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Stylus (Rio de Janeiro)
Print version ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.30 Rio de Janeiro June 2015
CONFERÊNCIA
Os nós do amor e dos gozos
The knots of love and jouissance
Luis Izcovich*
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - AME da EPFCL-França
Membro fundador dos Fóruns do Campo Lacaniano na França
Docente no Collège de Clinique Psychanalytique de Paris
RESUMO
Se a demanda de análise que concerne aos impasses no amor permanece atual até hoje, uma outra demanda nela se implantou. Esta ganhou cada vez mais valor nos discursos dos analisantes, ultrapassando, algumas vezes, a queixa sobre os obstáculos no amor. Ela é referente ao gozo. Isso toma, às vezes, a forma de uma questão relativa à satisfação: será que estou satisfeito o bastante ou seria possível sê-lo ainda mais? Às vezes, essa questão se mistura ao amor. Mas, na época atual, a satisfação ligada ao gozo torna-se, muitas vezes, uma exigência endereçada ao analista e exclui radicalmente o amor. É certo que o amor visa ao ser do parceiro sexual, mas não o encontra. Com o gozo, temos uma amostra do ser sexual, o ser próprio, mas também o do outro. Entretanto, o amor faz falência, e o que motiva o gozo permanece, em parte, opaco. A questão que se coloca para nós é a de saber o que é que funda um novo enodamento do amor e do gozo e, sobretudo, o que é que permite dizer que ela é a consequência de uma análise? Penso que é aqui que se situa a verdadeira questão da orientação lacaniana, e que pode ser formulada da seguinte maneira: a satisfação de fim de análise é o efeito de uma certeza com relação à identidade sexual como condição de acesso a um novo amor. O enodamento comporta, assim, três dimensões: a identidade sexual, o amor e o gozo. É somente sobre uma operação que implica o gozo que damos uma chance a um novo amor que vai, como diz Lacan, de ser a ser, ou seja, que não é o amor do mesmo.
Palavras-chave: Amor, Gozo, Identidade sexual, Enodamento, Psicanálise.
ABSTRACT
If analysis demand concerning the deadlocks in love has remained updated until today, a second demand has emerged from it. This demand has acquired more and more value in the discourse of the analysis patient, surpassing sometimes the complaint about the obstacles in love. The demand refers to jouissance. It sometimes take the shape of a question related to satisfaction: am I satisfied enough or could I be a little bit more? Sometimes this matter gets mixed with love. But, currently, the satisfaction related to jouissance, is to become several times a demand addressed to the analyst, and it radically excludes love. It is true that love targets the being of the sexual partner, but it does not find him/her. With jouissance, we have a sample of the sexual being, the being him/herself, but also the other. On the other hand, loves generates failure and what stimulates jouissance, partly, remains opaque. The question posed for us is to know what founds the enoding of love and jouissance, and, above all, what allows it to say that it is the consequence of an analysis? I believe it is right here where the true question of Lacanian orientation lies, and that it can be formulated in such way: the satisfaction for the end of the analysis is the effect of a certainty in relation to the sexual identity as a condition to access to a new love. The enoding, then, comprises three dimensions: sexual identity, love, and jouissance. And it is only about an operation which implies jouissance that we give a new love a chance. This love, as Lacan would argue, will stand from being to being. In other words, this is not love of the same kind.
Keywords: Love, Jouissance, Sexual identity, Enoding, Psychoanalysis.
I Conferência – XV Encontro Nacional da EPFCL-Brasil Campo Grande, 14/11/2014
Os fracassos no amor são uma razão frequente para se buscar um analista. Basta retomarmos os casos de Freud para constatar, de maneira sistemática, que os impasses no amor e suas repetições se situam no primeiro plano das demandas de análise. É o que acontece, muitas vezes, no caso da histeria; e mesmo quando o amor não está na origem da demanda, os sujeitos não tardam em abordar as impossibilidades que estão ligadas a ele. Algumas vezes, o sujeito acredita ter encontrado a saída na análise no momento em que se apaixona — ou seja, a cura pelo amor —, o que pode produzir uma saída prematura que se verifica pelo fato de que o sujeito é recapturado pela repetição, o que é um retorno aos impasses. O encontro amoroso provoca, então, às vezes, a saída prematura da análise. O amor vai à falência, dizia Lacan com relação à psicose, mas ele não deixa tampouco de ser uma falência na neurose, ainda que ela não seja a mesma. O próprio Lacan ainda faz referência a isso na última parte de seu ensino, ao evocar os impasses do amor na histeria. Em seguida, ele aborda as saídas possíveis.
