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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.12 no.1 Rio de Janeiro June 2009

 

 

A inter-relação entre qualidade de vida e adequação social em laringectomizados

 

 

Amanda Cruz da Silva*; Viviam Abrahão**; Tânia RudnickiI, ***

I Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Brasil

 

 


RESUMO

O presente artigo mostra relação entre as variáveis, qualidade de vida e adequação social entre laringectomizados; apontando que quanto maior a adequação social maior é qualidade de vida; demonstrando que existe relação entre as variáveis estudadas. A adequação social no que se refere à integração de múltiplos fatores que interferem no comportamento do individuo perante as situações da vida cotidiana, relaciona-se com a qualidade de vida nas dimensões da percepção do individuo no contexto da cultura e sistema de valores nos quais o sujeito vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Conclui-se que o laringectomizado requer uma continuidade de cuidados após a cirurgia. A rede de suporte auxilia o enfermo na obtenção de uma melhor readaptação social e melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Qualidade de vida, Adequação social, Laringectomia.


ABSTRACT

This article shows the relationship between variables, quality of life and social adjustment between laryngectomized, indicating greater social adequacy greater quality of life, demonstrating that there is a relationship between variables. The social appropriateness regarding integration of multiple factors that affect the behavior of the individual to the situations of everyday life, is related to the quality of life dimensions in the perception of the individual in the context of culture and value system in which the subject live and in relation to their goals, expectations, standards and concerns. We conclude that the laryngectomized requires a continuity of care after surgery. The network of support helps the patient obtaining a better social rehabilitation and quality of life.

Keywords: Quality of life, Social adjustment, Laryngectomy.


 

 

Introdução

A percepção de uma doença ou mal-estar no indivíduo provoca inúmeras situações e expectativas, internas e externas, que se interpõem até a busca por uma assistência e uma ajuda para a recuperação da saúde.

Nucci (2003) diz que as pressões sociais passam a ser mais evidente, pois a sociedade tende a valorizar a saúde e a produtividade das pessoas. Ao assumir uma doença e seu tratamento, o sujeito despoja-se de um papel social que se vincula à imagem de uma pessoa ativa e produtiva.

O câncer de laringe, conforme o INCA (2005) é um dos mais comuns a atingir a região da cabeça e pescoço; representando cerca de 25% dos tumores malignos que acometem a área e 2% de todas as doenças malignas. Aproximadamente 2/3 desses tumores surgem na corda vocal verdadeira e 1/3 acomete a laringe supraglótica (região acima das cordas vocais) (Barbosa, 2008).

As pessoas com câncer de laringe em Estágios III e IV submetem-se a um procedimento cirúrgico, geralmente invasivo, para a erradicação do tumor, denominado ‘laringectomia total’. Os procedimentos cirúrgicos causam lesões estéticas irrecuperáveis, com significativo comprometimento funcional (Sartini, Fava & Faria, 2007).

A radioterapia e a quimioterapia também são indicações terapêuticas, podendo ocorrer antes ou depois da cirurgia, de acordo com a indicação médica. Na laringectomia total são removidos, as estruturas que produzem o som laríngeo (pregas ou cordas vocais) e os músculos vizinhos. Na laringectomia parcial somente uma porção da laringe é removida, nos casos em que o câncer não esteja avançado e/ou que possa se fazer uma cirurgia funcional conservadora (Dias, Kligerman, Cervantes, Tavares, Carvalho & Freitas, 2001; Martins, Lima Neto, Semenzate & Lapate, 2006).

Com a traqueostomia, o indivíduo perde a capacidade de emissão do som laríngeo (afonia) e tem sua imagem corporal alterada. Assim sendo, esses procedimentos terapêuticos são mutilatórios, acarretando alterações fisiológicas (alteração da via respiratória, traqueostomia permanente, afonia, diminuição da atividade motora do ombro e do pescoço, diminuição do olfato e do paladar) e psicossociais (alteração da imagem corporal, da comunicação, das atividades cotidianas e profissionais e da auto-estima) (Hannickel, 2002).

Assim sendo, qualquer tipo de cirurgia necessitará de readaptações por parte do doente e da sua família e conseqüente suporte emocional para adaptação à imagem corporal alterada.

