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Temas em Psicologia
Print version ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.21 no.1 Ribeirão Preto June 2013
https://doi.org/10.9788/TP2013.1-16
ARTIGOS
Violência conjugal e família de origem: uma revisão sistemática da literatura de 2006 a 2011
Marital violence and family of origin: a systematic literature review in the period of 2006 through 2011
Violencia conjugal y familia de origen: una revisión sistemática de la literatura de 2006 hasta 2011
Aline Riboli MarascaI; Patrícia Manozzo ColossiII; Denise FalckeIII
IFaculdade de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil
IIProjeto de Atenção Ampliada à Saúde da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil
IIICentro de Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil
RESUMO
Estudos acerca da violência conjugal apontam possível associação entre a ocorrência do fenômeno e as experiêcias na família de origem. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional, no período de 2006 a 2011, no que tange à temática. A partir de um levantamento dos artigos indexados nas bases de dados Academic Search Premier, ISI Web of Knowledge, MEDLINE, Lilacs e SciELO, com a utilização dos descritores "'family of origin' or' intergenerational transmission'"and" 'marital violence' or' partner violence'", foi identificado um total de 120 artigos disponibilizados por apenas duas bases de dados. Para a análise, foram considerados todos artigos com textos completos, disponíveis no formato online e oriundos de revistas acadêmicas. Excluídas as repetições, totalizaram 62 artigos. Eles foram descritos de acordo com o ano de publicação, país, objetivo, delineamento metodológico, participantes, instrumentos e principais resultados. Os resultados apontam para preponderância de produção internacional, merecendo destaque os EUA (62,91%). No Brasil, foram identificadas apenas duas produções acadêmicas, evidenciando importante lacuna na literatura nacional. Constata-se ainda a predominância de trabalhos com enfoque quantitativo (84,1%) em detrimento da compreensão processual ou teórica. Muitos estudos identificam as experiências na família de origem como preditoras da violência conjugal, mas a escassez de produção científica que considere a conjugalidade violenta como um fenômeno complexo, determinado por múltiplos fatores, revela a necessidade de ampliação de pesquisas na área.
Palavras-chave: Violência conjugal, família de origem, transgeracionalidade.
ABSTRACT
Scientific literature about marital violence indicate possible association between this occurrence and family of origin experiences. In this manner, the article aims to conduct a systematic review of national and international literature in the period 2006 to 2011, when it comes to the issue of marital violence and previous family of origin experiences. It was conducted a survey of articles indexed in the databases Academic Search Premier, ISI Web of Knowledge, MEDLINE, LILACS and SciELO, using the keywords "'family of origin' or 'intergenerational transmission'" and "'marital violence' or 'partner violence'". There were identified a total of 120 articles available for only two databases. For the analysis, we considered all the full-text articles available in online format, that come from academic journals, classified according to the year of publication, country, theme and method. The texts are indexed in more than one database were considered only once, totaling 62 articles. They were described according to publication year, country, objectives, method, participants, measures and main results. The results point to the preponderance of international production, with emphasis on absolute the USA (62.91%). In Brazil, was identified only two, showing significant gap in the national literature. There is still a predominantly quantitative approach (84.1%) to prioritizing work results at the expense of procedural or theoretical understanding. Many studies identified that family of origin experiences might predict marital violence, but the shortage of scientific literature to consider marital violence as a complex phenomenon, determinate by different factors, reveals the need to expand research in the area.
Keywords: Couple partner violence, couple violence, marital violence, family of origin, intergenerational transmission.
RESUMEN
Los estudios sobre la violencia conjugal apuntan una posible asociación entre la ocurrencia del fenómeno y las experiencias en la familia de origen. Así, este artículo tiene como objetivo realizar una revisión sistemática de la literatura nacional e internacional, en el periodo de 2006 a 2011, sobre la temática de la violencia conjugal y las experiencias previas en la familia de origen. Desde un examen de los artículos indexados en las bases de datos Academic Search Premier, ISI Web of Knowledge, MEDLINE, Lilacs e SciELO, utilizando las palabras-clave "'family of origin' or ' intergenerational transmission'"and "'marital violence' or' partner violence'", fue identificado el total de 120 artículos procedentes de solo dos bases de datos. Para el análisis, fueron considerados todos los artículos con textos completos, disponibles en formato online y oriundos de periódicos académicos. Excluidas las repeticiones, totalizaron 62 artículos. Ellos fueron descritos de acuerdo con el año de publicación, el país, el método, los participantes, los instrumentos y principales resultados. Los resultados apuntan para la superioridad de la producción internacional, con destaque para los Estados Unidos (62,91%). En Brasil, fueron identificadas solo dos producciones académicas, evidenciando un vacío en la literatura nacional. Es posible constatar aún el destaque de los trabajos con enfoque cuantitativo (84,1%), más que de los de comprensión procesal o teórica. Muchos estudios identifican que las experiencias en la familia de origen pueden predecir la violencia conjugal, pero la escasez de la producción científica que considera la conjugalidad violenta como fenómeno complejo, determinado por múltiplos factores, revela la necesidad de ampliar las investigaciones en la área de conocimiento.
