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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.20 no.2 São Paulo Aug. 2010

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Aprendizagem motora em crianças com paralisia cerebral

 

 

Carlos Bandeira de Mello MonteiroI; Cristiane Matsumoto JakabiII; Gisele Carla dos Santos PalmaII; Camila Torriani-PasinIII; Cassio de Miranda Meira JuniorI

IDoutores pela Universidade de São Paulo e Professores do curso de Ciências da Atividade Física da Universidade de São Paulo (EACH-USP).
IIGraduadas em Fisioterapia pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
IIIDoutora pela Universidade de São Paulo e professora na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP).

correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a Paralisia Cerebral (PC) tem como característica causar alterações na postura e movimento que dificultam a realização de atividades funcionais. Diante das dificuldades motoras, a reabilitação torna-se essencial e tem como uma opção basear-se na aprendizagem motora. Porém, é importante a investigação do processo de aprendizagem motora em indivíduos com PC para viabilizar a organização de programas de tratamento mais efetivos.
OBJETIVO:
analisar o processo de aprendizagem motora em crianças com PC.
MÉTODO:
Para a realização deste trabalho utilizou-se um grupo experimental (GE) e um grupo controle (GC) ambos formados por 4 crianças pareadas em relação ao gênero (um do gênero feminino e três do gênero masculino) e idade (entre sete e doze anos). A tarefa consistia em realizar um caminho em um labirinto, no menor tempo possível. O trabalho consistiu de duas fases, sendo inicialmente a fase de aquisição (AQ) e depois as transferências (Imediata-TI; Curto Prazo-TC e Longo Prazo-TL).
RESULTADO:
Verificou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre a AQ e as transferências avaliadas com os valores a seguir: TI (z = -1,83 e p = 0,07), TC (z = -1,83 e p = 0,07) e a TL [GE (z = -1,83 e p = 0,07) e GC (z = -1,46 e p = 0,14)].
CONCLUSÃO: No processo de aprendizagem da tarefa de labirinto, analisando-se os resultados entre as fases de AQ e Transferência não se observou diferença, ou seja, os indivíduos com PC mostraram capacidade de aprendizagem preservada por meio da adaptação da tarefa, fato este que ocorreu de forma equivalente aos indivíduos sem paralisia cerebral.

Palavras-chave: paralisia cerebral; aprendizagem em labirinto; criança.


 

 

INTRODUÇÃO

A Paralisia Cerebral (PC) pode ser definida como uma desordem da postura e do movimento, persistente, porém não imutável causada por lesão no Sistema Nervoso Central (SNC) em desenvolvimento, antes, durante o nascimento ou nos primeiros meses da infância1,2. Stokes2 cita que os distúrbios de postura e movimento podem ser definidos como a falta de capacidade do corpo em enfrentar com eficiência os efeitos da gravidade e de relacionar-se com a superfície da terra por meio da base de apoio. Desta forma, a PC causa dificuldades variáveis na coordenação da ação muscular, com resultante incapacidade da criança em manter posturas e realizar movimentos normais1,3-7. Neste sentido, os indivíduos apresentam alterações motoras complexas sendo que os déficits primários descritos por Papavasiliou8 são: tônus muscular anormal influenciando a postura e movimento; alteração do balance e coordenação; diminuição de força; perda do controle motor seletivo com problemas secundários de contraturas e deformidades ósseas.

Considerando-se as alterações apresentadas e a dificuldade em realizar alinhamento e retificação de posturas que permitam vivenciar suas atividades diárias, é fundamental para o indivíduo com PC a inclusão em programas de habilitação e reabilitação contínuos, os quais podem interferir de forma significativa na interação da criança em contextos relevantes. Deste modo, é possível influenciar no desempenho não só de marcos motores básicos (rolar, sentar, engatinhar e andar), mas também de atividades da rotina diária, como tomar banho, alimentar-se, vestir-se, locomover-se em ambientes variados, entre outras. Devido à insuficiência de respostas sobre benefícios de programa de reabilitação na melhora do indivíduo com PC8 e ao aumento de interesse pela função motora9,10, o fisioterapeuta e outros profissionais da saúde que trabalham com PC podem aplicar os conhecimentos advindos da aprendizagem motora para organizar um programa de tratamento baseado em evidências científicas provenientes desta área básica de conhecimento8.

