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Revista Psicologia Política
Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.16 no.35 São Paulo Jan./Apr. 2016
ARTIGOS
Juventude (des)politizada? Ampliando perspectivas no olhar à participação política juvenil
(De)politicized youth? Widening perspectives on the youth's political participation
Juventud (des)politizada? Ampliando las perspectivas de la mirada en la participación política juvenil
La jeunesse (dé) politisée? Élargir les perspectives sur la participation politique des jeunes
Érika de Sousa MendonçaI; Douglas Bezerra Alves de Andrade CorreioII; Camille Maria Bezerra de Holanda CorreioIII
IProfessora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade de Pernambuco Campus Garanhuns; Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco; Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas da UFPE, Recife, Pernambuco, Brasil. erika.mendonca@hotmail.com
IIPsicólogo, graduado pela Universidade de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. kid.andrade@hotmail.com
IIIPsicóloga, graduada pela Universidade de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. camilleholanda@gmail.com
RESUMO
Através de uma pesquisa qualitativa, analisamos os sentidos de participação política construídos por jovens e os modos de participação que experienciam em suas práticas cotidianas. Com a intenção de conhecer estratégias de participação assumidas em diferentes contextos organizacionais, além de buscar fomentar a reflexão juvenil a partir de uma perspectiva ampliada de suas possibilidades de participação política, foram entrevistados 15 jovens entre 18 e 29 anos. Como resultados, encontramos uma associação entre a noção de política e a política partidária, marcada negativamente por uma imagem estigmatizada de políticos corruptos, o que conduz os jovens a um distanciamento e olhar estigmatizado à participação em movimentos políticosociais. Contudo, os entrevistados indicam também perspectivas ampliadas de participação, que incluem o uso de tecnologias, arte e cultura, além de uma maior conscientização de seu papel social, com senso de coletividade em prol de objetivos comuns.
Palavras-chave: Política, Juventude, Participação, Engajamento, Coletividade.
ABSTRACT
Considering that the specialist literature indicates an expansion in the juvenile possibilities of think and act politically, aimed to investigate meanings of political participation constructed by young people and the ways of participation they experience in their daily practice. Therefore, a qualitative research was realized interviewing 15 young people from different social contexts, which revealed a negative association between the politics notion and party politics, marked by a corrupt politicians stigmatized image, leading the young people to a detachment from participation in political and social movements. However, the interviewees also indicated participation expended perspectives, which includes the use of technology, art and culture, besides a greater awareness of their social function with sense of collectivity towards common purposes.
Keywords: Politic, Youth, Participation, Engagement, Collectivity.
RESUMEN
Teniendo en cuenta que la literatura indica una expansión de las posibilidades de los jóvenes de pensar y actuar políticamente, tratamos de investigar formas de participación que experimentan en su práctica cotidiana. Con este fin, hubo una investigación cualitativa de entrevistas a 15 jóvenes de diferentes contextos sociales, que mostraron una asociación negativa entre la política y la noción de la política partidista, marcado por una imagen estigmatizada de los movimientos políticos y sociales. Sin embargo, los encuestados también indican perspectivas ampliadas de la participación que incluyen el uso de la tecnología, el arte y la cultura, además de una mayor conciencia de su papel social, con un sentido de comunidad para alcanzar objetivos comunes.
Palabras clave: Política, Juventud, Participación, Compromiso, Colectividad.
RÉSUMÉ
A partir d'une recherche qualitative, nous analysons les sens de la participation politique construite par les jeunes et les modes de participation qu'ils vivent dans leurs pratiques quotidiennes. Quinze jeunes âgés de 18 à 29 ans ont été interrogés dans le but d'en apprendre sur les stratégies de participation dans différents contextes organisationnels. En plus de chercher à encourager la réflexion des jeunes à partir d'une perspective élargie de leurs possibilités de participation politique. Comme résultat, nous trouvons une association entre la notion de politique et de partisanerie, évaluée négativement par une image stigmatisée des politiciens corrompus, qui conduit les jeunes à un regard distancié et défavorable sur la participation aux mouvements politiques et sociaux. Cependant, les répondants indiquent également une plus grande participation, qui comprend l'utilisation des technologies, de l'art et de la culture, ainsi qu'une plus grande sensibilisation à leur rôle social, avec un sens de la communauté vers des objectifs communs.
Mots clés: Politique; Jeunesse; Participation; Engagement; Collectivité.
Introdução
A participação política, vista sob uma perspectiva tradicional, aparece vinculada principalmente ao engajamento político partidário. Nesse sentido, o sujeito que atua politicamente é associado àquele que vota, que ocupa ou que manifesta o interesse por ocupar cargos políticos, que se engaja em atividades relativas ao processo eleitoral ou, de alguma maneira, busca interferir em decisões políticas e/ou governamentais. Milbrath (1965, citado por Delfino, Zubieta e Muratori, 2013:303) refere à ideia de participação política como "o comportamento que afeta ou busca afetar as decisões do governo." São apresentadas, assim, concepções que incluem implicações dos sujeitos na busca por conhecer e se engajar em ações, interferindo e sendo coparticipante naquilo que deseja para a sociedade, através de modos convencional ou institucionalizados de participar politicamente.
É também reconhecida como participação política uma vinculação dos sujeitos a sindicatos ou movimentos sociais (no caso dos jovens, destaca-se principalmente o movimento estudantil). Constituem-se, desse modo, parâmetros instituídos de nomeação ou reconhecimento de participação política, ao que Ferreira (2005:34), alerta: "é necessário não reduzir a participação aos mecanismos formais das instituições políticas".
