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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.8 no.2 Porto Alegre Aug. 2009

 

ARTIGOS

 

Correlações entre a EFN - Escala Fatorial de Neuroticismo e o IFP - Inventário Fatorial de Personalidade

 

Correlations between the EFN - Factorial Scale of Neuroticism and the IFP - Factorial Inventory of Personality

 

 

Clarissa Marceli Trentini *; Claudio Simon Hutz **; Denise Ruschel Bandeira ***; Marco Antônio Pereira Teixeira ****; Marcia Toralles Avila Gonçalves *****; Andresa Ribeiro Thomazoni ******

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar as correlações entre os fatores da Escala Fatorial de Neuroticismo e do Inventário Fatorial de Personalidade. Influências das variáveis idade e sexo também foram investigadas. Participaram do estudo 72 pessoas (36 homens e 36 mulheres), com idades que variaram de 18 a 59 anos. Os instrumentos utilizados foram a EFN e o IFP. Os resultados indicaram que 11 dos 14 fatores do IFP considerados neste estudo apresentaram correlações significativas com pelo menos um dos fatores da EFN (variando entre 0,25 e 0,61, positivas ou negativas). Tais dados sugerem que, embora exista uma relação entre as dimensões do IFP e as facetas do Neuroticismo, estas variáveis não se sobrepõem substancialmente.

Palavras-chave: Avaliação Psicológica, Personalidade, Cinco Grandes Fatores, Neuroticismo.


ABSTRACT

The purpose of this study was to investigate the correlations between the factors of the EFN and the IFP scales. The effects of age and sex were also investigated. The participants were 72 persons (36 men and 36 women), aged between 18 and 59 years. The instruments used were the EFN and the IFP. The results indicated that 11 of the 14 factors of IFP considered in this study had significant correlations with at least one of the factors of EFN (ranging between 0.25 and 0.61, positive or negative). These data suggest that although there is a relationship between the dimensions of the IFP and the facets of Neuroticism, these variables do not overlap substantially.

Keywords: Psychological Assessment, Personality, Big-Five Model, Neuroticism.


 

 

Introdução

O estudo científico da personalidade é um tema de grande interesse na psicologia. Embora existam diversas controvérsias teóricas e metodológicas a respeito do conceito de personalidade, o fato do termo continuar sendo usado ao longo do tempo e estimular um grande número de estudos e debates mostra que ele possui um lugar central na pesquisa psicológica. Independente do modelo teórico subjacente, o estudo da personalidade procura considerar o funcionamento psicológico do sujeito em sua totalidade, ainda que o nível de análise possa variar. Portanto, a personalidade representaria as características dos indivíduos que explicam padrões consistentes de sentimentos, pensamentos e comportamentos, referindo-se àquilo que seria único e distintivo de cada pessoa (Pervin & John, 2004).

Um dos modos mais usuais de se avaliar a personalidade é através de testes psicológicos. O uso de testes de personalidade é freqüente na prática profissional dos psicólogos (Noronha & Vendramini, 2003), o que se justifica pelo fato de a avaliação da personalidade ser imprescindível em diversos contextos de atuação profissional, como as áreas clínica, organizacional, jurídica, comunitária ou escolar. Entretanto, avaliar a personalidade ainda tem sido um grande desafio para os profissionais da área, tanto em função das divergências existentes sobre os métodos mais adequados para este fim quanto, no caso brasileiro, em virtude da carência de instrumentos nacionais validados (Nunes, Nunes & Hutz, 2006).

Atualmente, existem diferentes tipos de instrumentos voltados à avaliação da personalidade, como os inventários e as escalas, por exemplo. Pesquisas internacionais têm demonstrado que tais recursos estão entre os mais utilizados neste tipo de avaliação, pois podem oferecer importantes dados à prática clínica (Piotrowski, 2000). Além disso, os testes de personalidade em forma de questionário costumam apresentar vantagens em relação aos não estruturados, uma vez que seus itens são selecionados empiricamente (Meehl, 2000).

