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Stylus (Rio de Janeiro)
Print version ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.33 Rio de Janeiro Nov. 2016
DIREÇÃO DO TRATAMENTO
A análise é o que se espera de um psicanalista1
Analysis is what is expected from a psychoanalyst
Sol Aparicio*
Analista Membro de Escola - AME
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
Collège de Clinique Psychanalytique de Paris
RESUMO
"A análise é o que se espera de um psicanalista": das múltiplas definições que Lacan pôde dar, essa talvez seja a mais certeira. Ela precisa, com humor e rigor, a especificidade da psicanálise, fazendo-a depender do que é um psicanalista, ou seja, da sua formação, que não é senão o resultado de uma análise.
Palavras-chave: Desejo de saber, Ética do discurso psicanalítico, Imundo.
ABSTRACT
Out of the multiple definitions Lacan is able to provide, "Analysis is what is expected from a psychoanalyst" is perhaps the most accurate. With humor and rigor, it needs the specificity of psychoanalysis, making it depend on what a psychoanalyst is, that is, on his/her qualification which is nothing but the result of an analysis.
Keywords: Knowledge desire, Ethics of the psychoanalytical discourse, Inmundo.
O texto de apresentação destas jornadas conclui com o enunciado de um anseio que compartilho: "que a psicanálise seja possível para as gerações futuras", e, logo em seguida, precisa oportunamente: "que já estão aqui". É certo que o futuro se encontrará ainda "verde", imaturo a cada momento acabado. Quanto mais presente estou no que estou, mais me aproximo do que está por vir.
A relação do sujeito com o tempo e com seu tempo é algo que a experiência psicanalítica modifica de maneira decisiva. (Lembro que esse foi o tema de uma das Jornadas Europeias do Campo Lacaniano organizadas pelo Fórum de Madrid na década passada).
Essa conclusão, que sem dúvida representa para os analistas um desafio cotidiano, expressa um modo de relação com o tempo e com os tempos que nos remete à ética própria do discurso analítico.
O oportuno "que já estão aqui" vem nos dizer que, para que a psicanálise seja possível para as gerações futuras, temos que fazê-la presente aqui e agora. O que supõe que saibamos o que ela é. Algo menos fácil do que possa parecer, pois realmente saber isso, cabalmente, implica um saber não sabido que deve ser traduzido em ato.
Vai-se sabendo, diria eu, o que a psicanálise é. Vai-se sabendo na medida em que se vai praticando-a e na medida em que a análise deixou algo aberto. Penso no que disse uma vez, em 2011, durante a homenagem a Lacan organizada por nossa Escola, seu discípulo Jean Oury, psiquiatra e psicanalista, célebre na França: "a análise é um processo aberto". Com efeito, o que no sujeito se transforma com a experiência do inconsciente, experiência na qual consiste uma análise, deixa aberto algo que a prolonga, que permite que se prolongue, algo aberto de onde brota aquilo a que Lacan, em um dado momento, propôs chamar "desejo (de saber)", com o "de saber" (LACAN, 1968-69/2008, p. 266) entre parênteses porque se trata simplesmente do desejo inconsciente propriamente dito.
Pergunto-me se quando Lacan se dizia sujeito do discurso psicanalítico não se referia a isso, a esse vínculo estreito, íntimo com a experiência analítica que, uma vez iniciado, se prolonga orientando de maneira definitiva o curso posterior da existência.
Todo leitor de Lacan já pôde se dar conta de que ao longo do seu ensino, sua maneira de entender e conceber a psicanálise foi se modificando conforme iam avançando em sua experiência como analista, sua reflexão sobre a psicanálise e a permanente exigência de formulá-la em termos que permitissem dar conta dela, não só dentro, mas também fora do campo da psicanálise.
O que a psicanálise é hoje para nós e também o que ela não é, o que deixou de ser, se deve, em grande parte, à obra de Lacan. Gostaria de falar disso um pouco aqui hoje, de modo inevitavelmente resumido.
"A análise é o que se espera de um psicanalista"
Das múltiplas definições que Lacan pôde dar, esta frase, espécie de obviedade que não deixa de ter humor, talvez seja a mais certeira. É o tipo de resposta contundente que se dá a quem faz uma pergunta inoportuna, impertinente, para que não se continue perguntando, dando como certo que deveria sabê-lo, ou, inclusive, que já se sabe, talvez sem saber que se sabe, em que mais vale não evitá-lo para que ele possa descobri-lo por si só. Há nessas palavras um convite para "pensar a psicanálise".