Nessa direção, propomos uma perspectiva ampliada na qual pequenas intervenções cotidianas no espaço público, na relação com o outro, com o contexto sócio-político, também sejam tomadas como indicativas de participação política, ou de constituição de um sujeito político. A noção por nós assumida inclui pensar o sujeito político como aquele que afirma posicionamentos críticos, que constrói estratégias de resistência ao que é instituído e tomado como verdade, inspirando-nos, para tanto, em Foucault (2010; 2011). Tal construção de sujeito inclui, ainda, a experienciação do convívio com as diferenças (Castro, 2008; Castro & Mattos, 2009; Mouffe, 2003; 2005), bem como o engajamento na defesa de pautas coletivas, saindo do si-mesmo em direção ao bem comum (Castro &Menezes, 2002). Trata, enfim, da reinvenção de si e dos espaços públicos e da formação de uma identidade coletiva, tal como reflete Prado (2001).
Ao nos aproximarmos da juventude brasileira, percebemos que, se por um lado, muitos jovens não têm interesse em participar ativamente da política ou mesmo não demonstram simpatia pelo contexto político, por outro lado há jovens que reinventam modos de engajar-se politicamente, construindo e assumindo esferas de atuação através da arte, da tecnologia, do voluntariado, de implicações coletivas no dia a dia.
Castro e Correa (2005), por exemplo, discutem sobre movimentos que jovens empreendem e acabam por ressignificar a convivência social ao recriarem o espaço, o tempo e o uso das cidades. As autoras ilustram como protagonistas desses movimentos os skatistas, surfistas e grafiteiros, que inovariam possibilidades urbanas inscrevendo valores como risco, aventura, anonimato, liberdade, prazer, freio ao ritmo frenético do trabalho e da vida, "impregnando a cidade de uma textualidade visual na contracorrente dos valores hegemônicos" (p 18). Argumentam que, a partir da redefinição dos típicos espaços urbanos, estes jovens recriam, também, formas de convivência e, assim, participam politicamente.
Como destacam Ricci e Arley (2014), boa parte dos jovens não adere a formas coletivas tradicionais de participação junto a organizações político-partidárias, grêmios estudantis, sindicatos, nem ocupam espaços públicos com caras-pintadas, faixas e cartazes nas mãos - ilustrações estas que figuram no imaginário social como participação política1. Acreditamos, porém, que estes mesmos jovens podem se empenhar em pequenas expressões intuitivas e inventivas de modo a provocarem transformações em si e no espaço que habitam, cruzando ações em nível molecular (o próprio sujeito) e em nível molar (as diferenças sociais mais amplas), tal como discutido por Guattari e Rolnik (1986).
Estamos, pois, falando de uma atuação que não é institucionalizada, mas cujas lutas sociais se dão de modo micropolítico, inclusive de sua residência, do seu trabalho, do seu celular, quando jovens utilizam mídias e redes sociais para se posicionarem criticamente sobre realidades e contextos assumidos como típicos, questionando sua naturalização. Eles também estão a participar politicamente. E como refere Pleyers (2012:11), "todos os jovens não participam da mesma maneira e não têm as mesmas expectativas de participação".
No que se refere, contudo, à desmotivação dos jovens frente ao envolvimento político, as principais causas parecem encontrar raízes em jargões disseminados no cotidiano, todos eles valorados negativamente, assumindo um cunho pessimista, e sendo tomados como verdade: "os políticos são todos ladrões", "políticos só agem em torno dos próprios interesses", "com essa política, o Brasil não vai pra frente". A naturalização do descrédito frente à política e aos políticos reverbera na descrença e desmotivação quanto ao engajamento juvenil, uma vez que a luta por direitos e a implicação na busca por melhorias sociais seriam atitudes infrutíferas. Não há tão somente uma negativa à participação política mas há, também, uma ausência de investimento nesta participação como consequência de uma desconfiança de resultados produzidos neste contexto (Mendonça, 2008; 2016).
Apesar desse clima de desconfiança e pouco interesse, ao tratarmos do tema da participação política juvenil, é inevitável retomarmos a referência ao movimento de protestos e ocupação das ruas na defesa de demandas de interesse público. Especialmente no segundo semestre de 2013 assistimos, no Brasil, a uma eclosão de dimensão nacional deste tipo de ação-movimento que ficou conhecido como "Jornadas de Junho".
Inquietamo-nos, contudo, com as reverberações frente a tal movimento: são reações que vão do orgulho à crítica, da esperança ao desencantamento, de uma avaliação do movimento de jovens como se transpondo de uma perspectiva política a uma visão apolitizada e vice-versa (Sampaio Junior, 2013). A referência à juventude da década de 1960 não deixou de existir, bem como um olhar estigmatizador da juventude como inconsequente e desinformada. Questionamentos sobre aquela ocupação como sendo um movimento de participação política também se presentificaram. Mas ainda assim, os/as jovens estavam lá.
Frente a uma maior evidência de engajamento recente de jovens em movimentos sociais e na ocupação de espaços públicos, e também se considerando reinvenções nos modos de participar, no contraponto a perspectivas que sinalizam o jovem como alheio ou alienado politicamente, objetivamos investigar de que modos vem se dando a participação política juvenil brasileira e, ainda, compreender sentidos atribuídos pelos jovens a esta participação.
Ao articular as reflexões da Psicologia com sujeitos e ações coletivas, este campo de estudos busca sintonia com pesquisas promovidas no campo da Psicologia Política. Intenciona, nesse sentido, contribuir com a promoção de espaços emancipatórios, a partir da participação de sujeitos que se implicam politicamente - ou que se sintam estimulados a refletirem nesta direção - questionando e resistindo a verdades naturalizadas, dirigindo ações ao bem comum, reconhecendo antagonismos próprios das relações humanas.
