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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.1 Fortaleza Mar. 2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Sintoma e Política

 

Symptom and Politics

 

 

Sonia Alberti

Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Procientista da UERJ e Pesquisadora do CNPq; Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. End.: Rua João Afonso, 60 casa 22. CEP 22261-040 Rio de Janeiro - RJ. E-mail: sonialberti@gmail.com

 

 


RESUMO

Lacan associa Sócrates, Descartes, Marx e Freud a partir do objeto de que tratam, e que Lacan conceitua como a verdade. O sintoma a presentifica como o que é: sempre um meio dizer. Em decorrência do fato de um indivíduo não escapar de ser um Gattungswesen, um ser que necessariamente se relaciona com os outros, como dizia Marx, a função do sintoma na psicanálise não se reduz ao campo de uma psicologia individual. Freud explicitou-o: toda psicologia individual também é uma psicologia social. O artigo retoma a noção de sintoma da maneira como foi elaborada por Friedrich Engels, para então examiná-la na articulação com Marx, na medida em que Lacan sempre referiu a origem de seu emprego na psicanálise à conceituação de Marx. O artigo é organizado iniciando com Engels e seu texto sobre a família, deduzindo os três abalos do Nome-do-Pai na cultura, para distinguir a função paterna como eminentemente falha, desde Freud. Em seguida, debruça-se sobre a definição de Marx do sintoma como "a única maneira de o que existe afirmar seu oposto", como é retomado no artigo, literalmente, da sua obra. Ao associarmos a função do pai, aqui também tratada como sintoma, com a acepção de Marx, o artigo articula o sintoma numa interseção da psicanálise com a política na associação de Freud, Engels, Marx e Lacan.

Palavras-chave: Sintoma; Laço Social. Nome-Do-Pai. Engel e Marx. Freud e Lacan.


ABSTRACT

Lacan associates Socrates, Descartes, Marx and Freud regarding their object: truth. The symptom presents it as it is: at all times a half saying (mi dire). Since an individual is always a Gattungswesen, a being which relates itself to others, as Marx used to say, the function of the symptom in psychoanalysis is not reducible to the field of individual psychology. Freud puts it in this way: every individual psychology is also a social psychology. This article focuses on the notion of the symptom in the way Friedrich Engels developed it, and then follows the definition from Marx, since Lacan always referred the origin of the use of the word symptom in psychoanalysis, to the definition Marx gave. The article is organized as follows: it begins deducing from Engel's text on family, three strokes endured by the Name-of-the-Father in culture, and derives from that the fact that the father function, in Freud, is already a loophole. It then develops Marx'vs definition of the symptom as "the only way in which that which exists affirms its opposite", as quoted literally in the text. When we associate the Name of the father, here treated as a symptom as well, with this definition of Marx, the article articulates the symptom in the intersection of psychoanalysis and politics, associating Freud, Engels, Marx and Lacan.

Keywords: Symptom. Social bond. Name-of-the-Father. Engels and Marx. Freud and Lacan.


RESUMEN

Lacan asocia Sócrates, Descartes, Marx y Freud a partir del objeto: la verdad. El síntoma la presenta como ella es: un medio-decír. Debido al hecho de que un individuo es siempre un Gattungswesen, un ser que necesariamente se relaciona con los demás, como dijo Marx, la función del síntoma en psicoanálisis no puede reducirse a un campo de la psicología individual. Freud lo explica: cada psicología individual es también una psicología social. El artículo lleva el concepto de un síntoma de la forma en que fue desarrollado por Friedrich Engels, y luego lo examina en relación con Marx, en la medida en que Lacan siempre se refiere al origen de su uso en el psicoanálisis a partir del concepto en Marx. El trabajo se organiza a partir de Engels y su texto sobre la familia, deduce de eso los tres golpes sufridos por el Nombre-del-Padre en la cultura, para distinguir la función paterna como eminentemente fallida, desde Freud. A continuación, se centra en la definición de Marx del síntoma como "la única manera de afirmar lo que es su opuesto", como el artículo se toma literalmente, de su obra. Al asociar la función del padre, que también se trata aquí como un síntoma, con la definición en Marx, este artículo articula el síntoma en una intersección del psicoanálisis con la política en relación con Freud, Engels, Marx y Lacan.

Palabras clave: Síntoma. Lazo social. Nombre-del-Padre. Engels. Marx, Freud y Lacan.


RÉSUMÉ

Lacan associe Socrate, Descartes, Marx et Freud à partir de leur objet: la vérité. Le symptôme la présentifie comme elle est: un mi-dire. En raison du fait qu'un individu est toujours un Gattungswesen, un être qui se rapporte nécessairement à d'autres, comme le disait Marx, la fonction du symptôme dans la psychanalyse ne peut pas être réduite à un champ de la psychologie individuelle. Freud l'a expliqué: toute psychologie individuelle est aussi une psychologie sociale. Cet article reprend le concept d'un symptôme de la façon dont il a été développé par Friedrich Engels, puis l'examine avec Marx, dans la mesure où Lacan ne manquait jamais à référer l'origine de son utilisation dans la psychanalyse à sa définition chez Marx. L'article est organisé en commençant par Engels et son texte sur la famille, pour en déduire les trois atteintes au Nom-du-Père dans la culture, pour en suite distinguer la fonction paternelle comme éminemment échec, depuis Freud. Se concentre ensuite sur la définition de Marx sur le symptôme comme «la seule façon d'affirmer ce qui est son contraire», comme l'article le prend à la lettre. En associant le Nom-du-Père, également traitée ici comme un sinthome, avec cette définition de Marx, cet article énonce une intersection de la psychanalyse et la politique en liaison avec Freud, Engels, Marx et Lacan.

