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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
Print version ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.13 no.1 São Paulo June 2011
ARTIGOS
Consciência verbal, não-verbal e fenomênica: uma proposta de extensão conceitual no behaviorismo radical
Verbal, non-verbal and phenomenal consciousness: proposing a conceptual extension on radical behaviorism
Diego Zilio*
Laboratório de Análise Biocomportamental; Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental - USP
RESUMO
No behaviorismo radical define-se como consciência ou "comportamento consciente" o responder verbal discriminativo ao próprio comportamento. No presente artigo é proposta uma extensão do conceito de consciência para além do âmbito verbal. Além disso, sugere-se que uma terceira definição de consciência, fundamentada na filosofia da mente, em que o termo indicaria o aspecto subjetivo do comportamento, também é compatível com a filosofia behaviorista radical. Dessa forma, haveria três definições de consciência: verbal, não-verbal e fenomênica. A extensão do conceito de consciência sem a violação dos princípios behavioristas radicais é importante, pois coloca o behaviorismo radical no centro das discussões contemporâneas em filosofia da mente e neurociências acerca da consciência.
Palavras-chave: behaviorismo radical; Skinner; consciência; experiência; subjetividade.
ABSTRACT
From the perspective of radical behaviorism, consciousness, or "conscious behavior", is defined as the discriminative responding to one's own behavior. In the present paper it is proposed a definition of consciousness that extends beyond its verbal domain. Moreover, it is suggested that a third definition of consciousness, based on philosophy of mind, in which the term indicates the subjective character of behavior, is compatible with radical behavioristic philosophy. Thus, there would be three definitions of consciousness: verbal, non-verbal and phenomenal. Extending the concept of consciousness without violating radical behavioristic principles is important because it puts radical behaviorism in the core of contemporary discussions of philosophy of mind and neurosciences regarding consciousness.
Keywords: radical behaviorism; Skinner; consciousness; experience; subjectivity.
Introdução:
Uma das críticas mais persistentes contra o behaviorismo diz respeito ao seu tratamento da consciência (Skinner, 1974). Há os que sustentam que o behaviorismo nega a própria existência do fenômeno, pois "considera todo conceito de consciência como sendo inútil e incorreto, não sendo outra coisa senão a sobrevivência da superstição medieval a respeito da alma e toda ela não merecedora de consideração científica" (Heidbreder, 1933/1981, p. 207). Por outro lado, há os que dizem que o behaviorismo, na verdade, não nega a existência da consciência, mas apenas a deixa de fora do estudo científico do comportamento, já que ela não seria passível de análise pelo método objetivo da psicologia comportamental (Marx & Hillix, 1973). Seja qual for a posição atribuída, o problema central parece ser a suposta negligência do behaviorismo em relação à consciência.
Embora Heidbreder (1933/1981) e Marx e Hillix (1973) circunscrevam seus comentários ao behaviorismo de Watson, Baars (2003) coloca Skinner ao lado de Watson como partidário da eliminação da consciência: "O behaviorismo radical de Watson e Skinner é, de fato, uma ideologia da rebelião. Ele se define como uma luta militante contra [...] a psicologia da consciência da antiga geração acadêmica" (p. 16). Entretanto, a luta contra os métodos e pressupostos epistemológicos - e até mesmo ontológicos - da psicologia da consciência não precisa necessariamente ser uma luta contra a consciência enquanto fenômeno de estudo. De fato, ao colocar a negligência da consciência como uma das vinte críticas falsas dirigidas ao behaviorismo radical, Skinner (1974) apresentou a análise comportamental do fenômeno.
Contudo, no behaviorismo radical, a consciência, ou "comportamento consciente", é normalmente caracterizada pelo responder verbal discriminativo ao próprio comportamento (e.g., Carvalho Neto, 1999; De Rose, 1982; Machado, 1997; Natsoulas, 1978, 1986; Tourinho, 1995). Coloca-se, então, outro problema para o behaviorismo radical: o da consciência não-verbal (e.g., Davis, 1988; Dennett, 1996, 1998). Animais que não se comportam verbalmente possuiriam algum tipo de consciência? Essa questão é por demais importante, ainda mais no contexto atual das neurociências, no qual o estudo científico da con-sciência não é mais restrito ao método introspectivo e aos relatos verbais (e.g., Baars, 2005; Denton, 2007; Edelman, Baars & Seth, 2005).
Outro problema fundamental da consciência é o do aspecto subjetivo da experiência consciente, isto é, o problema da consciência fenomênica (Chalmers, 1995, 1996). Segundo Chalmers (1995) o problema fenomênico seria o "problema difícil" da consciência, em contraposição ao "problema fácil" relacionado à consciência enquanto responder discriminativo ao próprio comportamento. O behaviorismo radical, portanto, possuiria envergadura conceitual para lidar com o "problema difícil" da consciência?
O objetivo deste artigo é tratar desses dois problemas para, assim, colocar o behaviorismo radical em consonância com as discussões atuais acerca da consciência. Para tanto, primeiramente iremos tratar da definição clássica de consciência proposta por Skinner. Em seguida avaliaremos a possibilidade de existência da consciência não-verbal pela perspectiva behaviorista radical. Finalmente, analisaremos a partir do behaviorismo radical o "problema difícil" da consciência fenomênica.
