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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.116 São Paulo May/Aug. 2021

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210015 

RELATO DE PESQUISA

 

Discalculia e educação: quais conhecimentos os professores possuem acerca deste tema

 

Dyscalculia and education: What knowledge the teachers have about this theme

 

 

Edneia Felix de MatosI; Daniela Miranda Fernandes SantosII

IPedagoga - FAIP-FAEF "Faculdade do Interior Paulista", Marília, SP; Professora em escola de Educação Infantil na rede municipal de Educação na cidade de Marília, SP; Especialista em Psicopedagogia Institucional - Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu Especialização em Psicopedagogia da Fundepe - Marília, SP; Especialista em Educação Infantil - Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR; Mestre - Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus de Marília, Marília, SP, Brasil
IIMestre e Doutora em Educação - FCT/UNESP/Campus de Presidente Prudente, SP; Professora de Matemática da rede pública estadual do Estado de São Paulo de 1997 a 2018; Diretora de Escola da rede pública do estado de São Paulo; Foi docente da Pós-Graduação Especialização em Psicopedagogia da Fundepe - Marília, SP, Marília, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A escola na atualidade enfrenta grandes desafios em relação às dificuldades de aprendizagem. É crescente o número de alunos que apresentam algum tipo de dificuldade de aprendizagem, sendo que as relacionadas à aprendizagem dos conceitos matemáticos aparecem como sendo um fator preponderante no que tange ao fracasso escolar. Escolares que não aprendem matemática podem possuir discalculia, uma dificuldade específica em matemática que está relacionada a uma desordem estrutural na área relacionada às habilidades matemáticas. O presente estudo divulga os resultados de uma pesquisa de natureza qualitativa e delineamento exploratório que visou investigar a percepção dos professores de escolas de anos iniciais do Ensino Fundamental em uma cidade do interior do estado de São Paulo, região de Marília, a respeito do transtorno de aprendizagem denominado discalculia, suas características, formas de manifestações entre as crianças. Tal pesquisa indicou que os entrevistados não possuem conhecimento teórico sobre o tema, o que denota a necessidade de reformulação do conteúdo programático dos cursos de pedagogia e nos cursos de educação continuada, para que esses profissionais estejam aptos a trabalhar com alunos com discalculia. E destacou a relevância da ludicidade na intervenção pedagógica junto ao discalcúlico.

Unitermos: Transtorno de Aprendizagem. Discalculia. Intervenção Psicopedagógica.


SUMMARY

The school today faces great challenges in relation to the learning difficulties, since the number of students with some type of learning difficulty is increasing, and the difficulties related to the learning of mathematical concepts appear as being a preponderant factor regarding the school failure. Schoolchildren who do not learn mathematics may have dyscalculia, a specific difficulty in mathematics that is related to a structural disorder in the area related to mathematical skills. This study discloses the results of a qualitative research and exploratory design that aimed to investigate the perception of teachers of elementary schools I in a city in the interior of the state of São Paulo, region of the city of Marília, regarding the learning disorder called dyscalculia, its characteristics, forms of manifestations among children, in view of possible strategies for psychopedagogical interventions based on playful practices that can be used to work in the classroom with students who have this disorder. We hope that this study can contribute to the expansion of discussions on dyscalculia.

Keywords: Learning Disorder. Dyscalculia. Psychopedagogical. Intervention.


 

 

INTRODUÇÃO

Na atualidade a escola enfrenta grandes desafios relacionados aos problemas de aprendizagem. O número de alunos que apresentam alguma dificuldade é cada vez maior, e entre as principais dificuldades encontradas no contexto escolar destacamos as relacionadas à matemática como fator preponderante para o fracasso escolar.

Entre as diversas dificuldades apresentadas pelos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), chama a atenção o expressivo número de alunos com baixo desempenho em matemática, conforme os relatórios das avaliações externas como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

No ano de 1990 o SAEB foi instituído com objetivo principal de realizar um diagnóstico da educação básica brasileira.