Imagino que Lacan gostava dessa frase, porque entre 1955 e 1970 ele a repetiu em ao menos três ocasiões.2 Com ela, fazia alusão à especificidade da psicanálise como a formação que exige o poder operar em nome próprio, deslocava a possibilidade de dizer o que é a psicanálise fazendo-a depender do que é um psicanalista. Porém, como este não é senão o resultado de uma análise, voltamos à pergunta inicial.
Começarei colocando-a em relação com uma frase posterior que remete explicitamente ao que a psicanálise não é: na prática psicanalítica não se trata de " terapeutizar o psíquico". De que se trata, então?
A análise é uma prática, repetia Lacan. Uma prática da palavra cuja particularidade é que ela ocorre sob transferência. E como a transferência é um fenômeno essencialmente vinculado ao desejo, essa particularidade significa privilegiar o lugar central que o desejo ocupa na transferência.
Recordemos que Freud falava mais de pulsão, de libido, de voto, esse Wunsch alemão que Lacan situava entre demanda e desejo. O conceito de desejo, ainda que, com razão, o consideremos freudiano, Lacan o tomou emprestado de Espinoza. Ao privilegiá-lo, Lacan colocou em relevo, com uma deliberada ênfase, a correspondência, a coerência existente entre a psicanálise de Freud e a ética de Espinoza. (Abro parêntese para assinalar que acaba de ser publicada em francês uma Correspondência entre Espinoza e Freud. São dezesseis longas cartas trocadas entre ambos, no final de suas vidas, em que eles se questionam e discutem sobre suas respectivas doutrinas e compartilham, entre outras coisas, o entusiasmo pelo Colóquio dos Cachorros (1613) de Cervantes.
O desejo intervém na "operação" que cada analista tem que realizar com cada um daqueles que vêm se consultar com ele. Lacan frequentemente se referia à "operação analítica". Costuma-se falar de operações matemáticas, lógicas, cirúrgicas e inclusive militares; trata-se sempre de uma ação que obedece a certas regras a fim de obter um resultado específico. Ao dizer que a análise é uma operação, estamos dizendo tudo isso e, ao mesmo tempo, indicando que a responsabilidade cabe ao analista. A operação que é lhe confiada consiste, segundo Lacan, em "uma conversão ética radical, aquela que introduz o sujeito na ordem do desejo" (LACAN, 1965-66/inédito, Aula de 05/05/1965).
Quando, pela primeira vez na história da psicanálise, Lacan empreendeu a tarefa de estabelecer, a partir da experiência freudiana, uma "ética da psicanálise", uma ética que respondesse ao único imperativo formulado por Freud, "onde o isso estava, deve advir o eu" demonstrou que a ética da psicanálise é uma é uma ética do desejo. Mais adiante, definiu a ética relativa ao discurso analítico como um "dever de bem dizer ou de encontrar-se no inconsciente, na estrutura", o que não se faz sem o desejo (de saber). Este dever de bem dizer corresponde primeiro ao analista, é a condição para que ele possa operar a conversão radical citada acima.
A análise é, pois, uma prática cuja operação essencial é de ordem ética.
Desde o início dos estudos freudianos, a análise foi uma prática particular cujo recurso à palavra sob transferência a distingue das demais.
Vivemos (graças a ou por causa da ciência e do capitalismo) na época da comunicação, da proliferação dos chamados meios de comunicação de massa, época caracterizada por uma abundância e profusão de palavras que contrasta com o uso discreto que dela se faz em análise. Muito embora seja certo que o analisante fale e diga muitas coisas, não é menos certo que ele recebe, da parte de seu analista, respostas concisas lacônicas, escassas. Esse traço de discrição, próprio da interpretação analítica, a opõe de maneira evidente à mania contemporânea de interpretar e dar sentido a tudo que ocorre, mania que se deve ao que Lacan qualificava como psicologismo.
O analista me parece hoje o único que sabe se abster de interpretar. (Algo nada surpreendente, visto que reconhecendo o poder e o alcance da palavra, a análise ensina a falar e a calar).
"Não se deve intervir a não ser de maneira sóbria e, de preferência, eficaz", disse Lacan durante uma conferência dada à imprensa,3 precisamente, recordando que convidava os analistas a serem "rigorosos".
Este rigor nada tem a ver com a severidade, não é nada além de outro modo de nomear o dever de bem dizer. É uma exigência, tanto ética quanto lógica, que orienta o modus operandi do analista, sua maneira de proceder.4 A ela podemos dizer que responde a distinção estabelecida no começo e sempre mantida por Lacan, como uma bússola entre o simbólico, o imaginário e o real.