Palabras clave: Violencia conjugal, familia de origen, transgeneracionalidad.
A violência conjugal destaca-se como fenômeno de grande relevância em diferentes áreas psicoterapêuticas e nas diferentes instâncias do poder judiciário, policial e serviços de assistência social. Esta condição deve-se, em especial, à necessidade de articulação que o fenômeno impõe, exigindo aproximação interventiva de distintas áreas do conhecimento a fim de prevenir e tratar os envolvidos nestes contextos. Diferentes profissionais da saúde mental são acionados a fim de tratar os efeitos causados pelo contexto familiar violento, minimizando assim, a herança de dor e sofrimento de todos os envolvidos. Entretanto, pesquisas revelam que o fenômeno é perpetuado de geração em geração como uma situação naturalizada no seio da família (Black, Sussman, & Unger, 2010; Conradi, Geffner, Hamberger, & Lawson, 2009; Gover, Park, Tomsich, & Jennings, 2011; Jin, Eagle, & Yoshioka, 2007; Kerley, Xu, Sirisunyaluck, & Alley, 2010; Wareham, Boots, & Chavez, 2009).
Os estudos com objetivo de identificar a prevalência da violência conjugal geralmente utilizam como fonte de dados os casos denunciados, especialmente, de violência contra a mulher, pois são os que se encontram disponíveis nos serviços existentes, sendo difícil estimar sua real frequência e ocorrência, uma vez que muitos nem chegam a ser denunciados (Zanoti-Jeronymo et al., 2009). Os resultados revelam que, ao redor do mundo, entre 22% e 49,5% das mulheres reporta alguma experiência de abuso vivida por parte de seus companheiros afetivos (Ansara & Hindin, 2009; Fehringer & Hindin, 2009; Jaoko, 2010; Stenson & Heimer, 2008; Yoshihma & Horrocks, 2010). No Brasil, dados epidemiológicos estimam que entre 26% e 34,5% das mulheres sofrem violência física ou sexual por parte de seus companheiros (Bruschi, Paula, & Bordin, 2006; Lamoglia & Minayo, 2009; Miranda, Paula, & Bordin, 2010; Vieira, Perdona, & Santos, 2011).
Ainda que outros aspectos possam contribuir para a transmissão transgeracional da violência, psicoterapeutas de diferentes abordagens teóricas identificam e buscam tratar crianças inseridas em contextos de violência conjugal que podem sofrer as consequências deste modelo relacional, com a chance de levarem, para seus relacionamentos futuros, a tendência de repetição dos padrões vivenciados na família de origem, perpetuando, em alguma medida, padrões relacionais violentos. Com isso, ratifica-se a importância do papel da família nos padrões de comportamento aprendidos e perpetuados através das gerações (Falcke, 2006; Mendlowicz & Figueira, 2007; Paradis et al., 2009).
O estudo canadense de Godbout, Dutton, Lussier e Sabourin (2009), realizado através de uma coleta de dados com 644 adultos casados ou coabitando com os parceiros, recrutados aleatoriamente através de contato telefônico, utilizou medidas sobre o relacionamento conjugal e táticas de resolução de conflitos do casal, além de questões referentes à exposição à violência na infância. Os resultados apontaram o envolvimento em contextos de violência familiar, como vítima ou como testemunha, incidindo diretamente na possibilidade de estabelecimento de uma relação conjugal violenta na vida adulta. Na mesma direção, o estudo conduzido por Anacona (2008), na Colômbia, apresenta uma revisão da literatura que indica conclusões semelhantes. No referido estudo, é abordada a violência nas relações amorosas de adolescentes e jovens adultos, referente à prevalência, aos fatores de risco e às dificuldades associadas a esse tipo de comportamento violento. A partir da análise dos estudos, foram identificados os fatores que poderiam favorecer esses atos de violência, incluindo, como principal resultado, as experiências prévias de vitimização dentro e fora da família de origem, assim como a aceitação da violência no casal e na relação com os pares. Neste sentido, identifica-se a família de origem como referência e modelo de aprendizagem no que diz respeito à transmissão intergeracional da violência conjugal.
