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Revista da SBPH
Print version ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.19 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2016
ARTIGOS
Uso de atividades lúdicas no processo de humanização em ambiente hospitalar pediátrico: intervenção Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET/Saúde REDES - Urgência e Emergência)
Use of playful activities in the humanization process in a pediatric hospital: intervention Education Program through Work for Health (PET/Health NETWORKS - Urgency and Emergency)
Raphael A. S. Araujo1, I; Flávio Aragão da Silva2, I; André Faro3, I; Ana Luíza Oliveira Sobral4, II
IUniversidade Federal de Sergipe
IIHospital de Urgências de Sergipe
RESUMO
Este artigo tem por objetivo discorrer sobre as atividades lúdicas realizadas por alunos monitores do "PET/Saúde REDES - Urgência e Emergência" em uma enfermaria pediátrica de um hospital de urgência. Diante da inexistência de uma brinquedoteca e da escassez de atividades lúdicas, foram propostas atividades de leitura e pintura às crianças internadas neste local. Durante as intervenções, a necessidade da existência permanente dessas atividades ficou bastante evidente, bem como de um local exclusivo para o trabalho do lúdico. Com a evolução das abordagens, as crianças se apresentaram mais eufóricas, comunicativas e participativas, enquanto os alunos monitores também puderam desenvolver suas habilidades comunicativas e de formação de vínculo. Todo o processo, além de beneficiar as crianças e os alunos, fez com que o serviço de saúde do local se tornasse mais humanizado.
Keywords: criança hospitalizada; recreação; humanização da assistência.
ABSTRACT
This article aims to discuss the playful activities conducted by "PET/Health NETWORKS - Urgency and Emergency" monitor students in a pediatric ward of an urgency hospital. Due to the lack of a playroom and the shortage of playful activities, reading and painting were proposed to the children admitted at this location. During the interventions, the need for permanent existence of these activities was very evident, as well as a unique place to work the playful aspect. With the evolution of the approaches, the children were more euphoric, communicative and participatory, while the monitor students could also develop their communication skills and abilities to form bond. Besides benefiting children and students, the entire process made the local health service more humanized.
Keywords: child hospitalized; recreation; humanization of assistance.
Introdução
O processo de hospitalização de uma criança interfere no seu comportamento e no seu estado de humor, e muitos fatores estão envolvidos nesse processo. Alguns deles são relatados em estudos: a mudança na rotina diária; o ambiente estranho e, muitas vezes, pouco acolhedor; a ausência das atividades escolares e recreativas; a presença constante de pessoas desconhecidas; e, por fim, a doença e suas comorbidades em si (Soares & Zamberlan, 2001). Todos eles estão intimamente relacionados ao impacto emocional gerado na criança e em seus acompanhantes (Schneider & Medeiros, 2011).
Algumas das alterações comportamentais relatadas, como a ansiedade, o estresse e o medo, estão presentes na internação adulta e tomam dimensões bem maiores quando envolvem a população pediátrica. Por conta disso, existem diversas estratégias para tornar o ambiente hospitalar mais interessante e menos assustador, algumas delas preconizadas pelo próprio Ministério da Saúde e entidades responsáveis. O uso do lúdico é uma dessas estratégias.
Embora comumente usado na forma substantivada, o lúdico é um adjetivo que indica algo que possua a natureza do brincar. Seu uso favorece uma adaptação da criança ao ambiente hospitalar, facilitando a expressão de seus sentimentos e interesses, e dessa maneira, fortalecendo sua autoestima e seu processo de recuperação, concomitante ao tratamento clínico. Somado a isso, Angelo e Vieira (2010) afirmam que o ato de brincar proporciona recursos para elaborações afetivo-cognitivas que podem auxiliar na saúde psicológica da criança hospitalizada. Esses benefícios se dão devido à modificação do cotidiano e da rotina hospitalar, refletindo no humor e na diminuição do estresse durante sua estadia no local. Ainda segundo Gottfried e Brown(1986), o desenvolvimento de atividades lúdicas com a participação efetiva da criança internada também pode acelerar seu processo de recuperação clínica, diminuindo o tempo de hospitalização e, consequentemente, seu custo financeiro.
Outro estudo definiu também que o lúdico promove a integralidade da atenção, uma maior adesão ao tratamento, além do estabelecimento de vias que facilitam a comunicação entre a criança, os profissionais de saúde e os acompanhantes. Além disso, ainda assegura a manutenção dos direitos da criança e a ressignificação da doença por parte dos sujeitos. Em união, esses fatores contribuem para a mudança no modelo tradicional de assistência às crianças hospitalizadas (Mitre & Gomes, 2004).