Como fenômeno, a aprendizagem motora pode ser definida como a capacidade do indivíduo em desempenhar uma habilidade motora induzindo uma melhora relativamente permanente no desempenho, devido à prática ou à experiência11,12. Em outras palavras, é o processo ao longo do qual as habilidades tornam-se facilmente desempenhadas com auxílio de prática e de informação13-15. Durante a prática de aquisição da habilidade, o aprendiz necessita executar tentativas para alcançar um desempenho critério ou estabilizar um comportamento11,13.

Ao longo desse processo, ocorre a seleção entre os sistemas de memória que permitem a aquisição de alguns aspectos mais relevantes para a cognição, emoção e atenção16, bem como a aquisição de estruturas cognitivas, tais como programas ou planos de ação11, esquemas17 ou traços18, ou a formação de sinergias neuromusculares complexas19, dependendo de qual arcabouço teórico é escolhido para dar suporte aos conhecimentos relativos à aprendizagem.

Retenção e transferência são outros dois conceitos cruciais no processo de aprendizagem motora13,17,20. São formas de observação e testagem da aprendizagem (vista como fenômeno) que medem, respectivamente: o grau de permanência do que foi adquirido após um período sem prática (retenção) e a capacidade de adequação de um comportamento motor praticado em um contexto diferente, mediante alteração na tarefa motora (transferência).

Assim, para verificar se a aprendizagem ocorreu com solidez, mais do que comparar o desempenho na fase inicial em relação à fase final de aquisição, é necessário recorrer ao desempenho em testes de aprendizagem, isto é, de retenção e/ou de transferência21-24. Diante do exposto, é fundamental que o profissional que atua com o indivíduo com PC utilize instrumentos de fácil aplicação e que permitam analisar os fatores que interferem nas fases de aquisição, retenção e transferência de habilidades motoras25. Uma tarefa que permite avaliar diversos aspectos neuropsicológicos de planejamento, execução, organização espacial e memória implícita e que envolve a operacionalização da intenção de movimentar-se para alcançar um objetivo - e o planejamento desta ação - é a tarefa de labirinto. Esta consiste em realizar no computador um caminho, no menor tempo possível, em um labirinto com uma entrada e uma saída e um único caminho a ser percorrido. Sendo assim, a estabilização do desempenho pode indicar a utilização de estratégias cognitivas e formação de um programa de ação, os quais poderão ser testados na transferência25.

Souza et al (2006)25 afirmam que a tarefa do labirinto pode ser aplicada na avaliação diagnóstica de indivíduos com alterações no controle e na aprendizagem motora, a fim de identificar que aspectos estão comprometidos durante a execução de uma tarefa motora: processamento da informação e planejamento estratégico (número de erros), função executiva (tempo de execução da tarefa), aprendizagem (estabilização do desempenho) e memória espacial (manutenção do desempenho após tarefa distratora e intervalo de retenção). Além disso, tarefas de labirintos têm a vantagem de poderem ser adaptadas para um número diverso de sujeitos, na medida em que requerem habilidades motoras básicas, podendo ser aplicadas em crianças, idosos e pessoas acometidas por alterações neurológicas25.

Assim, o objetivo é verificar o processo de aprendizagem motora da tarefa de labirinto de crianças com PC em comparação a crianças sem alterações da postura e movimento, da mesma faixa etária. O conhecimento mais aprofundado acerca do processo de aprendizagem de uma habilidade motora em indivíduos com PC pode contribuir significativamente para a organização adequada e efetiva de programas de tratamento para essa população.