É um fato clínico que, se a demanda que concerne aos impasses no amor permanece atual até hoje, uma outra demanda nela se implantou. Esta ganhou cada vez mais valor nos discursos dos analisantes, ultrapassando algumas vezes a queixa sobre os obstáculos no amor. Estou me referindo ao gozo.
Isso toma, às vezes, a forma de uma questão relativa à satisfação: será que estou satisfeito o bastante ou seria possível sê-lo ainda mais? Às vezes, essa questão se mistura ao amor. Um exemplo clínico recente demonstra isso especialmente: trata-se de uma mulher que sonha há muito tempo encontrar o parceiro amoroso. Uma vez que o encontrou e passado o tempo da idealização, ela formula a si mesma a questão de como saber se, com um outro, ela não estaria mais satisfeita. Em outras palavras, ela se coloca a questão explicitamente: que segurança ela pode ter de que com o próximo não será melhor? Podemos observar que, aqui, a questão recai mais sobre a satisfação do gozo do que sobre a satisfação do desejo, que é de um nível diferente.
Na época atual, a satisfação ligada ao gozo torna-se, muitas vezes, uma exigência endereçada ao analista e exclui radicalmente o amor. Um outro exemplo, que não é o único, serve para demonstrar isso. Trata-se de uma mulher que se dirige ao analista e formula a seguinte questão: "O amor, eu o conheço; mas será que eu conheço o que é o sexo?". Mais tarde ela poderá acrescentar: "Gostaria de saber se existe uma satisfação sexual diferente da que eu obtenho hoje". Em outras palavras, a questão implica, implicitamente, a questão de um outro gozo e, se o sujeito se interroga sobre ele, isto significa que ele não o encontrou.
Existem então os atrapalhamentos do amor. Eles são sempre relativos aos atrapalhamentos do gozo. O amor tem uma relação com o Um, ou seja, fazer, de dois, Um. O gozo tem uma relação com o Um, mas é o Um sozinho. Mesmo quando acreditamos que com dois gozos chegamos a fazer um, por exemplo, ter o orgasmo ao mesmo tempo, resta o fato de que não se sabe nada sobre o gozo do outro, pois o gozo é sempre o gozo do próprio corpo. É verdade que gozamos do corpo do outro, mas no sentido do corpo do outro como todo, mas apenas de uma parte do corpo e, neste sentido, a ideia de fazer comunhão nos gozos é somente um gozo da fantasia.
Se o gozo é sempre parcial, temos que concluir que todo gozo sexual é perverso no sentido freudiano. O sujeito histérico sabe que a complementariedade dos gozos não existe, mas isto não exclui o impasse, pois ele acredita poder fazer suplência pelo amor que, por sua vez, se encontra em impasse. A alma ama a alma, diz Lacan. No parceiro, amamos o mesmo, e podemos fazer disso uma ética. A este propósito, Lacan evocou a ética do exsexo, fora-sexo, assim como ele tinha evocado a ética do solteiro.
Podemos fazer uma série: ética do solteiro, a histeria exsexo, fora-sexo, o amor cortês e o que Lacan designou como o gozo do idiota, a masturbação. Trata-se de evitar o impasse, efeito do impossível sexual, ou seja, de fazer, de dois, Um. Esta é a razão pela qual Lacan evoca, a este propósito, a coragem. Nós podemos, então, distinguir o amor a serviço da crença em sua fantasia, do amor a serviço da coragem de enfrentar a diferença no gozo. É certo que o amor visa ao ser do parceiro sexual, mas não o encontra, no sentido em que ele está sempre em falência. Com o gozo, temos uma amostra do ser sexual, o ser próprio, mas também o do outro. Entretanto, o amor faz falência e o que motiva o gozo permanece, em parte, opaco.
Passemos às relações entre o amor e o sexo. A tese do seminário Mais ainda (Encore), é de que, no amor, o sexo não conta. Isto é verificável clinicamente. O amor pode dar lugar a um desejo sexual ou não, e ele é, muitas vezes, necessário, pelo menos do lado das mulheres. Pois mesmo na época atual, em que o lugar da satisfação de gozo se tornou primordial, a palavra de amor permanece necessária. Tomo o exemplo de uma analisante, que me pareceu paradigmático: ela é contra o casamento, contra os casais que correspondem à norma e reivindica sua escolha de gozo, que é a de assumir seu desejo sexual por um homem casado, bem mais velho que ela, que tem muitas outras mulheres, que a vê pouco e que ela diz não amar.