Todo percurso em torno da doença é vivido pelo paciente e por sua família como um momento de crise, atravessado por um profundo sentimento de precariedade, que exige readaptações na sua rotina e no contexto social (Barbosa, 2008).

A reabilitação do câncer éum processo dinâmico, contínuo, com a finalidade de maximizar as capacidades individuais dentro das limitações da doença ou incapacidade por ela provocada. O laringectomizado, com mutilações pertinentes e significativas necessita ser trabalhado para possíveis adaptações (Pedrolo & Zago, 2002; Martins, Lima Neto, Semenzate & Lapate, 2006).

O enfermo, de maneira geral passa a ser considerado como dependente da sua própria família e da sociedade, que espera dele o desejo e a busca pela cura. Cabe à sociedade oferecer condições para que ele possa se curar. Ao paciente cabe o empenho em se tratar, procurar o atendimento, cumprir as prescrições feitas, cooperar com a equipe de tratamento. Quando algumas dessas expectativas não acontecem, desencadeiam-se conflitos. A maneira de ver, interpretar e vivenciar essa situação determinará suas reações emocionais, as mudanças em sua dinâmica existencial, em suas crenças, podendo interferir em sua qualidade de vida (Nucci, 2003).

Preconceitos e expectativas dos grupos sociais do enfermo interferem nas suas atitudes frente à doença, influenciando suas reações à situação vivenciada, na medida em que traz, de alguma maneira, a expressão da aceitação social (Nucci, 2003).

Tendo em vista os avançados processos terapêuticos utilizados no tratamento do câncer, já está adquirindo características de doença crônica e, em muitos casos, passível de cura, fazendo com que surja uma maior preocupação com a dimensão social envolvida na recuperação completa do estado de saúde e na integração do individuo a sociedade. O aumento da sobrevida e da possibilidade de cura exige maior abrangência nos estudos e nos cuidados não apenas biológicos, mas também sociais e psicológicos, buscando o atendimento das varias necessidades desse paciente (Valle, 1997; Moreno & Lopes, 2002).

Desta forma, o presente estudo busca estudar a relação entre as variáveis, qualidade de vida e adequação social entre laringectomizados, entendendo o quanto a presença de uma doença afeta o individuo e sua família, que devem ser considerados pelos profissionais de saúde, de uma forma singular.

 

Método

Participantes

No presente estudo, aprovado pelo CEP-ULBRA/RS; participaram treze (13) laringectomizados (G1) atendidos em Instituição hospitalar pelo Sistema Único de Saúde, Porto Alegre/RS, para consultas de revisão pós-cirúrgica. Nos critérios de inclusão levou-se em consideração o tempo de cirurgia, com no mínimo seis meses e no máximo dois anos; ser adulto e estar em condições físicas e psicológicas para responder aos instrumentos. Com a autorização da equipe, se contatou individualmente os pacientes a fim de explicar a finalidade da investigação e obter seu consentimento em participar. Aqueles que aceitaram; assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; sendo os dados coletados durante o mês de setembro de 2007. Dos participantes, 46,2% são laringectomizados total e 53,8%, parciais. A maioria dos respondentes (92,3%) são homens, incluídos na faixa dos 48 a 69 anos, 46% deles, casados. Quanto ao grupo controle, não laringectomizado (G2), retirado da população geral, conforme utilizado no artigo de validação do instrumento, segue o mesmo padrão do G1 em termos de faixa etária e estado civil.

Os dados coletados foram digitados em um banco de dados especifico e analisados através do software SPSS para Windows (versão 10.0). Foram submetidos a análises descritivas, médias, desvio-padrão, inferencial, correlação de Pearson e prova t de student buscandocomparar os dois grupos e identificar associação entre qualidade de vida, adequação social e o tipo de procedimento cirúrgico.

Instrumentos

Para o levantamento da Qualidade de Vida (QV) foi utilizada a escala de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde, em suaforma abreviada (OMS, 1998). Consta de 26 questões, sendo duas gerais de QV (questões 25, 26) e as outras, divididas em quatro domínios: físico (questões 1, 2, 3, 9, 10, 11, 12); psicológico (questões 4, 5, 6, 7, 8, 24); relações sociais (questões 13, 14, 15) e meio ambiente (questões 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23).