Consciência verbal: a definição clássica
Para Skinner (1945/1961b, 1971, 1974) a consciência é um produto social cuja gênese está nas perguntas feitas pela comunidade verbal a respeito dos comportamentos dos sujeitos que dela fazem parte. Estar inserido numa comunidade verbal que faz perguntas sobre o nosso comportamento faz com que classes operantes verbais relacionadas à auto-observação sejam reforçadas e é justamente esse o primeiro passo para a consciência: observar o próprio comportamento. O segundo passo, já no âmbito verbal, é a autodescrição, ou seja, a descrição dos próprios comportamentos. Nesse caso, a comunidade verbal ensina o sujeito a responder discriminativamente perante o seu próprio comportamento. A partir do momento em que o próprio comportamento do sujeito passa a atuar como estímulo discriminativo para suas respostas autodescritivas, dizemos que esse sujeito é consciente, ou melhor, que possui autoconhecimento. Skinner (1945/1961b) resume claramente sua posição sobre a consciência:
"Estar consciente, como uma forma de reagir ao próprio comportamento, é um produto social. [...] é apenas porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade que a sociedade, por sua vez, faz com que ele seja importante para o indivíduo. O indivíduo se torna consciente sobre o que ele está fazendo apenas depois que a sociedade reforçou respostas verbais que dizem respeito ao seu comportamento como fonte de estímulo discriminativo" (p. 281).
O ponto central é que nós não apenas nos comportamos, mas também observamos que estamos nos comportando e observamos as condições sob as quais nos comportamos (Skinner, 1969). De acordo com Skinner (1971, 1974, 1987), se não fosse pela comunidade verbal, os sujeitos possivelmente estariam inconscientes de seus repertórios comportamentais e das contingências de reforço das quais eles são função. Nas palavras do autor (1987): "todo comportamento, humano ou não-humano, é inconsciente; ele se torna 'consciente' quando ambientes verbais estabelecem as contingências necessárias para a auto-observação" (p. 782). Por sua vez, ser consciente, no contexto do behaviorismo radical, é ser capaz de responder discriminativamente ao próprio comportamento, o que significa que a consciência é, na verdade, o conhecimento de si mesmo.
À primeira vista, a definição de consciência proposta por Skinner parece simples. No entanto, ela guarda sutilezas que merecem uma análise mais cuidadosa. Nesse contexto, um ponto que devemos levar em conta é a concepção de conhecimento por detrás dessa definição. O que significa dizer que uma pessoa consciente é aquela que "conhece" a si mesma? Skinner (1956/1961c) assevera que "o conhecimento não é para ser identificado com como as coisas aparecem para nós, mas antes com o que fazemos a respeito [das coisas]" (p. 215). Em poucas palavras, conhecimento é comportamento, é responder aos estímulos que compõe o nosso ambiente, é ação e não contemplação. Dizemos que um organismo "conhece" quando seu comportamento está em consonância com as contingências (Skinner, 1974). Tomemos como exemplo uma contingência de discriminação em que um estímulo luminoso discrimina a ocasião na qual respostas de pressionar a barra pertencentes à mesma classe serão seguidas de consequências reforçadoras. Um organismo cuja frequência de respostas geradoras de consequências reforçadoras seja alta é um organismo que "conhece" tal contingência. Nesse caso, conhecer é responder de certa maneira, numa dada ocasião, gerando, assim, consequências. Porém, um sujeito também "conhece" quando é capaz de descrever contingências (Skinner, 1974): o experimentador que estabeleceu a contingência de operante discriminado do nosso exemplo é capaz de descrever essa contingência e, nesse sentido, ele também a conhece. Para Skinner (1974) são dois tipos diferentes de conhecimento - conhecer enquanto "contato" com as contingências (sujeito experimental) e enquanto "descrição" das contingências (experimentador).
Quando lidamos com o conhecimento no contexto da consciência estamos nos referindo ao conhecimento "descritivo". Skinner (1972a) afirma, por exemplo, que uma "criança responde às cores das coisas antes de 'conhecer suas cores'. Conhecer requer contingências de reforço especiais que precisam ser arranjadas por outras pessoas" (p. 18). Nota-se, portanto, que o conhecimento enquanto "descrição" das contingências é imprescindível na definição de consciência, e esse tipo de conhecimento é essencialmente verbal. Para Skinner (1990), a própria etimologia da palavra "consciência" é um indício desse fato: "A palavra consciente [...] significa co-conhecimento (Latim: co-ciência) ou 'conhecimento com outros', uma alusão às contingências verbais necessárias para ser consciente" (p. 1207).
O conhecimento "descritivo", sendo esse o conhecimento desenvolvido "com outros" (comunidade verbal), quando posto como característica definidora da consciência, reforça a tese segundo a qual a consciência seria um produto verbal. Afinal, o conhecimento "descritivo", como o nome já diz, é a descrição verbal das contingências; e o conhecimento "com outros" indica apenas as contingências estabelecidas pela comunidade verbal relacionadas à auto-observação, autodescrição e autoconhecimento. Podemos concluir que, para o behaviorismo radical, o comportamento verbal é condição para a consciência. Dizemos que um sujeito é consciente se ele responde discriminativamente ao seu próprio comportamento e responder discriminativamente, nesse caso, consiste em responder verbalmente por meio de descrições dos seus comportamentos.