 

MÉTODO

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para análise de Projetos de Pesquisa da Universidade Cidade de São Paulo sob protocolo CEP número 13364889 e desenvolvido mediante assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo (a) responsável legal dos participantes.

O grupo experimental (GE) foi formado por 4 (quatro) indivíduos com PC residentes na região metropolitana de São Paulo e que frequentavam a Clínica de Fisioterapia do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). O grupo controle (GC) foi formado por 4 (quatro) crianças sem alterações da postura e movimento. Os grupos foram pareados em relação a gênero (um do gênero feminino e três do gênero masculino) e idade (entre sete e doze anos).

Os critérios de inclusão para a participação do estudo foram: aceite de participação no trabalho por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido realizado por um dos responsáveis pelo paciente, diagnóstico médico de PC e alterações motoras que caracterizam indivíduos com diparesia espástica (alterações motoras mais evidentes em membros inferiores). Somente participaram desta pesquisa indivíduos com nível II, segundo o Gross Motor Function Classification System (GMFCS), desenvolvido por Palisano et al. (1997)26. Este sistema classifica crianças com PC em cinco níveis de acordo com a função motora, o que significa que todos os pacientes avaliados tinham condições de andar sem dispositivos auxiliadores da mobilidade.

Para a caracterização dos indivíduos e viabilização de um grupo homogêneo utilizou-se, também, a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF)27. Gunnar e Stucki (2007)28 afirmam que a CIF é um instrumento que pode ser utilizado para caracterização de grupos em pesquisas científicas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se de um sistema de classificação útil para a organização de grupos homogêneos em pesquisas científicas, servindo como uma linguagem para a classificação da funcionalidade e capacidade. Diante disso, os indivíduos selecionados para este trabalho apresentavam a mesma característica funcional no domínio de "funções do corpo" (funções neuromusculo-esqueléticas, relacionadas ao movimento e funções mentais) e no domínio de "atividades e participação" (mobilidade, realização de tarefas, comunicação, habilidades básicas, concentração e atenção). Dessa forma, considerando-se as funções do corpo, os indivíduos avaliados apresentavam funções músculo-esqueléticas relacionadas ao tônus muscular e ao controle dos movimentos voluntários com deficiência leve (respectivamente b735.1 e b760.1) e funções mentais de orientação, intelectuais e de atenção também com deficiência leve (respectivamente b114.1, b117.1 e b140.1).

Considerando-se atividade e participação, quanto à mobilidade, os indivíduos conseguem manter-se sentado sem dificuldades (d4153.0) e apresentam dificuldade leve para pegar e manipular objetos (respectivamente: d4400.1 e d4402.1). Quanto à tarefa e demanda, não têm dificuldade para realizar uma tarefa complexa (d2101.0). No que diz respeito à comunicação, não apresentam dificuldades na recepção, produção e conversação (respectivamente: d310.0, d330.0 e d350.0). Quanto à aprendizagem e aplicação de conhecimentos, não apresentam dificuldades em habilidades básicas (d1550.0) e apresentam dificuldade leve em concentração/atenção e habilidades complexas (respectivamente: d160.1 e d1551.1).

Os critérios de exclusão foram: presença de deformidades ósteo-articulares estruturadas e realização de cirurgia ou bloqueio químico neuromuscular há menos de 6 (seis) meses em membros superiores; outras doenças associadas e indivíduos com alterações nas funções cognitivas que impedissem a colaboração e compreensão de ordens simples nas atividades propostas.

Instrumentação e delineamento

Utilizou-se como instrumento de avaliação a tarefa (ou paradigma) de labirinto que foi utilizada pela sua facilidade e adaptabilidade para analisar a aprendizagem de uma habilidade motora25. Para realização da tarefa, optou-se pelo programa desenvolvido pelo Departamento de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a apresentado por Souza et al. (2006), disponibilizado no site www.mat.ufrgs.br. Dois desenhos de labirintos com apenas um caminho correto a ser percorrido foram escolhidos; o primeiro foi utilizado na fase de aquisição (AQ) e o segundo nas fases de transferência (Transferência imediata - TI, Transferência de curto prazo - TC e Transferência de longo prazo - TL). As figuras 1 e 2 ilustram as variações da tarefa em cada fase do experimento.