O estudo de Milletich, Kelley, Doane e Pearson (2010), identificou a associação entre experiências de violência interparental na infância e o envolvimento em uma relação conjugal violenta na vida adulta, ressaltando a importância da família de origem na transmissão transgeracional da violência conjugal, seja como parte do aprendizado de relações íntimas seja pelo processo de naturalização do fenômeno. Em uma mesma direção investigativa, Renner e Slack (2006) conduziram um estudo longitudinal com 1153 mulheres durante cinco anos buscando investigar aspectos semelhantes, tendo chegado a resultados convergentes. Pournaghash-Tehrani e Feizabadi, (2009) buscaram investigar 50 casais quanto à capacidade preditiva de experiências adversas na infância sobre tipos específicos de violência física e psicológica nas relações conjugais na vida adulta. Os resultados revelaram que testemunhar violência doméstica na infância pode prever diferentes tipos de violência física e psicológica. Considerando os achados apontados pela literatura, dar atenção científica, através de estudos concernentes à temática, e atenção terapêutica, através de intervenções com casais e famílias, significa explorar o potencial restaurador das relações com vista ao rompimento do ciclo de violência conjugal através das gerações. Independente das consequências sofridas, indivíduos que participam de contextos familiares violentos, seja como vítima ou mesmo como testemunha de relação interparental violenta, apresentam maior propensão ao envolvimento em situações de violência na vida cotidiana, em seus relacionamentos íntimos ou mesmo em relações sociais (Milner et al., 2010; Noll, Trickett, Harris, & Putman, 2009; Rodriguez, Mendoza, Durand-Smith, Bermúdez, & Hernández, 2006; Weisbart et al., 2008). Contudo, é importante considerar que, muitas pessoas, mesmo advindas de contextos familiares vulneráveis e tendo sido expostas, direta ou indiretamente, a altos níveis de violência mostram-se resilientes e não repetem os comportamentos aprendidos. Nesse sentido, verifica-se que, embora exista correlação entre experiências vivenciadas na infância e relações futuras, não se pode partir de um caráter determinista (Falcke, Wagner, & Mosmann, 2008).
Na compreensão do tema, as abordagens sistêmica e ecológica consideram além dos aspectos individuais e relacionais, os contextos sociais e comunitários, que podem influenciar na ocorrência do fenômeno. Partindo da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, Carvalho-Barreto, Bucher-Maluschke, Almeida e DeSouza (2009) trazem dados da literatura transcultural, em nível contextual, referindo que a violência conjugal deve ser analisada a partir de quatro fatores: pessoal (características biológicas e psicológicas individuais); processual (interações interpessoais); contextual (rede de apoio social e cultura); e temporal (aspectos inter, intra e transgeracionais).
Considerando a temática da violência conjugal e sua relação com a família de origem, foi realizada uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional entre os anos de 2006 a 2011, a fim de mapear as publicações existentes, ampliando com isso, o conhecimento científico acerca do tema.
Método
Inicialmente, foi realizada uma busca por artigos indexados nas bases de dados Academic Search Premier, Lilacs, ISI Web of Knowledge, MEDLINE with Full Text e SciELO, a fim de verificar a incidência de publicações com os descritores "'family of origin' or' intergenerational transmission'"and" 'marital violence' or ' partner violence'". Foi identificado um total de 120 artigos, a partir dos quais foram selecionados apenas os artigos científicos, com textos completos, publicados entre os anos de 2006 e 2011, no formato online. Identificaram-se artigos nos idiomas português, inglês e/ou espanhol. Em seguida, foram excluídos os artigos apresentados em mais de uma base de dados. Com isso, obteve-se um total de 62 publicações analisadas. Os artigos foram classificados conforme ano de publicação, país de realização do estudo, objetivos, delineamento metodológico, participantes, instrumentos e principais resultados encontrados.