É importante analisarmos outra característica essencial da consciência: enquanto processo comportamental, a consciência equivale a responder discriminativamente ao próprio comportamento ou, nas palavras de Skinner (1945/1961b), trata-se de "uma forma de reagir ao próprio comportamento" (p. 281). Devemos considerar, portanto, ao que, exatamente, o sujeito consciente responde discriminativamente. Skinner apresenta algumas pistas nas seguintes passagens: "foi apenas quando contingências sociais, essencialmente verbais, levaram alguém a responder ao seu próprio corpo que se pode dizer que esse alguém se tornou consciente dele" (1983, p. 128); "estamos conscientes do que estamos fazendo quando descrevemos a topografia do nosso comportamento" (1969, p. 244); "estamos conscientes da razão pela qual estamos fazendo quando descrevemos as variáveis relevantes, assim como aspectos importantes da ocasião ou do reforço" (1969, p. 244); e, finalmente, "um homem que estiver sozinho desde o nascimento não possuirá comportamento verbal, não estará consciente de si mesmo como uma pessoa" (1971, p. 123). Essas passagens são importantes porque deixam entrever os aspectos do comportamento sobre os quais o sujeito consciente responde discriminativamente.
Comecemos pela última passagem: o que significa estar consciente de si mesmo como uma pessoa? Skinner (1974) sustenta que um membro da espécie humana "começa como um organismo e se torna uma pessoa ou um self na medida em que adquire um repertório de comportamento" (p. 225). Ser uma "pessoa", portanto, implica possuir um repertório comportamental construído ao longo da interação com o ambiente - um repertório único, pois cada organismo possui uma história ontogenética única (Skinner, 1953/1965, 1957, 1963b, 1964/1972b, 1974). Portanto, o sujeito consciente é aquele que responde a si mesmo enquanto uma "pessoa" que possui uma "identidade" derivada de uma história de interação com o ambiente responsável por um repertório comportamental único. É coerente supor que talvez essa seja a situação mais complexa acerca da consciência, pois abrange não só o conhecimento "descritivo", que é estabelecido "com outros" (comunidade verbal), mas também depende de uma representação verbal de si mesmo enquanto uma "pessoa" ou um "self" à qual o sujeito responde discriminativamente. Conforme vimos no início desta seção, a consciência se desenvolve a partir das contingências estabelecidas por uma comunidade verbal bastante inquisitiva e quando lidamos com a consciência de si mesmo como "pessoa" a pergunta fundamental é "Quem é você?". Responder a essa pergunta implica conhecer a si mesmo enquanto um complexo repertório comportamental.
Skinner (1969) também sustenta que respondemos discriminativamente ao nosso comportamento levando-se em conta as variáveis das quais ele é função. Estar consciente das "razões" pelas quais nos comportamos implica responder à pergunta "Por que você está fazendo isso?". Não é preciso que o sujeito possua uma noção de si mesmo enquanto "pessoa" para que responda a essa questão. Um sujeito com amnésia, por exemplo, pode não ser capaz de responder quem ele é, mas isso não impede, em princípio, que ele possa localizar e descrever a função do comportamento posto em evidência pelo questionador.
Há ainda outra questão relacionada à consciência: "O que você está fazendo?". Trata-se de uma pergunta que foca a topografia do comportamento. Nesse caso, responder discriminativamente ao próprio comportamento consiste apenas em descrever a topografia das respostas sem levar em conta suas funções. Em face do questionamento "O que você está fazendo?", um sujeito pode responder "Estou indo à cozinha". Tal sujeito está consciente de seu comportamento, pois é capaz de descrevê-lo; entretanto, ele não indicou na resposta a função do comportamento. Se o questionador continuar o diálogo com a questão "Por que você está indo à cozinha?", o sujeito poderá responder "Não sei", indicando, assim, que ele não tem consciência da função de seu comportamento, ou poderá responder "Porque o jarro de água está na cozinha e eu estou com sede", indicando, nessa resposta, a função de seu comportamento.
Finalmente, resta-nos avaliar o que Skinner (1983) quer dizer com responder discriminativamente ao próprio corpo. Em poucas palavras, o sujeito responde discriminativamente ao seu próprio corpo quando este atua como fonte de estimulação interoceptiva e proprioceptiva. A consciência, portanto, envolve também a descrição de eventos privados. Nesse contexto, a pergunta mais comum acerca dos eventos privados é "O que você está sentindo?". Continuando com o exemplo do sujeito que está indo à cozinha, mediante o questionamento sobre o que está sentindo ele pode responder "Estou com sede". Nesse caso, ele está respondendo discriminativamente a um evento privado possivelmente associado à privação de água.