Metodologia
Através de pesquisa qualitativa e empírica, realizamos entrevistas individuais junto a 15 jovens entre 18 e 27 anos, de ambos os sexos (oito homens e sete mulheres), pertencentes a distintos contextos sociais (estudantes universitários e trabalhadores, pobres e de classe média, que se nomeavam negros e brancos, integrantes ou não de movimentos sociais, partidos políticos e diretórios acadêmicos). Tal diversidade se justificou no intuito de conhecer amplas percepções sobre participação política juvenil, não nos restringindo a um público envolvido - ou distante - de espaços tradicionalmente reconhecidos como políticos.
O processo de tratamento de dados foi baseado na Análise de Conteúdo Categorial de Lawrence Bardin. Para a autora, a análise do conteúdo envolve um conjunto de instrumentos que se aplicam a discursos extremamente diversificados. "Fazer análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentidos que compõem a comunicação do conteúdo a ser analisado" (Bardin, 1977:15).
Sobre os métodos de análise, a autora apresenta os critérios de organização de uma análise: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Este último, por sua vez, compreende a codificação e a inferência, seguida de técnicas de análise que incluem: categorização, interpretação e informatização (Santos, 2013:385). No presente estudo, considerando-se focos de discussão que foram evidenciados nas diferentes entrevistas, construímos as seguintes categorias analíticas: 1) Participação e Política: entrelaçamentos; 2) Engajamento e participação política juvenil: sentidos em construção; e, 3) Individualismo e coletividade: avessos e complementos.
As discussões que se seguem baseiam-se nas narrativas dos entrevistados, cujos nomes foram alterados com fins de manter seu anonimato. Ainda como cuidados éticos, garantimos o caráter voluntário da participação, bem como o direito do interlocutor em desistir a qualquer momento. O projeto da pesquisa foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, e documentos como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Confidencialidade foram assinados por pesquisadores e interlocutores.
Discussão dos Resultados
Participação e Política: entrelaçamentos
Nas narrativas dos entrevistados percebemos dificuldades de compreensão e consequente diferenciação entre os termos política e participação política. Foi evidenciada e repetida por diferentes entrevistados (dez deles) a associação entre política e modos tradicionais de participar politicamente, enunciando ações e movimentos como: o voto, os grêmios estudantis, os sindicatos, além da ocupação do espaço público de modo organizado. A política foi, ainda, diretamente relacionada às eleições, a partidos políticos e à corrupção.
É assim que constatamos que, para os entrevistados, a política vem relacionada à militância, a políticos e à concepção pejorativa de "politicagem", remetendo-se a percepções, sentimentos e posicionamentos negativos, tendo sido explanados exemplos de corrupção, desonestidade, individualismo, ganância. São ressaltadas descrenças quanto à política e às formas de engajamento político, o que reflete em um não-desejo de participar politicamente. Diante da pergunta: "o que você que entende por política?", eis a resposta de Luis, 22 anos: "Política no Brasil é sinônimo de corrupção. Já é de praxe, então é uma coisa que... seja um vereador, um político, vai sempre tá fazendo isso, sempre vai ter roubalheira e desonestidade." Desvios de conduta aparecem, em suas falas, como comportamentos indissociáveis à política e esta, ao envolvimento político-partidário.
Visto que, majoritariamente, os jovens entrevistados percebem a política ligada ao âmbito partidário, é possível refletir razões do afastamento juvenil da participação e engajamento político. Se por um lado a visão conceitual sobre política é limitada, existe também a forte implicação com um discurso diário que prejudica o sentimento de coletividade e o desejo de participação. A declaração de Nathan, 21 anos, de que "num vai servir de nada" ilustra a desilusão referida, que é também partilhada por outros entrevistados. Há um quadro geral de desesperança quanto à qualidade das ações políticas e seus impactos, e um consequente distanciamento quanto ao desejo de engajamento.
Simultaneamente, vê-se nos jovens um crescente alheamento, que consiste, segundo Costa (1997:70), "numa atitude de distanciamento, na qual a hostilidade ou o vivido persecutório são substituídos pela desqualificação do sujeito como ser moral." Os valores disseminados na modernidade sobrepõem o caráter individualista à atenção coletiva e reforçam um distanciamento do indivíduo a questões sociais. Costa (1997:75) afirma, nesse sentido, que "o cuidado obsessivo com o bem-estar não apenas realimenta a cultura do alheamento como reduplica-se em irresponsabilidade para consigo."
Na pesquisa, o jovem Fábio acredita que a justificativa por trás da não-participação de alguns jovens baseia-se justamente numa cultura de foco no próprio bem estar. Em sua fala, encontramos um exemplo da noção de alheamento referida: "Por ser juventude, muitos, não tô dizendo todos, mas a maioria não quer saber tanto dessa parte política... Pela idade, juventude quer curtir, quer zoar, tá nem preocupado com o amanhã, futuro, os outros...". O entrevistado critica o não envolvimento político de outros jovens, mas ele mesmo se declara desinteressado nas questões que dizem do coletivo: "Se você perguntar até a mim mesmo, eu não tenho muitas questões políticas, porque, er... eu não, eu num tenho essa personalidade de buscar tanto conhecimento político. Eu cuido mais é da minha vida mesmo, dos meus objetivos." Tal declaração deixa-nos a inquietação: o que faz com que os jovens se percebam ausentes de discussões e implicações políticas e, ainda assim, optem por não "tomar consciência" ou se implicar em questões do bem comum?