Os estudos selecionados obedeceram ao critério da adequação ao tema da violência conjugal e família de origem, tendo sido considerados todas as investigações realizadas com homens, mulheres e/ou casais, independente da faixa etária, incluindo as diferentes expressões da violência no relacionamento íntimo. Para fins de controle de qualidade e garantia de maior isenção na avaliação dos artigos, a análise dos estudos selecionados foi realizada por dois revisores. As discrepâncias entre os revisores foram submetidas à análise de um terceiro avaliador.
Resultados
A partir das bases de dados, verificou-se a inexistência de publicações em: Scielo, Lilacs e Medline, o que expressa a carência de pesquisas nessa temática. As bases Academic Search Premier e ISI Web of Knowledge disponibilizaram 34 e 76 artigos respectivamente e, a partir da exclusão dos repetidos, foram analisados 62 artigos.
Considerando as publicações conforme país de estudo, verificou-se o predomínio de estudos norte americanos, destacando-se com 39 artigos (62,91%). Os demais países foram distribuídos nos cinco continentes e apresentaram escasso número de publicações acerca da temática. Foram identificados três estudos provenientes da Austrália (4,84%). Os países Brasil, Canadá e Noruega possuíam duas publicações cada, totalizando 9,68%, ao passo que Filipinas, Índia, México, Irã, Japão, Quênia, Rússia, Suécia, Tailândia, Coréia do Sul, Israel, Inglaterra, Espanha e Nova Zelândia apresentaram apenas um estudo durante o intervalo de tempo pesquisado, representando 1,61% cada. Dentre os artigos analisados, não foi identificado estudo transcultural ou multicêntrico.
Considerando o método utilizado, constatou-se a preponderância dos delineamentos quantitativos (84,12%), em detrimento de estudos qualitativos (4,8%) e teóricos (11,1%). As pesquisas de método misto, em que processo e resultado são complementares, foram inexistentes nas bases de dados pesquisadas. Os anos de 2009 e 2010 foram os com maior número de publicações, tendo 17 e 16 estudos publicados respectivamente em cada ano. Na Tabela 1, os artigos estão descritos conforme autor, ano, país, objetivo, delineamento metodológico, participantes, instrumentos e principais resultados.
A partir da tabela, pode-se verificar que os estudos foram realizados com os objetivos principais de: (a) analisar as experiências de violência na família de origem como preditoras de violência conjugal (48,5%); (b) compreender a violência de gênero/violência contra a mulher (10,3%); (c) investigar a prevalência de violência nos relacionamentos amorosos (8,8%); (d) investigar a associação entre violência conjugal e uso de substâncias (2,9%) e (e) Outros (29,5%).
Trinta e três artigos investigaram a história familiar como fator predisponente a práticas de violência conjugal na idade adulta, em suas diferentes formas de expressão. A maioria dos estudos constatou que ter vivenciado, como vítima ou como testemunha, violência intrafamiliar na infância constitui-se em fator de risco para o envolvimento em contexto conjugal violento na vida adulta (Alexander, 2009, 2011; Askeland et al., 2011; Boyle et al., 2008; Buchbinder & Goldblatt, 2011; Casanueva et al., 2010; Conradi et al., 2009; Cort et al., 2011; Fang & Corso, 2007, 2008; D. M. Fergusson et al., 2006; Fite et al., 2008; Godbout et al., 2009; Gover et al., 2008; Gover et al., 2011; Hetzel-Riggin & Meads, 2011; Jin et al., 2007; Kerley et al., 2010; Kernsmith, 2006; Koenig et al., 2006; Milner et al., 2010; Murrell et al., 2007; Pournaghash-Tehrani & Feizabadi, 2009; Roberts et al., 2011; Wang et al., 2008; Wareham et al., 2009; Weisbart et al., 2008). Além desses estudos que buscaram associações entre violência conjugal e história de violência na família de origem, pesquisas com objetivos semelhantes foram realizadas em diferentes contextos para identificar a mesma associação em relações amorosas na fase de namoro. Os resultados não diferiram, já que ter experienciado violência interparental como vítima ou como testemunha apresenta-se como preditor de envolvimento em relacionamentos afetivos violentos também nessa etapa (Black et al., 2010; Clarey et al., 2010; Kim et al., 2009; Milletich et al., 2010). Uma das investigações também destaca que as experiências de violência na infância e a ocorrência de violência no namoro na adolescência podem ser aspectos preditores de violência conjugal, tanto em contextos de vitimização como de agressão, para homens e mulheres (Goméz, 2011).