Ortigão1, baseando-se em dados do SAEB no desempenho em matemática da 8a série (atual 9º ano do EF), esclarece que após oito anos de escolarização os alunos não construíram competências básicas, necessárias para o cotidiano e para prosseguirem nos estudos. A autora relata que tais dados são referentes ao ano de 1995.

Nos resultados das últimas edições do SAEB, observa-se tímido avanço, uma vez que não houve mudanças significativas no desempenho adequado em matemática no 5o ano. No ano de 2013, apenas 35% dos alunos demonstraram domínio das habilidades básicas em matemática; em 2015, 39%; e em 2017, 44%.

Destacamos, diante desse quadro, que em alguns casos essa dificuldade em matemática pode se tratar de um transtorno. Alunos que possuem alguma dificuldade em operações matemáticas básicas envolvendo cálculos simples podem ter o transtorno denominado discalculia. Mas, afinal qual conhecimento os professores possuem sobre esse transtorno, manifestação e formas de intervenção?

Devido a tais questionamentos e às reflexões surgidas durante os encontros do grupo de estudos realizadas no decorrer do curso de especialização em Psicopedagogia da Fundepe, houve o interesse em investigar os conhecimentos dos professores sobre a discalculia, tema que acreditamos ser pouco estudado nos cursos de formação inicial de professores para o Ensino Fundamental. Dessa maneira, desenvolvemos uma pesquisa de natureza qualitativa e delineamento exploratório analítico descritivo.

Para coleta de dados, foi utilizado como instrumento a aplicação de questionário. Foram sujeitos deste estudo professores de escolas municipais de Ensino Fundamental anos iniciais em uma cidade do interior de São Paulo, região de Marília.

Considerando o expressivo número de alunos que apresentam dificuldades relacionadas à matemática, como resolução de problemas e em habilidades com cálculos simples, impera a necessidade de um maior conhecimento por parte dos professores sobre a discalculia, um transtorno de ordem neurológica.

Com este estudo, esperamos contribuir de maneira positiva com professores, estudantes e demais profissionais da área educacional.

Discalculia: algumas definições

Em relação à discalculia, Bastos2 esclarece como sendo uma dificuldade específica em matemática que acomete aproximadamente de 3 a 6% das crianças em idade escolar.

Pesquisas realizadas por Shalev3 (1998-2004) mostram que aproximadamente 5% a 15% das crianças que frequentam as escolas de Ensino Fundamental apresentam dificuldades na aquisição de habilidades aritméticas, configurando assim uma discalculia.

Segundo Garcia4, Kosc realizou os primeiros estudos sobre a discalculia. Segundo o autor, a discalculia ou discalculia do desenvolvimento está relacionada a uma disfunção cerebral, podendo ser definida como um transtorno estrutural das habilidades matemáticas.

Garcia4 enfatiza que Kosc5 classifica a discalculia em seis subtipos, que podem ocorrer em combinações diferentes e com outros transtornos:

1. Discalculia Verbal - Dificuldade para nomear as quantidades matemáticas.

2. Discalculia Practognóstica - Dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens matematicamente.

3. Discalculia Léxica - Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos.

4. Discalculia Gráfica - Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos.

5. Discalculia Ideognóstica- Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos.

6. Discalculia Operacional - Dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos.5

Para Garcia4, a discalculia é uma desordem na estrutura da maturação das capacidades matemáticas.

Corroborando com a temática, Vieira6 esclarece que o termo discalculia "[...] Significa etimologicamente, alteração da capacidade de cálculo e, em sentido mais amplo, as alterações observáveis no manejo dos números: cálculo mental, leitura dos números e escrita dos números".

Segundo Campos7, em relação à discalculia, o autor relata a mesma como sendo um transtorno de aprendizagem, ou seja, uma desordem, conflito gerado a partir de uma disfunção.

Bastos2 salienta que para a [...] Academia Americana de Psiquiatria, a discalculia do desenvolvimento é uma dificuldade em aprender matemática, com falhas para adquirir adequada proficiência neste domínio cognitivo, a despeito da inteligência normal, oportunidade escolar, estabilidade emocional e necessária motivação.