Mots clés: Symptôme. Lien social. Nom-du-Père. Engels et Marx, Freud et Lacan.


 

 

Introdução

A psicanálise surge num contexto histórico muito complexo, numa Viena efervescente de desejo, na pena de um gênio que, como todo gênio, consegue traduzir o que está absolutamente presente sem que ninguém consiga vê-lo e transmitir, com suas próprias palavras, aquilo o que até então não era possível de ser dito. De todas as coisas que Freud conseguiu transmitir, a percepção da falha da função paterna foi, talvez, a mais genial de todas, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a psicanálise não é uma técnica de enquadramento edípico. O que Freud pode perceber é que a neurose implica uma falha da função paterna, donde poderíamos até mesmo intitular esse artigo como "Do pai à psicanálise, quer dizer, à falha paterna". O pai humilhado, título inserido na trilogia de Paul Claudel (1915-16/1920), só confirma o que estava no ar: a Vatersehnsucht, ou nostalgia do pai, como Freud tantas vezes pode constatar ao longo de sua própria obra.

Dessa nostalgia então, além de derivar, por exemplo, a religião como neurose obsessiva da humanidade (FREUD, 1927/1974c), Freud pode derivar o sintoma de cada um que vinha a ele demandar uma ajuda para colmatar o mal estar na cultura. O que nos leva a questionar o conceito de sintoma, seguindo os passos da releitura de Freud feita por Lacan, em que este localiza na obra de Marx a primeira referência ao termo moderno de sintoma. Na primeira sessão de O Seminário, livro 22, RSI, Lacan diz: "A noção de sintoma foi introduzida bem antes de Freud por Marx como signo do que não anda bem no real" (LACAN, 1974-75, sessão de 10/12/1974).

Com Lacan, partamos do seguinte: em 1969, numa carta escrita a Jenny Aubrie, observa:

Na concepção elaborada por Lacan, o sintoma da criança vem no lugar de responder ao que há de sintomático na estrutura familiar. Esse sintoma é o fato fundamental da experiência analítica e se define no contexto como representante da verdade. O sintoma pode representar a verdade do casal familiar. Esse é o caso mais complexo, mas também aquele mais aberto a nossas intervenções (LACAN, 2001, p.373).

Lembro um texto sobre a família no Brasil, publicado numa revista canadense que recenseou textos sobre a família de autores de vários países, que termina com a seguinte observação: a falência do Nome-do-Pai é de tal ordem que hoje, quando o Estado se livra a um trabalho de recenseamento, solicita exclusivamente a filiação materna, e quando perguntamos a algum jurista a respeito, ele o justifica: tantos cidadãos que não sabem quem foi seu pai que é menos constrangedor listar os funcionários públicos do Estado pelo nome da mãe. E conclui: "É o psicanalista quem se espanta; para os outros é sinal dos tempos" (ALBERTI, 1997, p. 88). Engels o tomaria como um sintoma dos tempos. O texto ainda observava que em terra de cego quem tem olho é rei. O que nos leva de volta ao pai (o rei) e à castração (a cegueira).

Para começar com a questão: "Que falência é essa e de que ordem é o Nome-do-Pai?", proponho correlacionar duas afirmações: se o Nome-do-Pai, tal como verificado por Lévi-Strauss, é uma "nominação seguramente simbólica, mas limitada ao simbólico" (LACAN, 1974-75, sessão de 13/05/1975), devemos seguir com o questionamento de Lacan: "O pai é aquele que deu os nomes às coisas, ou será que temos que interrogá-lo ao nível do real?" (Ibid.). Questão que nos interessa particularmente no contexto do sintoma, na medida em que é no seminário no qual encontramos essa frase - RSI - que Lacan coloca as bases para um Nome-do-Pai que assume essa função de sintoma, justamente.

 

Engels e o sintoma

Mas vamos por partes. Comecemos com Friedrich Engels, seu texto sobre a família. O sintoma, para Engels, é o sinal de que algo se transformou no laço social. Ele está em proporção direta com essa transformação, quando determinada forma de organização social não dá mais conta das mudanças, originando, por exemplo, novos tipos de casamento.

A primeira vez em que Engels (1884/1995) se refere ao sintoma, ele é sinal de uma "transformação muito [...] profunda" (p.50) - a passagem para o matrimônio sindiásmico. Homens e mulheres já não coabitavam desordenadamente, ao contrário, o mapeamento simbólico das gens ou tribos, delimitara cada vez mais os casamentos devido à proibição do incesto que reduzira enormemente um encontro com uma noiva possível - devido à complexidade das leis do incesto, como tão bem mostrou Lévi-Strauss (1958) mais tarde -, levando às práticas de rapto e compra de mulheres.

Já nessa primeira passagem do texto de Engels (idem), podemos observar que é quando a tirania do simbólico - as leis do incesto tão tirânicas que já não garantiam aos membros da tribo o exercício do desejo - forçam o furo do simbólico, que Engels aponta para a existência do sintoma. O rapto e a compra de mulheres é sintoma da mortificação pelo simbólico, à qual o sujeito tinha que se furtar.