Porém — e os problemas começam aí —, o que se torna enigmático para ela é o seguinte: por que ela permanece ligada a ele, visto que ele não fala de amor? Constatamos então que, mesmo nos casos em que o desejo sexual pode parecer o mais puro possível, aparece por detrás a demanda intransitiva — "que ele me ame".
Do lado do homem, Lacan afirma que ele somente pode atingir seu parceiro sexual pela via da causa de seu desejo, ou seja, do objeto a.
Duas observações se impõem sobre este ponto. Primeiramente, quando Lacan diz "atingir seu parceiro sexual", isto não quer dizer necessariamente uma mulher. Em segundo lugar, Lacan não evoca o amor. É uma tese clássica em Lacan, que corresponde a um fato clínico. Um homem não aborda seu parceiro sexual a partir do amor, mas a partir do desejo. Ele pode até mesmo abrir mão do amor. O que coloca a questão do que é que faz com que um homem possa amar? Para ampliar a questão: o que é que desencadeia o fenômeno amoroso? Pode-se pensar que é só uma pergunta histérica, é verdade. Mas é verdade que Lacan responde.
Há uma passagem pouco conhecida de Lacan, na qual ele dá uma fórmula do que é capaz de suscitar o amor. É claro que quando vemos isso, corremos logo para verificar. Só que Lacan antecipa este fato ao dizer que a fórmula não pode ser eficaz, pois ela é inarticulável. Em outras palavras, não podemos tomá-la e utilizá-la, pois ela diz respeito a uma posição inconsciente. Podemos dizer que depende do inconsciente. Para mostrá-lo, Lacan destaca a perspectiva do amor em Hegel, no qual a conquista do Outro passa por uma fórmula que seria a seguinte: "Eu te amo, mesmo se você não quer". Podemos perceber que é uma fórmula que não funciona na conquista, pois ela se sustenta a partir de uma demanda. Ela prolonga, assim, a doutrina de Hegel, na qual o outro é colocado em posição de um semelhante simétrico. A fórmula de Lacan se opõe a esta, pois ela se sustenta a partir de um desejo e, por conseguinte, ela é ligada à sua proposição sobre o amor: dar o que não se tem.
Nesse sentido, ela é inarticulável. Não basta dizer "eu te desejo", pois o outro, se ele não for muito ingênuo, lhe responderá: "prove-me isso". É aí que começam os problemas.
Como dar ao outro uma prova convincente de que o amamos? Há sempre uma falência quando se quer dar a prova de amor. Compreendemos, aliás, que Lacan tenha colocado que o máximo do amor é dado pela homossexualidade feminina, pois é nesse caso que se encarna particularmente o "dar o que não se tem".
Ora, o que Lacan demonstra é a eficácia de uma fórmula que se sustenta no seguinte: "Eu te desejo, mesmo se eu não sei disso". Ela é eficaz porque é irresistível. Ela não pode proceder de um enunciado calculável, mas se sustenta a partir de um dizer e, a cada vez que há este dizer, ele faz com que o outro caia nas malhas do amor. Acho que isso demonstra uma tese que Lacan começou muito antes a propósito desta figura do irresistível por excelência em matéria de desencadear o desejo do Outro, ou seja, Don Juan. Mas por que Don Juan, que tem as mulheres uma por uma, é considerado por Lacan como uma fantasia feminina? Por que Don Juan e não o obsessivo, por exemplo, que multiplica também as conquistas? Pois o obsessivo as conta, cada mulher é uma a mais, ao passo que para Don Juan, cada mulher é Uma a menos. Don Juan se situa assim na fantasia da mulher de ser a única. Don Juan marca a mulher enquanto mulher. Se o homem serve de intermediário para que a mulher se torne Outra para ela mesma, Don Juan o encarna especialmente. Dispomos, aliás, desta fórmula surpreendente de Lacan: "Don Juan ama as mulheres, ele as ama o bastante para não lhes dizer isso". Vocês podem ver que aí não é a palavra de amor que suscita o desejo, mas um desejo que não se sabe. Por outro lado, chamou-me a atenção que Lacan tenha definido Don Juan como um homem sem desejo. Compreendo isso do seguinte modo: para Don Juan não se trata de desejo pelas mulheres em geral, mas da falta de desejo por uma mulher em particular.
