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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.38 no.116 São Paulo May/Aug. 2021
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210022
ARTIGO DE REVISÃO
O trabalho do psicopedagogo na reabilitação cognitiva do idoso
Psychopedagogue's work in cognitive rehabilitation of the elderly
Fabiana Ferreira Oliveira SantosI; Alessandra Aparecida dos Santos SilvaII
IEspecialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade do Vale do Paraíba, (UNIVAP); Graduada em Jornalismo, UNIVAP; Graduanda em Psicologia, UNIP; Professora da educação básica na rede pública do Estado de SP, São José dos Campos, SP, Brasil
IIMestra em Linguística Aplicada - Universidade de Taubaté; Especialista em Gramática e Uso - UNITAU; Especialista em Literatura Brasileira - UNITAU; Graduada em Letras - UNITAU, Taubaté, SP, Brasil
RESUMO
O presente artigo busca evidenciar a possibilidade de atuação do psicopedagogo no campo da geriatria, especificamente na reabilitação cognitiva de idosos com prejuízos cognitivos decorrentes tanto do processo natural do envelhecimento quanto de doenças e/ou lesões cerebrais. A metodologia adotada para esta pesquisa é a da revisão bibliográfica narrativa e encontra-se ancorada em áreas do conhecimento como a neurociência, a psiquiatria, a neuropsicologia, a análise do comportamento e a neurologia. Conclui-se que o psicopedagogo, por possuir conhecimentos que o levam a ter afinidade com tais áreas e por ser um especialista em processos de aprendizagem, possui competência para colaborar em programas de reabilitação cognitiva de modo a atuar como facilitador na construção e reconstrução de saberes que promovam o restabelecimento da autonomia do idoso e sua plena reinserção ao convívio social.
Unitermos: Idoso. Demência. Senilidade. Cognição. Reabilitação.
SUMMARY
This article aims to highlight the possibility of psychopedagogy in the field of geriatrics, specifically in the cognitive rehabilitation of the elderly with cognitive impairments arising both from the natural aging process and from brain diseases and/or injuries. The methodology adopted for this research is that of the bibliographic narrative review and is anchored in areas of knowledge such as neuroscience, psychiatry, neuropsychology, behavioral analysis and neurology. It is concluded that the psychopedagogue has the competence to collaborate in cognitive rehabilitation programs to act as a facilitator in the construction and reconstruction of knowledge that promote the restoration of the autonomy of the elderly and their full reintegration into social life. This conclusion is justified by the fact that he has sufficient knowledge in such areas and acts in learning processes.
Keywords: Elderly. Dementia. Senility. Cognition. Rehabilitation.
INTRODUÇÃO
O convívio diário, nos últimos três anos, com um idoso vítima de Acidente Vascular Encefálico (AVE) e a necessidade de ensiná-lo estratégias que pudessem auxiliá-lo a executar suas atividades diárias com mais autonomia foi a principal motivação para a escrita deste artigo.
Essa experiência evidenciou a existência de um mercado em potencial para a atuação do psicopedagogo em práticas reabilitadoras para idosos que sofreram algum tipo de prejuízo cognitivo, visto que este profissional possui formação que o familiariza com os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem. Outra razão adicional que favoreceu a escolha desse público como foco da atenção para este estudo foi o aumento demográfico dessa população, conforme apontam os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, em conjunto com outras pesquisas, embasaram este artigo.
De acordo com previsões do IBGE1, a população idosa tende a aumentar nas próximas décadas, passando de 19,6 milhões para 66,6 milhões, entre 2010 e 2050, o que representa um aumento de 239% desse público. Tais estatísticas sugerem que a sociedade não está apta a lidar com o crescimento e as demandas desse grupo populacional específico e que é necessária uma mudança cultural e educacional, voltada à valorização da pessoa idosa.
Diante desse cenário, tornam-se necessárias reformas e incrementos importantes em áreas vitais, como a saúde e a infraestrutura urbana, que contemplem ações relacionadas à ampliação e melhoria do atendimento ao idoso pela rede de saúde, a preparação de quadros técnicos e profissionais nos campos da geriatria, fisioterapia e terapia ocupacional voltados às necessidades específicas desse público, além de melhorias em lazer e incentivo à continuidade da atividade laboral. Já na área da infraestrutura urbana, cabe realce à adequação do espaço urbano e das moradias a esses novos contingentes, cuja tendência na estrutura populacional é crescente1 (p. 101).
Tais caminhos apontam, não somente para a escassez de recursos humanos tecnicamente qualificados para o manejo com a pessoa idosa, como também para a necessidade de a sociedade ampliar o olhar para outras áreas, além das já tradicionalmente habilitadas em lidar com esse público. Isso representa uma oportunidade para que a Psicopedagogia se mostre como uma ciência capaz de contribuir ativamente, por meio de seu arcabouço teórico-técnico, para o atendimento das demandas atuais da população idosa.
Outra possibilidade que emerge para o psicopedagogo diante dos números apresentados pelo IBGE são os programas de estimulação e/ou re/habilitação cognitiva, comprovadamente eficazes para a melhoria da qualidade de vida do idoso. Todavia, tais programas são normalmente colocados sob responsabilidade de profissionais que lidam exclusivamente com a saúde mental, excluindo o psicopedagogo, que poderia ser um importante aliado na expansão do corpo técnico de profissionais habilitados em atender tais demandas sociais.