Resumindo, então, essa primeira passagem, podemos dizer que o sintoma, no texto de Engels (idem), implica o furo do simbólico que só aparece por causa do excesso de simbólico, ou seja, por causa da tirania das leis de parentesco que não deixam de ter relação com a figura do pai tirânico, o pai real.

As leis de parentesco, enquanto simbólicas, criam o real, nos perfeitos ditames do raciocínio lacaniano, segundo o qual é o simbólico que cria o real que se define, exclusivamente, como aquilo que não pode ser simbolizado, nomeado. Mas são as mesmas leis de parentesco - para continuarmos na terminologia de Lévi-Strauss, ou leis do incesto, conforme o uso freudiano - que servem, paradoxalmente, à nominação, justamente. Essa nominação se dá através da identificação.

Na sociedade, as várias formas de organização, desde os primórdios, dão conta da utilização da identificação simbólica. Mesmo naquelas organizações classificadas pelos primeiros antropólogos como da época da barbárie inferior - cf. os estudos de Morgan retomados por Engels -, quando cada filho ainda tinha vários pais e mães, algo já associava um indivíduo ao grupo. Esse algo é, necessariamente, um traço identificatório advindo de uma referência comum, a identificação simbólica. Ela ocorre mesmo em organizações em que a herança é materna, já que o nome que a mãe transmite é aquele que ela adquiriu de seus ancestrais. Muito antes de Lévi-Strauss, Engels já retomava textos antropológicos para comentar o poder do nome na identificação do indivíduo em sua sociedade:

O nome gentílico é usado não só pelos membros masculinos da família, incluídos os adotados e os clientes (1), mas ainda pelas mulheres... A tribo é um conjunto... nascido da comunidade de origem, seja ela real, suposta ou inventada, e mantido unido por cerimônias religiosas, sepulturas e herança comuns (MOMMSEN, 1864, como citado em Engels, 1884/1995, p.X).

Veja-se, por exemplo, o mapeamento do parentesco entre os negros australianos do monte Gambier, repertoriado por Engels (idem): a tribo inteira divide-se em krokis e komites. Os casamentos são necessariamente entre essas duas classes, não se podendo casar com alguém da mesma classe. A herança sendo materna, a filha não pode casar com o irmão, mas nada impede com que venha a se casar com o pai. "Note-se que ali não há, em parte alguma, restrições por diferenças de idade ou de consanguinidade especial, salvo a determinada pela divisão em duas classes exógamas" (p.45).

Originalmente, o nome próprio coincide com o nome comum. "Uma nominação seguramente simbólica, mas limitada ao simbólico" (LACAN, 1974-75, sessão de 13/05/1975). É dela que Freud presta contas ao nos fornecer o mito de "Totem e tabu", e que podemos retomar com Lévi-Strauss: é em torno do Nome-do-Pai que uma tribo se constitui. Estilizando: dadas três comunidades, Anta, Jabuti e Arara, se Peri é pertencente à comunidade de totem Anta, então deve respeitar os seguintes tabus: 1) não matar Anta, 2) o tabu do incesto, por exemplo, filho de Anta com Jabuti só pode casar com filha de pai Jabuti e mãe Arara, e assim por diante (cf. entre outros, o estudo dos Bororo por Lévi-Strauss (1955)). De todo modo, esta nominação simbólica em que coincide o nome próprio com o nome comum, faz coincidir também o pai imaginário com o pai simbólico. É isso que se modificará aos poucos.

 

Engels e o segundo abalo

Na segunda vez em que aparece o termo sintoma, novamente Engels está às voltas com outra profunda transformação: o inconciliável antagonismo entre a sociedade gentílica e o Estado.

O Nome-do-Pai (que existe, conforme Freud (1912/1974a) e Lévi-Strauss (1958), desde o início da história, ou seja, instituindo a história) sofre novamente um abalo, proporcional ao abalo observado por Engels nos laços gentílicos. Esse abalo provoca uma outra forma de identificação, aquela que faz um sujeito transferir o ideal à Pátria (Freud também o corrobora, em 1917/1969a). Nesse novo abalo, ali onde surge o furo do simbólico, aparece o imaginário, para tamponar o real do sem nome, e o sujeito se inscreve na massa.

A passagem da primazia do Estado sobre a organização gentílica é, no entender de Engels (1884/1995), um sintoma da grande transformação dos tempos modernos quando o nome já não se liga a uma herança comum de uma gens (ou tribo), mas, desfeitos esses laços originais, designa o indivíduo por regiões, cidades, profissões ou mesmo traços que o caracterizam individualmente. "O primeiro sintoma de formação do Estado consiste na destruição dos laços gentílicos, dividindo os membros de cada gens em privilegiados e não privilegiados, e dividindo estes últimos em duas classes, segundo seus ofícios, e opondo-as uma à outra" (p.122).

A destruição dos laços gentílicos, como sabemos, implica uma nova forma de nominação. As referências identificatórias ao Nome-do-Pai sofrem um abalo em função da diferença de classes: se você não é nobre, seu nome - se tiver um - estará vinculado à região em que nasceu, a um fato, a uma profissão...