É importante ressaltar, porém, que as perguntas "O que você está fazendo?" e "Por que você está fazendo isso?" também podem ser direcionadas a eventos privados; especificamente, a comportamentos encobertos. À primeira questão o sujeito pode responder, por exemplo, "Eu estou pensando sobre um problema matemático" e à segunda questão ele pode responder "Estou tentando resolver o problema porque há um prêmio para quem apresentar a resposta correta". Nesse caso, o sujeito estaria consciente acerca do que ele está fazendo e da razão pela qual ele está fazendo.
Consciência não-verbal: primeira extensão do conceito
Até o momento focamos em nossa análise três fatores relacionados à definição behaviorista radical de consciência: a concepção de conhecimento por detrás dessa definição - o conhecimento "descritivo"; o papel da comunidade verbal no estabelecimento desse conhecimento - o conhecimento "com outros"; e os aspectos do comportamento aos quais o sujeito responde discriminativamente - repertório comportamental ("pessoa"), função e topografia. Além disso, ressaltamos que a consciência também consiste em responder discriminativamente a eventos privados (estimulações proprioceptivas e interoceptivas e comportamentos encobertos).
Tendo em vista essas informações, parece ser imprescindível à consciência a existência de contingências verbais envolvidas nesse tipo de controle discriminativo. Todavia, é difícil deixar de lado a ideia de que organismos que não se comportam verbalmente também possuam algum tipo de consciência. Afinal, é plenamente possível que existam contingências em que propriedades de comportamentos prévios dos sujeitos possam atuar como estímulos discriminativos para relações operantes subsequentes. Nesse caso, o sujeito estaria respondendo discriminativamente ao seu próprio comportamento (e.g., Pliskoff & Goldiamond, 1966; Reynolds, 1966). Além disso, organismos que não se comportam verbalmente também possuem siste-mas nervosos interoceptivos e proprioceptivos e, assim, seus corpos também podem servir de fonte de estimulação discriminativa (e.g., Degrandpre, Bickel & Higgins, 1992; Lubinski & Thompson, 1987; Slucki, Adam & Porter, 1965; Ziegler, Keith, Pitts & Galizio, 2002). Talvez seja exatamente por esse motivo que definir a consciência apenas como "uma forma de reagir ao próprio comportamento" (Skinner, 1945/1961b, p. 281) ou como responder discriminativamente ao próprio comportamento não seja suficiente. Essas atividades não são necessariamente verbais, e, conforme vimos anteriormente, a definição "clássica" de consciência no behaviorismo radical envolve comportamento verbal.
Ademais, mesmo se focarmos na noção de "conhecimento" como fator imprescindível na definição de consciência ainda pareceria um contrassenso eximir de organismos que não se comportam verbalmente algum tipo de consciência. Ora, Skinner (1974) apresenta dois tipos de conhecimento: o conhecimento "descritivo" (descrição das contingências) e o conhecimento por "contato" (sensibilidade às contingências). Um organismo que não se comporta verbalmente, mas que responde discriminativamente ao seu próprio comportamento, "conhece" a si mesmo no sentido de ser sensível às contingências relacionadas ao controle discriminativo em que seu próprio comportamento atua como ocasião para a ocorrência de respostas. O único fator ausente seria, então, o comportamento verbal, que possibilitaria o conhecimento "descritivo" estabelecido por meio da interação com a comunidade verbal, ou seja, com os "outros" indicados pela etimologia da palavra "consciência".
Talvez atribuir ou não consciência a organismos que não se comportam verbalmente seja apenas uma questão de princípio. Por definição, para o behaviorismo radical a "consciência" é um tipo de conhecimento inerente ao comportamento verbal. Por outro lado, é difícil sustentar definições a priori no behaviorismo radical, já que a filosofia da ciência proposta por Skinner, além de prezar pelo empiricismo, sustenta que o estabelecimento de uma teoria do comportamento, assim como dos conceitos que a constituem, deve ocorrer a partir dos dados experimentais e não por meio de uma atividade puramente analítico-conceitual (Skinner, 1938/1966, 1947/1961a). Essa característica do behaviorismo radical talvez justifique postular um tipo de consciência não-verbal. A consciência não-verbal seria caracterizada pelo responder discriminativamente ao próprio comportamento e pelo conhecimento por "contato" com as contingências relacionadas a esse tipo de controle discriminativo. O organismo consciente possuiria conhecimento de si mesmo no sentido de ser capaz de responder discriminativamente a aspectos do próprio comportamento, seja por meio de estimulação proprioceptiva, interoceptiva ou exteroceptiva. As seguintes passagens de Skinner sugerem uma tese semelhante:
"No sentido em que dizemos que uma pessoa é consciente daquilo que a cerca, ela [também] é consciente dos estados ou eventos de seu corpo; ela está sob controle deles enquanto estímulos. Um boxeador que tenha sido 'posto inconsciente' não está respondendo aos estímulos atuais quer dentro ou quer fora de sua pele. [...] Longe de ignorar a consciência nesse sentido, uma ciência do comportamento desenvolveu novas maneiras de estudá-la. [...] Uma pessoa torna-se consciente em um sentido diferente quando uma comunidade verbal arranja contingências sobre as quais ela não apenas vê um objeto, mas também vê que está vendo um objeto" (1974, pp. 219-220).