É justamente essa lacuna que o presente estudo pretende abordar, uma vez que visa demonstrar que a Psicopedagogia, enquanto ciência que se ocupa dos processos de aprendizagem humana, pode e deve servir a sociedade, não somente como restauradora educacional, mas também como área do saber qualificada para a promoção do lazer, do maior e melhor convívio social, da autonomia e continuidade da vida produtiva do cidadão idoso, fazendo uso de conhecimentos e técnicas que promovam a saúde intelectual dessas pessoas.
No que diz respeito à saúde intelectual, Wilson2 (p. 318) declara que "[…] idosos sem atividade podem perder algumas de suas capacidades intelectuais." De acordo com a autora, todas as pessoas portadoras de lesões neurológicas possuem a necessidade de levarem uma vida intelectualmente ativa, pois isso permite que ocorra a máxima recuperação, além de proteger o intelecto da deterioração.
Sabe-se que, com o passar dos anos, as funções cognitivas podem se tornar menos eficientes, seja por doenças degenerativas, seja por lesão cerebral ou simplesmente pelo avanço da idade, o que gera a necessidade de encaminhamento a programas de reabilitação capazes de "ensinar" o indivíduo a lidar com suas limitações e a desenvolver estratégias compensatórias que sua nova condição exige.
O psicopedagogo pode ser útil e bem aproveitado nessa tarefa, uma vez que esse profissional possui em sua formação de base conhecimentos em áreas como neurociências, psicologia, neurofisiologia, pedagogia e demais saberes que o tornam apto a planejar e executar estratégias reabilitadoras e/ou compensatórias de funções cognitivas ineficientes. Além do mais, os cursos de formação continuada voltados a essa finalidade não restringem o ingresso dos psicopedagogos em suas turmas, percebendo-se aí a capacidade técnica desse profissional para lidar com esse tipo de abordagem terapêutica.
Isso posto, espera-se também que a Psicopedagogia, assim como toda a sociedade, comece a considerar que o psicopedagogo não deve limitar-se somente ao trabalho com crianças e adolescente com dificuldades em seu processo de escolarização, mas que sua atuação pode ir além, abrangendo o público adulto e idoso e atuando como um importante aliado na área da saúde mental por meio de estratégias de estimulação e/ou re/habilitação cognitiva.
Diante do que foi apresentado, tal questão emerge: como o psicopedagogo, com seus conhecimentos acadêmicos, pode contribuir para a reabilitação da pessoa idosa que se encontra funcionalmente comprometida em razão de prejuízos cognitivos? O objetivo deste estudo é, portanto, demonstrar as possibilidades de atuação para esse especialista na área da reabilitação cognitiva. Nesse intento, o presente artigo adotou a revisão bibliográfica como metodologia, dentro da pesquisa qualitativa, e utilizou a análise de conteúdo como técnica de análise dos dados.
A pesquisa exploratória empregada para o presente artigo foi realizada nas bibliotecas eletrônicas científicas SciELO e Google Acadêmico e buscou por publicações mais recentes, no intervalo de cinco anos, entre o período de 2015 a 2019, em língua portuguesa, no Brasil. Constatou-se que a maioria dos estudos publicados sobre reabilitação cognitiva haviam sido produzidos pelas áreas da neuropsicologia, geriatria, enfermagem, psicologia e psiquiatria, tornando evidente a carência de produções científicas, nessa área, atribuídas à Psicopedagogia e/ou neuropsicopedagogia.
No entanto, o estudo publicado por Oliveira, Silva e Confort3, psicopedagogas e neuropsicopedagoga, respectivamente, trouxe à luz a relação positiva entre a Psicopedagogia e a reabilitação cognitiva, o que afirma a necessidade de se ampliar o interesse do psicopedagogo para além das dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar.
O trabalho dessas autoras, além de apresentar a relação direta entre essas duas disciplinas, teve por objetivo explanar sobre os benefícios da estimulação cognitiva aplicada ao idoso, enfatizar o declínio cognitivo ocorrido no processo de envelhecimento e sinalizar que o aumento da população idosa traz consigo a necessidade de estudos voltados para esta fase. Por essa razão, a pesquisa de Oliveira et al.3 tornou-se a principal fonte de fundamentação para o presente artigo e conduziu a outras referências que, embora não apresentassem relação direta entre a Psicopedagogia e a reabilitação cognitiva, ofereciam importantes contribuições para a sua produção, sendo algumas dessas referências datadas a partir de 1996.
Assim, para dispor de forma organizada as informações que pretendem responder "Como o psicopedagogo, com seus conhecimentos acadêmicos, pode contribuir para a reabilitação da pessoa idosa que se encontra funcionalmente comprometida em razão de prejuízos cognitivos?" e ao objetivo de demonstrar as possibilidades de atuação para esse especialista na área da reabilitação cognitiva, o presente artigo foi organizado em quatro seções, além da introdução.
A primeira sessão aborda a Psicopedagogia no Brasil e a atuação do psicopedagogo; a segunda trata do envelhecimento, da cognição do idoso e da atuação do psicopedagogo no campo da geriatria; a terceira seção discorre a respeito da reabilitação cognitiva e a intervenção psicopedagógica nessa área, e, finalmente, a quarta seção apresenta as considerações finais.
A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL E A ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO
Para Sá et al.4, a Psicopedagogia atua na confluência entre a psicologia e a pedagogia, tendo influências da psicolinguística.