A noção de política é trazida também como um meio pelo qual é possível beneficiar-se. Por este olhar, a política não é vista como um conjunto de ações voltadas ao coletivo, mas é percebida por um viés individualista em que uma pessoa poderá tirar proveito de alguém e/ou será beneficiada por outrem. Aspecto relevante mostrado pelo estudo foi o tensionamento entre discursos e práticas dos jovens, quando estes alegam não se sentirem impulsionados a participar de ações políticas porque não enxergam de que modo seriam bonificados, ao mesmo tempo em
que criticam posturas individualistas dos representantes na política. É possível observar esta contradição nas falas de Nathan, primeiro respondendo por que não se sente motivado a participar e depois criticando as posturas de políticos:
Porque eu nunca fui assim... nunca fui beneficiado por esse lado... [...] Aí um jovem que participa mais assim, vamos dizer... tipo apoiar um cargo ou qualquer coisa, é porque ele tá se beneficiando. O que eu vejo até hoje é só isso. Tirando algum proveito, mas o resto... [...] Hoje no Brasil acho que tá meio que... Eles estão levando a política que era pra ser, na verdade... que era pra desenvolver mais o país... tá meio que... eles tão desenvolvendo a si próprio, né? E isso é ruim.
Ao longo das entrevistas, a relação estabelecida entre os termos política e participação política revelou que a noção que se tem de uma afeta diretamente o que se pensa da outra. Quando, por exemplo, a política é relacionada a partidarismo, é comum que se estabeleça uma ligação direta com a conduta dos políticos, remetendo muitas vezes a casos de corrupção, o que leva ao desestímulo quanto à política em geral ao próprio desejo de participação política. "Vejo pouca participação... Até mais por conta dos políticos mesmo, creio que é mais culpa deles. Os jovens não têm a mínima vontade de participar. A pessoa vê tanta corrupção que deixa de lado qualquer vontade de participar" (Julia, 27 anos).
Por compreenderem que não há meios para mudanças ou transformações significativas no âmbito político, nem em suas implicações em ações coletivas no cotidiano, um dos efeitos percebidos está na recusa ao exercício do direito ao voto, caso este fosse facultativo, segundo declaração de seis participantes da pesquisa.
No entanto, para alguns, o entendimento sobre o que é política ultrapassa a barreira do partidarismo e em certas narrativas a política é tratada como um sistema que rege as relações entre os indivíduos em sociedade.
Quando eu penso em política me vem principalmente democracia, mas uma democracia queexista e que não seja uma farsa. É... e a política que... que às vezes, nesse país parte pra um negócio partidário né, e que pra mim isso é muito errado, eles deveriam mais... o bemsocial, então política na minha cabeça é bem-social... a política ela gera... ela é a partir de uma fundamentação, de uma moral num é? Aí ela gira. (Caio, 19 anos).
Além de uma percepção restrita sobre a política - entendida tão somente como institucionalizada, partidária, ligada ao exercício do voto e corrupta - percebemos também nas narrativas uma compreensão limitada sobre o que seria a participação política, sendo sua concepção reduzida à integração em movimentos organizados, partidos, sindicatos, grêmios estudantis, militância. Percebeu-se que, diante da restrita implicação com a vida pública, também o comprometimento e a responsabilização juvenil com o meio coletivo são afetados.
Engajamento e Participação Política Juvenil: sentidos em construção
Compreendemos participação política juvenil não meramente como a participação de jovens em movimentos organizados, sindicatos ou outras organizações, mas perpassando também a busca de conhecimento sobre as instâncias que interferem na vida pública, bem como os posicionamentos e ações adotados pelos próprios jovens no âmbito coletivo. Assim é que consideramos como participação política as implicações cotidianas do jovem com fins de melhorias em sua qualidade de vida e na daqueles com quem convivem, assim como as ações de não alheamento que dizem de uma consciente ação de respeito, solidariedade e responsabilidade.
Os jovens entrevistados apresentam a noção de participação política enunciando-a, em especial, como ação de conscientização (através da busca de informações na internet, em revistas, na Constituição). Defendem que a busca por maiores informações, seja sobre os candidatos a uma eleição, seja sobre o que está sendo noticiado no dia a dia, indica uma postura politizada e coerente com mudanças que acreditam necessárias. De acordo com Hernandez, Accorssi e Guareschi (2013:384):
A mudança, portanto, inicia-se em uma problematização da consciência: da passagem do estado de "objeto" a sujeito. Este dar-se conta de seu papel ativo na mudança é o processo de politização da consciência. A mudança depende, sempre, de um posicionamento crítico, inquieto, descontente e desejante, que questiona a ordem e a uniformidade de condutas e opiniões. A mudança é processo/projeto/estilo de comportamento inovador que não abre mão da tensão declarada entre posições diferentes.
Percebemos, nesse sentido, que para haver mudanças efetivas é necessário ao jovem implicar-se coletivamente em pautas políticas, posicionar-se de modo crítico-reflexivo, bemcomo engajar-se num movimento de saída do si-mesmo em direção à alteridade. É preciso conhecer e problematizar o contexto político em que se vive e esforçar-se num olhar ampliado à compreensão das relações de poder das quais também faz parte.
Alguns jovens produzem reflexões nesse sentido. Fábio, 19 anos, defende:
Participação política é você primeiro tá por dentro do que tá acontecendo na política da sua cidade, município, estado, país. Primeiro tá ligado no que tá acontecendo, ver as leis, o que tão em vigor. [...] Você... tá preocupado, você tá buscando ver quem é, o que é o melhor pro seu país, de uma forma geral, não só melhor pra você, mas assim como um todo né? Sem olhar só pros próprios interesses [...]
