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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo May/Aug. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220016
ARTIGO ORIGINAL
Attentus: Aplicativo para avaliação atencional na primeira infância
Attentus: Application for attention assessment in early childhood
Leonardo Augusto Guerra d'AlmeidaI; Cláudia Patrocinio Pedroza CanalII; Jéssica Fernanda SouzaIII
IMestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Especialista em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica pela Universidade Vila Velha (UVV), Vila Velha, ES, Brasil
IIDoutora em Psicologia, Docente do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFES), Vitória, ES, Brasil
IIIPsicóloga pela UFES, Vitória, ES, Brasil
RESUMO
A atenção é um processo neuropsicológico que permite seleção e processamento ativo de parte das informações recebidas do ambiente e está em desenvolvimento desde o início da infância. Entretanto, encontramos no Brasil instrumentos psicológicos para avaliação da atenção a partir dos 6 anos. Assim, avaliou-se a atenção de crianças entre 3 e 5 anos, por meio de instrumento eletrônico Attentus, construído especificamente para esta pesquisa. Participaram 38 crianças - 10 com 3 anos, 17 com 4 anos e 11 com 5 anos. A pesquisa foi do tipo descritiva, com análise e interpretação dos dados qualitativa e quantitativa. Foram utilizados como instrumentos a Escala de Maturidade Mental Columbia (EMMC) e o instrumento Attentus, que avaliou três aspectos da atenção: vigilância, sondagem e atenção dividida. Os dados da EMMC mostraram resultados acima da média em percentil e idade mental para os três grupos de idade. A análise de todo o grupo no Attentus mostrou maiores valores nas variáveis toques, tempo médio de reação, acertos, acertos possíveis, percentual de acertos e escore na tarefa de sondagem, provavelmente por envolver busca ativa, enquanto nas variáveis omissões, erros por execução e percentual de erros os maiores valores foram na tarefa de atenção dividida, possivelmente pela dificuldade maior da tarefa. A análise por faixa etária mostrou, assim como na EMMC, aumento no escore de acordo com aumento da idade, evidenciando evolução atencional durante o desenvolvimento cognitivo. Então, foi possível avaliar e analisar aspectos atencionais, demonstrando viabilidade de trabalhos futuros com o Attentus.
Unitermos: Atenção. Pré-Escolar. Avaliação de Programas e Instrumentos de Pesquisa. Interface Usuário-Computador.
SUMMARY
Attention is a neuropsychological process that allows selection and an active processing of part of the information received from the environment and it is in development since early childhood. However, we found in Brazil psychological instruments to assess attention from the age of 6 years-old on. Thus, the attention of children between 3 and 5 years-old was evaluated using the electronic instrument Attentus, built up specifically for this research. A number of 38 children participated - 10 children aged 3 years-old, 17 aged 4 years-old, and 11 aged 5 years-old. This research was descriptive, with qualitative and quantitative data analysis and interpretation. The instruments used were Columbia Mental Maturity Scale (EMMC) and the Attentus, which evaluated three aspects of the attention: surveillance, scanning and divided attention. Data from the EMMC showed results above average in terms of percentiles and mental age for the three age groups. The analysis of the entire group in Attentus showed higher values in the variables like touches, average time of reaction, hits, possible hits, percentage of hits and score in the scanning task, probably because it involves active search. While in the variables omissions, execution errors and percentage of errors, the highest values were observed in task of divided attention, probably due to the greater difficulty of the task. The age group analysis showed, as well as in EMMC, a score increase according to an increase in age, showing an attentive evolution during cognitive development. Thus, it was possible to evaluate and analyze attentional aspects, demonstrating the feasibility of future work with Attentus.
Keywords: Attention. Preschool. Evaluation of Research Programs and Tools. User-computer interface.
Introdução
Atenção é uma das funções neuropsicológicas que desempenha importante papel nos processos cognitivos e de aprendizagem, estando relacionada com processos perceptivos, mnésicos, linguísticos, psicomotores, motivacionais e afetivos (Benczik et al., 2016).