Percebe-se então como a trajetória de desenvolvimento da Psicopedagogia foi se desenhando, dentre outros fatores, a partir de ciências mais estabelecidas, a fim de construir seu próprio arcabouço teórico e operacional que a diferenciasse dessas áreas do conhecimento.
A partir desse pressuposto, pode-se compreender por que os psicopedagogos, sobretudo os menos experientes, expressam dúvidas e inseguranças sobre quais seriam seus limites de atuação e até mesmo sobre sua real função na sociedade. Essa incerteza quanto ao papel do psicopedagogo pode ser a causa da indiferenciação entre o tipo de trabalho desse profissional e o trabalho desempenhado por um professor particular de reforço acadêmico.
Em cada país, no entanto, a Psicopedagogia assume uma concepção teórica diferente, o que resulta em variadas formas de compreender as dificuldades de aprendizagem.
Sá et al.4 relatam que, no Brasil, a Psicopedagogia segue o modelo argentino, que por sua vez sofreu influências dos Estados Unidos e principalmente da Europa. O modelo argentino integra os conhecimentos provenientes da psicanálise, da psicologia genética, da psicomotricidade e da linguagem para compreender o que está por trás das dificuldades no processo de apreensão de novos conhecimentos.
Com base nesse modelo, o psicopedagogo brasileiro tornou-se um especialista em distúrbios de aprendizagem, atuante tanto nas escolas quanto nas clínicas multidisciplinares, cujo objetivo é avaliar e intervir frente às dificuldades apresentadas por crianças e adolescentes.
No Brasil, existem duas formas de formar um psicopedagogo. Uma delas é por meio dos cursos de Especialização lato sensu, cuja carga horária mínima definida pelo Ministério da Educação5é de 360 horas, o que possibilita que cada instituição defina a sua carga horária a partir desse valor mínimo. Outra forma é via cursos de graduação, menos frequentes no Brasil e mais comuns na Argentina, mas cuja carga horária pode-se chegar até cinco anos de duração a depender da instituição.
Assim como a neuropsicologia se dispõe a estudar e compreender a relação entre as funções do sistema nervoso e o comportamento, de modo a descobrir a fisiopatologia do transtorno e com isso traçar a intervenção, a Psicopedagogia se encarrega de estudar e compreender como se processa a aprendizagem com o objetivo de identificar seus entraves e retirá-los, de maneira que o aprender seja fluido, prazeroso e eficaz.
Embora seja atribuição do psicopedagogo o estudo e o tratamento interventivo dos processos de aprendizagem humana, é preciso destacar para a sociedade que o ato de aprender não se restringe aos contextos escolares, e que, assim, a atuação psicopedagógica não se limita ao âmbito acadêmico, como normalmente está associada a imagem do psicopedagogo pelo senso comum.
Compreendendo-se, portanto, que a aprendizagem faz parte da existência e que ela ocorre em variados contextos, podendo apresentar diferentes formas e modalidades, e deve-se destacar as diversas possibilidades de atuação do psicopedagogo, a fim de descontruir a imagem formada pelo senso comum de que esse profissional está limitado à atuação em esfera acadêmica.
De acordo com Faria6, o psicopedagogo pode e deve se enveredar para todos os lugares onde existam seres humanos, seja a escola, a clínica, o hospital ou as organizações. Já Sá et al.4 acrescentam que o psicopedagogo pode atuar tanto na esfera preventiva quanto na terapêutica, sem, contudo, deixar de vincular seu trabalho a um diálogo interdisciplinar, dada a complexidade do ato de aprender e daquele que aprende.
Nesse sentido, nota-se que o Psicopedagogia deve lançar mão de outras áreas do conhecimento para atingir seus objetivos no que tange à facilitação dos processos de aprendizagem. Entretanto, é importante destacar os limites de atuação do psicopedagogo para evitar cair no equívoco de pensarmos que esse profissional pode atuar indiscriminadamente em todos os contextos que envolvam seres humanos e aprendizagem.
Uma distinção interessante e que cabe destacar é entre o objeto de estudo do psicopedagogo e o objeto de estudo do psicólogo educacional/escolar. O primeiro se encarrega dos sintomas, ou seja, das dificuldades oriundas de um real problema de aprendizado, tais como a dislexia, por exemplo, enquanto o segundo se ocupa das dificuldades "reativas", provenientes de reações emocionais que impedem a fluidez do processo de aprendizagem.
Cabe ressaltar que o trabalho do psicopedagogo, além de interdisciplinar, é também multidimensional, o que torna necessário que esse profissional considere o indivíduo em sua totalidade. Isso implica contemplar os aspectos sócio-histórico e culturais, o aparato biológico, o psicológico, o cognitivo, o afetivo e o pedagógico, fatores que constituem o ser e que são responsáveis, direta ou indiretamente, pela construção do conhecimento.
Ainda no que tange aos contextos de atuação do psicopedagogo, Oliveira et al.3 (p. 25), ao citarem Bossa (2000), afirmam que "[...] o enfoque terapêutico considera como objetos de estudo da psicopedagogia a identificação, análise e elaboração de uma metodologia de diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem."