Por outro lado, se você é nobre, é preciso assegurar para sua própria descendência a transmissão da herança dos bens que começa a acumular, razão, se seguirmos Engels (idem) - pois o livro é genial -, para passarmos de uma organização matriarcal ao patriarcado. A identificação simbólica aqui passa a ser referida mais concretamente ao pai que é exceção em seu feudo, ao que você, como filho, aspira. Relação de senhor-escravo, como diria Hegel que, se não fossem as revoluções burguesas, do capital, regeriam as relações até hoje. Observe-se que é somente nesse contexto que o totem, que identificamos ao Nome-do-Pai na teoria psicanalítica, é somente nesse novo contexto que ele é identificado ao pai! Até aqui, o totem era o nome do ancestral da gens, independente das regras de parentesco que necessariamente orientava.

Esse novo abalo do Nome-do-Pai - que sempre está referido ao pai real, como já pudemos ver com a frase de Lacan (1974-75, sessão de 13/05/1975): "O pai é aquele que deu os nomes às coisas, ou será que temos que interrogá-lo ao nível do real?" - citada acima -, faz o Nome-do-Pai passar a equivaler ao ideal, ao pai do patriarcado, o que o filho aspira. Já não se trata do pai real, mas do pai imaginário que, no melhor dos casos, sustenta o pai real como semblante. O fato de já ser esta a questão principal na tragédia de Antígona, escrita por Sófocles em 442 a.C., confirma tratar-se de uma mudança que se institui com o Estado. No caso, o grego, de Creonte. Como bem retoma Marcon (2007), do desenvolvimento feito por Lacan (1996), no diálogo entre Tirésias e Creonte, quando Antígona já estava condenada, as leis que sustentavam Antígona se contrapunham àquelas que levavam Creonte a agir. Antígona se orientava pela lei do Pai, Édipo, que, por sua vez, obedecia às leis dos deuses e da tradição, Creonte não:

Tirésias aponta para a desmedida do querer de Creonte, desmedida esta que fez com que ele promulgasse um edito praticamente impossível de ser obedecido; isso porque Creonte agiu movido pelo querer ser rei, ou seja, pelo querer ser reconhecido, sobretudo, como um rei justo que respeita as leis e quer o bem de todos (MARCON, 2007).

Mas esse querer, justamente, anula o desejo... Um pai-rei que quer ser reconhecido, ou seja, orientado pela demanda de reconhecimento, é certamente tudo menos o pai real que sustenta o Nome-do-Pai. A partir daí, quis a história que o pai fosse, aos poucos, humilhado - para retomarmos o título de Paul Claudel (1915-6/1920).

 

A falha paterna, o terceiro abalo.

Como dito, o pai ideal, do patriarcado, é abalado com as revoluções burguesas, do capital, que têm no pai humilhado seu produto. Razão de o pai do pequeno Hans, por exemplo, não dar conta do recado de barrar a mãe - ela simplesmente não seguia a ordem que ele ditava ao sair de casa de manhã para o trabalho, e seu filho vinha com ela "ninar". Sintoma há, para Freud, justamente para denunciar que a função paterna falha. Ela falha na sustentação do sujeito enquanto aquele que advém da castração do Outro. O Outro, então, por alguma razão, não lhe parece assim tão castrado - a mãe de Hans tem um pipi também, segundo ela própria. A lei do pai que introduz uma lei no Outro sem lei senão a do gozo, é aqui relativizada. Se a lei do pai é a lei do desejo, a lei segundo a qual não se pode ter todas, mas uma, com certeza, desde que se aceite a castração, sua falha pode colocar todo esse arcabouço histórico em questão! O mito de Don Juan vem denunciar a tentativa de não se deixar assim interditar, mostrando que o pai que faz semblante de sustentar o Nome-do-Pai não é senão sintoma de uma época, por exemplo, a infância, em que o sujeito precisa acreditar que seus pais podem garanti-lo. Mas a função paterna sempre falha em barrar por completo o gozo da mãe. Assim, podemos concluir que é inerente à função paterna a falha, donde Freud conclui que o sintoma advém da falha dessa função.

Com o menino cavalo - Hans (apud FREUD, 1909/1972) - ou com o menino galo - de Ferenczi (1913/1970) -, o mito permite criar um sintoma para sustentar o Nome-do-Pai que irá barrar o Outro. Observe-se que aqui a nominação não mais está limitada ao simbólico: o cavalo ou o galo, tal como, aliás, Freud observa em 1912, implicam um gozo fálico. Esse gozo tem vínculo com o imaginário e com a falha da função paterna. A função do sintoma, no pequeno Hans, é a de sustentar a função paterna - enquanto simbólica -, na tarefa de barrar a mãe - enquanto real -, e é isso o que representa a neurose no texto de Freud. Sociologicamente a função paterna é o sintoma - o que, aliás, já dizia Lacan em RSI, com todas as letras, quando se referia ao que falha, nos tempos de Freud, na nominação ou, sintoma como signo do que não vai bem no real.

A última sessão do Seminário RSI, traz uma questão: não seria necessário amarrar o termo "nominação" ao nível do círculo com o qual sustentamos o real? (LACAN, 1974-75, sessão de 13/05/1975).

A nominação e o simbólico, a nominação e o imaginário e a nominação e o real. Se o pai é aquele que dá o nome às coisas - fazendo-as existir no simbólico -, por extensão ele aponta o que ex-siste ao simbólico, o real.