Os processos cognitivos necessitam de um nível atencional para seleção de informações relevantes dentre as disponíveis no ambiente, que a todo instante competem pelo foco atencional. Portanto, a capacidade em sustentar a atenção, focalizar e selecionar determinados estímulos, em meio a vários estímulos ambientais disponíveis, torna-se um preciso recurso cognitivo, principalmente, para consolidação da aprendizagem (Benczik et al., 2016; Sternberg, 2010).
Os processos atencionais caracterizam-se por incluir habilidades para adquirir prioritariamente informações pertinentes, categorizando-as e interagindo com a memória ou, até mesmo, com a memória de trabalho, facilitando a rápida evocação e armazenamento do conteúdo manipulado mentalmente durante o pensamento e ao longo da aprendizagem (Alloway, 2007; Benczik et al., 2016; Lezak et al., 2012; Sternberg, 2010).
Quando se realiza alguma atividade cognitivo atencional, inclusive alguns afazeres que necessitam estar atento, incluem-se também funções executivas e psicomotoras, aprimoradas desde a infância, para a emissão de respostas rapidamente adequadas em relação à demanda que determinada atividade exige (Benczik et al., 2016; Fonseca, 2008; Lezak et al., 2012; Sternberg, 2010).
Contudo, é importante ressaltar que a atenção pode apresentar oscilação e não é apenas uma função mental isolada, ou seja, mesmo durante o desenvolvimento típico dos processos cognitivos, a função atencional pode sofrer interferência de fatores externos e também de fatores subjetivos ou internos. A intensidade com que prestamos atenção em tudo à nossa volta ou até mesmo o próprio pensamento são influenciados, também, pelo nível de motivação, interesse e emoções (Andrade et al., 2016; Sternberg, 2010).
Entende-se, portanto, que a atenção humana é um complexo conjunto de processos neurobiológicos e psicológicos que permite a seleção, classificação e organização de informações em conjuntos e subconjuntos menores inter-relacionados, manipuláveis e significativos, permitindo que o indivíduo interaja de maneira eficiente com o ambiente. Além disso, a atenção correlaciona-se conjuntamente com as demais funções mentais superiores e com fatores afetivos-motivacionais, influenciando na adequação cognitiva que é observável na eficiência e na qualidade de execução das atividades cotidianas (Alloway, 2007; Benczik et al., 2016; Lezak et al., 2012; Sternberg, 2010).
Em contrapartida, a desatenção também pode aparecer em diferentes tarefas diárias ou quadros psicológicos e, para sua identificação, é necessária e importante uma avaliação neuropsicológica que contemple informações relevantes, incluindo tanto questões objetivas quanto subjetivas, em um processo diagnóstico diferencial (Benczik et al., 2016; Lezak et al., 2012).
Ademais, considera-se relevante a observação de fatores de risco que influenciam o funcionamento atencional: baixo peso do nascituro, problemas sensório-motores, fatores genéticos e alterações significativas no Sistema Nervoso Central (SNC), transtornos invasivos do desenvolvimento, além da observação de condições familiares, psicossociais, pedagógicas e psiquiátricas (Andrade et al., 2016; Fonseca, 2008).
Observam-se também diversas metodologias nas técnicas interventivas dos diversos profissionais da área da saúde para abordagem dos transtornos atencionais, que vão desde terapêutica medicamentosa ou farmacoterapêutica até intervenções psicoeducacionais e reabilitação cognitiva, dentre outras (Simões, 2014).
Outro ponto importante é a estreita relação entre atenção, funções executivas e desempenho escolar. Estudos neuropsicológicos demonstram que funções mentais como atenção, memória de trabalho, velocidade de processamento podem estar prejudicadas nos quadros de déficits atencionais que desencadeiam dificuldades de aprendizagem, dentre outras situações (Andrade et al., 2016; McCabe et al., 2010; Utsumi et al., 2014).