Nesse sentido crianças com esse tipo de transtorno perdem o interesse pela matemática, por não entenderem o que o professor está propondo. Isso faz com que muitas crianças se sintam incapazes e desmotivadas.

Jussara Bernardi8 afirma que a discalculia pode se manifestar em alunos inteligentes, dotados de capacidades em diversas áreas do conhecimento.

Dessa maneira, a discalculia pode se manifestar em vários níveis de aprendizagem, sendo seu diagnóstico bastante complexo. Por isso, a necessidade dos professores possuírem um conhecimento literário sobre o tema para assim poderem detectar possíveis alunos com risco para a discalculia.

Características e sintomas da discalculia

As manifestações da discalculia podem aparecer logo no início da vida escolar dos alunos, daí a importância dos professores e demais profissionais da área educacional terem conhecimento teórico sobre o tema.

Essa desordem estrutural pode ser percebida ainda na Educação Infantil, com testes simples como pedir para a criança distinguir qual número vem antes ou depois do número 16, por exemplo, afirma Lara9.

Fonseca10 defende que alunos com discalculia apresentam dificuldades em relacionar símbolos aditivos e visuais aos números, compreensão do princípio da conservação, visualizar grupos de objetos, aprender sistemas cardinais e ordinais, contar, tabuadas, seguir sequências, perceber o significado dos sinais de adição, multiplicação, divisão, subtração e igualdade.

De acordo com Bastos2, os sintomas mais frequentes da discalculia são:

1. Erro na formação dos números, invertendo-os.

2. Dislexia (mas nem todos os disléxicos têm discalculia).

3. Dificuldades em operar com somas simples.

4. Dificuldades em reconhecer os sinais das operações e usar as separações lineares.

5. Dificuldade na leitura correta de números com diversos dígitos.

6. Memória pobre para fatos numéricos básicos.

7. Dificuldades em transportar números para o local adequado na realização de cálculos.

8. Ordenação e espaçamentos inapropriados nas multiplicações e divisões.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-511, crianças com transtornos específicos da aprendizagem podem parecer desatentas devido a frustração, falta de interesse ou capacidade limitada. A desatenção, no entanto, em pessoas com um transtorno específico da aprendizagem, mas sem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), não acarreta prejuízos fora dos trabalhos acadêmicos.

No DSM-5 os transtornos específicos de aprendizagem são caracterizados em: com prejuízo na leitura (precisão na leitura de palavras, velocidade ou fluência da leitura e compreensão da leitura); com prejuízo na expressão escrita (precisão na ortografia, precisão na gramática e na pontuação, clareza ou organização da expressão escrita) e com prejuízo na matemática (senso numérico, memorização de fatos aritméticos, precisão ou fluência de cálculo, precisão no raciocínio matemático)11.

Segundo o DSM-5, a discalculia é um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes. Se o termo discalculia for usado para especificar esse padrão particular de dificuldades matemáticas, é importante também especificar quaisquer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como dificuldades no raciocínio matemático ou na precisão na leitura de palavras11.

Possíveis causas da discalculia

Não existe uma única causa para a discalculia, mas um conjunto de fatores que podem contribuir para o aparecimento desse distúrbio.

Nessa perspectiva, Paín12 esclarece que os fatores podem ser orgânicos, específicos, psicogênicos e ambientais.