Na literatura nacional, observa-se uma escassez de estudos a respeito dos instrumentos de avaliação da personalidade. Algumas pesquisas disponíveis versam sobre correlações dos resultados dos testes de personalidade com outras variáveis, mas dificilmente são encontrados estudos e pesquisas a respeito da validade destes instrumentos ou que apontem para convergências e divergências entre os instrumentos (Bueno, Oliveira, & Oliveira, 2001). Assim, constata-se que, apesar da crescente demanda por novas medidas de avaliação psicológica, tal necessidade ainda não está acompanhada do devido desenvolvimento e validação de novos instrumentos por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, a Resolução de número 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem contribuído e incentivado o desenvolvimento de novas medidas de avaliação, a fim de se preencherem os critérios estabelecidos (http://www2.pol.org.br/satepsi). Tal legislação define e regulamenta a elaboração, utilização e comercialização dos testes psicológicos no Brasil, estipulando os requisitos mínimos para a avaliação dos instrumentos, tais como: apresentação da fundamentação teórica e de evidências empíricas de validade, e orientações sobre a aplicação, correção e interpretação dos resultados.

Os desafios na área da avaliação da personalidade não se resumem, no entanto, a questões técnicas de construção de instrumentos. Um dos maiores entraves aos psicometristas refere-se especificamente à fragilidade do embasamento teórico de alguns instrumentos de avaliação psicológica, o que acaba por comprometer a qualidade do material (Pasquali, 1998). De fato, há necessidade de pesquisas que indiquem padrões de inter-relação entre os diversos modelos de avaliação de personalidade existentes, a fim de que se possam apontar pontos de convergência e divergência entre os mesmos, avançando desse modo nas questões conceituais. Mesmo que as investigações tenham objetivos modestos, parciais ou focalizem apenas uma pequena parte das necessidades da área, tais pesquisas ainda são relevantes e necessárias (Pasquali, 1999).

Na tentativa de buscar pontos em comum entre as teorias e modelos existentes acerca da personalidade, desenvolveu-se o Modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), composto pelos fatores Extroversão (Extroversion), Neuroticismo (Neuroticism), Realização (Conscientiousness), Socialização (Agreeableness) e Abertura (Openness to Experience). Este modelo também é compreendido como uma versão moderna da Teoria de Traços, cuja suposição básica é a consideração de que as pessoas possuem predisposições comportamentais amplas para responder em certas situações. Para esta teoria, a probabilidade de uma pessoa se comportar, sentir ou pensar de uma determinada maneira - a também chamada "tendência a..." - é o que definiria um traço (Pervin & John, 2004; Hall, Lindzey & Campbell, 2000; Cloninger, 1999).

Teóricos adeptos da abordagem dos CGF argumentam que os fatores do modelo podem ser encontrados em praticamente todos os instrumentos de personalidade. Ressaltam ainda que a identificação de tais fatores não se trata de um achado ao acaso, já que estes têm se mostrado consistentes em diferentes amostras (Costa & McCrae, 1995; Digman, 1990). Dessa maneira, o modelo CGF denotaria um avanço tanto conceitual quanto empírico no campo da personalidade e descreveria domínios humanos essenciais de maneira consistente e replicável (Hutz, Nunes, Silveira, Serra, Anton, & Wieczorek, 1998). Tal modelo surgiu, empiricamente, através das análises de instrumentos de personalidade já existentes (como o 16PF, o MMPI, as escalas de personalidade de Comrey, a escala de Necessidades de Murray, dentre outros), cujas soluções fatoriais demonstraram a existência dos mesmos cinco fatores, apesar da diversidade em termos de fundamentação teórica.

Com o crescente reconhecimento dos CGF, começaram a surgir instrumentos especialmente construídos para avaliação da personalidade conforme os pressupostos deste modelo. O principal instrumento internacional utilizado para essa medida é, atualmente, o NEO-PI-R (Costa & McCrae, 1992). Já no Brasil, o primeiro instrumento validado foi a Escala Fatorial de Neuroticismo - EFN, que avalia uma das cinco dimensões do modelo (Hutz & Nunes, 2001).