Ora, se o processo de aprendizagem assim como as dificuldades que a impedem de ocorrer são objetos de estudo do psicopedagogo, nos quais estão imbricadas, dentre outros fatores, diversas habilidades cognitivas, logo espera-se que esse profissional possa também se encarregar, tanto em estimular as funções cognitivas eficientes, visando otimizá-las, como investigar e restabelecer aquelas que não estejam em pleno funcionamento. Portanto, não se vislumbram impedimentos para que o psicopedagogo possa atuar em programas de habilitação e reabilitação de funções cognitivas, tanto na prevenção quanto na avaliação e intervenção terapêutica.
Conclui-se, portanto, que existe aí um nicho de trabalho a ser explorado pelo profissional da Psicopedagogia, que, associado aos seus conhecimentos em psicologia do desenvolvimento, pedagogia, psicomotricidade e operações mentais superiores, construídos ao longo da sua formação, pode representar um diferencial e expandir o seu campo de atuação.
ENVELHECIMENTO E COGNIÇÃO
De acordo com Wilson2, cognição refere-se a processos relacionados ao conhecimento, entendimento, aprendizado, percepção, lembrança, juízo e pensamento.
Para Oliveira et al.3, trata-se de um processo consciente que visa à aquisição de conhecimentos que torna o indivíduo capaz de adquirir e utilizar informações, a fim de adaptar-se às demandas do meio.
Malloy-Diniz et al.7 consideram que o adequado funcionamento das funções cognitivas é importante para a manutenção da autonomia dos idosos, pois possibilita que essas pessoas consigam organizar e realizar suas atividades diárias com independência.
Já Casemiro8 considera que esse é um importante campo para aplicação dos treinos cognitivos, já que eles têm o objetivo de maximizar as funções cognitivas e prevenir futuros declínios que costumam ocorrer com o avanço da idade e/ou surgimento de doenças degenerativas.
No entanto, ao contrário do que normalmente se acredita, o declínio cognitivo no idoso, embora seja esperado, ocorre de forma heterogênea e está associado às diferenças culturais, aos hábitos de vida adotados ao longo de sua história e aos fatores ambientais, socioeconômicos e genéticos, que influenciam na cognição e seus desdobramentos. Em uma velhice tipicamente saudável, as perdas cognitivas não chegam a comprometer a funcionalidade do indivíduo, porém, em caso de doenças ou lesões cerebrais, elas se acentuam e diminuem não somente a capacidade funcional, como também a qualidade de vida da pessoa idosa.
Em decorrência do aumento da população idosa no Brasil, da falta de políticas públicas eficientes de valorização do cidadão idoso e do consequente estilo de vida, distante do ideal para essa camada populacional, as demências tornaram-se, ao lado dos transtornos depressivos, as enfermidades neuropsiquiátricas de maior prevalência na terceira idade.
As condições educacionais, econômicas, nutricionais e o estilo de vida são fatores em potencial para determinar a longevidade de um indivíduo. Ocorre que, na realidade da pessoa idosa, esses elementos, além de nem sempre estarem presentes na proporção adequada às suas necessidades, ainda ficam sob responsabilidade de terceiros, normalmente parentes e/ou cuidadores, e, na falta desses, de toda a sociedade. Junto a isso, soma-se a crença de que o idoso deve ser "poupado", ou seja, tirado de suas atividades cotidianas, pois o que se espera é que, com isso, o idoso viva mais. No entanto, essa tentativa de poupar os idosos com o objetivo de dar-lhes mais tempo de vida, não representa, necessariamente, uma vida de qualidade. Nessa perspectiva, Yassuda9 (p. 254) afirma que "não basta oferecer mais anos de vida ao indivíduo, é necessário que esse prolongamento venha acompanhado de condições dignas de vida.".
Assim, afastar as pessoas idosas de suas atividades cotidianas, sem dar-lhes uma substituição, deixando-as ociosas, constitui um fator que corrobora para o declínio de sua atividade cognitiva, e, portanto, na redução de sua qualidade de vida.
Nota-se, dessa maneira, que o envelhecimento traz consigo mudanças cognitivas nos indivíduos que apontam para a necessidade de ampliar os estudos dessas alterações, não somente por áreas tradicionalmente envolvidas na saúde do idoso, como a psicologia, a neurologia, a psiquiatria e a geriatria, como principalmente pela Psicopedagogia, que embora não tenha tradição na área da saúde mental, sobretudo da pessoa idosa, carrega em si elementos que a tornam apta a compor o grupo de disciplinas para essa finalidade.
Silva10 ressalva que a Psicopedagogia e outras áreas devem apoiar ações de saúde para idosos, tentando preservá-los com a máxima capacidade funcional, independência física e mental na comunidade.
Nesse sentido, entende-se que o psicopedagogo pode desenvolver estratégias de aprendizagem voltadas à população idosa com o objetivo específico de promover a reabilitação e a consequente melhora da qualidade de vida desse público. Para Beckert et al.11 (p. 157), "a capacidade cognitiva é um dos determinantes da qualidade de vida na velhice, pois perdas nas funções cognitivas podem resultar em prejuízo no funcionamento físico, social e emocional de idosos."
Dentre as enfermidades que com maior frequência provocam alterações significativas na cognição de pessoas idosas, estão os acidentes vasculares encefálicos (AVE) e as doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.
De acordo com Santos et al.12, o AVE é uma das principais causas de mortes no Brasil e no mundo e o número de pessoas que carregam sequelas é expressivo. Os prejuízos acarretados por essa patologia podem ser, tanto de ordem fisiológica, como a dificuldade para andar e as hemiparesias, como de ordem cognitiva, como as perdas de memória e o comprometimento da linguagem.