Para o levantamento da Adequação Social foi utilizada a Escala de Auto-Avaliação de Adequação Social (EAS), composta por 54 questões, das quais 42 são relacionadas à área de trabalho, sendo que o participante responde a 6 das 18 questões de acordo com sua ocupação principal. A EAS permite uma avaliação individual de sete áreas especificas: trabalho (fora de casa [questões de 1-6]); trabalho em casa [questões 7-12]; como estudante [questões 13-18]; vida social e lazer [questões 19-29]; relação com a família &– incluindo pais, irmãos, cunhados e outros membros da família que não moram na mesma casa [questões 30-37]; relação marital [questão 38-46]; relação com os filhos [questões 47-50]; vida doméstica [questões 51-53]); situação financeira (questão 54). Os itens avaliam aspectos do desempenho, a qualidade das relações interpessoais e os sentimentos e satisfações pessoais, em relação às duas últimas semanas.

 

Discussão

Através dos resultados do teste t-student verificou-se que com relação a adequação social, os laringectomizados (G1) apresentam uma diferença significativa no escore EAS (média=2,12, desvio-padrão=0,62). Assim sendo, os pacientes laringectomizados apresentam EAS significativamente superior aos sujeitos ditos normais (Gorenstein, Andrade, Moreno, Bernick, Nicastri, Athanássios & Camargo, 2000).

 

 

Em relação àcorrelação entre o escore das Escalas de Qualidade de Vida e Adequação Social verificou-se uma correlação inversa, ou seja, quanto maior o escore Qualidade de Vida, menor o escore da Adequação Social. Desta forma, maior adequação social = melhor qualidade de vida. O domínio da Qualidade de Vida que apresenta maior significância na correlação com a adequação social é o meio ambiente.

 

 

 

Os pacientes com câncer de cabeça e pescoço possuem peculiaridades que devem ser consideradas na evolução da doença e no seu tratamento, como o uso crônico e acentuado de bebida alcoólica e/ou fumo; relacionamento familiar geralmente deficiente; deformidade facial; perda de funções básicas (mastigação, deglutição, salivação, fala); perda de sensações gustativas e olfatórias; presença de fenômenos depressivos e ansiedade em larga escala, além da diminuição acentuada ou perda da capacidade laborativa. Estas características justificam a necessidade de uma avaliação da qualidade de vida individualizada e sistematizada, em relação aos outros grupos de doenças. Devido a estas características peculiares dos laringectomizados, estes acabam por perder o convívio social, diminuindo estas relações sociais acabam por depender da família e do meio para readaptarem-se socialmente, prejudicando sua qualidade de vida (Moreno & Lopes, 2002; Zeledón, Royer & Ortuzar, 2008).

As alterações estéticas e funcionais decorrentes do tratamento da região de cabeça e pescoço podem trazer repercussões no desempenho do papel social, expressão emocional e na comunicação. Ao sofrerem essas perdas no processo de adoecimento e de cura, perde também, muitas vezes as expectativas e os padrões de vida, alterando a qualidade de vidas dos mesmos. A qualidade de vida foi definida pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores onde ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (OMS, 1998; Moreno & Lopes, 2002).

Existe crescente preocupação na busca de compreender a forma como os fatores psicossociais e biológicos interagem na história natural, nos resultados dos tratamentos das doenças e, no papel do apoio social nessa relação.

Através dos resultados do teste t-student para as duas amostras verifica-se que existe diferença descritiva entre os sujeitos que tiveram o tipo de cirurgia total e parcial, não sendo, no entanto, significativa. Assim sendo, os resultados obtidos confirmam a hipótese de que a adequação social tem influencia sobre a qualidade de vida dos laringectomizados.

Os laringectomizados são caracterizados como indivíduos que passaram por um processo cirúrgico, desta forma passaram a necessitar de um maior grau de apoio social para preencher necessidades de afeto, apoio emocional e material. E este apoio social reflete seu processo de adaptação com o meio social em que vivem., enquanto que a ruptura de laços sociais aumenta a suscetibilidade a doenças.

Atualmente parece ser consensual que o apoio social deve ser compreendido como uma experiência pessoal e não como um conjunto objetivo de interações e trocas, sendo reconhecido o papel essencial da intensidade com que o indivíduo se sente desejado, respeitando e envolvido (Sarason, Levine, Bashan & Sarason, 1983; Sarason & Sarason, 1986; Rudnicki, 2007).