Já as tarefas mais complexas de atenção envolvem adaptação e funções executivas como habilidades motoras finas e repetitivas, respostas rápidas, coordenação visuomotora, flexibilidade cognitiva e planejamento. O desempenho atencional depende também da rapidez e precisão na velocidade de execução das tarefas, mesmo as mais exigentes. Logo, é importante sempre averiguar a acuidade visual e a coordenação motora, pois desde que exista visão e movimentos finos mínimos para detalhes, os resultados serão pertinentes, dirimindo dúvidas durante uma avaliação clínica, ainda que alguns componentes das funções executivas como a flexibilidade cognitiva e o planejamento amadureçam de maneira mais lenta em relação às demais funções cognitivas (Benczik et al., 2016; Fonseca et al., 2015; Lezak et al., 2012).
A avaliação neuropsicológica auxilia de forma significativa no diagnóstico do paciente, pois visa mapear as funcionalidades cognitivas. Este processo clínico possibilita entender a natureza ou origem das dificuldades vivenciadas pelo sujeito, além de indicar o grau destas dificuldades apresentadas pelo paciente, possibilitando o planejamento de intervenções mais diretivas e eficazes, para cada caso, confirmando ou refutando hipóteses diagnósticas (Benczik et al., 2016; Lezak et al., 2012).
No processo de avaliação da atenção em crianças menores, a preferência por modalidades de sistemas visuais de avaliação da atenção ocorre devido à própria evolução da atenção como função mental integrante ao processo cognitivo, durante o desenvolvimento humano. Determinados aspectos atencionais estão presentes desde o nascimento desenvolvendo-se em diferentes períodos, sendo que porções nervosas do sistema visual apresentam intenso desenvolvimento nos primeiros 12 meses de vida. Com um mês de idade, as camadas mais profundas do córtex se desenvolveram o suficiente para completar a via inibitória que permite fixação visual contínua e predominância visual (Nahas & Xavier, 2015a, 2015b).
Estudos e experimentos sobre o neurodesenvolvimento da atenção em crianças têm seguido a mesma abordagem adotada para adultos. Porém, existe forte tendência de investigação da modalidade visual que rapidamente se desenvolve, apesar da atenção envolver mais de uma modalidade, como a auditiva. Logo, a maioria dos testes psicológicos e, especificamente, os atencionais são visuais e executivos e, talvez, por esse desenvolvimento visual precoce, exista maior facilidade para emissão de respostas mais adequadas em testes atencionais não verbais, sem que sejam necessárias explicações complexas do ocorrido, após as tarefas ou em relação às escolhas (Coutinho et al., 2009; Nahas & Xavier, 2015a, 2015b).
Dentre as medidas executivo-cognitivas e atencionais em crianças no início da escolarização formal, que podem estar deficitárias, encontram-se o planejamento, a capacidade de decisões estratégicas, a resolução de situações problemas e a atenção global (Seabra & Dias, 2010; Utsumi et al., 2014).
Diversas classificações são propostas para o processo de atenção e dentre elas algumas bastante difundidas cientificamente subdividem-se em vigilância, sondagem, atenção seletiva, alternada, dividida e sustentada. A vigilância diz respeito à capacidade de manter o foco atencional em um determinado campo de estimulação, durante um período prolongado, com o objetivo de detectar um sinal muito específico, quando e se este aparecer. A sondagem consiste na procura ativa de algo, ou seja, uma busca detalhada de todo do ambiente. A atenção seletiva permite a busca de estímulos específicos ignorando os não relevantes; a alternada evidencia a capacidade de mudar o foco da atenção, quando necessário, para estímulos alvo, além de envolver a memória de trabalho e o controle inibitório. Já a atenção dividida demonstra a capacidade de compartilhamento atencional entre estímulos preferenciais, ao mesmo tempo, com a realização de duas ou mais tarefas simultâneas. Finalmente, a atenção sustentada é a capacidade de manter-se atento ou focado durante o tempo de realização da atividade (Coutinho et al., 2009; Miotto et al., 2012; Seabra & Dias, 2010; Sternberg, 2010).