O sintoma, tal como Lacan o trabalhará a partir de então, implica diretamente a própria nominação, particularizando ou mesmo singularizando o sujeito. Levanto a hipótese de que, se no contexto das gens essa nominação coletivisa o sujeito enquanto membro de uma tribo, identificando-o simbolicamente ao Nome-do-Pai; se no contexto do Estado acrescenta-se tanto a identificação aos outros membros da comunidade de forma especular - i(a) - quanto a identificação ao Estado que passa a consistir num Outro sob forma de ideal do eu - I(A) -, na globalização atual da política neoliberal, a identificação é ao próprio capital, esse conceito de mais-valia que Lacan identificou ao objeto a. No primeiro caso, é o próprio ancestral - o pai totêmico - que faz exceção e garante o laço social; no segundo caso, é o Estado, essa construção imaginária que se opõe à tradição (cf. as observações sobre o papel de Creonte frente à Antígona, comentadas acima); finalmente, no terceiro caso, o capital, cujas leis são tão difíceis de prever quanto as do pai primordial - e que, ao contrário do dinheiro que uns atribuem aos outros ter, não pertence a ninguém, passando a reger todas as relações entre os homens.

Na sessão de 19 de março de 1974, Lacan (1973-74) observa que, para portar esse nome - o Nome-do-Pai -, não basta que aquela que "encarna o Outro, o Outro como tal, encarna a voz, a saber, a mãe, a mãe fala, através da qual a fala se transmite, seja reduzida a esse nome", não basta que a mãe seja reduzida ao nome do pai, é preciso que traduza o Nome-do-Pai por um não - a homofonia em francês é maior: nom du père e non -, o não que o pai diz. E algumas linhas depois: "esse nome do pai não fica somente no nível do dizer, se converte pela voz da mãe em um certo número de interdições, nos melhores casos" (Ibid.). Assim, ainda em março de 1974, Lacan (idem) põe em relevo a importância da voz da mãe na transmissão do que seria, no dizer do Bebê Dinossauro (2) o "não é mamãe", o "papai", como se diz na série televisiva, retomando exatamente a questão tratada em 1969, na carta a Jenny Aubrie (LACAN, 2001).

Mas avancemos mais um pouco com nossa leitura do trecho no seminário de Lacan (1973-74), porque então será ainda mais preciso quanto ao "momento que é aquele que nós vivemos na história" (sessão de 19/03/1974), levantando a seguinte hipótese: de que hoje (em 1974), o nome do pai é substituído pela função de nomeação, ser nomeado para alguma coisa:

Ser nomeado a, eis o que coloca uma ordem que efetivamente se substitui ao nome do pai. Com a seguinte ressalva: geralmente basta a mãe para designar o projeto, para fazer o traçado, indicar o caminho [...]. Ser nomeado a, eis o que para nós, no momento da história em que nos encontramos, é preferível - no sentido de passar na frente - ao nome do pai. Estranho que aqui o social assuma uma prevalência de nó, [tecendo a trama das existências, restituindo uma ordem], uma ordem que é de ferro, situação na qual o nome do pai está foracluído... (Ibid., loc.cit.).

E Lacan termina então com a pergunta: "seria tal nomeação o sinal de uma degenerescência catastrófica"? (Ibid.).

Eis onde se imiscui na discussão a nossa questão, pois é aí que se situa o sintoma atual. Associando essa passagem de O Seminário, livro 21: Os não tolos erram (1973-74), com o final de sua carta a Jenny Aubrie (LACAN, 2001), podemos observar que tal questão já estava esboçada quando Lacan identificava, em 1969, a situação em que o sintoma da criança não é o sintoma do casal parental. Então dizia: "A função de resíduo que sustenta (e no mesmo lance mantém) a família conjugal na evolução das sociedades, coloca em valor o irredutível de uma transmissão [...] implicando uma relação com um desejo que não seja anônimo" (p.373). Se julgam daí as funções da mãe e do pai. "Da mãe: na medida em que seus cuidados trazem a marca de um interesse particularizado, mesmo que seja pela via de suas próprias faltas. Do pai: na medida em que seu nome é o vetor de uma encarnação da Lei no desejo" (idem). No caso então em que o sintoma encarna o casal parental - o que ocorre nos melhores casos, como Lacan a isso se refere em 1974 -, caso identificado em 1969 como o mais complexo, há maior abertura a nossas intervenções, no outro caso, isso não é tão fácil de abordar, mas não deixa de ser também um sintoma, elevado a essa categoria para que possamos construir, a partir da clínica em que o observamos, uma forma de abordá-lo. Eis o salto que se pode identificar entre o texto de 1969 e o de 1974 aqui estudados: no primeiro, só há sintoma quando o nome do pai é o não do pai, no segundo, também há sintoma quando "geralmente basta a mãe para designar o projeto". O que aqui inquieta Lacan é que há quem diga que é isso o que hoje prevalece, a ponto de haver uma aposta num "social" a sustentar uma ordem que, por falta de desejo, seria de ferro... Importante questão a ser tratada na articulação entre o sintoma e a política.

Quando basta a mãe a designar o projeto, não sobra espaço para a pergunta sobre a impossibilidade da relação sexual. Não há hiância, lacuna, falta... É muito interessante verificar que, até mesmo nos trabalhos etimológicos, quando se trata da nominação determinada pela ancestralidade, ou seja, aquela que impõe o "não é mamãe", o nome não designa nenhum projeto, ao contrário, ele "é comparado a uma fenda ou a um espaço oco" (HUGH-JONES, 2002, p. 51), mesmo se tal vazio "deve ser mantido preenchido, de modo que todos os nomes disponíveis continuem em circulação. Através da nominação, o indivíduo adquire a identidade de grupo e uma parte da alma do grupo" (idem), na gens.