O termo apoio social tem sido amplamente usado para referir os mecanismos pelos quais as relações interpessoais têm um presumível efeito na prevenção de perturbações psicológicas e orgânicas quando o individuo éconfrontado com situações estressantes, na diminuição da gravidade da doença e na recuperação desta (Sarason, Sherin & Pierce, 1987).

No presente estudo, a maior rede de apoio social dos laringectomizados reside na família, que, com seu auxilio parecem retornar mais facilmente ao convívio social. Dentre as diferentes idéias englobadas na expressão laços sociais, dois conceitos se destacam: rede social e apoio social. As redes (networks) são definidas como teias de relações sociais que circundam o indivíduo bem como suas características (por exemplo, disponibilidade e freqüência de contato com amigos e parentes), ou como os grupos de pessoas com quem há contato ou alguma forma de participação social (por exemplo, grupos religiosos, associações sindicais).

Com a alta hospitalar, a família precisa estar preparada para a continuidade do cuidado no domicílio. O laringectomizado após a cirurgia apresenta mutilações significativas e permanentes, além de varias outras conseqüências para sua vida social, profissional ou de lazer, necessitando todas serem trabalhadas para possíveis adaptações (Pedrolo & Zago, 2002; Kring & Crane, 2009).

O conceito de adequação social baseia-se na integração de múltiplos fatores que interferem no comportamento do indivíduo perante as situações da vida cotidiana. De modo geral, o ajustamento social é definido como a interação entre o indivíduo e o ambiente social (Gorenstein, Andrade, Moreno, Bernick, Nicastri, Athanássios & Camargo, 2000; Pacini & Sarmiento, 2008).

Nos resultados se observa que quanto maior a adequação social, ou seja, quanto mais o laringectomizado percebe o apoio, melhor é sua qualidade de vida (Dedivitis, Guimarães, Hushi & Fuza, 2000).

Qualquer tipo de cirurgia necessitaráde readaptações por parte do doente e da sua família e conseqüente suporte emocional para adaptação à imagem corporal alterada. É grande o impacto de ser portador de um câncer de laringe e submeter-se a laringectomia, onde a sociabilidade é alterada de maneira importante e quando bem constituídas, as famílias são o refúgio dos enfermos. Muitas vezes é a família que os impulsiona a reabilitar-se, a retomar suas atividades laborais, melhorar a sociabilidade, a auto-estima e conseqüentemente a qualidade de vida.

Desta forma, o apoio social tem efeito na saúde e na doença. Efeito em nível de auto-estima, aumentando-a; efeitos sobre sintomas depressivos e/ou depressão, diminuindo-a e levando as pessoas a avaliarem os estressores como menos grave. Fato este que poderá minimizar a ansiedade e aumentar a capacidade da pessoa para lidar com as situações estressantes, aumentando consequentemente a qualidade de vida destas pessoas.

 

Considerações Finais

Verificou-se com este trabalho que a adequação social tem relação com a qualidade de vida dos laringectomizados, existindo relação entre estas variáveis. Percebe-se significativamente que quanto maior a adequação social maior é a qualidade de vida. O domínio meio ambiente, da qualidade de vida, é o que apresenta uma maior adequação social, mostrando que neste domínio os laringectomizados recebem maior apoio social tendo uma maior qualidade de vida. Observa-se também que em relação ao tipo de cirurgia não se obtém diferença significativa entre estas variáveis.

A relação com a família como ponto de apoio, se revelou um fator interveniente no enfrentamento e na adaptação dos pacientes à condição de laringectomizado favorecendo, ou não, a convivência e aceitação destes com sua nova realidade. Os doentes que recebem apoio, geralmente apresentam uma melhor reabilitação e conseqüentemente maior qualidade de vida.

O laringectomizado requer continuidade nos cuidados após a alta hospitalar e, se ele percebe um suporte adequado, com certeza, será auxiliado na obtenção de uma melhor readaptação social, alcançando assim, uma melhor qualidade de vida.

 

Referências

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* Psicóloga. Egressa Ulbra/Canoas, RS. Aluna do Curso de Especialização em Terapias Cognitivas WP, Porto Alegre, RS.
** Psicóloga. Egressa Ulbra/Canoas, RS.
*** Psicóloga. Doutor em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia Ulbra/Canoas, RS.&– tania.rudnicki@gmail.com

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