Silva13 destaca que a discalculia pode ser causada por fatores psicológicos, neurológicos, genéticos, linguísticos, pedagógicos. Com ênfase nos fatores neurológicos, relacionados ao grau da imaturidade neurológica da criança, a discalculia pode ser considerada em três graus distintos:

a) Leve - O discalcúlico reage favoravelmente à intervenção.

b) Médio - Configura o quadro da maioria dos que apresentam dificuldades específicas em matemática.

c) Limite - Quando apresenta lesão neurológica, gerando algum déficit intelectual.13

Em relação aos fatores neurológicos, a discalculia deve ser considerada em três graus distintos, como já explicado anteriormente. No fator linguístico a compreensão da matemática só acontece com a assimilação da linguagem, ou seja, se o aluno apresentar algum problema na linguagem apresentará deficiência na elaboração do pensamento. Na psicológica as conclusões demonstram que indivíduos com alterações psíquicas têm maior propensão a apresentar problemas de aprendizagem, pois aspectos emocionais interferem na memória, percepção e atenção. Na genética a determinação de um gene que é responsável pela transmissão desse transtorno ao nível de cálculos e, finalmente, na área pedagógica tais dificuldades estão diretamente relacionadas aos métodos de ensino inapropriados e na inadaptação escolar e ainda podemos acrescentar na falta de conhecimento do professor.

A discalculia tem sido investigada em diversos contextos por pesquisadores e cientistas que procuram compreender essa perturbação. A discalculia está associada a lesões supramarginais e aos giros angulares na junção entre os lóbulos temporal e parietal do córtex cerebral14.

As áreas mais afetadas são as áreas terciárias do hemisfério esquerdo. Isso dificulta a leitura e a compreensão de problemas verbais e a compreensão de conceitos matemáticos.

Nas áreas secundárias occipitoparientais esquerdas, o funcionamento acontece de maneira deficitária dificultando a discriminação visual de símbolos matemáticos escritos, o lobo temporal esquerdo impede a realização matemática básica e a memorização de séries.

Para melhor compreensão, essas partes do cérebro estão representadas na Figura 1.

 

 

Wajnsztejn & Castro15 afirmam que no transtorno da discalculia alguns processos cognitivos podem ser afetados, tais como, a memória de trabalho, velocidade de processamento de informações, habilidades visuais, psicomotoras, perceptivos táteis, linguagem matemática.

Bastos2 apresenta as funções que cada região cerebral desempenha e ao contrapor tais funções com as categorias de Kosc5 é possível sugerir algumas interseções. Tais intersecções podem ser visualizadas no Quadro 1.

Com todos esses fatores relacionados às possíveis causas da discalculia, devemos ter cautela ao diagnosticar alunos com dificuldades matemáticas, pois nem todas as dificuldades podem ser caracterizadas como sendo discalculia. Muitas dificuldades podem estar relacionadas a problemas sociais, psicológicos e causas de imaturidade; além disso, crianças que possuem alguma dificuldade matemática podem apresentar dificuldades no que diz respeito ao desenvolvimento do senso numérico, fato este que pode ser identificado desde a educação infantil.

Portanto, quando a criança tem dificuldades no senso numérico não consegue interagir de maneira significativa com os contextos que envolvem números, apresenta dificuldades de quantificar, relacionar e comparar16.

Diagnóstico

A identificação da discalculia não é um processo simples, pois ela pode estar associada a outras dificuldades de aprendizagem, que porventura esse aluno possa apresentar, como por exemplo o Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Argollo17 justifica que a definição da discalculia possui três pontos básicos para o diagnóstico, que são:

a. Um prejuízo específico das habilidades matemáticas, com preservação das habilidades cognitivas gerais.

b. Atraso para o desempenho esperado para aquela faixa etária.

c. Etiologia hereditária ou congênita que impedem o funcionamento adequado das áreas cerebrais envolvidas nas habilidades matemáticas.17

No início da década de 1990 foi criado nos Estados Unidos o Discalculia Screener, um software comercial para uso no computador que mede a precisão de resposta de alunos, de 6 a 14 anos de idade, frente à aprendizagem de conteúdos escolares. Em 1994, no Brasil foi elaborado o subteste de aritmética pela educadora Lílian Stein. Mesmo sendo um recurso psicopedagógico pouco conhecido no contexto escolar, sua utilização é de grande eficácia.

Para Bastos2, existem vários testes que são capazes de avaliar as habilidades em matemática, como a avaliação de Luria, a de Ruth Shalev e o subteste da escala Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC).