Em suas narrativas, os entrevistados ressaltam uma participação sutil, mas diretamente ligada ao que é possível fazer individualmente nas diferentes esferas da vida, bem como notificam a existência de uma vontade que caminha na direção deste fazer: "Há muita participação política potente ou em latência... A gente não vê coisas na prática, mas a gente vê muita vontade, sabe? A gente vê muito discurso, mas pouca ação" (Pedro, 19 anos). O entrevistado se refere a como percebe a participação política dos jovens da sua cidade. Mais adiante, na entrevista, ele reflete que o desinteresse de alguns está relacionado ao pouco acesso à educação, e critica o papel da televisão como principal veículo informativo, o que a torna "uma fabricadora de moda, uma fabricadora de pensamento", segundo afirma.
Os próprios entrevistados, muitas vezes, afirmam não procurar saber sobre política porque têm preguiça de ler e têm preguiça de buscar informações. A cultura de massa que a televisão promove reforça a inércia em procurar se informar, e os jovens acabam se acomodando a atitudes de não implicação e desresponsabilização consigo e com o outro.
Diferente do que apontou Pedro, o jovem João, de 22 anos, fala de sua experiência como agente social. Apesar de não se considerar engajado politicamente, relata situações em que se reuniu com outros jovens na promoção de práticas que denomina "autogestão" em prol de melhorias para as comunidades próximas.
[...] a gente ia pruma praça, acampava lá, tipo uns tempinho... uns três dias, quatro dias... aí levava umas muda mesmo, umas planta pra distribuir no final do evento... aí fazia uns pão lá sem fermento pra galera, sopa... e ficava o dia inteiro conversando com eles [...] conversando sobre os problemas da comunidade e tal, fazia uma listinha, às vezes levava pra... pro vereador [...] Fazia... Teve uma vez que a gente fez um mutirão pra ajeitar umas casas, ajeitar umas ruas e tal [...] Sinceramente, era, era... uma das coisas que eu mais gostei de ter feito porque tem muito a ver com o que eu penso sobre autogestão, essas coisas...
João não acredita que a democracia representativa seja o melhor modo de gerir a vida das pessoas e adotou as próprias práticas que condizem com sua forma de ver o mundo e as pessoas. Relata que, em outro momento de sua vida, reunindo-se com alguns parceiros do Coletivo de que participava, produziram um documentário em um lixão de uma determinada cidade que denunciava más práticas do prefeito, reduzindo sua popularidade que, nas palavras do entrevistado, "nunca mais se reelegeu."
João não é o único jovem que promove ações políticas sem nomeá-las ou mesmo percebêlas como tais. Lucas, 19 anos, se afirma avesso à política, no entanto convida garotos que moram nas ruas a dar novos sentidos às próprias vidas através da cultura e da arte.
Só faço hip hop, só. Sou professor de hip hop. Aí sim. Tudo que é de grafite, tudo, palestra, a gente faz também. Tem o grafite, o artesanato, a musicalidade, que é o rap no improviso, que é falar o que você quiser, tá ligado? [...] Aí pego isso aí, aí pega os menino da rua e ajudo também, chamo eles lá pra casa, que lá tem um espação na garagem [...] Aí pego e pronto. Aí o que dá pra eu ajudar, ajudar eles, eu ajudo. [...] Já fui menino de rua aí eu sei o que é isso, né?
Os jovens que se reúnem com outros jovens com a finalidade de discutir e promover ações políticas, estando conscientes de que suas ações são expressões de participação e engajamento político, representam uma minoria dentre os entrevistados. A outra parcela se divide entre os que, de alguma maneira, inquietam-se timidamente quanto às questões coletivas e se percebem articulando ações cotidianas que dizem de uma postura política, e aqueles outros que não cultivam qualquer simpatia com a política e não se implicam nem sequer manifestam o desejo de participar; ao contrário, o que se compreende em seus discursos é uma postura de afastamento das questões coletivas e sociais, sendo estas apreendidas como não condizentes às suas responsabilidades.
O discurso dos jovens engajados é divergente ao daqueles que se afirmam alheios à política. Enquanto estes últimos se percebem estrangeiros à responsabilidade social, adotando frases que expressam a ação política como desnecessária e pouco produtiva, os jovens engajados tomam a participação política como primordial para a vida em coletivo. "Acho que a participação política realmente nasce como uma necessidade como ser humano, como sujeito, entendeu?" (Isabel, 22 anos). Mais adiante, a mesma jovem reflete a participação política como uma responsabilidade de cada indivíduo enquanto sujeito social, destacando a necessidade da implicação de cada indivíduo e prol de uma coletividade, o que nos remeteu a uma discussão provocada por Castro (2008:253):
A lenta assunção de cada indivíduo à condição de sentir-se, de reconhecer-se e de agir como parte desse todo maior apoia-se na construção dos laços sociais, derivados não da semelhança entre iguais, nem tampouco das afinidades de parentesco ou afetivas, mas da identificação com objetivos considerados coletivamente como importantes. Para o jovem, "sair de casa", no sentido de assumir-se como integrante da polis ou da nação, significa entender-se como "tendo a ver" com o estado de coisas ao seu redor e interpelado a responsabilizar-se por elas.
A compreensão das formas de participação política exige que se problematize o conceito de participação, uma vez que muitas ações participativas são imprecisas e contraditórias. Alguns estudos, por exemplo, têm mostrado a disponibilidade dos jovens para a "associação" em prol de pautas comuns (Ferreira, 2005; Mendonça, 2008; Menezes, 2004) e, ao mesmo tempo, evidenciam sua rejeição a estruturas convencionais de engajamento e de ação, como partidos políticos.