Na doença de Alzheimer, que é um tipo de demência*, ocorre a morte dos neurônios, acarretando perda gradativa da memória e trazendo como uma das principais consequências a incapacidade de retenção de novas aprendizagens voluntárias. De acordo com a Alzheimer's Association13, entidade norte-americana, essa doença é a causa mais comum de demência entre idosos, sendo responsável por 60% a 80% dos casos.
Nesse tipo de demência, os sintomas se desenvolvem lentamente, pioram com o tempo e se tornam graves o bastante para interferir nas tarefas diárias. Ávila & Miotto14 afirmam que, na doença de Alzheimer, as dificuldades de memória são as primeiras queixas, tanto dos pacientes como de seus familiares, o que causa, além de prejuízo nas atividades diárias dos pacientes, o comprometimento de sua qualidade de vida.
Embora o avanço da idade seja o maior fator de risco conhecido para o desenvolvimento do Alzheimer, existem, de acordo com dados da Alzheimer's Association, aproximadamente 200.000 norte-americanos com menos de 65 anos com essa doença em sua forma precoce, conhecida como Alzheimer de início precoce.
Tais dados reforçam a ideia de que a Psicopedagogia pode voltar sua atenção à velhice do indivíduo e desenvolver estratégias que busquem atenuar as perdas cognitivas típicas dessa fase e também aquelas provenientes de lesões advindas de quadros degenerativos.
O psicopedagogo pode atuar no resgate da autonomia do idoso que tenha sofrido comprometimentos funcionais cognitivos, podendo, para esse fim, promover ações educativas voltadas tanto à pessoa que tenha a doença, seus familiares e cuidadores quanto para a comunidade em geral; pode também desenvolver e aplicar atividades de estimulação cognitiva e ensinar estratégias de compensação de perdas funcionais.
Para Oliveira et al.3, o psicopedagogo, como parte de uma equipe multidisciplinar, pode assumir a função de mediador entre o idoso e a construção/reconstrução de conhecimentos, trabalhar na reinserção dessa pessoa na sociedade e auxiliá-la na busca de soluções para seus problemas cotidianos.
A REABILITAÇÃO COGNITIVA E A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
Wilson2 define reabilitação cognitiva como um processo em que pessoas com lesão cerebral cooperam com profissionais de saúde, familiares e membros da comunidade para tratar ou aliviar deficiências cognitivas resultantes de danos neurológicos. Para esta autora, o objetivo desse tipo de reabilitação é ensinar os pacientes e seus familiares estratégias que lhes permitem conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar tais deficiências.
Historicamente, a era moderna da reabilitação cognitiva teve seu início na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, com a finalidade de recuperar déficits de memória em soldados com lesões cerebrais. No entanto, existem evidências de que as tentativas para reabilitar pessoas com lesões cerebrais começaram bastante tempo antes, na Ásia e Oriente Médio, com as civilizações grega e egípcia. O mais antigo documento sobre tratamento de pessoas com dano cerebral é egípcio e data entre 2.500 e 3.000 anos, descoberto em 1862 por Smith e Luxor.
Entretanto, somente a partir da década de 1970 é que os estudos sobre treino cognitivo de fato foram iniciados, alcançando popularidade apenas no final da década de 1980. Esses estudos tinham por objetivo verificar a possibilidade de modificar nas pessoas as habilidades que constituíam a inteligência fluida** e seus resultados evidenciaram um significativo grau de plasticidade*** na cognição do idoso, demonstrados por meio da melhora significativa em habilidades como velocidade de processamento, raciocínio indutivo e orientação espacial.
É importante destacar que existem dois tipos de reabilitação na área da cognição: a reabilitação cognitiva e a reabilitação neuropsicológica. Chariglione & Janczura17 apresentam uma diferenciação elaborada por Wilson (2009) entre essas duas modalidades. A primeira visa diminuir e/ou superar as deficiências derivadas de lesões neurológicas por meio de treinos cognitivos focados na melhora das funções cognitivas prejudicadas. Já a reabilitação neuropsicológica trata dos déficits cognitivos e das alterações emocionais e comportamentais, sendo a sua maior preocupação proporcionar aumento da qualidade de vida do paciente.
Conhecer essa diferença entre reabilitação cognitiva e reabilitação neuropsicológica é importante para definir não somente o plano terapêutico como também as metas a serem atingidas e quais os resultados possíveis de alcançar com o tratamento. Para isso, é imprescindível que os profissionais envolvidos na reabilitação conheçam bem o tipo de lesão e/ou patologia, o histórico de vida do paciente, suas funções ainda preservadas e a rede de cuidados de que ele dispõe, já que todos esses elementos irão determinar a melhor abordagem terapêutica para aquela pessoa.
Destaca-se, ainda, o fato de que a reabilitação cognitiva muitas vezes costuma fazer parte de um programa de reabilitação neuropsicológica, já que esta última tem objetivos mais amplos e abrangentes, que abarcam, além de estratégias de reabilitação de funções prejudicadas, também aquelas que visem ressignificar a existência das pessoas a partir de sua nova condição. Isso inclui preparar a família e os cuidadores para lidar com a nova condição da pessoa sob seus cuidados, reestruturar o ambiente para que ele se torne apropriado e seguro às necessidades daquela pessoa e ainda cuidar de seu estado emocional e dos comportamentos decorrentes de sua nova condição de vida.