Segundo Manga & Ramos18, a Bateria de Luria - DNI (Diagnóstico Neuropsicológico Infantil) é um procedimento de avaliação e apresenta-se como um instrumento útil para o diagnóstico neuropsicológico.

Manga & Ramos18 esclarecem que o principal objetivo desse teste é possibilitar a aplicação em crianças pertencentes à faixa etária entre 7 e 10 anos.

Bastos2 afirma que não existe um teste ouro. Isso faz com que cada pesquisador faça sua própria proposta de diagnóstico.

Para Sara Paín12, o papel do educador é apenas detectar as dificuldades de aprendizagem em sala de aula, dificuldades essas que abranjam os aspectos orgânicos, neurológicos, mentais e psicológicos relacionados à problemática ambiental em que a criança vive.

Para essa autora, tal postura faz com que o encaminhamento da criança a um especialista se torne mais fácil, pois esse profissional tem maiores condições de orientar o professor como lidar com esse aluno em salas normais.

Bernardi8 enfatiza que o reconhecimento da discalculia só será possível mediante a adoção de atividades pedagógicas específicas que possam explicitar a presença de alguns desses distúrbios, sendo fundamental que o professor tenha clareza sobre como são desenvolvidas as habilidades matemáticas.

A autora ainda esclarece que o educador deve estar sempre atento ao processo de aprendizagem de seus educandos, principalmente quando a criança se mostra pouco motivada para o aprendizado, revelando uma autoimagem negativa e baixa autoestima pelo fato de cometer vários erros durante as atividades matemáticas.

Comportamentos e equívocos que aparentemente sejam banais durante a construção do conhecimento matemático podem revelar uma discalculia.

Depois de diagnosticada a discalculia, deve haver um trabalho diferenciado com esse aluno em sala de aula. É nessa perspectiva que a inserção do trabalho baseado em práticas lúdica, no caso os jogos, deve ser utilizado para possibilitar o resgate da autoestima desse aluno e, consequentemente, o prazer em aprender matemática.

Intervenção psicopedagógica baseada em práticas lúdicas

Para que a intervenção psicopedagógica seja eficiente, o trabalho do psicopedagogo primeiramente é o de orientar o professor e a família do aluno com discalculia para que possam trabalhar em conjunto.

Dessa maneira, o programa de intervenção, segundo Bastos2, deve contar com etapas e objetivos claros, hierarquizadas de acordo com as dificuldades emergenciais, pois elas darão bases à superação de outras.

Com isso, cada etapa deverá apresentar atividades que levem em conta o potencial do aluno, preservando sempre suas competências.

Bastos2 defende que o diálogo também é muito importante, pois servirá para mostrar à criança quais são suas dificuldades e o que será feito para ajudá-la. Isso dará ao pedagogo condições de saber como a criança irá se sentir em relação à intervenção.

Cecato19 esclarece que a intervenção obterá melhores resultados quando as noções de números elementares de 0 a 9 (habilidade léxica), a produção de novos números elementares (habilidades sintáxicas), noções de quantidade, ordem, distância, hierarquia, cálculos com as quatros operações e raciocínio matemático forem trabalhados primeiramente com experiências significativas, não apenas de maneira verbal.

O processo de intervenção alcançará melhores resultados quando houver a colaboração da família.

Nessa perspectiva, a utilização de jogos e brincadeiras como práticas de intervenção se torna uma ótima opção para ajudar os alunos a superarem suas dificuldades de aprendizagem e compreensão da matemática, pois os jogos e as brincadeiras têm papel fundamental na construção do conhecimento nessa área.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais20, os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, tornando os mesmos atrativos e favorecendo a criatividade na elaboração de estratégias de resolução e busca de soluções.

Os jogos estimulam o planejamento de ações, possibilitando uma atitude positiva frente aos erros. No jogo as situações se modificam rapidamente e por isso podem ser corrigidas de maneira natural durante a ação sem deixar marcas negativas.