É necessário saber que enquanto alguns jovens adotam formas de engajamento bastante clássicas - ou são atraídos por organizações que nada têm de inovadoras - outros atuam em diferentes formas de participação, e são envolvidos por práticas inovadoras que dão margem à criatividade e à inventividade.
Se concebermos a participação a partir de micropolíticas cotidianas, incluindo o investimento na cultura, na arte, a implicação com o bem comum, percebe-se a participação de alguns dos nossos entrevistados, ainda que eles próprios não se reconheçam participando politicamente. Para outros, contudo, há uma afirmação de práticas e posicionamentos seus que eles compreendem como sendo participação política. Caio (19 anos), afirma: "É bem mais eficiente eu fazer ações de voluntariado do que esperar e falar às vezes em política porque você já tá agindo, né? Então pra mim isso é maravilhoso. Por isso escolhi me envolver com o voluntariado. Deixo de olhar pras minhas próprias necessidades, apenas".
A literatura que trata do conceito de benevolência no sentido crítico entende-a, justamente, como oposta à política, esta que prevê um campo dos iguais. A benevolência - como o voluntariado - seria do campo da desigualdade, apoiada nas diferenças entre aquele que age e aquele que recebe. Contudo, para o entrevistado, seu ato de fazer algo pelo outro, seu empenho na transformação de realidades, é percebida como ação política. Nesse sentido, o modo de participar por ele ressaltado suscita-nos a noção de implicação, de deslocamentos de si-mesmo na direção do outro, da responsabilidade que o faz "sair de casa", no sentido atribuído por Castro (2008), e agir em prol de um objetivo comum que beneficia o coletivo.
Individualismo e Coletividade: avessos e complementos
Tomando a noção de participação política como um movimento que inclui o compromisso com demandas e interesses coletivos no meio social, podemos entender que um movimento contrário ao da participação política é o individualismo. Segundo Gouveia e col. (2013), as orientações individualista e coletivista sempre estiveram presentes nos estudos dos valores humanos. Definem o individualismo e o coletivismo como "síndromes culturais" que consistem em compartilhar atitudes, crenças, normas, papéis e definições do eu, sendo os valores dos membros de cada cultura organizados de forma coerente em torno de um tema.
No individualismo, o indivíduo é soberano aos grupos em todos os aspectos; as relações pessoais são mais frequentes, porém contratuais. Embora o sujeito orientado pelo individualismo possa fazer parte de muitos grupos, estes não são exatamente espaços de pertença. Alguém que é individualista, irá atuar segundo seus próprios interesses, importando
em menor medida o contexto social em que se encontra, de acordo com reflexões suscitadas por Gouveia e col. (2013). Nas falas de alguns dos entrevistados tal atitude afirma-se, por exemplo, na justificativa de alguns jovens não se interessarem na participação política ou em pautas sociais porque uma atuação nesse âmbito não traria benefícios em razão própria, como ilustra a declaração a seguir:
Talvez seja mais por desinteresse mesmo, por achar que a política não lhe afeta de alguma forma, ou de que não há necessidade de você se envolver politicamente, porque, como se tem no senso comum né? 'Ah, independentemente de qual político que vai ganhar, vai haver sempre desvios de verba e eu não vou ter nenhum benefício com isso', então se eu não vou ser beneficiado, eu também não vou apoiar ninguém. (Ronaldo, 25 anos).
Logo, contrapondo-se a esse contexto, a noção de participação está intimamente ligada a um senso de coletividade, já que o coletivismo é definido por uma tendência à cooperação e ao cumprimento com os demais, muito embora seja também uma arena de conflitos e disputas. No aspecto coletivo, para Gouveia e col. (2013:224): "o indivíduo atua levando em consideração o contexto e as demais pessoas com as quais compartilha o sentido de pertença grupal". Esse entendimento sobre a participação política perpassada pelo senso de coletividade nos é apresentado por uma das entrevistadas quando declara: "É você se inserir num grupo de até mesmo poucas pessoas, mas que lutam por um objetivo, que tentam mudar a realidade, não só a sua, mas a de todos..." (Luciana, 18 anos).
Tal inclinação para o coletivo também pôde ser retratada no movimento que ficou conhecido como "Jornadas de Junho de 2013", a que já nos referimos, caracterizado pela tomada das ruas em diversas cidades do Brasil com reivindicações que visavam reformulações e melhorias na política social, na saúde, educação, transporte, no fim das ações de corrupção2 (Sampaio Junior, 2013). Sobre esse evento histórico, um dos entrevistados disse: "[...] eu vi que eles tavam tentando mudar alguma coisa, mudar alguma coisa que estava bastante errada, então.. [...] tentei levar muita gente pra manifestação, pessoas que não queriam realmente, eu enchi o saco e a gente foi." (Caio, 19 anos).
Apesar desse senso de coletividade ser tomado como estruturante de uma participação política efetiva, um movimento organizado com pautas definidas e com atitudes que vão além da mera crítica à situação, como possíveis soluções aos problemas encontrados, apresentou-se como unanimidade na fala dos entrevistados, ao refletirem sobre o que vinha a ser participação política.
Na fala da entrevistada Isabel, 22 anos, é ressaltada a importância de ir às ruas não meramente por insatisfação, mas apenas após se informar sobre os modos como funcionam e se organizam os objetos de insatisfação, refletindo sobre as soluções possíveis para os problemas. Afirma: "Acho importantíssimo argumentações, mobilizar, só que com conhecimento. É dizer: eu sou contra o que acontece porque não é pra ser feito assim, e mostrar como é pra ser feito", e critica a falta de disponibilidade dos jovens para pensarem em ações de transformação em vez de apenas despejarem reclamações.