Na criança pequena, os atos e estruturas anatômicas que envolvem funções cognitivas estão em desenvolvimento, juntamente com o esforço da sustentação da atenção e do foco ativo. Na falta de interesse ou motivação o esforço é considerado um dos principais pontos para a manutenção dos processos atencionais (Lezak et al., 2012; Wallon, 2007).
Apesar de o desenvolvimento do processo atencional ocorrer desde a primeira infância, os instrumentos psicológicos presentes no Brasil para essa avaliação são indicados para crianças a partir de 6 anos (Carreiro & Teixeira, 2012).
Neste sentido, existe carência para avaliação atencional na primeira infância, talvez explicada pela própria dificuldade em construir instrumentos com elementos adequados que despertem o interesse ou motivação para que as crianças pequenas realizem a tarefa, apenas esforçando-se para executar o exercício, por vezes, desmotivador, seguindo regras a pedido do avaliador.
No campo da avaliação psicológica, a utilização de testes computadorizados tem se tornado uma realidade e, mais do que isso, tem se tornado viável, com tecnologias cada vez mais funcionais. Sabendo que as tecnologias computadorizadas estão cada vez mais presentes e inseridas na vida das pessoas, tornando-se parte do seu ambiente vivencial, surge a proposta de inserir tal tecnologia no contexto de avaliação psicológica. Assim, busca-se proporcionar um ambiente lúdico que seja atraente e envolvente para crianças, mostrando-se viável, principalmente, para utilização no decorrer de uma avaliação psicológica infantil (Ramos & Rocha, 2016; Rossetti et al., 2014).
Tais pesquisas tornam-se relevantes para inserção de novas tecnologias dentro da própria Psicologia, construindo inclusive possibilidade para análise das funções atencionais e executivas na infância. Essas informações advindas de instrumentos em novas tecnologias podem agregar valor ao diagnóstico e prognóstico de condições desenvolvimentais (Ramos & Rocha, 2016).
O processo de construção de um novo instrumento justifica-se pela inexistência de outros disponíveis e adequados para avaliação pretendida, além de considerar, a partir da Psicologia do Desenvolvimento, perspectiva que nos orienta, particularidades do período de desenvolvimento para o qual está sendo desenvolvido (Pacico, 2015); por exemplo, em nosso caso, o ambiente lúdico, típico interesse de crianças menores. Além disso, deve-se observar a validade do instrumento, ou seja, se as evidências que ele apresenta são indicadores para a variável a que se propõe avaliar. Um dos tipos de validade, interesse desse estudo, refere-se à validade de desenvolvimento, que mostra o amadurecimento das capacidades cognitivas com a idade. Para análise da validade de um instrumento, pode ser utilizado como um dos métodos a verificação de relação do construto com outras variáveis externas, avaliada pela medida de algum critério que o teste deverá predizer (Pacico et al., 2015).
Portanto, buscando contribuir para a avaliação atencional de crianças pequenas e considerando a importância do uso de novas tecnologias nesse processo, o presente trabalho avaliou a atenção de crianças entre 3 e 5 anos, por meio de instrumento eletrônico Attentus, criado especificamente para esta pesquisa.
Método
Tipo de pesquisa
Para atender o objetivo, foi realizada uma pesquisa descritiva, com análise e interpretação dos dados tanto quantitativa como qualitativa.
Participantes
Participaram 38 crianças, sendo 10 com 3 anos, 17 com 4 anos e 11 com 5 anos, todas estudantes regulares de duas escolas de Educação Infantil na Grande Vitória-ES. Entre essas crianças, 18 eram meninas e 32 estudavam em instituição pública de ensino.
Em relação às escolas nas quais ocorreu a coleta de dados, uma era pública, somente de Educação Infantil e considerada referência de qualidade na rede municipal, situada em bairro socioeconomicamente favorecido, com estudantes principalmente dessa região. Já a outra escola era particular, com ensino desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental, situada em bairro de classe popular e atendendo às crianças desse local.