 

Freud e a cultura

Sem dúvida, uma das mais importantes conexões da psicanálise nesses seus primeiros cem anos se deu com o campo da cultura, o campo social. Da socioanálise à "psicanálise e o marxismo", passando por teorias que supuseram a psicanálise desvinculada da "importância do social" - sintagma que retorna com facilidade -, por privilegiar o indivíduo, vimos de tudo.

Também aqui, entendo, a leitura que Lacan fez da obra freudiana nos ajuda a recuperar o que há de mais genuíno no pensamento freudiano e que tantas vezes acabou por ser achatado.

O que vem a ser esse "social" ao qual se deveria dar importância? Como articulá-lo na teoria senão pela noção freudiana de que o eu é sempre outra coisa, o eu é o outro, o eu é dividido, ou, como o introduz Lacan, que o sujeito mantém, em relação ao Outro, uma posição de alienação e de separação e onde o social faz tanto parte da realidade psíquica do sujeito quanto qualquer outra representação mais ou menos investida.

Assim, poderíamos dizer, o outro social é particular de sujeito a sujeito, conforme sua determinação (sempre significante, sempre inconsciente) o que nos levaria a concluir a não possibilidade de um social para além das relações de projeção, identificação e incorporação. E, no entanto, observa-se que há algo que se instrumentaliza através do discurso e que permite um movimento no campo social, entre sujeitos, de maneira que um influi no outro, de maneira que, por exemplo, uma histérica no final do século XIX podia se dirigir a um médico formado e lhe ordenar que se calasse e que esse pedido pudesse vir a ser por ele entendido e provocar nele a descoberta de uma fala curativa, associativa e interpretativa. Essa histérica, Emmy von N., no lugar de agente do discurso, desencadeia um processo tal que, esse médico, o Dr. Freud, diante dela começa a trabalhar, até isso provocar a realização de um produto: a psicanálise. Emmy von N. outorgou a Freud uma posição - na transferência - que fez com que ele, aceitando-a, assumindo essa posição sem a ela se identificar, produzisse a psicanálise.

O que fez Frau Emmy von N. querer colocar Freud a trabalho e o que fez Freud aí trabalhar? Amor de transferência, desejo de saber - de qualquer maneira, desejo, Eros - fusão das pulsões, intrincação pulsional (Triebmischung). A psicanálise é uma forma de levar em conta as pulsões apesar da exigência da renúncia pulsional, feita pela cultura. Ou seja, como Freud sugere no capítulo VIII de "Mal estar na cultura", a criação de uma grande comunidade humana teria melhor eficácia se exigisse a renúncia à felicidade do cada um que a constitui (FREUD, 1930/1974d, p.266). Mas a psicanálise, ao conceitualizar a castração e ao propor o Wo es war soll ich werden (FREUD, 1933/1969b, p.516), promulga para além disso, a ação de cada um na cultura. Na medida em que o eu possa adquirir, cada vez mais, partes de um isso que não deve ser tão diferenciado dele (FREUD, 1933/1969c, p.527), o sujeito passa a sujeito da ação.

Nem só de Eros viveu o século que viu a psicanálise nascer, ao contrário, esse século suportou no mínimo o mesmo quantum de pulsão de morte. A psicanálise é o exercício possível da dúvida e da questão do sujeito frente ao gozo do Outro, ou seja, barrando esse gozo, com a psicanálise surge a possibilidade do sujeito enquanto desejante.

O sujeito sempre esteve submetido ao Outro na história da cultura humana, mas não como sujeito. O sujeito passou a ser sujeito a partir da ascensão da burguesia quando alguém não nascido em berço esplêndido teve acesso à cultura, à dúvida subjetiva, deixando de ocupar, por exemplo, o lugar do escravo, garantia do senhor (do mestre).

 

O sintoma com Marx

Praticamente, a cada vez em que Lacan se refere ao sintoma, estatisticamente se quiserem, podemos dizer a cada dois anos em seu Seminário, ele começa assim: "é importante observar que historicamente não reside aí a novidade de Freud, a noção de sintoma, como várias vezes marquei, e como é muito fácil observar na leitura daquele que por esta noção é responsável, [...] [é de] Marx" (LACAN, 1970-71/2006, p. 164). Extraí essa citação ao acaso, elas são inúmeras nos textos de Lacan, ainda em RSI ele faz essa referência e no seminário sobre o Sinthome. Já anteriormente, em seu texto "Formulações sobre a causalidade psíquica (1946)", Lacan (1966) termina por colocar em série: Sócrates, Descartes, Marx e Freud como aqueles que "não podem ser superados, na medida em que conduziram suas investigações com essa paixão de desvelar a qual possui um objeto: a verdade" (p.193). É por estarem referidos a esse objeto que os dois últimos, Marx e Freud, puderam perceber o quanto a verdade é sempre meio dizer e o quanto insiste, justamente ali onde sempre se vela. "O sintoma tem o sentido do valor da verdade" (LACAN, 1971-72, s/p), quer dizer, há uma "equivalência do sintoma com o valor de verdade" (idem), é o que há de essencial no pensamento marxista.