 

 

 

 

O experimento consistiu de quatro fases (tabela 1). Primeiro, realizou-se o pré-teste, composto de três tentativas a fim de possibilitar ao participante o conhecimento da tarefa. Na segunda fase (Aquisição - AQ), os indivíduos praticaram 30 tentativas ao longo das quais o sujeito completou o percurso da figura 1. A terceira fase foi a TI, que consistiu em, após 5 minutos de descanso, realizar 5 tentativas utilizando o labirinto da figura 2. Na quarta fase (TC), os sujeitos repetiram a tarefa da TI depois de mais 5 minutos de descanso. A quinta e última fase foi a TL, realizada sete dias depois, na qual os indivíduos executaram a mesma tarefa da TI e da TC.

 

 

Procedimentos

As crianças foram recrutadas individualmente em sala apropriada com um computador, mesa, cadeira e a participação de um avaliador responsável pela instrução e anotação dos valores de tempo em papel, com tabela dos números das tentativas. Os valores foram marcados considerando-se o tempo total da finalização da tarefa, valor fornecido pelo próprio programa. Optou-se em utilizar a tarefa de labirinto no computador, por ser um instrumento tecnológico e facilitador para indivíduos com PC29.

Cada criança foi posicionada adequadamente, sentada à frente da tela do computador; a tarefa foi explicada concomitantemente com a apresentação do labirinto, ao longo do qual a criança deveria percorrer o caminho com o desenho (apontado na tela pelo avaliador) até a saída do labirinto identificado por um "X" (apontado na tela pelo avaliador). A criança foi instruída a executar a tarefa o mais rápido possível utilizando os botões do teclado identificados pelas setas de: acima, abaixo, lateral direita e lateral esquerda.

Os dados foram organizados em blocos (BL) de seis tentativas e analisados por meio de análises descritivas e inferenciais.

Análise dos dados

Em virtude da quantidade reduzida de observações e pela violação dos pressupostos de normalidade e igualdade de variâncias, os dados foram analisados por meio de técnicas não paramétricas. Três análises foram desenvolvidas:

1) Intragrupo de aquisição: com vista a detectar a evolução do desempenho do início para o final da aquisição, comparou-se os blocos de aquisição em cada um dos grupos separadamente, por intermédio da análise de variância de Friedman.

2) Intragrupo de transferência: comparação em cada grupo separadamente entre o último bloco de aquisição e cada uma das fases de transferência (teste de Wilcoxon).

3) Intergrupo de transferência: comparação em cada uma das três fases separadamente do desempenho do GC com o do GE (teste U de Mann-Whitney).

Para todos os testes, o nível de significância estatístico adotado foi de 5%. O programa estatístico foi o SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 13.0.

 

RESULTADOS

A seguir, os resultados serão apresentados em duas partes: caracterização da amostra e estatística dos dados.

a) Caracterização da amostra

A seguir, estão as características dos indivíduos do GE com a idade, gênero, valores do GMFCS e CIF (tabela 2).

 

 

b) Estatística dos dados

A tabela 3 mostra os resultados, em segundos, da tarefa de labirinto do GE e do GC com os valores dos seis blocos da fase de aquisição, seguidos dos valores das transferências.

 

 

b.1) Análise intragrupo de aquisição

O objetivo dessa análise foi identificar em cada um dos grupos a existência de melhora de desempenho ao longo dos seis blocos de aquisição. A Anova de Friedman demonstrou diferenças estatisticamente significativas tanto no GE (X2=12,78; p=0,026) como no GC (X2=11,72; p=0,039). A direção das diferenças pode ser identificada com a inspeção das medianas (tabela 4), que indica, em ambos os grupos, a queda do tempo para realizar a tarefa. Portanto, pode-se inferir que houve melhora significativa do desempenho do início para o final na fase de aquisição inclusive para o grupo com Paralisia Cerebral.