Se a interpretação analítica distingue-se das outras, das interpretações que poderíamos chamar de subjetivistas, fundadas na inveterada tendência humana a "abundar no sentido", é porque leva em conta o real, o "fora de sentido". Para não correr o risco de que a interpretação careça de efeito de incidência no sintoma, é preciso que o analista "renove o sentido", dizia Lacan (1971-72a/2011, Aula de 17/05/1972), porque o sentido não faz senão "alimentar" o sintoma (LACAN, 1974/inédito), nutri-lo.
Às vezes, acontece de atendermos pessoas que se apresentam interpretando sem cessar tudo o que fazem e que lhes acontece. Fica difícil para elas entrar em análise. Antes que possa surgir qualquer autêntica pergunta, o sujeito lança mão das interpretações que o discurso comum lhe proporciona, interpretações prêt-à-porter, impedindo, assim, a necessária "histerização", esse questionamento dirigido ao significante mestre que visa a um saber.
Em uma das conferências sobre "O saber do psicanalista", Lacan (1971-72b/inédito, 04/11/1971) observava que, para ser recebida, a interpretação requer trabalho. Por parte de quem? Por parte do analista, requer um trabalho comparável ao do alfaiate: fazer uma interpretação sob medida de cada analisante. Por parte do analisante, supõe que ele tenha aceitado submeter-se à dura regra da associação livre e deixar-se surpreender pelas formações do inconsciente. Isso implica que mais além de sua legítima demanda de ver-se liberado do que padece, o sujeito deseje saber, saber de onde vem, saber porque, o que é esse padecer...
Se, como dizia Lacan nos anos 1950, "a psicanálise não é uma terapêutica como as outras" (LACAN, 1953/1998, p. 326), é porque leva em conta esta relação do sujeito com o saber inconsciente que a transferência põe a descoberto. É por isso que seus efeitos não são só terapêuticos; a análise produz o que chamamos de uma ganância de saber, e para isso aponta primordialmente.
A relação com o saber não sabido do inconsciente, que é um saber sem sujeito, é a que dá à transferência seu pleno sentido. O sujeito analisante transfere para o analista esse saber. Ao fazê-lo, atribui ao saber um sujeito que, ao mesmo tempo, atribui esse saber ao analista, supõe que o analista sabe, faz dele um "sujeito suposto saber", apesar do fato evidente de que o analista começa não sabendo nada do analisante. É útil recordar isso, pois esta ignorância, reconhecida e assumida pelo analista, é o que torna possível que cada análise possa ser uma experiência original, como foi para Freud em seu começo, guardando as diferenças, porém seguindo seu exemplo.
"Seus efeitos não são só terapêuticos". Acaso, então, tampouco o são seus fins? A finalidade do dispositivo inventado por Freud foi, em primeiro lugar, tratar os sintomas com os quais a medicina de seu tempo não sabia o que fazer. Daí que se tenha podido chamar "terapêutica", nome que a medicina dá ao tratamento das enfermidades. Como esquecer esse laço original, no sentido próprio de origem, entre a psicanálise e a medicina, que passa pelo sintoma?
Freud recordava frequentemente, que no início a psicanálise se dedicou a tratar de compreender as enfermidades nervosas para superar a impotência da medicina diante delas e poder curá-las. Essa impotência, a medicina devia à sua ignorância do "fator psíquico', que lhe impedia "todo acesso aos segredos das neuroses" (FREUD, 1924/s.d.). Fazendo desse fator até então esquecido seu objeto próprio e mantendose estritamente vinculado à clínica, a psicanálise, "última flor da medicina" (LACAN, 1975/inédito), foi se convertendo em outra disciplina, em outro discurso.
Curiosamente, um século depois, em nome de uma suposta cientificidade, pretende-se poder ignorar a existência do dito "fator psíquico" que, de fato, retorna, como o recalcado, sob formas as vezes extravagantes. (Assim, por exemplo, em uma entrevista recente, um grande especialista das neurociências aplicadas ao cérebro, aconselhava ao público a praticar a meditação).
A relação da psicanálise com a ciência é uma questão problemática. (Bem viu Ortega naquele artigo intitulado "Psicanálise, ciência problemática"). Para Freud, seu inventor, a psicanálise era um método científico de investigação dos processos psíquicos inconscientes, método do qual derivavam uma terapêutica e uma teoria fundada nessa experiência.
Freud esperava e aspirava dar um caráter científico ao seu descobrimento, a fazer da psicanálise uma ciência. Ele extraiu da biologia e da física de sua época boa parte dos conceitos e noções de sua doutrina. Para ele, a psicologia fazia parte das ciências naturais, e a psicanálise se distinguia dela por sua hipótese do inconsciente. Diferença fundamental, que segue vigente.