Em 1844, época em que Marx estabelece as bases filosóficas para toda sua obra, a verdade em questão é a do sistema capitalista que Proudhon julgava estar se socializando cada vez mais. É no questionamento dessa hipótese de Proudhon que encontramos talvez a mais evidente acepção do emprego do termo sintoma, por Marx, na maneira como Lacan o marca. Retomemos toda a passagem em Marx (1844):

A diminuição do interesse no dinheiro, o que Proudhon considera como a anulação do capital e como uma tendência para socializar o capital é, por essa razão, de fato somente um sintoma da vitória total do capital de giro sobre o desperdício da riqueza, isto é, da transformação de toda propriedade privada em capital industrial. É a vitória total da propriedade privada sobre todas as qualidades que ainda são aparentemente humanas, e a total sujeição do dono da propriedade privada à essência da propriedade privada - o trabalho. Certamente, o capitalista industrial também goza. De forma alguma ele retorna para a não natural simplicidade da necessidade; mas seu gozo é somente um assunto lateral - recreação - submetido à produção; ao mesmo tempo, é calculado e, por isso, ele próprio um gozo econômico. Pois ele o debita da conta das despesas, e o que for desperdiçado para seu gozo não pode exceder o que será substituído com o lucro da reprodução do capital. Por isso, o gozo é subsumido ao capital, e o indivíduo que goza é subsumido ao indivíduo que acumula capital, quando antes a situação era o contrário. A diminuição da taxa de juros é, portanto, um sintoma da anulação do capital apenas na medida em que é um sintoma da crescente dominação do capital - da alienação crescente e, por isso mesmo, apressando sua anulação. Aliás, esta é a única maneira de o que existe afirmar seu oposto (s/p. Tradução e grifos meus).

Lacan formula, em seu 17º Seminário, O avesso da psicanálise, quatro discursos que fazem laço social, mas alude a um quinto discurso que não faz laço social: trata-se do discurso do capitalista. Em todo seu ensino encontramos referências de Lacan a Karl Marx, referências que nos permitem situar-nos diante do tributo de Lacan a essa sua herança, que se distingue, em larga medida, de outras leituras na história da intersecção da psicanálise com o marxismo.

São três os eixos em torno dos quais essa herança se articula:

  • Lacan frente ao conceito de mais-valia.
  • Marx como inventor do sintoma, antes de Freud.
  • O semblante no discurso do capitalista.

O gozo aqui em questão, subsumido pelo capital, é o instrumento que permite Lacan situar o conceito de sintoma tal como seria depois retomado por Freud: ele aponta a verdade na falha do saber, e "o que existe, afirma seu oposto". Isso se dá em razão do paradoxo apontado por Marx: a diminuição da taxa de juros é um sintoma da anulação do capital apenas na medida em que é um sintoma da crescente dominação do capital, tão dominador a ponto de regular o gozo. Um sintoma da alienação crescente... às suas ordens.

Seria esse o sintoma social que preocupa Lacan no Seminário 21, como vimos acima?

 

Mais valia e sintoma

É o conceito de mais-valia, tal como formulado por Marx, que sustenta aquele do mais-de-gozar de Lacan. Gozo a mais, não passível de entrar na significação do gozo fálico, tal como na mais-valia em Marx, trata-se aqui de um resto, impossível de simbolizar. Ele é perdido para o trabalhador cujo trabalho só é pago em salário de forma a não perceber a margem que ultrapassa o lucro (3); a mais-valia não é concedida, ela ultrapassa a concessão. E o capitalista tampouco pode cerni-lo, porque a mais-valia é justamente o que ultrapassa o lucro simbolicamente computado, de forma que para ele sempre "fica a sensação" de que pode estar sendo roubado desse resto sem valor mensurável e, por isso mesmo, tão valorizado.

Há um campo aqui, para a exploração do psicanalista, longe de ter sido esgotado, ao contrário, parece-me totalmente incipiente, Lacan disso deixou algumas pistas a serem ainda percorridas. "O que Marx denuncia na mais-valia é a espoliação do gozo" (LACAN, 1991, p.92), mostrando que já em 1844 a sociedade de consumo "faz equivaler o que qualificamos entre aspas de humano a qualquer objeto mais-de-gozar que é produto de nossa indústria" (idem). Ou seja, Lacan denuncia, com Marx, a degradação a qualquer objeto mais-de-gozar daquilo que poderia trazer a marca do desejo, sempre singular. Mas, sobretudo, Lacan observou que Marx já sabia o quanto no discurso algo sempre fica velado. Ele observou também que Marx já sabia que, quanto ao discurso do capitalista, o laço social fracassa o que, a longo termo, levará ao fracasso do próprio capitalismo porque o homem é um ser que faz, por definição, laço social.

Levanto a hipótese de que o próprio termo alemão, tal como empregado por Marx, Gattungswesen, possa ser associado ao de laço social em Lacan. A partir das teses de Feuerbach desenvolvidas por Marx, a gens já não é aqui algo estável e a priori, e sim um valor variável historicamente, na realidade, o conjunto das relações sociais (MARX, 1845). Até mesmo quando Hegel tratava da questão, e também Feuerbach, não havia ficado ausente da observação deles que a Gattung também se refere às relações dos parceiros sexuais. Estas, sem dúvida, implicam o gozo. Normalmente traduzido por "ser genérico", no sentido de "ser das gens", quando Marx, em 1845, caracteriza a humanidade na referência ao Gattungswesen, já o faz aludindo a um relacionalmento "espectral, formalmente vazio e insubstancial" (SKEMPTON, 2008, p.3). Se Gattung é social, Wesen é ser, o homem definido por Marx é aquele que, por definição, é um ser de laço social (WOOD, 1981, pp. 17 e ss.), ou, como diria Freud (1921/1974b), setenta e sete anos depois, toda psicologia individual é também uma psicologia social.