A violência claramente identificada a partir de uma perspectiva de gênero foi abordada por 10,3% do total de artigos analisados, tendo sido salientado o papel das mulheres como vítimas e dos homens como agressores, perpetuando-se através da aprendizagem social e da estereotipia dos papéis feminino e masculino, através da qual maior poder é atribuido aos homens (Jaoko, 2010; Lawson & Rivera, 2008; Rhatigan et al., 2011; Stenson & Heimer, 2008; Stickley et al., 2008; Wareham et al., 2009). Um estudo aborda a violência de gênero, buscando compreendê-la de forma contextual e ecológica (Carvalho-Barreto et al., 2009).
Dentre os estudos de prevalência, constata-se que as taxas são divergentes, conforme revelam os estudos realizados em diferentes populações, podendo-se inferir sobre as implicações contextuais na definição do fenômeno. O Japão teve o estudo com menor índice, revelando que 17,7% das mulheres sofreram violência física e 8,49% violência sexual por parte dos parceiros (Yoshihma & Horrocks, 2010). Na direção oposta, o estudo que revelou maior prevalência foi realizado no Quênia, em contexto africano (Jaoko, 2010), onde 49,5% das mulheres indicaram alguma forma de violência por parte de seus companheiros afetivos (45,7% para violência física, 39,4% para emocional e 12,9% para sexual). Nesse sentido, ainda que tenham sido encontrados artigos dos cinco continentes, observa-se a importância de uma leitura contextual na compreensão do fenômeno.
A violência conjugal foi associada ao abuso de substâncias em dois estudos analisados tendo sido correlacionado somente no estudo com população masculina (Whiting et al., 2009) e não no estudo com mulheres vítimas de violência conjugal (Vatnar & Bjorkly, 2008).
Outros estudos foram identificados a partir dos descritores e apresentem aproximação temática ou teórica com a violência conjugal, tendo como objetivo: investigar variáveis relacionadas aos níveis do modelo ecológico com o cometimento de violência entre parceiros (Banyard & Modecki, 2006); explorar as influências ecossistêmicas nas respostas dos terapeutas para a violência conjugal (Brosi & Carolan, 2006); investigar a violência entre parceiros do mesmo sexo (McKenry et al., 2006); examinar as relações entre renda, depressão, bem-estar social e violência conjugal (Von Eye & Bogat, 2006); propor um modelo teórico para a investigação de como as interações não violentas entre parceiros podem progredir para a violência conjugal (Finkel, 2007); explorar os fatores de risco que podem levar a mulher a utilizar a agressão física nos seus relacionamentos (Hughes et al., 2007); examinar os fatores de risco psicossociais como preditores da violência conjugal (Keenan-Miller et al., 2007); explorar as interconexões entre várias formas de violência sofridas na vida e experiências relatadas por idosos marginalizados (Walsh et al., 2007); descrever uma abordagem emergente para entender a violência conjugal, em contraste com teorias tradicionais que focam nas explicações da violência do homem contra a mulher (Ehrensaft, 2008); examinar as diferenças entre grupos de agressores conjugais com disfunção clínica e grupo de não agressores, em relação ao apego, problemas interpessoais e funcionamento da família de origem (Lawson, 2008); examinar o abuso animal no contexto de um lar abusivo (McPhedran, 2009); realizar uma revisão da literatura sobre a produção relacionada à violência familiar na última década (Anderson, 2010); revisar a literatura sobre quatro domínios de estudo dos processos biológicos relacionados à violência do casal (Pinto et al., 2010) e examinar agressão conjugal entre veteranos das guerras do Afeganistão e Iraque (Teten et al., 2010).