 

 

b.2) Análise intragrupo de transferência

As comparações entre o último bloco da aquisição com cada bloco da transferência - TI, TC e TL - foram realizadas por intermédio de três análises pareadas (BL6 X TI, BL6 X TC e BL6 X TL) de Wilcoxon. Verificou-se que não houve diferença significativa entre o BL6 e a TI para ambos os grupos (z= -1,83 e p=0,07), entre o BL6 e a TC para ambos os grupos (z= -1,83 e p=0,07) e entre o BL6 e a TL [GE (z= -1,83 e p=0,07) e GC (z=-1,46 e p=0,14)]. Assim, por não ocorrer diferença significativa, pode-se inferir que ocorreu adaptação à modificação da tarefa. Isso pode ser interpretado como refletindo que os sujeitos adquiriram a capacidade de transferir o que foi praticado na aquisição para uma situação nova, imposta pela modificação da tarefa de labirinto.

b.3) Análise intergrupo de transferência

Os testes U de Mann-Whitney, que compararam o GE e o GC em cada uma das transferências, não indicaram diferenças significativas entre os grupos na TI (z = 0 e p = 1), na TC (z = - 0,15; p = 0,88) e na TL (z = 0 e p = 1).

 

DISCUSSÃO

A pergunta de pesquisa que se apresenta neste estudo é: indivíduos com PC - que possuem alterações na postura e na capacidade de movimentação - conseguem aprender uma tarefa motora e realizá-la de forma funcional, com capacidade para ajustar as novas demandas ambientais? A tarefa escolhida foi a de labirinto, que implica em movimentação motora fina para manuseio do teclado do computador por meio de segmentos corporais superiores; portanto, pode ser considerada uma ação motora cotidiana de grande importância nos dias atuais29. Na tarefa de labirinto, crianças sem alterações motoras têm como principal desafio escolher o caminho correto; já os indivíduos com PC têm, além da escolha do caminho correto, dificuldade em realizar o movimento.

De acordo com os resultados obtidos, verificou-se que toda a amostra (GE e GC) apresentou diminuição significativa do tempo de execução da tarefa entre o primeiro e o último BL da aquisição. Isso significa melhora de desempenho ocorrida em função da prática, o que permite analisar os testes de transferência e, a partir deles, inferir ocorrência de aprendizagem. Durante o processo, o aprendiz passa de uma fase inicial - caracterizada por elevado número de erros, inconsistência e alta demanda de atenção - para uma fase posterior, que se caracteriza por consistência, poucos erros e demanda reduzida de atenção. Com a prática, ocorrem menos movimentos desnecessários e consequente otimização de energia e diminuição no tempo de realização da tarefa, fazendo com que a sequência de movimentos ganhe progressivamente fluência e harmonia. Segundo definições clássicas de habilidade motora, a prática com informação complexa e intencional envolve mecanismos (perceptivo, decisório e efetor) que, mediante o processo de aprendizagem, torna-se organizada e coordenada de tal forma a alcançar objetivos predeterminados com máxima certeza e mínimo dispêndio de energia30,31.

Assim, a prática proporciona a estabilização funcional na tarefa, ou o alcance de controle ótimo na execução, teoricamente levando à padronização funcional, momento a partir do qual o sistema está apto a adaptar-se a novas condições11,32. A padronização da função é alcançada por meio de prática e feedback negativo. Deste modo, o aprendiz passa por um processo de diferenciação, em que um estado instável, geral e homogêneo dá lugar a um estado estável, específico e heterogêneo33. Nas tentativas iniciais, a magnitude e variabilidade dos erros são grandes, caracterizando os movimentos como inconsistentes e desordenados. Com as repetições, a relação meio-fim para atingir a meta da tarefa é reforçada até que se alcancem estados estáveis, ou seja, a execução de movimentos torna-se ordenada e consistente, caracterizada pela redução da magnitude e variabilidade dos erros.