Sem dúvida, o sintoma é a mais humana tentativa de posicionamento frente ao mal estar na civilização, ou seja, frente à impossibilidade. Quando Freud (1930/1974d, p.264) observa que o sintoma é produto do recalque dos componentes libidinais de uma moção pulsional, enquanto o sentimento de culpa é produto dos componentes agressivos da mesma moção pulsional recalcada, é porque Freud já sabe que o sintoma jamais deixa de implicar Eros na tentativa de manter o sujeito no laço social. No texto "Mal estar na cultura", Freud (idem) deixa bastante claro que o homem precisa poder reorganizar os componentes libidinais, adaptá-los constantemente para poder agir de forma a modificar o mundo conforme seus próprios desejos. Tudo isso faz parte do trabalho de Eros na luta contra a agressividade e se sustenta na relação das pulsões com a pulsão de morte, enquanto Eros vencer, porquanto Eros vence. Assim é que o sintoma, como Engels já o definia em associação com seu trabalho com Marx, aparece quando é preciso reamarrar uma estrutura que foi abalada.

O sintoma é o compromisso de poder fazer as ligações no interior da cultura que exige a renúncia pulsional para que "o processo da cultura seja aquela modificação do processo de vida submetida à influência de Eros e instigada pela ananke, falta real (reale Not), tarefa que compreende a associação das pessoas uma a uma, numa comunidade ligada entre si libidinalmente" (Ibid., p.265), ou seja, por Eros.

O proletário enquanto excluído do capitalismo permite Marx traçar o limite entre o capitalismo e o que para a psicanálise será o sintoma. Pois o proletário é a verdade do discurso do mestre, ele é o próprio sintoma do discurso do capitalista. Como dizia no início desse artigo: presentifica o que não pode ser dito do que falha nesse discurso. O proletário, como "retorno da verdade nas falhas do saber" permite quase nominar os limites do capitalismo, o proletário é um sintoma social. Márcio Peter Leite (2008) o articula perfeitamente nessa mesma direção:

[...] para Marx o sintoma é o sintoma de uma verdade (por isso Marx é o inventor do sintoma) e para Freud o sintoma é a verdade. Segundo Lacan: "Há apenas um sintoma social: cada indivíduo é realmente um proletário". Ainda Lacan: "O proletário não é simplesmente explorado, ele é aquele que foi despojado da sua função de saber". Todos somos proletários, porque a condição que determina as relações entre os sujeitos humanos deve-se a que não há uma verdade que possa ser dita (s/p).

O proletário e o analisado se encontram, por duas vias diferentes, out, fora do discurso do capitalista. Eles permitem traçar os limites desse discurso, ao ex-sistir dele, mas, ao mesmo tempo, eles presentificam em seu seio o real que lhe escapa - ainda "o retorno da verdade nas falhas de um saber". Em suma, eles fazem índice desse real. Penso que poderíamos falar quase de exclusão interna, pois aquilo que é empurrado ao limite como excluído, é presente como marca do real no seio mesmo do discurso capitalista. Nesse sentido, não há real... senão do sujeito. Essa exclusão interna deve ser aproximada do tipo de subtração em que um opera sobre o outro, o círculo do Outro e o círculo do ser no Seminário XI: o círculo do ser introduz uma falha de sentido (- Φ) no lugar onde morde o Outro, e o círculo do Outro introduz uma falta-a-ser onde morde o círculo do ser (α). É assim que entendo que o proletário e o analisado possam cada um ser um sintoma. Eis onde o sintoma é fronteira entre a psicanálise e a política. Que isso se articula com o sinthoma como nome do gozo é tema para um próximo desenvolvimento.

 

Notas

N. do R.: Cliente aqui tem sua acepção romana, que ainda hoje vige na política brasileira sob o nome de clientelismo. Na Roma Antiga, a clientela era um grupo originário da plebe que, para sobreviver, colocava-se a serviço de um patrício, denominado patrono (patronus, um predecessor de padrinho, patrão). Os clientes recebiam dos patrícios assistência jurídica e terras para cultivo. Por sua vez, tornavam-se fiéis aos patrícios e votavam segundo a sua indicação. Os clientes deviam respeito a seus patronos como estes, reciprocamente, deviam-lhes proteção. (Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre. Verbete Clientela. Recuperado em 15 março, 2011 de http://pt.wikipedia.org/wiki/Cliente_(Roma_Antiga)).

O Bebê Dinossauro é personagem da série de televisão para crianças "A família dinossauro". Originalmente apresentada pela ABC, de 26 de abril de 1991 a 29 de julho de 1994.

Com Luciano Elia (1999), defino assim, essa mais-valia: O lucro do capitalista seria o quantum concedido gratuitamente pelo trabalhador ao capitalista. (ELIA, L.F. A psicanálise e o social. Tese para o concurso de Professor Titular em Psicanálise, no Instituto de Psicologia da UERJ, novembro de 1999).

 

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Recebido em 05 de Janeiro de 2010
Aceito em 11 de Maio de 2010
Revisado em 22 de Setembro de 2010