De acordo com a Lei Nº 11.104, sancionada em 2005, é obrigação dos hospitais brasileiros que ofereçam atendimento pediátrico a instalação de brinquedotecas em suas dependências, formadas por espaços físicos que contenham brinquedos e jogos educativos, destinados às crianças e seus acompanhantes. Essa conquista só foi possível graças a projetos em favor de uma maior humanização nos hospitais e pelo reconhecimento da importância dos brinquedos e do lúdico no tratamento de crianças e adolescentes. Todos esses esforços visam proporcionar um ambiente mais agradável e acolhedor para uma boa recuperação das crianças.
Apesar da necessidade e da existência de uma lei que obriga a implantação, percebe-se a escassez de brinquedotecas e de atividades e estratégias que tornem os pronto-socorros e as enfermarias pediátricas dos hospitais brasileiros mais acolhedores. As crianças em tratamento hospitalar passam dias a meses com poucas ou, na maioria dos casos, nenhuma atividade de lazer oferecida pelo serviço público (Villela & Marcos, 2009).
O PET/Saúde REDES – Urgência e Emergência, programa do Ministério da Saúde, é desenvolvido na cidade de Aracaju-SE desde agosto de 2013, e propõe o desenvolvimento de vivências em serviços e atividades de pesquisa, ensino e extensão. Essas atividades visam à produção e à disseminação de conhecimentos relevantes na área da saúde, e sob a orientação de um tutor e um preceptor, os alunos são apresentados à realidade existente nos serviços de urgência em saúde. Os alunos monitores contam com diversos ambientes de vivência e intervenção, dentre eles a enfermaria pediátrica de um hospital de urgências público. Nesse local foi constatada a escassez de atividades lúdicas e até a inexistência de uma brinquedoteca.
Diante desse contexto, e do que preconiza o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (2010), torna-se necessária a implantação de medidas e intervenções, a exemplo de práticas lúdicas, educativas, e a criação de brinquedotecas como meio de humanização hospitalar. Dessa maneira, este trabalho tem como objetivo discorrer sobre as intervenções realizadas pelos alunos monitores do PET/Saúde REDES em ambiente com crianças hospitalizadas.
Método
A intervenção na enfermaria pediátrica deste hospital de urgências ocorreu durante o ciclo de vivência nesse local, iniciado dia 14 de maio de 2014 e finalizado dia 01 de agosto de 2014, e foi composto por oito horas semanais, nos quais os alunos monitores, acompanhados por um preceptor, inicialmente diagnosticaram a ausência de atividades lúdicas e de uma brinquedoteca (obrigatória pela Lei Nº 11.104, sancionada em 2005), provocando ociosidade e alterações comportamentais relatadas pelos genitores acompanhantes. Após o diagnóstico inicial, foi elaborado um projeto de intervenção, o qual foi aprovado pelo preceptor e pelo tutor, e colocado em prática. Foram coletados materiais para leitura e desenho junto ao setor de psicologia da pediatria e, com esse material, os autores abordaram as crianças em seus leitos nos momentos em que essas se apresentavam ociosas. Para momentos de leitura, foram utilizados livros de histórias narrativas e livros de poesias, ambos infantis, além de um livro-guia específico para crianças diabéticas e outro para crianças com câncer. Para momentos de desenho e pintura, foram utilizados lápis de cor, giz de cera e fotocópias disponibilizadas pelo grupo de controle de infecção hospitalar, as quais, além de divertir, ensinavam e estimulavam práticas de higiene adequadas.
Por se tratar de um relato de experiência, o mesmo não foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa. Porém buscou-se cumprir os princípios éticos, respeitando os interesses, a integridade e a dignidade de todos os envolvidos. As atividades do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde – PET/Saúde: Rede de Urgência e Emergência possuem autorização das Secretarias Municipal de Saúde de Aracaju e Estadual de Saúde de Sergipe.
Resultados e Discussão
Durante as primeiras abordagens, foi logo percebido o quanto as crianças necessitavam de um ambiente para se divertir e desenvolver sua cognição. O comportamento de surpresa e alegria dos pacientes e seus acompanhantes demonstravam que esse tipo de abordagem não é comum naquele ambiente, e que os profissionais e responsáveis pelo setor não dão a devida importância para a questão.
As crianças eram abordadas em momentos que não estavam em nenhuma intervenção com os profissionais de saúde do setor, nem em momentos de descanso e sono. Ao início de cada abordagem, os alunos se apresentavam como estudantes de graduação em Medicina, explicavam qual o intuito da abordagem e conversavam inicialmente sobre a história do paciente. Após seguidas abordagens, percebeu-se que a habilidade dos alunos para colher informações e o interesse pela história de vida dos pacientes e suas implicações foram crescendo e amadurecendo. Alguns acompanhantes genitores relataram que seus filhos conseguiam discorrer sobre suas angústias, anseios e perspectivas com maior facilidade com o decorrer das atividades, tanto pelo vínculo criado e fortificado durante as visitas, quanto pelo uso das atividades lúdicas.