Vale ressaltar que, pela comparação descritiva dos valores das medianas na aquisição, o desempenho dos indivíduos com PC foi melhor que dos indivíduos sem PC, na maioria dos blocos. Esse resultado na aquisição pode ser discutido, provavelmente, pela motivação durante a execução da tarefa; os indivíduos com PC mostraram-se mais motivados, ao passo que os indivíduos sem PC parecem ter considerado a tarefa fácil e desmotivadora. A motivação é um dos fatores que afetam o processo de aprendizagem motora, sobretudo na fase de aquisição porque viabiliza um melhor processamento de informações, favorecendo a retenção e a transferência do que foi adquirido ao longo do processo de prática11,13,32. Ainda neste âmbito, a motivação parece afetar também o desempenho de habilidades motoras, uma vez que faz o aprendiz prestar mais atenção na execução da tarefa, aumentando o envolvimento e a participação34-36.

Os resultados mais importantes do presente estudo dizem respeito às comparações intra e entre os grupos na fase de transferência, já que a modificação da tarefa exige dos aprendizes a capacidade de adaptação. O objetivo precípuo da prática não é facilitar a performance de efeitos temporários durante a aquisição, mas sim possibilitar melhor desempenho duradouro (atribuído à aprendizagem) nos testes de retenção e transferência11,13,37,38. Então, um aspecto fundamental da aprendizagem motora é que as habilidades são executadas em ambientes que demandam constante capacidade de adaptação11,13. Esta adaptação, no entanto, só ocorre na medida em que existam situações desafiadoras à capacidade de movimento já adquirida, de forma que novas estruturas de ação tenham que ser formadas para atender às exigências impostas pelo ambiente. Para tanto, inicialmente o indivíduo precisa identificar o problema motor que, a título de exemplo, poderíamos colocar a tarefa de labirinto.

Nos testes de labirinto têm-se a possibilidade de avaliar diversos aspectos neuropsicológicos, tais como, função executiva, aprendizagem espacial e memória implícita25. Após a identificação do problema, o sujeito precisa formular um plano de ação, em que deverá gerar uma hipótese de como seria possível realizar tal objetivo, prevendo e antecipando-se frente à execução da ação. O passo seguinte consiste em colocar em prática o plano de ação estabelecido, transformando uma imagem mental em movimentos efetivos. Nessa fase, é preciso coordenar um complexo sistema muscular, a fim de que vários músculos sejam ativados de forma organizada. Como raramente a transformação de planos de ação em movimento é perfeita nas tentativas iniciais, o indivíduo precisa analisar os erros cometidos e tentar corrigí-los nas tentativas seguintes. Quando o ciclo descrito acima é repetido suficientemente, ocorre a transição de ações mal-coordenadas de grande demanda cognitiva para movimentos altamente precisos, em que sinergias neuromusculares complexas são ativadas com mínimo envolvimento da atenção. A esse processo dá-se o nome de aprendizagem19.

A análise intragrupo do último bloco de aquisição, para cada uma das transferências indicou ausência de diferenças em ambos os grupos. Portanto, uma situação mais complexa, de alteração da tarefa, não ocasionou queda significativa de desempenho. Assim, os sujeitos, com PC e os sujeitos do GC, apresentaram boa adaptabilidade a uma situação nova na tarefa de labirinto. As análises entre os grupos na transferência confirmam a boa capacidade de adaptação de ambos os grupos sem diferenças entre eles, haja vista a ausência de diferença significativa de desempenho (tempo para execução da tarefa) entre o GE e o GC, em todos os testes de transferência.