Foram critérios de inclusão para participação na pesquisa a criança querer participar das atividades ou não manifestar desinteresse e não estar enferma durante a realização das atividades.
Instrumentos
1. Escala de Maturidade Mental Colúmbia (EMMC) (Burgemeister et al., 2011): instrumento de aplicação não verbal, padronizado para a população brasileira na faixa etária de 3 anos e 6 meses até 9 anos e 11 meses, composto por 92 itens organizados em oito escalas ou níveis de dificuldade sobrepostos, que resulta em uma estimativa cognitiva do desempenho da criança em relação à maturidade mental. Apesar de a EMMC ser um instrumento psicológico voltado para avaliação da estimativa de raciocínio geral da criança, é importante analisá-lo conjuntamente com os dados do instrumento de avaliação atencional proposto na pesquisa visto este ser inédito, sendo a atenção processo fundamental na cognição humana e, ainda, a inexistência de outros instrumentos para avaliação atencional na faixa etária dos participantes da pesquisa. Dessa maneira, considerando o procedimento de aferição da validade de um novo instrumento por meio da verificação de relações com outras variáveis externas, é importante relacioná-las com a medida de algum critério que o instrumento deverá predizer (Pacico et al., 2015)., no caso a atenção antecipando o funcionamento cognitivo, então, a EMMC foi importante na pesquisa com o Attentus.
2. Attentus: aplicativo para uso em tablet, desenvolvido pelo primeiro autor durante seus estudos de mestrado com objetivo de avaliar a atenção em crianças de 3 a 5 anos. É constituído de tela inicial e três tarefas computadorizadas: 1- Vigilância; 2- Sondagem; 3- Atenção Dividida (Figura 1). As tarefas possuem tempo de execução de 120 segundos cada uma, totalizando seis minutos de aplicação.
Na tela inicial, por meio do menu opções, o examinador pode escolher se as tarefas serão realizadas de forma pré-determinada ou aleatoriamente, além de selecionar uma, duas ou três das atividades (vigilância, sondagem e atenção dividida), de acordo com o objetivo da avaliação. Após a seleção da tarefa a ser executada, é solicitado que se preencha um campo com nome, idade e o sexo do participante, bem como dos seus responsáveis, para que seja realizada a análise individual de resultados posteriormente. Para treino e familiarização do participante com a atividade, é possível, ainda, deixar o aplicativo executando sem que ocorram registros, por meio da configuração do modo ajuda.
Os registros do desempenho da criança são efetuados apenas na área de interação, que equivale ao fundo do aplicativo no qual os estímulos estão dispostos e as interações são registradas somente no tempo determinado de cada tarefa, gerando um banco de dados analítico.
Os estímulos foram projetados e desenvolvidos para serem lúdicos e atender critérios de familiaridade para as crianças como: cores, formas e tamanho. Dessa maneira, optou-se por inserir estímulos em que as crianças possivelmente já teriam tido algum tipo de contato como: uma meia-lua, uma estrela, um sol e um planeta. A meia-lua é o único elemento que difere no sentido de apresentação da figura, no caso, ora voltada para esquerda ora voltada para direita. O Attentus é organizado em três tarefas para avaliação da atenção:
1) Tarefa vigilância: a vigilância corresponde à capacidade de manter o foco de atenção em um determinado campo de estimulação, durante um período prolongado, com intuito de detectar um estímulo-alvo ou a ocorrência de um sinal específico (Sternberg, 2010). Dessa forma, a criança fica à espera de estímulos que aparecerão na tela do tablet. Ela deverá selecionar os estímulos iguais ao do sinalizador fixado na parte superior da tela. Os estímulos aparecem de baixo para cima e desaparecem na parte superior da tela, permanecendo em média dez segundos na área de visão/interação.