A classificação das ciências hoje em dia não é a mesma. Costuma-se classificar a psicologia como uma das chamadas "ciências humanas" e a biologia entre as "ciências da vida", denominação que seguramente entusiasmou Freud, que falava de uma vida psíquica e considerava necessário "reintroduzir o psíquico na estrutura da vida".
Que dizem a esse respeito as ciências de nosso tempo? Como traduzir atualmente essa "reintrodução do psíquico ?
A referência à "psique" coloca sempre o problema da relação entre a alma e o corpo, eterna pergunta diante da qual a ciência parece ter que ceder o lugar à filosofia ou à religião. A resposta de Lacan a essa velha questão consistiu em tirar as consequências do fato de que o próprio animal humano é ser falante, ser um "corpo falante", isto é, sujeito de um discurso cujo suporte é o corpo. O psíquico, se quisermos evitar nos remetermos à existência de uma alma, não pode designar nada mais que os efeitos de lalangue, essa que chamamos materna, sobre o corpo do ser falante, ou, melhor dito, sobre "essa relação perturbada com o corpo próprio corpo que se chama gozo" (LACAN, 1971-72/2011, Aula de 12/01/1972).
Lacan não compartilhava do ideal cientificista de Freud e acabou considerando que Freud "pensava que fazia ciência", porém o que estava fazendo era "produzir uma prática" (LACAN, 1975/inédito). Nem por isso ele deixou de se interrogar sobre o estatuto científico da psicanálise e se referir a, e apoiar-se nos saberes científicos de seu tempo (a antropologia e a etologia, a linguística, a lógica, a física, as matemáticas e a topologia). Ainda que terminasse afirmando que a psicanálise não é uma ciência (exata),5 manteve sempre a exigência de recorrer à formalização matemática, necessária para poder teorizar e transmitir o saber extraído da prática, porque a existência da psicanálise depende da dita transmissão.
Essa prática inaugurada por Freud é o que ele, Lacan, formalizou como um novo discurso, que definiu do seguinte modo: "O discurso que digo analítico é o laço social determinado pela prática de uma análise". ("Laço social" é, agora, uma noção já trilhada. Em Lacan pressupõe-se que entre os seres que falam os laços são sempre "laços de discurso", quer dizer que estão determinados pelo tipo de relações que estabelecem entre si os quatro termos a que Lacan reduziu a estrutura de cada discurso: sujeito, significante mestre, saber e objeto a, segundo o lugar que cada um ocupa.)
A psicanálise não é uma ciência, mas um novo discurso, fundado na prática de uma análise.
O que significa reconhecer na relação entre o analista e o analisante o valor de um novo tipo de laço social. Isso traz consigo o abandono da perspectiva médica e terapêutica e, por consequência, o de toda uma série de noções como as de paciente, enfermidade, cura, tratamento, saúde mental, patologia e normalidade, que, dentro do discurso analítico, carecem de sentido. Traz, pois, consigo também a necessidade de questionar nosso recurso ao diagnóstico. Questão esta que me parece fundamental.
Podemos, pois, entender o que se espera de um psicanalista levando em conta o dito sobre a especificidade da experiência analítica.
Espera-se de um psicanalista outra coisa que de um médico ou um terapeuta, dado que sofrer de um sintoma e desejar saber porquê, de forma alguma, significa que a neurose seja uma enfermidade. (Os médicos sabem disso, percebem que alguns de seus pacientes, apesar dos sintomas corporais que os afligem, não estão enfermos e lhes sugerem "ir falar com alguém"). Desejar saber o que pode haver para além do sintoma manifesto, a que remete, ponto de partida da análise, não é o mesmo que querer calar o sintoma com remédios ou querer corrigir ou reeducar os distintos transtornos e comportamentos que esse sintoma ocasiona.
A neurose não é uma enfermidade, e a psicose tampouco o é. O sofrimento que a acompanha é a expressão de um gozo ignorado que a elaboração do sintoma pelo trabalho do analisante reduz. A neurose é algo da ordem de uma pergunta, dizia Lacan, uma pergunta em suspenso, em espera de resolução, que o sujeito encarna, em carne viva. O que a psicanálise oferece a esse sujeito é a possibilidade de converter-se por um tempo em analisante, algo que nada tem a ver com ser um enfermo, um paciente ou um cliente. A psicanálise não se ocupa de nada mais do que de sujeitos, enfermos ou não, já que é como sujeitos do inconsciente que entrarão no discurso analítico.
Não existiria a neurose se o ser humano não fosse um corpo falante afetado pelo inconsciente. Isso é algo que se possa "terapeutizar", isto é, que se possa tratar para ser curado? Pode-se "terapeutizar o psíquico?"