"Eu acredito que todas as espécies não-humanas são conscientes [...] tal como são todos os humanos previamente à aquisição do comportamento verbal. Elas veem, ouvem, sentem, e assim por diante, mas elas não observam o que estão fazendo. [...] uma comunidade verbal [...] fornece as contingências para o comportamento autodescritivo que é o coração de um tipo diferente de consciência [awareness] ou consciência [consciousness]" (1988, p. 306).
Em síntese, há a "consciência não-verbal", que consiste em responder discriminativamente ao próprio comportamento, e há a "consciência verbal", que consiste em responder discriminativamente de maneira verbal ao próprio comportamento. No primeiro caso, Skinner fala do boxeador que, por estar "inconsciente", não é sensível às estimulações, sejam elas exteroceptivas, proprioceptivas ou interoceptivas, o que significa que ele não as conhece (conhecimento por "contato"). No segundo caso, Skinner (1988) sustenta que há um tipo de consciência relativa à observação do próprio comportamento e utiliza com a percepção visual como exemplo (Skinner, 1974), especificamente o processo de ver que está vendo, de acordo com o qual você está "observando você mesmo no ato de ver" (Skinner, 1969, p. 244). Trata-se do responder discriminativamente às respostas perceptivas (conhecimento "descritivo"). Por exemplo, ao ver um "livro vermelho" e relatar que está vendo um "livro vermelho" o sujeito não está propriamente descrevendo o estímulo "livro vermelho" em si, mas sim a resposta visual que o estímulo "livro vermelho" ocasionou (Skinner, 1963b).
Consciência enquanto experiência: segunda extensão do conceito
Apresentamos nas seções anteriores a definição behaviorista radical de consciência, segundo a qual um sujeito seria consciente no sentido de responder discriminativamente ao seu próprio comportamento. As respostas discriminativas podem ser verbais, resultando, assim, no conhecimento "descritivo" e na concepção de "consciência verbal" tal como comumente apresentada por Skinner (e.g., 1945/1961b, 1954, 1953/1965, 1957, 1969, 1971, 1974, 1988). Todavia, as respostas discriminativas também podem ser não-verbais, o que resulta no conhecimento por "contato" e no que definimos ser a "consciência não-verbal". Porém, há na filosofia da mente um outro sentido dado ao termo "consciência": consciência como experiência subjetiva. Normalmente, a consciência que indica "ciência" ou "ter conhecimento..." é classificada como consciência descritiva ("awareness") enquanto a experiência subjetiva é denominada como consciência fenomênica ("consciousness") (Chalmers, 1995, 1996). O intuito desta seção é tratar da consciência fenomênica e, para tanto, é preciso delimitar quais as idéias centrais por detrás do conceito.
Para Chalmers (1995, 1996), o "problema difícil" da consciência fenomênica é o problema da experiência. Assim, a consciência não é uma coisa e a experiência é outra coisa: trata-se do mesmo fenômeno. Isso significa, por exemplo, que ter uma experiência de "dor" é ter uma experiência consciente. Torna-se, então, redundante falar de "experiência consciente", pois estamos nos referindo a apenas um fenômeno, a experiência, que também é, em si, consciência. Sendo assim, daqui em diante utilizaremos apenas o termo "experiência".
O autor que talvez tenha colocado o problema da experiência de maneira mais perspicaz seja o filósofo Thomas Nagel (1965, 1974, 1986/2004, 1998). Para o autor, um organismo é consciente se é cabível perguntarmos como é ser tal organismo, e "ser", nesse sentido, é o que caracteriza o aspecto subjetivo da experiência. Em seu texto, Nagel (1974) afirma que nunca saberemos como é ser um morcego porque nunca seremos capazes de adotar o ponto de vista de um morcego. Os morcegos possuem um sistema perceptivo bastante diferente em relação ao dos seres humanos: eles percebem o mundo externo a partir de "sonares" capazes de circunscrever a geografia do ambiente. Especificamente, os morcegos emitem ondas sonoras que ao se chocarem com os objetos do ambiente causam ecos. Os ecos, por sua vez, servem como estímulos auditivos a partir dos quais os morcegos podem estabelecer as características geográficas do ambiente. Trata-se de uma forma de perceber o mundo bastante diferente da nossa e é justamente por isso que Nagel (1974) afirma que nunca saberemos como é ser um morcego, isto é, nunca saberemos como é ter uma experiência subjetiva de se locomover pelo mundo através do ponto de vista resultante do sistema de sonar dos morcegos.