2) Tarefa Sondagem: a sondagem está relacionada a uma busca atenta de estímulo alvo no ambiente, em meio a quantidades maiores de estímulos distratores (Sternberg, 2010). Assim, nessa tarefa, a criança deverá realizar procura ativa de um determinado estímulo-alvo, observando o sinalizador que é o estímulo-alvo fixado na parte superior da tela, em meio a outros estímulos distratores, fazendo uma sondagem visual. Em outras palavras, se o sinalizador for, por exemplo, a estrela, a criança deve achá-la em meio a vários sóis, meias-luas e planetas.
3) Tarefa atenção dividida: Tal componente do processo atencional diz respeito à capacidade de execução de duas ou mais tarefas distintas ao mesmo tempo que, através de treino, pode-se automatizar a habilidade executiva em realizá-las, consumindo menos recursos atencionais (Sternberg, 2010). Desse modo, a terceira tarefa é a realização da primeira e segunda tarefas de forma simultânea, onde a criança deverá realizar a busca pelos estímulos-alvos de acordo com o único sinalizador que aparece fixo na parte superior da tela. A tela é apresentada dividida ao meio, sendo que do lado esquerdo ocorre a vigilância e do lado direito, a sondagem.
Procedimentos e aspectos éticos
A pesquisa foi iniciada após avaliação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Posteriormente, foi realizado contato com as escolas de Educação Infantil para explicar os procedimentos da pesquisa e solicitar autorização para realizá-la. Após autorização, os responsáveis pelas crianças foram informados sobre a pesquisa e, quando autorizaram, as crianças foram convidadas a participar, em ambiente físico disponibilizado pelas instituições de ensino. Cada criança respondeu em um encontro aos dois instrumentos e toda coleta de dados durou dois meses.
Inicialmente, as crianças responderam a EMMC de acordo com as instruções padronizadas encontradas no manual da escala (Burgemeister et al., 2011). A EMMC é dividida em categorias e os itens são aplicados conforme a idade da criança e dessa forma cada participante respondeu ao grupo de itens referente a sua idade. Posteriormente, a aplicação do Attentus ocorreu da seguinte forma: 1. Apresentação do tablet para manipulação do mesmo; 2. Brincadeira com o tablet para familiarização; 3. Realização do Attentus em modo ajuda para entendimento de regras e para percebê-lo como atividade lúdica e motivacional, reforçado pelo próprio equipamento eletrônico; 4. Aplicação individual do Attentus com as seguintes instruções para cada tarefa:
Primeira tarefa: "Existe um desenho fixo/parado na parte de cima da tela (apontar o desenho). Durante algum tempo aparecerão, de baixo para cima, vários desenhos. É preciso que, rapidamente, você toque no desenho que é igual ao que está parado no alto da tela."
Segunda tarefa: "Existe um desenho fixo/parado na parte de cima da tela (apontar o desenho). Agora, o objetivo é achar esse desenho no meio de outros. Você deve tocar, rapidamente, no desenho igual ao que está acima na tela."
Terceira tarefa: "Agora as tarefas estarão juntas na tela, e o desenho ainda acima. Você deve novamente encontrar desenhos iguais e clicar nele."
Análise de dados
Os itens respondidos pelas crianças na EMMC foram corrigidos conforme especificação do manual do instrumento (Burgemeister et al., 2011), avaliando-se o número de acertos dentro do intervalo de itens respondidos. Assim, o desempenho das crianças foi avaliado conforme critérios de interpretação do teste para população brasileira e os dados analisados nessa pesquisa foram: percentil e índice de maturidade mental.