Volto a esta expressão que citei no começo. Lacan a inventou em 1977 para responder de maneira literal a seguinte pergunta: "As psicoterapias não valem a pena?" Sua resposta foi: "Com certeza não, não vale a pena terapeutizar o psíquico. Freud também pensava assim. Pensava que não havia o que curar. Não se trata nem de sugerir nem de convencer".
O que a psicanálise oferece é de outra ordem. Nas palavras de Lacan: "Certamente, a psicanálise permitiria esperar pôr às claras o inconsciente do qual se é sujeito". É uma frase comedida, nem sugere, nem pretende convencer. De fato, é seguida por algo mais: "Cada um sabe que não incito ninguém (a analisar-se), ninguém cujo desejo não esteja decidido". Isto é, a decisão é incumbência do interessado, depende do que costumamos chamar a escolha do sujeito, outra maneira de dizer que é uma questão de desejo próprio de cada um. Ainda que haja analisantes entusiasmados que acreditam no contrário e querem que o próximo se análise como eles fazem, certo é que não se pode receitar a análise.
"Não se trata nem de sugerir, nem de convencer". Trata-se, dentro desta nova modalidade do laço social, de achar uma resposta para essa pergunta inconsciente que o sujeito encarna.
Sem dúvida, podemos considerar, na medida em que a análise conta com os efeitos da elaboração analisante sobre o sintoma, que conserva uma finalidade terapêutica. Porém, para dizer a verdade, ao separar-se da medicina e fundar um novo discurso, deixou de ser uma prática terapêutica para converter-se no que Lacan chamava de a "experiência do inconsciente".
Tal experiência transforma o sujeito, modifica radicalmente sua relação consigo mesmo, com os demais, com o que costumamos chamar de mundo, e também com o imundo [inmundo].6 Não faltam testemunhos a esse respeito.
(Há aqueles que dizem que leva muito tempo. Não necessariamente. Uma análise não dura nem mais nem menos do que quer o interessado, o analisante. Há os que vão embora ao final de um dois anos, outros ao final de quatro anos. Alguns dirão que a análise não chegou ao fim. Pode ser que não. Porém terá sido uma experiência de análise. Por que não apostar nisso?)
Referências
FREUD, S. (1924). "Breve compêndio de psicanálise" In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. I – Versão eletrônica. Rio de Janeiro: Imago, s/d.
LACAN, J. (1953). "Variantes do tratamento padrão" In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. [ Links ]
__________. (1968-69). O seminário, livro 16: De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. [ Links ]
__________. (1965). O seminário, livro 12: Problemas cruciais para a psicanálise, inédito. [ Links ]
__________. (1971-72a). Le séminaire, livre 19: ...Ou pire. Paris: Seuil, 2011. [ Links ]
__________. (1971-72b). Le séminaire Le savoir du psychanalyste, inédito. [ Links ]
__________. (1974). "La troisième", inédito (Conferência proferida em 01/11/1974). [ Links ]
__________. (1975). "Conferência na Universidade de Yale", inédito (Conferência proferida em 24/11/1975). [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: sol.aparicio@orange.fr
Recebido: 15/08/2016
Aprovado: 12/09/2016
Tradução: Elisabeth da Rocha Miranda
Revisão da tradução: Cícero Oliveira e Dominique Fingermann
* AME da EPFCL. Mestre em Filosofia, DESS em Psicologia Clínica e doutora em Psicanálise. Ensinante no Collège de Clinique Psychanalytique de Paris.
1 Trabalho apresentado nas XVI Jornadas dos Colégios Clínicos do Campo Lacaniano – Laço social e sintoma (Madrid, 28/04/2016)
2 Cf. "Variantes do tratamento padrão" (Escritos), O seminário O acto analítico e O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise.
3 Entrevista concecida por Jacques Lacan à Agence Centrale de Presse de Paris, em 29/10/1974, por ocasião da conferência "A terceira", que foi proferida em Roma.
4 Semelhante "exigência" só pode vir da referência ao real, que concerne tanto a ética, como a lógica. A ética, segundo Lacan, encontra seu centro no real: no problema do mal; no do gozo, que para os seres que falam torna impossível a relação entre os sexos; no que não se pode dizer. Quanto à lógica, Lacan a definia não como uma razão, mas como ciência do real. O ato analítico inaugura, dizia ele, uma ética particular que obedece à lógica.
5 V. "Abertura da sessão clínica em Vincennes" (05/01/1977) e também "Le moment de conclure" (15/11/1977).
6 V. J. Lacan , "A terceira"