Percebe-se aí que o objetivo principal da reabilitação neuropsicológica é resgatar a cidadania do indivíduo, reinseri-lo na sociedade e assegurar a sua qualidade de vida e não somente reabilitar uma habilidade prejudicada, uma vez que, a depender do tipo de lesão, das funções preservadas e do histórico de vida da pessoa, algumas habilidades cognitivas nem sempre poderão ser restabelecidas. Contudo, sempre é possível ensinar-lhe novas formas de viver, assim como ensinar as pessoas a sua volta a incluí-lo em seu círculo social, rompendo as barreiras do preconceito e promovendo a inclusão.
Isso posto, o psicopedagogo pode atuar nas duas modalidades de reabilitação. Em reabilitação cognitiva ele pode aplicar tarefas de estimulação e treino de funções específicas que deseja restabelecer. Muitas dessas atividades, como as que têm por objetivo treinar a atenção e a memória, em todas as suas modalidades, e até mesmo as habilidades fonológicas e de linguagem, já fazem parte do repertório técnico-operacional do psicopedagogo.
Na reabilitação neuropsicológica, esse profissional pode contribuir na psicoeducação da patologia, nas estratégias de reinserção social, no ensino de estratégias compensatórias, no planejamento e organização da rotina diária, entre outras.
Todo esse trabalho que pode ser desenvolvido pelo psicopedagogo dentro da reabilitação cognitiva e neuropsicológica não difere, por exemplo, do que ele já está habituado a fazer para ajudar crianças e adolescentes em seu processo de escolarização, quando estas são encaminhas aos seus cuidados.
Silva et al.18 afirmam que as intervenções cognitivas podem melhorar o desempenho nos idosos e que, dentre as funções mais afetadas pelo envelhecimento, estão a memória episódica e a memória operacional, que declinam significativamente conforme a idade vai avançando, fato que sinaliza sobre a importância da manutenção da cognição para assegurar a continuidade da independência e autonomia do idoso.
Dentre os diversos estudos que demonstraram os resultados positivos decorrentes de programas de reabilitação cognitiva, as autoras dão especial enfoque àqueles de treino de velocidade de processamento, raciocínio indutivo, raciocínio lógico, orientação espacial e memória, dentre os quais citam os estudos de Ramos, que sugerem que o declínio cognitivo e funcional é um preditivo de mortalidade. Felizmente, esses estudos também evidenciaram que a cognição e a funcionalidade são potencialmente modificáveis, uma vez que a plasticidade cognitiva permanece no envelhecimento, de forma que, quando estimulados, os idosos podem apresentar melhor desempenho em tarefas cognitivas.
Silva et al.18 alertam que no Brasil existem poucos estudos sobre treino cognitivo direcionados à população idosa. Para as autoras, nesse âmbito, destaca-se a pesquisa de Wood et al.19, em que foram documentadas alterações significativas, porém de magnitude moderada. No entanto, esses estudiosos alertam que ainda não é conhecida a eficácia de treinos mais longos que envolvam tarefas mais parecidas com as atividades diárias nos idosos.
Adicionalmente, a ideia de que estimular a cognição favorece a autonomia e a independência do indivíduo idoso, Oliveira et al.3 afirmam que idosos que treinam o cérebro são beneficiados, pois estimulam capacidades cognitivas específicas que diminuem as perdas nas funções. Casemiro8 destaca a importância da identificação, por meio de testes específicos, das perdas cognitivas sofridas pelos idosos com a chegada da senescência****, a fim de identificar o grau do impacto na independência, autonomia e na realização de atividades básicas do cotidiano. Já Ávila & Miotto14 (p. 190) pontuam que "[...] em virtude do aumento do número de diagnósticos precoces em pacientes com doença de Alzheimer (DA), está crescendo a procura por tratamentos que visam a melhora das funções cognitivas, além de possível retardo no progresso da doença.".
Isso deve ao fato de que não existe, por enquanto, tratamento que possa curar a demência ou reverter seu processo gradativo de deterioração do cérebro. A alternativa viável permanece sendo o tratamento medicamentoso associado às terapias de reabilitação de funções cognitivas, como os treinos de memória, por exemplo, que vêm ganhando cada vez mais relevância no meio científico, por possibilitarem a suavização dos sintomas e o retardo do avanço da doença.
Nota-se, portanto, que a reabilitação cognitiva é necessária, tanto para a recuperação do paciente idoso que apresente perdas cognitivas decorrentes do processo natural do envelhecimento como de doenças neurodegenerativas como aquelas resultantes das lesões encefálicas.
Quanto à senescência, vale ressaltar que os programas de prevenção podem oferecer vantagens, uma vez que a estimulação cognitiva contínua posterga as perdas neuronais comuns ao avanço da idade e promove o que a neurociência denomina como reserva cognitiva. Quanto maior for essa reserva, menores serão as perdas cognitivas na velhice.
Sobre isso, Oliveira et al.3 declaram que, ao contrário do que se acredita, o cérebro não envelhece no mesmo ritmo que o restante do organismo, sendo este órgão o que menos envelhece, graças a sua capacidade de se regenerar. Embora o avanço da idade traga consigo declínios significativos em habilidades cognitivas, o cérebro possui a capacidade de se renovar e superar perdas obtidas ao longo do tempo. Tal capacidade é dividida em dois processos, denominados neurogênese e neuroplasticidade, em que a neurogênese é a capacidade de criar novos neurônios quando há a estimulação do cérebro enquanto a neuroplasticidade está ligada à capacidade de criar novas conexões, chamadas de sinapses, gerando, dessa maneira, novas informações para o cérebro durante toda a vida.