Poderíamos indagar, porém, que acabamos de descrever como funciona a percepção dos morcegos e que isso significa que sabemos como é ser um morcego? Para Nagel (1974), não podemos formar mais do que uma concepção esquemática sobre como é ser um morcego. Nós estamos presos aos nossos próprios sistemas perceptivos e aos nossos próprios pontos de vista, e é apenas a partir dessa nossa constituição que podemos meramente imaginar como é ser um morcego. Nagel (1974), por outro lado, está interessado em saber como é ser um morcego sob o ponto de vista de um morcego e isso, conclui o autor, é impossível. Antes é preciso estar no mesmo ponto de vista para só assim conhecer o que é ser um morcego. Sem estar no mesmo ponto de vista só podemos tecer concepções esquemáticas, baseadas principalmente em nossa capacidade de imaginar, a partir do nosso próprio ponto de vista, como é ser qualquer organismo consciente. O exemplo do morcego é um caso extremo, já que o seu sistema perceptivo é notadamente diferente do nosso, mas o problema do ponto de vista persiste até mesmo entre os seres humanos. Nas palavras de Nagel (1974): "o problema não é limitado aos casos exóticos, pois ele existe até entre as pessoas" (p. 440). Talvez possamos imaginar ou conceber como é ser outra pessoa de maneira mais clara ou acurada por conta do fato de que somos seres que compartilham características fisiológicas e comportamentais; porém, mesmo assim, nunca poderemos saber como é adotar o ponto de vista daquela pessoa.
É importante ressaltar, nesse momento, o que Nagel (1965, 1974, 1986/2004, 1998) entende por "ponto de vista". Para o autor (1974), o problema não é epistemológico: "Meu ponto [...] não é que nós não podemos ter conhecimento sobre como é ser um morcego. Eu não estou lançando esse problema epistemológico" (p. 442). O sentido proposto por Nagel é o de que o ponto de vista é a subjetividade que torna cada organismo único e incapturável por uma análise meramente objetiva, ou até mesmo por uma análise subjetiva a partir dos nossos pontos de vista singulares, isto é, a partir de nossas existências singulares.
Em síntese, um organismo possui experiência se é cabível perguntar como é ser tal organismo, e, nesse contexto, "ser" é o termo chave que caracteriza o aspecto subjetivo da experiência. Nagel (1974) afirma que nunca saberemos como é ser um morcego porque nunca seremos capazes de adotar o ponto de vista de um morcego. O mesmo vale para outros sujeitos: talvez possamos imaginar ou conceber como é ser outro sujeito, porém, mesmo assim, nunca poderemos saber como é adotar o ponto de vista desse sujeito. Para Nagel (1965, 1974, 1986/2004, 1998), ter um ponto de vista significa possuir uma existência particular, intransferível a qualquer outro sujeito e incapturável por uma análise objetiva. Assim, é o ponto de vista que concede ao organismo a sua subjetividade.
No âmbito behaviorista radical, por sua vez, a consciência é caracterizada pelo responder discriminativamente ao próprio comportamento, seja de maneira verbal (consciência verbal) ou, conforme proposto neste artigo, de maneira não-verbal (consciência não-verbal). Entretanto, a concepção de experiência traz à tona outros aspectos definidores: o ponto de vista e a subjetividade. Possuir experiências não é necessariamente responder discriminativamente ao próprio comportamento, embora possa incluir essa forma de controle discriminativo. Sendo assim, a concepção de experiência é mais abrangente do que a de consciência, pois parece sugerir que o comportamento seria, em sua essência, um processo "consciente". Em suma, a consciência enquanto experiência não se resumiria ao responder discriminativo ao próprio comportamento. Como, então, poderíamos definir a experiência a partir da óptica behaviorista radical?
Seguindo a estratégia de Nagel, numa primeira aproximação é plausível sustentar que a experiência seria a relação entre estímulos e respostas sob o ponto de vista do organismo que se comporta. O "ponto de vista" nessa definição não pressupõe que o organismo esteja consciente do seu próprio comportamento, no sentido descritivo do termo, e, assim, o descreve a partir de um ponto de vista privilegiado, já que, afinal, é o seu comportamento que está em foco. Tampouco é pressuposto que organismo responda discriminativamente ao seu próprio comportamento de maneira não-verbal, isto é, que ele possua consciência não-verbal. A questão do ponto de vista em primeira pessoa não tem contornos epistemológicos, pois não estamos discorrendo sobre o conhecimento que o sujeito possa ter de si mesmo. Pelo contrário, o "ponto de vista" da definição aponta para o fato de que as relações comportamentais são sempre as relações de um organismo. Em poucas palavras, o organismo tem um ponto de vista no sentido de ser ele, e não outro, o organismo que se comporta. Desse fato decorre o caráter subjetivo da experiência, que agora indica apenas a condição bastante evidente de que é um organismo único que se comporta.
É importante esclarecer, porém, que esse conceito de subjetividade não deve ser confundido com o de privacidade. No behaviorismo radical (Skinner, 1945/1961b, 1963a, 1969, 1972a, 1974), a noção de privacidade é acompanhada pela tese de que existem eventos públicos e eventos privados. Os eventos privados seriam caracterizados principalmente pelas vias de contato com estimulações internas (i.e., fisiológicas), a saber, os sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo. Em contrapartida, os eventos públicos seriam acessíveis por terceiros e poderiam incluir classes de comportamentos manifestos ou todo e qualquer estímulo com o qual entremos em contato via sistema nervoso exteroceptivo. Por outro lado, a experiência, enquanto comportamento sob o ponto de vista do organismo que se comporta, seja pública ou privada, é sempre subjetiva.