Portanto, a PC parece não ter tido influência sobre o desempenho da tarefa de labirinto modificada, fato que se constitui interessante, tanto sob o ponto de vista de caracterização dos sujeitos com PC, quanto sob o ponto de vista da intervenção com esta população. A hipótese inicial de dificuldade para os aprendizes com PC não foi corroborada, talvez porque na fase de aquisição, a motivação e perseverança desses aprendizes tenha sido maior quando comparada aos aprendizes sem PC. Isso pode ter compensado possíveis diferenças na comparação entre os grupos na fase de transferência. Uma das características da aquisição de habilidade motora é a execução da tarefa motora com menor tempo. Os tempos similares entre os grupos na tarefa de labirinto modificada (transferência) demonstram capacidades similares na velocidade de processamento de informações. Muitas tarefas motoras requerem respostas rápidas aos estímulos ambientais, assim como rápidos ajustes ou correções baseados em resultados de desempenhos anteriores. Um fator importante na velocidade de processamento central é a quantidade de informação que envolve os efeitos da complexidade da informação, do tempo utilizável para o processamento e da capacidade do sujeito39,40. Parece que tanto os indivíduos com PC, como os sem PC foram capazes de lidar satisfatoriamente com essas três variáveis o que, também, se torna relevante sob o ponto de vista da intervenção com estes sujeitos, seja na reabilitação, seja na prática de atividade física.

Os achados do presente estudo podem ser contrastados com alguns poucos estudos que foram realizados com indivíduos com PC no âmbito da Aprendizagem Motora. O fato de os indivíduos com PC terem aprendido a tarefa corrobora aos achados de Hemayattalab e Rostami (2010)41, Reid (2002)42 e Chen et al. (2007)43 com tarefas de lançamento de dardo e de realidade virtual, nas quais os indivíduos com PC melhoraram a qualidade de movimento. Alguns autores44,45optaram em investigar a aprendizagem de indivíduos com PC por meio de mudanças em estruturas neuronais (via exames de neuroimagem) e verificaram a ocorrência da aprendizagem sob o ponto de vista neural, detectando ativação em áreas corticais e correlações entre a performance na execução de tarefas motoras e a atividade cerebral em diferentes áreas encefálicas.

Pelo fato de haver poucos trabalhos utilizando-se dos conhecimentos advindos da Aprendizagem Motora em indivíduos com PC, é importante enfatizar a necessidade de outros estudos para maior compreensão dos fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras nessa população particular. Sugere-se que as investigações futuras em Aprendizagem Motora possam manipular diferentes formas de prática (variabilidade, distribuição, fracionamento) e de informação (feedback extrínseco, demonstração/instrução, estabelecimento de metas, foco interno/externo) ao aprendiz com PC. A variabilidade de prática - que consiste em variações nas características do contexto ou variações da tarefa motora que está sendo praticada - parece ser uma prioridade, haja vista sua implicação direta nas intervenções propostas para estes sujeitos. Em indivíduos com deficiência mental, a prática variada proporcionou aumento da chance de sucesso em novas situações (teste de transferência)46; em indivíduos com PC, o papel da variação tem sido apontado como fundamental na geração de estratégias motoras elaboradas47.

Desta maneira, no processo de aprendizagem da tarefa de labirinto, tanto os indivíduos com PC como os indivíduos sem PC apresentaram melhora de desempenho, observado por meio da diminuição do tempo de execução ao longo da aquisição. Quanto à aprendizagem, mensurada por meio do teste de transferência, os indivíduos com PC mostraram capacidade de adaptação equivalente aos indivíduos sem PC.

 

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Autor responsável pela correspondência:
Prof. Dr. Carlos Bandeira de Mello Monteiro.
Trabalho realizado no departamento de Fisioterapia do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas
Rua Fidêncio Ramos 128 apt 22
cep 04551-010
cel (11) 99530716
e-mail: carlosfisi@uol.com.br

Recebido em 28 de março de 2010
Modificado em 16 de abril de 2010
Aceito em 06 de maio de 2010

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