Ao refletirem sobre canais de comunicação e de participação grupal, os entrevistados indicaram a internet, esta que também é apontada como o espaço privilegiado para a aquisição de informações, além de ser uma ferramenta usada com fins organizar e mobilizar ações juvenis. Mara (19 anos) evidencia sua efetividade citando alguns movimentos recentes que foram ou estão sendo dinamizados especialmente a partir do meio virtual:
O movimento Ocupe Estelita que aconteceu em Recife... Ele surgiu nas redes sociais. De lá, ele foi pro físico, e agora voltou pras redes sociais. E ele foi completamente movimentado somente pelo meio da internet... [...] é uma forma até eficiente, porque foi por causa disso que as manifestações que estavam acontecendo em São Paulo em junho do ano passado rodaram o Brasil, é por causa disso que aconteceu o Estelita, e outras movimentações que estão começando a acontecer.
Se, por um lado, a ocupação tradicional do espaço público como modo de reivindicação dos direitos e expressão do desejo de mudança por parte da população continua em importante vigência e legitimidade, como demonstram, por exemplo, as manifestações de Junho de 2013, de outro ângulo percebemos que os espaços a serem ocupados nesta luta são cada vez mais ampliados. Por exemplo, na fala da jovem Poliana, 22 anos, tal condição é evidenciada: "A gente debate sobre tudo no Facebook. A gente debate sobre saúde, a gente debate sobre política, sobre religião, futebol, sobre tudo. E às vezes a gente debate com gente que também não sabe. Mas isso instiga a pessoa a procurar saber mais sobre aquilo."
Essa abrangência se dá não apenas como modo de convocar a juventude às ruas, mas também promovendo uma proximidade com o debate sobre o público, em contraposição a aspectos privados da existência, suscitando ainda mais o desejo de conscientizar-se e participar politicamente, na direção das vicissitudes do bem comum (Castro; Menezes, 2002). Contudo, não podemos deixar despercebida a parcela de jovens que opta por um modo não atuante, apesar das mais variadas formas de engajamento social, opção esta reconhecida, muitas vezes, pelo próprio sujeito e por seus pares.
No que se refere a tais expressões de distanciamento e/ou alheamento, a entrevistada Julia, 27 anos, quando perguntada sobre o que entendia por política, evidenciou verdadeira repulsa à questão: "Por política? Pra ser sincera nada [risos]. Minha gente, a política é tão... é tão horrível, pra ser sincera... tão horrível que a pessoa procura... eu mesmo não procuro nem saber de nada... nem pro... assim, de candidato, nada." Tal desinteresse desemboca em total desconhecimento quanto aos próprios direitos e deveres como cidadão e, no caso específico da nossa pesquisa, chama a atenção o distanciamento do jovem em relação às políticas públicas voltadas ao público juvenil.
Outro exemplo que revela a não-implicação juvenil pôde ser percebida diante das respostas a uma das questões contempladas no roteiro de entrevista. Havia uma questão que buscava investigar o conhecimento da existência do Estatuto da Juventude, homologado pela Lei N° 12. 852, de 05 de agosto de 2013 e que dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude. Apesar de alguns entrevistados afirmarem o desconhecimento de sua existência, a maioria limitou-se a declarar: "eu já ouvi falar". Todos os interlocutores do estudo se mostraram alheios ao seu conteúdo, mesmo alguns afirmando saberem de sua existência e alegando reconhecimento de sua importância, haja vista tratar de direitos para a juventude.
Observemos a declaração de Fábio, 19 anos, sobre a existência do Estatuto: "Da juventude... Creio que sim [que o Estatuto deve existir], porque tem o da Criança e do Adolescente, acho que... com certeza... Não sabia se tinha, mas assim se tem o da Criança e do Adolescente, do idoso... deve ter o da juventude..."
Apesar de o alheamento possuir um caráter danoso ao quadro coletivo, revelando pouco respeito e atitudes de não-responsabilização consigo e com o outro, percebemos no discurso de um dos jovens entrevistados o alheamento também como forma de manter-se "são" diante das injustiças sociais presentes em seu cotidiano:
A gente até tenta fazer algumas coisas, que é impedido por conta de sei lá, poderes superiores, né? Mas muitas vezes coisas que a gente... Que a gente vê assim na rua tornase cotidiano e torna-se banal. Então, por exemplo, a gente vê uma pessoa dormindo no chãona rua assim. É claro que isso é também um produto de injustiça social, mas a gente vai fazer o quê? Sabe, assim, passando na rua... A gente simplesmente olha, fecha o olho e ignora. Se a gente parar pra pensar nisso, dá uma dor profunda, sabe? Melhor me manter distante e são. (Pedro, 19 anos).
Pedro percebe seu não envolvimento com a política também como desejo de fugir ao quadro de desigualdade e não se deixar atravessar pelo incômodo de se sentir incapaz de ajudar efetivamente. Mais além, o entrevistado Rodrigo (21 anos), traz outra percepção desta mesma situação, levando em consideração o que percebe como natural que aconteça, e que pode nos levar a enxergar como esse alheamento está presente e é comum na vivência dos jovens. Ele assim reflete a respeito das injustiças sociais:
É uma coisa, sendo muito sincero, é uma coisa tão comum que muitas vezes não me sensibiliza. [...] Porque injustiça social, pelo sistema que a gente tem, é inevitável. Pela forma como a gente conduz o sistema que a gente tem, é inevitável que tenha injustiça social, mas, a partir do momento que eu vejo uma discriminação por conta de status social, de classe social, seja qual for, aí sim eu, eu entro na briga... [...] Eu acho que o tom é diferente, já deixa de ser uma coisa social, er... do jogo social pra ser uma coisa do jogo humano, sabe? Acho que são esferas diferentes.