Dessa forma, realizar atividades sociais, ler, acompanhar os noticiários diariamente, buscar novos conhecimentos e montar quebra-cabeças, brincar com jogos de memória, de enigmas, entre outros, podem contribuir para o treinamento da memória, do raciocínio lógico e verbal, estimular a criatividade e a imaginação, proporcionando maior agilidade e flexibilidade mental, além de melhorar os níveis de atenção e concentração.
Essas estratégias, além de promoverem momentos de prazer e diversão, também estimulam os processos de neurogênese e neuroplasticidade, o que faz com que o indivíduo fique menos propício a desenvolver demências.
Oliveira et al.3 alertam sobre a importância de incluir pequenas alterações no dia a dia do indivíduo, a fim de quebrar a rotina que impede o cérebro de entrar em movimento e fazer novas associações. Acontecimentos e ações inusitadas podem, inclusive, ser benéficos à saúde cognitiva do idoso.
Portanto, é possível concluir que o que acontece com o cérebro de um indivíduo à medida que envelhece depende do que essa pessoa fez anteriormente, enquanto jovem.
Contudo, cabe ressaltar que estratégias como a psicoeducação***** do paciente e de seus familiares, assim como também adaptações ambientais, funcionais e o uso otimizado das funções cognitivas residuais podem contribuir para amenizar as dificuldades na realização das tarefas cotidianas decorrentes de déficits cognitivos. Sobre isso, Wilson2 recomenda que pacientes e seus familiares sejam informados adequadamente sobre a natureza da deficiência e como ela está relacionada com a vida real para que assim tenham condições de lidar melhor com suas dificuldades.
Como exemplo, estão as pessoas que cuidam de pacientes limitados por negligência unilateral, que percebem a importância de alterar o ambiente doméstico quando são informadas sobre os riscos de acidentes, como esbarrões nas paredes, ter o membro hemiplégico preso à cadeira de rodas, quedas, dificuldade em entrar e sair do banheiro, etc.
A informação gera a compreensão da nova condição do sujeito por todos aqueles que convivem com ele, melhorando a relação entre essas pessoas, aumentando a segurança para quem está sob cuidados e facilitando o dia a dia para todos os envolvidos. Quanto mais se conhece a respeito de uma lesão e/ou patologia e o quadro clínico que a acompanha, mais propensos ficamos a aceitação do outro e suas condições.
Tendo isso em voga, é nessa frente que o psicopedagogo pode atuar, uma vez que os processos de neurogênese e neuroplasticidade envolvem, principalmente, a aprendizagem de novas estratégias.
Esse profissional, cuja especialidade é justamente o manejo dos processos de aprendizagem, que envolvem variadas funções cognitivas e executivas, pode sozinho, ou como parte de uma equipe multidisciplinar, desenvolver programas de reabilitação com atividades de treino cognitivo e estratégias de psicoeducação destinadas ao paciente e sua família.
Assim, não se pode pensar em práticas reabilitadoras que não incluam a participação efetiva das pessoas diretamente envolvidas no dia a dia do paciente, também assim a família e/ou cuidador precisa ser amparada, informada, treinada e receber acompanhamento da equipe de saúde durante todo o processo de reabilitação, sendo essa uma das estratégias fundamentais para o sucesso do tratamento.
Outrossim, o psicopedagogo pode apenas executar um programa de reabilitação previamente elaborado por outro profissional. O objetivo desses programas, conforme defendem Oliveira et al.3, é promover a estimulação de diversas funções cognitivas, como: atenção, concentração, equilíbrio, memória, percepção espacial, visual, auditiva, olfativa, tátil e gustativa, coordenação ampla e fina, organização espaço-temporal, raciocínio, sequência lógica, entre outras, de forma que a ação do psicopedagogo estaria focada na estimulação dessas funções cerebrais que, por sua vez, mobilizariam a produção de neurônios e com isso impediria que o idoso viesse a se tornar um "sedentário mental".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, considera-se relevante a atuação psicopedagógica voltada para o público idoso, sobretudo no que tange à continuidade do processo de aprendizagem como prevenção às perdas neurológicas que surgem com o passar dos anos.
Nota-se, nessa população, que a capacidade de apreender novos conhecimentos continua preservada, porém, com o avanço da idade, parece ocorrer um declínio progressivo nessa propensão para aprender, que se torna mais expressivo, sobretudo, quando o idoso é submetido a um ambiente com pouca estimulação.
Outros fatores que corroboram com maior preponderância para a acentuação do declínio cognitivo em idosos são as doenças degenerativas e as sequelas decorrentes de acidentes vasculares encefálicos. Em qualquer dessas situações, as principais funções prejudicadas costumam ser a memória e a atenção, que são processos que ocorrem no córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo processamento dessas e de outras funções executivas, fundamentais para a manutenção de uma vida independente e socialmente ativa em qualquer pessoa. Danos causados a essas funções resultam em perdas na qualidade de vida dos indivíduos.
Assim, torna-se evidente que o cérebro do idoso necessita de estimulação a todo momento e não somente na ausência de boa saúde física e mental.