Após a conversa inicial, e sabendo um pouco da história de vida do paciente, era proposta uma atividade de acordo com sua idade e nível educacional. Com as crianças alfabetizadas e de boa capacidade de leitura, eram apresentados alguns títulos disponíveis, e sua leitura era individual. Ao término da leitura, ela era estimulada a discorrer sobre a narrativa e destacar os aprendizados absorvidos. Algumas crianças tinham muita timidez em falar inicialmente, porém quando a discussão era introduzida pelos alunos com algumas ideias gerais, elas acompanhavam e logo também participavam da formação crítica do texto. Em algumas abordagens, com crianças não alfabetizadas, a leitura era realizada pelos alunos, e acompanhada através da escuta e das imagens presentes no livro. Ao final, elas também eram estimuladas a discorrer sobre suas ideias e reflexões.
Durante as intervenções, algumas crianças com diabetes foram abordadas, e durante o período de leitura, utilizou-se um livro-guia próprio para a faixa etária que esclarece algumas dúvidas sobre a doença. Através desse livro, informações como causas, cuidados necessários, tipos de alimentação recomendados, e alguns dados subjetivos, forneciam o entendimento necessário para tranquilizar as crianças e seus genitores quanto à doença. Nesse ponto, percebe-se como a leitura no ambiente hospitalar pode ser benéfica para o entendimento sobre o processo do adoecer.
Em outros momentos da intervenção, ou quando a abordagem ocorria com crianças pequenas ou resistentes à leitura, eram entregues alguns desenhos para pintura com lápis de cor e giz de cera. Com os desenhos fornecidos pelo grupo de controle de infecção hospitalar, foram trabalhadas as formas de higiene necessárias e a importância delas para evitar o contágio de outras doenças dentro do hospital. Ao final da pintura, a imagem era fixada na parede ao lado do leito, ou de acordo com o interesse da criança. Muitos demonstraram satisfação e orgulho, e comentavam que queriam poder realizar essas atividades mais vezes.
Ao decorrer das intervenções, as crianças se apresentaram mais participativas, eufóricas, comunicativas e com o interesse pelas atividades mais aguçado. Esse processo foi diretamente proporcional ao desenvolvimento do vínculo com os pacientes, e sendo essa formação do vínculo sabidamente mais trabalhosa doque com os pacientes adultos, pelas próprias características da faixa etária, foi visualizada a importância dessa inserção dos acadêmicos nos serviços de saúde. Os alunos apresentavam certas dificuldades no desenvolvimento inicial do vínculo, explicadas pela falta de disciplinas curriculares que os capacitem durante a graduação ou de experiências similares anteriores. Essas dificuldades foram sendo parcialmente vencidas com o passar das atividades, e juntamente com o desenvolvimento das habilidades comunicativas, foram considerados pontos extremamente positivos para a formação acadêmica.
Considerações Finais
As atividades realizadas na enfermaria pediátrica desse hospital de urgências em Aracaju trouxeram muitos benefícios para as crianças que participaram delas. Essas intervenções estimularam a realização de leituras e de pinturas, essenciais para a formação cognitiva nessa faixa etária. Junto a isso, muitas crianças apresentaram uma crescente melhora na relação afetiva com os alunos de graduação e familiares acompanhantes, e se mostraram menos estressadas com a diminuição do tempo de ociosidade.
Outro ponto bastante positivo foi a apresentação de informações sobre o diabetes às crianças-alvo, e esse fato com bons resultados mostrou a importância da criação e distribuição de livros que trabalhem as doenças mais prevalentes na população pediátrica que apresenta períodos de internação frequentes. Esses livros são ótimos coadjuvantes ao disponibilizar, com uma linguagem simples, diversas informações sobre as doenças, e ao criar comportamentos benéficos para seu cuidado e controle, e, por conseguinte, reduzir o número de reinternações.
Por fim, ao mesmo tempo em que a construção contínua da personalidade profissional ocorria, através do desenvolvimento das habilidades de comunicação e de formação de vínculo, o serviço de saúde prestado nessa enfermaria pediátrica também era beneficiado com a realização dessas atividades que humanizavam e acolhiam os pacientes ali internados. Esse processo afirma como o PET/Saúde REDES – Urgência e Emergência tem se mostrado muito efetivo e benéfico, tanto aos usuários dos serviços de saúde, quanto aos próprios locais onde as intervenções são realizadas, e por fim, aos estudantes de graduação.
Referências Bibliográficas
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1 Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe – Aracaju – Sergipe. E-mail: raphasantiago@hotmail.com
2 Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe – Aracaju – Sergipe. E-mail: flavinho_aragao@hotmail.com
3 Doutor em Psicologia – Universidade Federal de Sergipe – Aracaju – Sergipe. E-mail: andrefaro@superig.com.br
4 Mestre em Psicologia Social – Hospital de Urgências de Sergipe – Aracaju – Sergipe. Email: analuizasobral@hotmail.com