O que mais poderíamos dizer sobre o caráter subjetivo da experiência a partir da perspectiva behaviorista radical? Primeiramente, que o comportamento é subjetivo porque é inerente ao sujeito que se comporta. Nunca poderemos saber como é ser um morcego pelo simples fato de que não somos morcegos. E mais, nunca poderemos saber como é ser exatamente outro sujeito porque não somos esse sujeito. De forma mais exata, o problema é que nunca seremos outro sujeito a não ser nós mesmos, e esse fato confere certa irredutibilidade do comportamento, enquanto experiência, a uma análise puramente objetiva. Por mais que estudemos exaustivamente o comportamento, todo o conhecimento produzido nunca será o bastante para quebrarmos a barreira do ponto de vista em primeira pessoa do organismo que se comporta. Portanto, o que sustenta o argumento da subjetividade é a idéia de que cada sujeito é único e que, por isso, também possui um ponto de vista único. Essa singularidade, por sua vez, impede qualquer tipo de redução do comportamento, enquanto experiência, a um ponto de vista objetivo em terceira pessoa. Skinner parece assegurar que, de fato, há tal unicidade do sujeito:
"Uma pessoa não é um agente iniciador; é um lócus, um ponto em que múltiplas condições genéticas e ambientais se reúnem num efeito conjunto. Enquanto tal, ela permanece indiscutivelmente única. Ninguém mais (a menos que ela tenha um gêmeo idêntico) tem a sua dotação genética e, sem exceção, ninguém mais tem a sua história pessoal" (1974, p. 168).
Skinner (1964/1972b, p. 57) também afirma que "como um produto de um conjunto de variáveis genéticas e ambientais, o homem é asseguradamente único". É bastante claro que para Skinner cada organismo é único e esse fato justifica a atribuição do caráter subjetivo ao comportamento enquanto experiência. Por conseguinte, é possível concluir que a subjetividade, tal como definida aqui, não é negada pelo behaviorismo radical. Ressalta-se, porém, que não há nada nessa definição que justifique caracterizar a experiência ou a subjetividade como propriedades "mentais".
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi sugerir duas extensões do conceito de consciência no behaviorismo radical. A primeira delas consistiu na idéia de consciência não-verbal, caracterizada pelo responder discriminativamente ao próprio comportamento e pelo conhecimento por "contato" com as contingências relacionadas a esse tipo de controle discriminativo. A segunda extensão, por sua vez, envolveu a consciência fenomênica ou, mais precisamente, a experiência subjetiva. Nesse caso, a "experiência" é o comportamento sob o ponto de vista do organismo que se comporta, o que significa que o comportamento é sempre o comportamento de um organismo. Já a "subjetividade" indica que cada organismo é único e que, por isso, também possui um ponto de vista particular, pois sua própria existência é particular. Consequentemente, nunca poderemos saber como é ser esse organismo (adquirir o seu ponto de vista) porque estamos presos à nossa própria existência, isto é, ao nosso próprio ponto de vista, e essa incapacidade confere certa irredutibilidade do comportamento enquanto experiência a uma análise objetiva, seja ela neurocientífica ou comportamental.
No entanto, a abrangência da experiência na extensão conceitual do behaviorismo radical é acompanhada por duas questões essenciais: (1) Não estaríamos defendendo uma forma velada de mentalismo?; e (2) Quais seriam as consequências dessa defesa para a ciência do comportamento? Pretendemos encerrar este artigo com a discussão desses dois problemas.
Os argumentos de Nagel (1965, 1974, 1986/2004, 1998) acerca do caráter subjetivo da experiência possuem um alvo bem claro: o fisicalismo por detrás das neurociências, que é atualmente a principal área de estudo sobre a consciência (Baars, Banks & Newman, 2004). Por serem essencialmente objetivas, as pesquisas neurocientíficas não dariam conta do caráter subjetivo da experiência. Embora seja coerente supor que há, de fato, o aspecto subjetivo da experiência, intransponível e irredutível a uma análise objetiva, essa característica não indica necessariamente a existência de propriedades "mentais". Esse é o erro do dualismo de propriedades defendido por Nagel (1974, 1986/2004). De acordo com o autor (1986/2004) haveria uma dualidade entre subjetividade e objetividade a partir da qual a primeira justificaria a existência de propriedades mentais. Em poucas palavras, se uma análise objetiva puramente fisicalista do mundo não esgota o mundo, então há propriedades mentais irredutíveis às propriedades físicas desse mundo. É possível apresentar a alternativa behaviorista radical da seguinte forma: o mundo permanece substancialmente o mesmo, com apenas propriedades físicas, mas há também comportamento, e é nas relações comportamentais que devemos buscar a resposta ao problema.
A incapacidade das ciências comportamentais e neurocientíficas para quebrar a barreira da subjetividade decorre do fato de que qualquer ciência envolve, na verdade, a observação e a descrição do fenômeno e não a sua substituição. O resultado do comportamento do cientista - descrições, explicações e teorias - não é a mesma coisa que as contingências que controlaram o seu comportamento no processo de desenvolvimento de sua ciência. Assim, não há nenhuma razão para crer que uma análise puramente objetiva do fenômeno irá esgotar tudo o que há para saber sobre o fenômeno; ou que o intuito da ciência é desenvolver um substituto formal do fenômeno. As regras, leis ou teorias não espelham as contingências, mas apenas as descrevem (Skinner, 1969). Sobre esse assunto Skinner (1988) pondera que "descrições verbais da realidade nunca são tão detalhadas quanto a realidade em si" (p. 325). Isso vale para qualquer ciência e não apenas para a ciência da "mente" ou do comportamento. Einstein não experienciou a relatividade ao desenvolver a sua teoria, assim como Skinner não sabe como é ser um rato sujeito a esquemas de reforço.