Mas, então, por que a fantasia feminina é compatível com Don Juan? Porque o homem com um desejo é angustiante para uma mulher. Para voltar à fórmula que suscita o amor, o mais surpreendente é que Lacan acrescenta que isto parte de um sujeito que toma este desvio "inocentemente ou não". Inocente seria, aqui, aquele que deseja sem sabê-lo. O não inocente é aquele que tem um saber-fazer concernente ao desencadeamento deste circuito.
Será que isso corresponde a um fato clínico? Quanto a mim, estou convencido.
Existem sujeitos que sabem como ser irresistíveis no amor. Podemos nos perguntar se a análise produz um saber-fazer sobre isso. Não podemos afirmá-lo, mas, por outro lado, é certo que a análise, ao introduzir o sujeito no circuito do desejo, dá uma chance para um amor que seja outra coisa que a demanda.
A questão que se coloca para nós é a de saber o que é que funda a segurança de um novo enodamento do amor e do gozo e, sobretudo, o que é que permite dizer que ela é a consequência de uma análise? Penso que é aqui que se situa a verdadeira questão da orientação lacaniana, e que pode ser formulada da seguinte maneira: a satisfação de fim de análise é o efeito de uma certeza com relação à identidade sexual como condição de acesso a um novo amor. O enodamento comporta assim três dimensões: a identidade sexual, o amor e o gozo. Precisar este novo enodamento supõe que compreendamos bem o que se entende por identidade sexual.
Digamos, primeiramente, que quando associamos a satisfação à identidade sexual, não associamos a satisfação a um objeto, ou seja, a um parceiro. É claro que um sujeito tem parceiros sexuais e, muitas vezes, ao longo de uma vida, ele tem mais de um parceiro. Também é certo que seu último parceiro, quero dizer quando ele termina sua análise, lhe convém necessariamente. Dito isto, nada diz que este parceiro será o último de sua vida, pois podemos dizer que, felizmente, há uma vida após a análise.
Desde que falamos de satisfação, nos referimos ao modo de viver a pulsão. Contudo, quando dizemos, em termos freudianos, que o objeto da pulsão é indiferente, isto não quer dizer que a questão do parceiro sexual seja indiferente, que um parceiro vale tanto quanto um outro e que a ausência de parceiro seja sem importância. Existe de fato um real próprio ao parceiro sexual que faz com que ao menos sobre um ponto, e ele não seja substituível por um outro. Na escolha sexual há o que é da ordem do substituível. Os parceiros podem fazer uma série, com a condição de cumprir uma certa condição erótica. É essencial desenvolver a lógica da série em análise, e algumas vezes percebemos que há mais de uma série. Dito isto, mais além da série, desprende-se um real que não é sempre possível de apreender e que faz, do parceiro, um parceiro de gozo real — é porque é ele ou porque é ela e nenhum outro, ou seja, nada o substitui. Algumas vezes observamos que, uma vez perdido, um outro pode vir a ocupar seu lugar, mas não é exatamente a mesma coisa. O "não é exatamente a mesma coisa" é o signo de um real.
Dizer que a orientação de Lacan está ligada à identidade, e não à questão do parceiro, implica que a resolução de uma análise passe, antes de mais nada, pela incidência da análise sobre o programa inconsciente. É verdade que o programa inconsciente é a resposta singular ao contexto de uma época e, se é verdade que cada programa é diferente, cada época impele a soluções que tendem a se homogeneizar.
Ademais, o próprio programa inconsciente age, ele próprio, com uma tendência à homogeneização. Pois o inconsciente impele ao mesmo. O inconsciente não é somente enigma e, às vezes, ele não é nada enigmático, pois ele é solução que vela o horror da diferença sexual. Nesse sentido, o inconsciente não é feito para ser desvelado, e a psicanálise entra assim em uma zona interdita. Em outras palavras, aquele que escolhe fazer uma análise faz a escolha de perturbar um programa, quer ele o saiba ou não.
Tomemos o exemplo da frigidez, que Lacan põe como "quase genérica", o que quer dizer que ela é, senão geral, pelo menos bastante frequente. Ela supõe, como diz Lacan, toda a estrutura do inconsciente, "mesmo se ela aparece fora da trama dos sintomas". Lacan afirma que somente a análise a mobiliza, às vezes, incidentemente, mas sempre em uma transferência que ponha em jogo a castração simbólica.