Para Jussara Bernardi8, jogando e brincando no grupo os sujeitos vivenciam a construção do conhecimento através da interação entre os pares e os adultos, no caso o professor.

Através das atividades lúdicas, a autoestima e a autoimagem desse aluno com discalculia podem ser resgatadas, pois alunos com esse distúrbio sentem-se incapazes de aprender e possuem autoimagem negativa.

Jussara Bernardi8 defende que através dos jogos e brincadeiras durante o atendimento é possível observar o interesse de cada participante pela atividade proposta. O brincar se torna um momento mágico, no qual as dificuldades, a frustração, o desânimo, o desinteresse e a desmotivação do não aprender são esquecidos, dando lugar à descoberta, à alegria, à tentativa, à criação, à participação, entre outros.

Uma boa opção para trabalhar com alunos discalcúlicos é a utilização de jogos de regras, pois desenvolvem o pensamento lógico e sua aplicação sistemática encaminha para dedução.

Dessa maneira, percebemos a importância da ludicidade no aprendizado dos conceitos matemáticos para alunos com discalculia, uma vez que as atividades lúdicas proporcionam momentos significativos de aprendizagem.

Existem vários jogos e brincadeiras que podem ser utilizados pelos professores em sala de aula. Alguns jogos podem ser confeccionados pelos próprios alunos com a ajuda do professor.

Entre as intervenções para ajudar alunos com dificuldades matemáticas, Corso & Dorneles16 destacam a intervenção no desenvolvimento do senso numérico. As autoras mencionam dois programas como proposta de intervenção individualizados na matemática na Educação Infantil que têm como enfoque a intervenção e a prevenção junto a crianças de primeira série com dificuldade de aprendizagem na matemática: o programa Mathematics Recovery, desenvolvido na Austrália, e o programa Numeracy Recovery, desenvolvido em Oxford. Tais programas, segundo as autoras, têm se mostrado promissores, diante de propostas adequadas às suas necessidades, os alunos com dificuldades demonstram progressos.

Nesse sentido é de extrema importância que no ensino de matemática seja dada uma maior ênfase no desenvolvimento do senso numérico. Para Corso & Dorneles16, ao possibilitar o fortalecimento do senso numérico, os professores estão favorecendo aos alunos o desenvolvimento de conhecimentos conceituais que são necessários para a resolução aritmética, ou seja, possibilitando experiências de contagem que permitam aos alunos a descoberta de relações matemáticas, relações estas fundamentais em nosso cotidiano.

Portanto, tais práticas associadas ao ensino lúdico possibilitam aos educandos avançarem em suas aprendizagens matemáticas e a superarem possíveis dificuldades nessa área.

 

MÉTODO

Para a realização desta pesquisa optou-se, primeiramente, por fazer uma revisão bibliográfica sobre o tema discalculia. Em um segundo momento, foi utilizada a pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com aplicação de questionários como instrumento para avaliar o conhecimento dos professores acerca da temática discalculia.

Participaram desse estudo 10 professores que atuavam, na época da coleta de dados, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, numa cidade do interior do Estado de São Paulo.

Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário junto aos sujeitos da pesquisa, com perguntas voltadas ao conhecimento que os docentes tinham sobre a discalculia.

Após a realização das análises dos questionários, foi possível traçar um panorama dos dados coletados e, com isso, apresentar as percepções dos professores acerca da discalculia e algumas possibilidades de estratégias pedagógicas baseadas em práticas lúdicas capazes de auxiliar professores no desenvolvimento das potencialidades do educando e na superação de dificuldades relacionadas à matemática, no que diz respeito à discalculia.

 

RESULTADOS

Participaram deste estudo 10 professores, todos do sexo feminino. Além disso, a faixa etária dos investigados está entre 29 e 58 anos e 70% deles possuem pós-graduação lato sensu, sem especificação da área.

O Gráfico 1 explicita as concepções dos professores sujeitos da pesquisa sobre discalculia.