Para avaliar o desempenho das crianças nas tarefas do Attentus, foram utilizados nessa pesquisa os seguintes indicadores:
1. Toques - Quantidade de toques na tela na interação do participante com o instrumento em cada fase do Attentus;
2. Tempo Médio de Reação - Consiste no tempo médio de reação do participante em relação ao aparecimento do estímulo-alvo na tela e toque. O cálculo é feito a partir da média aritmética da diferença de tempo entre o momento do toque (tempo final) e aparição do estímulo alvo (tempo inicial);
3. Acertos - Quantidade de toques/interações corretos (no estímulo alvo) durante o período disponibilizado para jogo (120s);
4. Omissões - Consiste nos estímulos-alvos que foram ignorados pelo usuário. É o "não toque" do usuário ou ausência de interação correta;
5. Acertos possíveis - Quantidade de acertos que foram disponibilizados pelo sistema durante a atividade. Como a tarefa é limitada por tempo (120s), implica na quantidade de itens disponibilizados serem diferentes para cada participante, em função da velocidade de execução. A quantidade de acertos possíveis pode ser contabilizada pela quantidade de acertos que o usuário obteve somada à quantidade de suas omissões;
6. Erros por execução - São as interações (toques) nos estímulos diferentes do sinalizador apontado pelo aplicativo. Quando o erro ocorreu no estímulo-alvo referente às luas, optando-se pela lua em direção oposta à apresentada, foi registrado o subtipo erros por posição;
7. Total de erros - Trata-se da soma dos erros por execução e de omissões obtidos durante o jogo;
8. Percentual de acertos - %Acertos = [Acertos] / [Acertos Possíveis] x 100. Consiste na relação entre os acertos que o participante obteve em razão dos acertos que seriam possíveis obterem;
9. Percentual de erros - %Erros = [Total de erros] / [Acertos Possíveis] x 100. Consiste na relação entre o total de erros (erros por execução + omissões) com os acertos possíveis;
10. Escore Percentual - Escore = ([Acertos] - [Total de erros]) / [Acertos possíveis]. Refere-se à pontuação derivada da quantidade de acertos, do total de erros e de acertos possíveis. Optou-se por não utilizar a forma tradicional de escore, pela diferença entre acertos e erros mais omissões, devido ao fato de a quantidade de itens a ser disponibilizada para cada usuário não estar pré-definida e/ou fixa, variando então de acordo com a velocidade de execução individual.
Os dados numéricos da EMMC e do Attentus foram analisados por estatística descritiva, pelo cálculo de média, mediana e desvio padrão de cada variável para o grupo de todas as crianças (n=38) e para cada subgrupo etário (3 anos, n=10, 4 anos, n=17 e 5 anos, n=11). Estes cálculos foram realizados para cada uma das três tarefas do Attentus: vigilância, sondagem e tarefa dividida.
Resultados e Discussão
Os participantes apresentaram altos valores de percentis na EMMC, constituindo-se como resultados médio superiores, estando acima do esperado para sua faixa etária (Burgemeister et al., 2011). Estudo de propriedades psicométricas e função executiva em pré-escolares de desenvolvimento típico mostrou nível dos participantes como médio e médio superior na EMMC, assim como os resultados apresentados nesta pesquisa (Natale et al., 2008).
A Figura 2 apresenta as médias de percentis e idade mental das crianças de acordo com cada grupo de idade dos participantes da pesquisa.
Como é possível observar, no grupo de 3 anos o percentil médio é superior a 85%, enquanto nos demais é superior a 90%. Ainda, em relação à idade mental, os três grupos apresentaram idade superior à sua idade real, com maior variação positiva entre as crianças de 4 anos (3,2 anos a mais). Tal dado indicador de idade mental acima da idade real para os participantes colabora para uma expectativa de adequada capacidade atencional dessas crianças, considerando que tal função é integrante da cognição (Alloway, 2007; Lezak et al., 2012; Sternberg, 2010).
Em relação ao Attentus, considerando os dados de todo o grupo (n=38), as médias das variáveis analisadas nas três tarefas atencionais mostraram que: a) Toques, tempo médio de reação (TMR), acertos possíveis, acertos, percentual de acertos e escore foram maiores na tarefa de sondagem; b) omissões, erros por execução, erros por posição, e percentual de erros foram maiores na tarefa de atenção dividida (Figura 3). Provavelmente, tais resultados ocorreram porque na sondagem, ao realizar uma busca visual ativa, o participante gerou mais interações com o aplicativo, medida pelo maior número de toques. Já a tarefa de atenção dividida, por envolver as duas atividades anteriores, implicou maior grau de complexidade, o que acarretou maior valor nas variáveis relacionadas a erros e omissões (Andrade et al., 2016; Coutinho et al., 2007; Ramos & Rocha, 2016; Rueda, 2011).