Outrossim, trata-se de uma realidade iminente o crescimento da população idosa para as próximas décadas e o quanto a sociedade está despreparada para atender essa demanda. Por conseguinte, fica evidenciada a necessidade de melhoria dos sistemas de saúde pública, com a inclusão de mais profissionais especializados e preparados para o atendimento dessa faixa populacional, inclusive o psicopedagogo, para o qual esse campo constitui-se em um mercado em potencial a ser explorado.
Tal profissional pode ampliar seu campo de atuação ao voltar-se para o desenvolvimento de um trabalho que estimule o cérebro do idoso de modo a promover a continuação de seu aprendizado e a contribuir para a manutenção de sua cidadania e qualidade de vida.
Dessa maneira, considera-se relevante a necessidade de somar ao repertório teórico prévio do psicopedagogo estudos complementares em neuropsicologia, neurociências, neurologia e análise do comportamento, a fim de enriquecer suas bases epistemológicas e permitir que este especialista possa realizar intervenções cada vez mais assertivas.
À luz das ponderações referidas, novas perspectivas de atuação se abrem na Psicopedagogia para que as lacunas existentes possam ser preenchidas e que novos conhecimentos possam ser somados aos já construídos, tanto para a promoção da plena qualidade de vida da pessoa idosa quanto da empregabilidade do psicopedagogo.
Nesse sentido, buscando responder ao objetivo proposto no início deste estudo, que é demonstrar as possibilidades de atuação para o psicopedagogo na área da reabilitação cognitiva, conclui-se que esse especialista pode utilizar seus conhecimentos para intervir diretamente em programas de reabilitação neuropsicológica, seja tanto aplicando tarefas de estimulação e treino de funções cognitivas específicas que deseja restabelecer, como é o caso da reabilitação cognitiva, quanto na realização de psicoeducação, na promoção da reinserção social dos indivíduos acometidos, no ensino aos pacientes e seus familiares de estratégias compensatórias para lidar com a sua condição no dia a dia, além de poder auxiliar no planejamento e na organização da rotina diária, entre outras atividades.
Todas essas ações já são comuns à práxis do psicopedagogo, uma vez que guardam semelhanças com o trabalho que esse profissional já desenvolve, tradicionalmente, com crianças e adolescentes que apresentam dificuldades em seu processo de escolarização. Todavia, cabe ressaltar que, embora o psicopedagogo possa se valer dos estudos advindos da neurociência, e, com isso, contribuir significativamente para a reabilitação cognitiva, sua atribuição principal ainda é a reabilitação psicopedagógica, cabendo, portanto, ao neuropsicólogo a exclusividade no planejamento, coordenação, aplicação e monitoramento de programas de reabilitação neurocognitiva.
Ademais, enfatiza-se a necessidade de ampliar as pesquisas sistemáticas a respeito das contribuições da Psicopedagogia no campo da reabilitação cognitiva. Esses estudos podem servir como apoio a outros profissionais, tais como fonoaudiólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, psiquiatras, geriatras, pediatras, entre outros, ligados às áreas da saúde e da educação.
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo e mentor, Dr. Enio Bueno Pereira, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que com sua vasta experiência em publicações acadêmicas, contribuiu para a construção do presente artigo. Tal atitude reforça a interdisciplinaridade no fazer científico.
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Endereço para correspondência:
Fabiana Ferreira Oliveira Santos
Rodovia Professor Julio de Paula Moraes, Km 30,5 - Caixa Postal 5
Jambeiro, SP, Brasil - CEP 12270-000
E-mail: faferolisan@gmail.com
Artigo recebido: 23/7/2019
Aprovado: 24/5/2021
Trabalho realizado na Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
* Demência é um termo geral utilizado para definir a perda de memória e outras habilidades cognitivas suficientemente graves para interferir na vida diária.
** De acordo com Schelini, a inteligência fluida (Gf - fluid intelligence) trata-se das operações mentais que as pessoas utilizam frente a uma nova tarefa. Ela é determinada pelos aspectos genéticos, está pouco relacionada à cultura e independe de conhecimentos previamente adquiridos. Assim, as alterações orgânicas, como lesões cerebrais ou problemas decorrentes da má nutrição, influenciam mais a inteligência fluida do que a cristalizada.
*** Plasticidade/Neuroplasticidade, de acordo com Abrisqueta-Gomez & Santos, refere-se à capacidade de adaptação do sistema nervoso às influências do ambiente durante o desenvolvimento, bem como a restauração das funções prejudicadas devido a quadros patológicos.
**** Para Ciosak et al. (p. 1764), senescência é um processo natural e progressivo que implica mudanças graduais e inevitáveis relacionadas à idade e que ocorre independentemente de o indivíduo gozar de boa saúde e ter um estilo de vida ativo e saudável. A Organização Mundial da Saúde (apud Ciosak et al., p. 1764), define o envelhecer como "um processo sequencial, individual, cumulativo, irreversível, universal, não patológico de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio ambiente".
***** A psicoeducação é uma técnica que relaciona os instrumentos psicológicos e pedagógicos com objetivo de ensinar o paciente e os cuidadores sobre a patologia física e/ou psíquica, bem como sobre seu tratamento. Assim, é possível desenvolver um trabalho de prevenção e de conscientização em saúde (Lemes & Ondere Neto, p. 17).