 

 

Quanto às concepções dos professores sobre o que é discalculia, é possível destacar que a maioria, 60%, considera a discalculia como a dificuldade de realizar cálculos. 15% refere-se à discalculia como sendo uma desordem neurológica, 10% menciona a discalculia como uma dificuldade em resolver situação problema, o mesmo percentual considera a discalculia como sendo uma dificuldade matemática, enquanto que 5% relaciona a discalculia como dificuldade na aprendizagem de números.

O Gráfico 2, a seguir, mostra qual a fonte de conhecimento dos professores sobre discalculia.

 

 

Podemos observar que 40% obteve os conhecimentos em relação à discalculia na pós-graduação; 30% por meio de informações com colegas e professoras; 20% na formação inicial e o restante na Internet.

Percebe-se que 60% das respostas se referem aos cursos de pós-graduação e/ou de formação inicial. Isto é, para estar melhor preparado, o docente precisa buscar novos conhecimentos. Por outro lado, aqueles que por quaisquer motivos não fazem uma pós-graduação podem incorrer no erro de rotular esse aluno como incapaz e fracassado. E a educação continuada? Qual papel possui, pois nem foi citada nas respostas? Será que não está acontecendo a atualização didático-pedagógica dos docentes, de maneira eficiente, nas escolas?

Dessa maneira, é possível inferir que os futuros professores saem das universidades despreparados para lidar com o contexto educacional atual, e as escolas não estão oferecendo uma formação continuada condizente com a realidade em que estão inseridas.

Somente 10% das respostas reportam ao conhecimento adquirido na Internet. Isso também chama a atenção, pois é sabido que a Internet oferece muito conteúdo que pode auxiliar o docente no que diz respeito à obtenção de mais conhecimentos sobre a discalculia.

Quanto à percepção dos professores sobre a existência de casos de discalculia em suas salas, confira o Gráfico 3.

 

 

Ao serem interpelados se conheciam algum caso confirmado de discalculia, 20% dos entrevistados afirmaram que sim, sendo que 80% respondeu desconhecer.

Foi observado que 20% afirmou que existiam casos de discalculia, entretanto, comparando os dados, 85% das respostas do Gráfico 1 referem-se à discalculia como sendo apenas uma dificuldade com a matemática, em realizar cálculos, em resolver problemas, ou que tinha dificuldades com números. Dessa maneira, percebemos um equívoco entre as respostas no tocante à identificação do transtorno.

O Gráfico 4, a seguir, apresenta quais condições poderiam ser confundidas com discalculia, segundo os professores participantes da pesquisa.

 

 

Observamos aqui que, das respostas obtidas, aproximadamente cerca de 30% considera o desinteresse específico por matemática, 25% indicou que a discalculia pode ser confundida com a dificuldade na compreensão do enunciado dos problemas, enquanto 15% considerou que a discalculia pode ser confundida com a dislexia; para 15% com o déficit de atenção e os 15% restantes consideram que a discalculia pode ser confundida com outros transtornos de aprendizagem.

Para a maioria, a discalculia pode ser confundida, principalmente, com o desinteresse específico por matemática ou com dificuldade de compreensão do enunciado do problema.

Diante do exposto, consideramos que os entrevistados não possuem conhecimento teórico sobre o tema e, por isso, acreditam que a discalculia pode ser confundida com transtornos como a dislexia e o déficit de atenção, entre outros.

Dessa maneira, faz-se necessária uma maior atenção na reformulação do conteúdo programático dos cursos de pedagogia e nos cursos de educação continuada, para que esses profissionais estejam aptos a trabalhar com alunos com discalculia. Na atualidade, ocorre um desconhecimento generalizado, por parte dos educadores, sobre os distúrbios de aprendizagem, em especial, a discalculia. O Gráfico 5, a seguir, apresenta as respostas referentes ao entendimento que os entrevistados possuem sobre a causa da discalculia.