Para analisar os resultados considerando as idades dos participantes da pesquisa, apresenta-se na Figura 4 a média dos escores por cada faixa etária das crianças nas três tarefas do aplicativo Attentus.
Os resultados nas três tarefas (vigilância, sondagem, atenção dividida) mostraram que houve crescimento do escore obtido de acordo com o aumento da idade, indicando melhor desempenho para as crianças de 5 anos. A teoria de validade relativa ao desenvolvimento sustenta que o instrumento tendo um construto de validade adequado, consequentemente, os resultados também deverão aumentar com a idade ou ao longo do desenvolvimento humano, mais especificamente, o próprio desenvolvimento infantil, que apresenta evoluções mais evidentes (Benczik et al., 2016; Pacico et al., 2015). Assim, ao obter-se escores indicando tendências atencionais evolutivas de acordo com a idade, reforça-se a hipótese no sentido de apontarem para um construto atencional válido, em relação aos processos atencionais e à atenção global.
Considerações
Entende-se que a atenção se desenvolve durante o ciclo vital, portanto, o acompanhamento de tal processo faz-se necessário desde a primeira infância, para que, se necessário, intervenção cognitiva seja realizada a fim de que no curso do desenvolvimento eventuais dificuldades atencionais não interfiram de maneira acentuada ou causem tantos prejuízos para as vivências do indivíduo (Benczik et al., 2016; Sternberg, 2010).
A adequada avaliação das funções cognitivas é importante não só para o diagnóstico ou identificação de áreas prejudicadas, como também à orientação subsequente dos profissionais que de alguma forma estão envolvidos na intervenção com o indivíduo. Assim, estudos que investiguem evidências de validade de instrumentos de avaliação da atenção podem contribuir oferecendo mensuração válida e confiável para evidências clínicas ou hipóteses diagnósticas (Carreiro & Teixeira, 2012; Simões, 2014).
Logo, o instrumento aqui apresentado teve como intuito agregar valor e conhecimentos mais refinados e relevantes para a observação ou análise atencional precoce, em idades para as quais se identificou não existirem instrumentos propostos no Brasil. Mesmo as crianças sem quaisquer dificuldades atencionais podem utilizar-se da qualidade eletrônica e adaptativa do aplicativo para brincarem e, por ser informatizado, diminui de modo significativo problemas corriqueiramente observados em relação à administração e correção de testes de atenção (Duchesne & Mattos, 1997).
Futuras pesquisas envolvendo a validação e padronização do instrumento serão importantes para contribuir no campo da avaliação atencional de crianças menores. Cabe ressaltar que qualquer instrumento de avaliação de função cognitiva não representa um exame ou diagnóstico completo, mas deve integrar-se aos demais exames, técnicas e métodos existentes.
O desenvolvimento do Attentus e sua aplicação evidenciaram a evolução atencional em crianças pequenas. Logo, foi possível a partir da aplicação do instrumento computadorizado avaliar/analisar aspectos atencionais demonstrando viabilidade de trabalhos futuros utilizando-se este instrumento eletrônico, além da construção e implementação de novas tecnologias no campo da Psicologia.
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Endereço para correspondência:
Cláudia Patrocinio Pedroza Canal
Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras
Vitória, ES, Brasil - CEP 29075-910
E-mail: claudia.pedroza@ufes.br
Artigo recebido: 11/10/2021
Aprovado: 30/5/2022
Agradecimentos
À CAPES pela bolsa de mestrado ao primeiro autor e à Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, por bolsa de Iniciação Científica à terceira autora. À FAPES e ao CNPq por auxílio por meio do edital FAPES e CNPq - Edital FAPES/CNPq Nº04/2017.
Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.