origem multifatorial, o profissional de Neuropsicologia deve ser requisitado neste processo de avaliação e diagnóstico diferencial de outros transtornos e dificuldades cognitivas e/ou comportamentais, bem como no processo de habilitação e reabilitação cognitiva.
A partir dos resultados apresentados, salientam-se as dificuldades que as crianças e adolescentes com TDAH possuem em relação às FE, apesar da heterogeneidade de sintomas encontrados nos estudantes investigados, para que novos estudos possam aprofundar nas intervenções possíveis no trabalho com este público.
São estas: atraso na maturação dos processos de contagem, consistindo em menor velocidade de processamento executivo, baixo resultado em controle inibitório, dificuldades dos processos atencionais seletivos e alternados, gerando sintomas secundários de prejuízos na linguagem, leitura e escrita, além de déficits em memória de trabalho e consciência fonológica. Estes déficits, por sua vez, embasam comportamentos disfuncionais, como rebaixamento no desempenho escolar, maior probabilidade de envolvimento em conflitos interpessoais, acidentes, crimes, uso de substâncias psicoativas entre outros, legitimando a necessidade que as escolas têm de compor uma equipe multidisciplinar que esteja atenta aos alunos, apoie os professores e oriente os pais.
Em se tratando do trabalho do profissional de Neuropsicologia que atua no contexto clínico, este estudo contribuiu apresentando opções de estratégias de avaliação, como os questionários que podem ser utilizados tanto para os pais quanto para os professores, e que as pesquisas mostraram a importância de avaliar estes dois contextos (familiar e escolar), além dos testes neuropsicológicos aplicados à criança ou adolescente em questão.
Contudo, percebeu-se a necessidade de haver mais pesquisas empíricas nesta área de avaliação e testagem que sejam válidas, confiáveis e atualizadas, uma vez que somente atestar uma lista de sintomas não é suficiente para efetivar um diagnóstico de TDAH ou aludir às disfunções executivas. Pode-se concluir que as FE mais afetadas nos indivíduos com TDAH são a atenção, memória de trabalho e controle inibitório, mas estes déficits devem ser mensurados e somados aos critérios de diagnóstico de outros transtornos mentais e/ou de aprendizagem.
Os seis artigos analisados foram publicados em revistas eletrônicas com boa classificação no Qualis Periódicos, o que demonstra uma qualidade adequada dos estudos brasileiros nestes temas. Porém, notou-se que existe uma escassez de materiais que correlacionam estes temas nos últimos dez anos, mesmo sendo de grande repercussão e interesse no meio acadêmico e profissional, visto a grande incidência do TDAH.
Portanto, vislumbra-se a necessidade de mais pesquisas nesta área e com maior amplitude de amostragem. Igualmente, sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas de avaliação de FE em adolescentes com TDAH, para que também cresça o número de estudos que apontem possibilidades de intervenções nesta fase da vida. Além disso, a partir da limitação relatada neste estudo, sugere-se que novas revisões sistemáticas possam incluir os artigos publicados em outros idiomas, como os 34 excluídos deste estudo, bem como as teses e dissertações, em que foram encontradas sete, porém foram excluídas.
De acordo com os resultados encontrados nesta revisão sistemática, pode-se concluir que a área da avaliação neuropsicológica na infância e na adolescência necessita de mais estudos brasileiros que se dediquem a contribuir para os processos de identificação e diagnóstico diferencial para a população com dificuldades nas FE, com diagnóstico ou não de TDAH, já que afetam os processos de socialização e de aprendizagem. O trabalho do profissional de Neuropsicologia constitui-se como um campo desafiador tanto de avaliação quanto de intervenção, necessitando de mais estudos empíricos que ampliem estas áreas do conhecimento.
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Endereço para correspondência:
Isadora de Lourdes Signorini Souza
FAE Business School
Av. Visconde de Guarapuava, 3263 - Centro
Curitiba, PR, Brasil - CEP 80010-100
E-mail: isa.souza1116@gmail.com
Artigo recebido: 19/2/2021
Aprovado: 28/5/2021
Trabalho realizado na FAE Business School, Curitiba, PR, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.