A jovem Poliana, 22 anos, criticou a postura despreocupada dos jovens quanto à própria participação política. Exemplificou uma situação que acabara de presenciar: sua amiga alegava que votaria nulo e ela questionou sua postura, defendendo a relevância de participar, "o jovem, ele tinha que tomar consciência de que é importante votar". Ao contrário da maioria dos entrevistados, ela se mostra bastante sensibilizada com as implicações de suas ações na vida de outras pessoas, e se sente convocada a um posicionamento quando presencia cenas de injustiça ou de pessoas que não sabem se defender: "Aí eu vou lá tentar resolver. Minha mãe diz pra eu não me meter, mas eu sempre me meto. [risos] Eu sempre me meto. [...] Aí eu fico... Aí, eu fico sentindo o que a pessoa tá sentindo. E eu me meto."
A jovem Isabel (22 anos), critica a disponibilidade que as pessoas têm para criticar o que acreditam estar errado, sem canalizar esta indignação para mobilizar-se e modificar, em algum nível, o que incomoda, pois alega que isto vai de encontro à ideia de participação política que ela defende.
Conhecer propriamente os seus direitos, fazer seus deveres, porque não adianta nada só exigir, exigir, exigir... Tem que fazer sua parte! Agora participar mesmo, se você fica inerte, você simplesmente... Se não tá lhe atingindo... Por exemplo, eu sou privilegiada socialmente em relação a uma série de pessoas, mas isso quer dizer que eu não vou me voluntariar? Se voluntariar é uma forma de participação [...] isso é participação política: conhecer,conhecer e intervir. É isso que eu acredito. Intervenção e conhecimento.
Nas narrativas dos participantes da pesquisa, apesar dos intercruzamentos - algumas vezes equivocados ou tendenciosos - quanto aos sentidos de política e de participação política construídos, chama-nos a atenção, também, posicionamentos bastante esclarecidos e firmes de engajamento e responsabilidade coletiva, em que o sujeito se assume desejoso de conscientizarse e posicionar-se como um sujeito político.
Considerações Finais
O estudo revela diferentes modos de compreender e vivenciar a política e a participação política em jovens. Buscamos apreender tais sentidos mesmo quando as narrativas dos jovens ou as ações referidas não pareciam ter o objetivo de implicação ou engajamento político, mas o esforço da pesquisa esteve em reconhecer nuances destas expressões, incluindo as reflexões e participações políticas que se desenvolvem de modo sutil e não intencional. Na sutileza dos posicionamentos e engajamentos cotidianos, percebíamos a presença de um sujeito político que então se esboçava.
Identificamos, ainda, afirmações com forte teor retórico, com arranjos e argumentos bem construídos a partir de um "discurso politicamente correto". Tratava-se de narrativas que comunicavam reflexões interessantes de serem afirmadas numa situação de entrevista, mas que não se sustentavam, se contradizendo ao longo do mesmo contexto de entrevista.
Constatamos uma amplitude de sentidos atribuídos e experiências vivenciadas pelos jovens no que se refere aos modos de se implicar no âmbito coletivo: desde os jovens engajados que procuram assumir responsabilidades frente ao bem comum, aos que se sentem alheios ao compromisso de participação política, e tais sentidos ora se configuram a partir de um caráter subjetivo, ora revelam uma constituição de significados que são construídos e reproduzidos coletivamente. Nos depoimentos dos jovens entrevistados, percebemos tanto a esquiva em relação aos assuntos referentes à política como também casos de autogestão, em que o jovem era o protagonista de melhorias em sua comunidade.
As inquietações dos jovens quanto ao cenário político atual remetem-nos a uma reflexão sobre a ética em contraposição às posturas corruptas e suas repercussões nos modos de pensar política construídos por estes jovens. Refletimos sobre motivos pelos quais alguns jovens se sentem avessos à discussão de questões coletivas devido à descrença nas figuras de representação do nosso sistema político.
Encontramos, enfim, uma forte associação entre a noção de política e a política partidária, marcada negativamente por imagens estigmatizadas de políticos corruptos, o que conduz muitos jovens a um distanciamento da participação em movimentos políticos. Contudo, os entrevistados indicam também perspectivas ampliadas de participação, que incluem o uso de tecnologias, arte e cultura, além de uma maior conscientização de seu papel político, com senso de coletividade e responsabilidade em prol de objetivos comuns. Através das redes sociais, a internet se destacou como principal espaço de troca de ideias, obtenção de informações, organização de ações e atuação política.
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Recebido em 27/02/2015.
Aceito em 09/08/2017.
1 Embora precisemos, aqui, destacar o movimento conhecido como "Jornadas de Junho", que ocorreu em território nacional em 2013, quando milhares de jovens ocuparam espaços públicos com faixas e cartazes que evidenciavam demandas heterogêneas. O movimento, também nomeado como o "levante do gigante", referindo-se a um ressurgimento de ações juvenis em prol de transformações políticas no país, indica-nos um repertório de ação que não ficou no passado, mas é percebido como mais uma possibilidade de participar politicamente.
2 Uma ressalva a ser feita, contudo, é de que neste cenário de pautas heterogêneas, também clamores pelo fim do bolsa família, pela volta da ditadura, pelo enaltecimento da meritocracia, entraram em disputa.