Discussão dos Resultados
Considerando a temática da violência conjugal e experiências na família de origem, a partir das bases de dados pesquisadas, foi identificada a escassa produção científica ao redor do mundo, caracterizando-se por ser um tema ainda pouco estudado nos contextos científicos e acadêmicos. Os Estados Unidos lideraram as pesquisas na área, sendo responsável por 62,91% do total de estudos publicados e disponibilizados acerca do tema. A literatura nacional produziu conhecimento ínfimo, se comparado com outros países, sendo responsável por apenas 3,17% do total. A Austrália destacou-se com três produções, enquanto Brasil, Canadá e Noruega tiveram duas publicações cada. Os demais países produtores de conhecimento na temática da transmissão intergeracional da violência conjugal, se fizeram presente com um estudo cada, dentro do lapso de tempo determinado. Com isso, identificou-se a realização de pesquisa na temática em estudo nos cinco continentes.
O principal objetivo dos estudos analisados foi investigar as experiências de violência na família de origem como fator preditor de violência conjugal na vida adulta. A violência vivenciada na infância mostrou-se preditora, tanto na forma de testemunha da violência intrafamiliar quanto na forma de vítimização direta por violência parental, reforçando a importância do modelo familiar como aprendizagem para futuras gerações, conforme já confirmado pela literatura consolidada (Falcke et al., 2008; Koenig et al., 2006; Lamoglia & Minayo, 2009; Mendlowicz & Figueira, 2007; Paradis et al., 2009). Também foram salientados como fator de transmissão a naturalização da violência e as crenças acerca da violência contra a mulher. Fica evidente ainda, na análise dos dados de prevalência, a importância de uma análise contextual (Carvalho-Barreto et al., 2009) sobre os índices apresentados, que são divergentes em estudos realizados nos diferentes continentes.
Verifica-se, pela revisão sistemática realizada, que ainda é escassa a produção, especialmente nacional sobre a temática, o que pode ocorrer pela dificuldade em compreender a família como espaço, de alguma forma, gerador e perpetuador de violência, constituindo-se em um fator de risco à geração futura. Se a família definiria, a priori, um lugar psíquico de afeto, o estudo da violência como fenômeno transmitido pela família, seria uma questão paradoxal (Macedo, 1994), na medida em que lança luz sobre a possibilidade das relações violentas coexistirem com as afetivas.
No que se refere à metodologia mais amplamente utilizada, identificou-se a predominância de estudos quantitativos em detrimento de estudos teóricos, qualitativos e mistos. Pesquisas quantitativas foram responsáveis por 84,12% do total dos estudos acerca da temática da transmissão transgeracional da violência conjugal, sendo sucedidas por 11,12% de artigos teóricos, 4,76% de estudos qualitativos. Não foram identificadas produções com metodologia mista. Com isso, identifica-se que as pesquisas até então existentes mostram-se capazes de reconhecer o fenômeno, mas ainda são insipientes diante do universo a ser pesquisado, no que tange ao aprofundamento do tema e exploração descritiva dos processos envolvidos na transmissão transgeracional da violência conjugal.
Considerações Finais
O mapeamento dos estudos sobre violência conjugal e família de origem permitiu constatar a escassez de pesquisas sobre a temática, especialmente em contexto nacional, e a forte constatação da análise preditiva das experiências da família de origem na ocorrência de violência conjugal.
Como limitações do presente estudo salienta-se a eleição de um número limitado de bases de dados e utilizacão de descritores agrupados a fim de compor um conjunto mais aproximado de estudos conforme a temática. Mesmo assim, observou-se uma série de estudos com temáticas mais abrangentes, constituindo uma dificuldade de identificação do fenômeno.
Os resultados apontam para a necessidade de ampliação de estudos na área, especialmente de natureza qualitativa e mista, que possam descrever mais aprofundadamente o fenômeno da violência conjugal, em suas mais diversas formas de expressão e sua transmissão através das gerações. Nesse sentido, os dados obtidos reforçam a importância de ampliação de estudos investigativos que enfoquem a violência conjugal, como um fenômeno identificado através das gerações, para, com isso, subsidiar políticas públicas que possam auxiliar as famílias na interrupção do ciclo da violência. Que a teoria, em seus mais diversos olhares e perspectivas, possa ser capaz de sustentar práticas capazes de favorecer a família enquanto instituição promotora de saúde, proteção e resiliência através das gerações.
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Endereço para correspondência:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Centro de Ciências da Saúde
Av. Unisinos, 950 Sala 2A109
São leopoldo, RS, Brasil CEP 93022-000
E-mail: aline.marasca@gmail.com, pmcolossi@gmail.com e dfalcke@yahoo.com
Recebido: 23/09/2012
1ª revisão: 03/12/2012
Aceite final: 25/01/2013