O que é que Lacan quer dizer, quando afirma que a frigidez está fora da trama dos sintomas? Isto quer dizer que, não somente a mulher não se queixa disso, mas que ela nem mesmo se dá conta. Como é, então, que a frigidez pode aparecer, se não pelos sintomas? A resposta é que uma mulher pode perceber sua frigidez a posteriori, ou seja, no momento de um encontro de gozo com seu parceiro ou por ocasião de uma mudança de parceiro. Os encontros de gozos inéditos podem intervir em qualquer momento da vida e são, portanto, cruciais para a autorização sexual.
Evocar o encontro de gozo é diferente de colocar a perspectiva de uma análise em termos de supremacia genital. O termo é de Freud.
Essa noção abriu a porta para inúmeros preconceitos, e podemos considerar que, em psicanálise, avançamos a partir de preconceitos, mas com a condição de ultrapassá-los.
Vou utilizar três exemplos. O primeiro exemplo encontra-se no seminário O objeto da psicanálise. Estamos em 1966, e Lacan demonstra que um dos pontos centrais do pensamento analítico desde Freud é considerar que nada tem mais valor do que o orgasmo. O que quer dizer que se estabelece uma norma sexual e, por consequência, um critério de análise bem-sucedida. E Lacan acrescenta: "Por que se deve provar que uma mulher deve ter um orgasmo para que ela seja mulher?".
A crítica do famoso orgasmo feminino constitui o ponto de partida de um remanejamento teórico com respeito ao ser de uma mulher, baseado no não toda com relação ao falo. A questão do orgasmo é, no fundo, apenas uma versão do que Lacan tinha designado como a supremacia do falo.
O segundo exemplo, o tiramos da AMP. Ao passo que Lacan tinha criticado cuidadosamente a noção de bom objeto, ou seja, do parceiro perfeito no plano do desejo, do amor e do gozo — resumindo: daquele que não se consegue encontrar —, foi levantada na AMP uma questão em torno do final de análise dos homens obsessivos, que era a seguinte: gozar da mulher que ele deseja. Não se trata de nada mais do que de uma outra versão de normalidade sexual.
Terceiro exemplo: o da preferência dada ao gozo da fantasia, que é particularmente evidente nos casos de histeria. A histérica faz greve do corpo, o que não é equivalente de se abster de sexo. Fazer greve quer dizer que ela extrai seu mais-de-gozar da Outra mulher, na fantasia. Neste sentido, ela não consente em se fazer sintoma para um homem.
A partir daí, podemos sustentar que o tratamento analítico no caso de histeria consiste em fazer passar o gozo da fantasia ao consentimento em se fazer sintoma para um homem?
Creio que estamos, aí, de cheio, numa fantasia de analista lacaniano, que seria a de que a análise da histeria corresponda à assunção de seu corpo em direção a um homem.
Creio que se trata de uma perspectiva reduzida, pois ele exclui todos os casos de homossexualidade feminina e, ademais, não corresponde aos fatos clínicos, porque a análise de uma mulher pode chegar a seu termo e que sua escolha não se dirija para o gozo com um homem. Deixo de lado a questão dos filhos — um outro preconceito —, pois se supõe que uma mulher deve necessariamente ter um desejo de filho. E se, em análise, ela não tem esse desejo, uma desconfiança pesa sobre ela. Trata-se de uma outra fantasia de analista. Em outras palavras, a ideia é que, uma análise de mulher conduzida a seu termo implica, necessariamente, o desejo de ter filhos e o gozo com um homem.
Concluo. É certo que o fim de análise supõe uma modificação com relação às certezas de gozo anteriores à análise. Isso se traduz por uma mudança de discurso, cujo signo é a emergência do amor, não de um amor a mais, mas de um amor inédito. Nesse sentido, é somente sobre uma operação que implica o gozo que damos uma chance a um novo amor que vai, como diz Lacan, de ser a ser, ou seja, que não é o amor do mesmo.
Endereço para correspondência
E-mail: alizco@wanadoo.fr
Tradução: Elisabete Thamer
* AME da EPFCL-França. Membro fundador dos Fóruns do Campo Lacaniano na França. Médico especialista em Psiquiatria. Doutorado em Psicanálise pela Universidade de Paris VIII. Docente no Collège de Clinique Psychanalytique de Paris.