Esse fato nos leva à segunda questão que gostaríamos de tratar. Skinner (1990) observa que o papel central da ciência do comportamento é responder por que os organismos se comportam da maneira que se comportam e que o papel central das neurociências é responder como é possível que os organismos se comportem da maneira que se comportam. Em suas palavras: "A fisiologia nos diz como o corpo funciona; as ciências da variação e seleção nos dizem por que ele é um corpo que funciona dessa forma" (p. 1208). Estamos, então, diante de três questões diferentes: (1) Como o organismo funciona?; (2) Por que o organismo se comporta da maneira que se comporta?; e (3) Como é ser tal organismo? A primeira é a questão das neurociências. A segunda é a da análise do comportamento. A ter-ceira, por fim, é a questão de Nagel. Dessa forma, se levarmos em conta a divisão de Skinner (1990), não é o objetivo tanto das neurociências quanto da análise do comportamento responder à questão existencial. Em princípio, é possível esgotar tudo o que é possível saber sobre como e por que um organismo se comporta, mas isso não trará nenhuma resposta à questão existencial.
A extensão conceitual que abarca o caráter subjetivo da experiência, ao passo em que não transgride nenhum princípio da filosofia behaviorista radical, faz com que analisemos com outros olhos a metodologia dessa filosofia da ciência do comportamento. Uma breve consulta do livro Essential Sources in the Scientific Study of Consciousness de Baars, Banks e Newman (2004), que contém mais de cinquenta artigos científicos sobre a consciência, e dos periódicos "Consciousness and Cognition" e "Journal of Consciousness Studies", ambos dedicados à publicação de artigos teóricos e/ou experimentais acerca da consciência, deixa claro que o estudo da consciência é pautado em dados neurocientíficos acompanhados por modelos matemáticos e computacionais. Ora, mas como é possível tratar da pergunta existencial se o próprio método de estudo da consciência é responsável pela quase eliminação do sujeito único em favor da significância matemática?1 Por outro lado, temos o método behaviorista radical que respeita a variabilidade em detrimento da generalização estatística (Chiesa, 1994; Sidman, 1960) e que atesta a importância de se estudar cada organismo como um complexo lócus onde há a confluência única de variáveis filogenéticas e ontogenéticas responsáveis pelo seu comportamento (Skinner, 1947/1961a, 1964/1972b, 1963b, 1971, 1974). Nas palavras de Skinner (1963b):
"O sistema complexo denominado organismo possui uma história complicada e em grande medida desconhecida, o que o dota de certa individualidade. Dois organismos não embarcam em um experimento precisamente sob as mesmas condições, nem são eles afetados da mesma maneira pelas contingências do espaço experimental. [...] As técnicas estatísticas não podem eliminar esse tipo de individualidade; elas podem apenas obscurecê-lo e falsificá-lo. [...] O rigor da análise não está necessariamente ameaçado. Métodos operantes fazem o seu próprio uso de Grandes Números: Ao invés de estudar 1.000 ratos por um hora, ou 100 ratos por 10 horas, o investigador provavelmente estudará 1 rato por 1.000 horas" (p. 508).
Não estamos sugerindo que por meio da análise do comportamento talvez seja possível transpor a barreira do ponto de vista subjetivo - conforme vimos anteriormente, trata-se de um limite intransponível a qualquer ciência. A questão é que o método proposto por Skinner respeita a individualidade do organismo e, por conta disso, está em harmonia com o aspecto subjetivo da experiência. Ironicamente, o behaviorismo radical, suposto crítico da consciência, parece estar mais preparado para lidar com esse limite da ciência do que as atuais ciências da "mente" pautadas em modelos matemáticos e computacionais.
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D. Zilio possui graduação em Licenciatura Plena em Psicologia e Formação do Psicólogo, pela Unesp, campus de Bauru. É Mestre em Filosofia da Mente, Epistemologia e Lógica pela Unesp, campus de Marília. Atualmente é aluno do programa de Pós-Graduação em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Bolsista de Doutorado FAPESP (Processo nº 2009/18.324-1)
* Laboratório de Análise Biocomportamental - Departamento de Psicologia Experimental da USP. Av. Prof. Mello Moraes, 1721; CEP 05508-900; São Paulo - SP - Brasil. Telefone: (11) 3091-4444, ramal 210. E-mail: dzilio@usp.br
1 Embora não seja regra, modelos matemáticos e simulações computacionais estão cada vez mais presentes nas pesquisas neurocientíficas (cf. Bechtel, 2008; Craver, 2007; Gallistel & King, 2010; Mitra & Bokil, 2008; Rolls & Deco, 2010; Rolls & Treves, 1998).