 

 

Observamos que 20% das respostas referem-se à discalculia como sendo um dano cerebral, outros 20% das respostas indicam que, para os professores, a discalculia está relacionada a problemas emocionais, 20% relaciona a discalculia a problemas sociais; 20% considera o transtorno como sendo desinteresse na matéria; 15% das respostas reportam a discalculia como sendo falta de atenção e o restante das respostas, 5%, relata que a discalculia é provocada por hereditariedade.

Em resumo, para os professores participantes da pesquisa, a discalculia está relacionada a uma dificuldade em realizar cálculos matemáticos. Os participantes também relataram, em sua maioria, terem adquirido conhecimentos sobre a discalculia em cursos de pós-graduação. Também foi possível identificarmos que os entrevistados em sua maioria relataram não terem alunos com discalculia em sua sala de aula. Além disso, percebemos que os professores consideram que a discalculia pode ser confundida com desinteresse em matemática, dificuldade na compreensão do enunciado do problema, dislexia e déficit de atenção. Portanto, os dados mostram que os professores consideram a discalculia como sendo um dano cerebral, que pode estar relacionada a problemas sociais e emocionais, ao desinteresse, falta de atenção e hereditariedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados explicitados, é possível constatar lacunas expressivas sobre o conhecimento e a compreensão do tema discalculia pelos docentes participantes do estudo.

Os resultados mostram que a maioria dos entrevistados não consegue identificar possíveis casos de discalculia e que podem confundir tais casos com simples dificuldades em matemática devido ao seu desconhecimento sobre o assunto. Além disso, os dados evidenciaram que os entrevistados se referem à discalculia como sendo um dano cerebral, problemas emocionais e sociais, desinteresse na matéria, falta de atenção e que pode ser provocada pela hereditariedade.

Podemos perceber um total desconhecimento sobre o tema em questão, o que pode levar a sérios equívocos. Observamos que é preciso uma reestruturação nos cursos de formação de professores, para que os mesmos possam ofertar uma educação de qualidade aos seus alunos.

Perante casos confirmados de discalculia, os professores podem adotar estratégias de ensino individualizadas, recorrendo muitas vezes aos jogos, pois os mesmos constituem-se como elemento psicológico fundamental para o desenvolvimento infantil.

Nessa perspectiva a utilização de jogos como estratégias de ensino aparece como uma ótima opção para ajudar os alunos a superarem suas dificuldades de aprendizagem e compreensão da matemática, pois os jogos e as brincadeiras têm papel fundamental na construção do conhecimento nessa área.

Através das atividades lúdicas, a autoestima e a autoimagem do aluno com discalculia podem ser resgatadas, sendo que a importância da ludicidade no aprendizado dos conceitos matemáticos para esses tipos de alunos pode proporcionar uma melhora no aprendizado.

Em síntese, considerando que a discalculia é um transtorno de aprendizagem que está relacionado especificamente às habilidades de matemática, que demanda um trabalho diferenciado com o aluno para que obtenha avanços na aprendizagem, ressaltamos que diante do diagnóstico de discalculia faz-se pertinente o uso de diversas estratégias baseadas no lúdico, principalmente no uso de jogos de regras, pois desenvolvem o pensamento lógico e sua aplicação sistemática encaminha para dedução. Assim, ratificamos a importância da ludicidade no aprendizado dos conceitos matemáticos para alunos com discalculia, uma vez que as atividades lúdicas proporcionam momentos significativos de aprendizagem.

Buscou-se, nesta pesquisa, contribuir para entender o que pensa e sabe o professor sobre o tema discalculia, de modo a propor uma reflexão sobre esse transtorno, bem como sobre as estratégias de intervenção pedagógica que podem ser utilizadas em sala de aula.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Edneia Felix de Matos
Fundepe - Marília
Av. Vicente Ferreira, 1346 - Cascata
Marília, SP, Brasil - CEP 17515-000
E-mail: cjneia_@hotmail.com

Artigo recebido: 19/1/2019
Aprovado: 21/1/2021

 

 

Trabalho realizado na Fundepe - Marília, Marília, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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