A EFN é composta por 82 itens, divididos em quatro subescalas: vulnerabilidade, desajustamento psicossocial, ansiedade e depressão. Trata-se de um instrumento que pode ser utilizado tanto no âmbito clínico, como também em instituições de saúde, na avaliação de grupos comunitários ou de trabalhadores, na pesquisa, no ensino e em atividades de aconselhamento (Hutz & Nunes, 2001).

Atualmente, também encontram-se disponíveis e aprovados pelo CFP outros instrumentos baseados no modelo CGF, como a Escala Fatorial de Socialização - EFS (Hutz & Nunes, 2001), a Escala Fatorial de Extroversão - EFEx (Nunes & Hutz, 2007) e a versão brasileira do NEO-PI-R (Flores-Mendoza, 2008). Vale mencionar que mais instrumentos relacionados ao modelo CGF deverão ser disponibilizados em breve no país, como escala de abertura a novas experiências (desenvolvida por Vascocellos e Hutz), a Bateria Fatorial de Personalidade (instrumento equivalente ao NEO-PI), desenvolvida por Nunes, Hutz e Nunes e o Inventário dos Cinco Fatores de Personalidade Revisado - ICFP/R (desenvolvido pelo LabPam - UnB).

A criação destes novos instrumentos, contudo, não invalida outros modelos de avaliação de personalidade elaborados anteriormente e seus respectivos instrumentos. É o caso, por exemplo, do Inventário Fatorial de Personalidade - IFP (Pasquali, Azevedo & Ghesti, 1997), um dos instrumentos de avaliação da personalidade com maior tradição de uso por parte dos psicólogos no Brasil nos últimos anos. O IFP baseia-se na Teoria das Necessidades Básicas de Murray (1938) e busca avaliar o indivíduo de acordo com 15 necessidades ou motivos psicológicos: assistência, dominância, ordem, denegação, intracepção, desempenho, exibição, afago, mudança, persistência, agressão, deferência, autonomia, afiliação e heterossexualidade.

Alguns esforços empíricos para relacionar o modelo de personalidade baseado nas necessidades de Murray (1938) e os CGF já foram empreendidos (Craig, Loheidi, Rudolph Leifer & Rubin, 1998; Finch, Panter & Caskie, 1999; Costa & McCrae, 1988). De um modo geral, estes estudos sugerem que as necessidades de Murray podem ser organizadas dentro do quadro de referência dos CGF, embora algumas das necessidades não se ajustem bem ao modelo. Segundo Costa e McCrae (1988), a distinção conceitual entre traços e necessidades não é nítida. Necessidades teriam um componente motivacional mais explícito do que os traços, enquanto estes últimos se refeririam a tendências de comportamento mais ou menos automáticas, nas quais os aspectos motivacionais estariam implícitos. Para Costa e McCrae (1988) o problema da distinção seria mais crucial no caso da dimensão Neuroticismo. Uma das características centrais do Neuroticismo é a tendência a experimentar emoções negativas, como medo, raiva e culpa. Contudo, o modo como a afetividade negativa interfere no comportamento pode ser muito variado. Os achados de Costa e McCrae (1988) sugeriram que o Neuroticismo se relaciona mais fortemente com as necessidades de agressão, defensividade, impulsividade, reconhecimento social, dependência social (positivamente) e autonomia (negativamente). Resultados semelhantes foram observados por Finch, Panter e Caskie (1999). Os dados desta sua pesquisa indicaram uma relação mais estreita entre Neuroticismo e as necessidades de agressão, defensividade, reconhecimento social e impulsividade.

Craig, Loheidi, Rudolph, Leifer & Rubin (1998) também verificaram correlações entre o CGF e o sistema de necessidades de Murray. Eles observaram que 30 das 37 escalas do instrumento que utilizaram para avaliar as necessidades correlacionaram-se com pelo menos uma das cinco dimensões dos CGF (r acima de 0,40), sugerindo validade convergente, de acordo com os autores, entre os dois modelos de personalidade, ainda que cada um tenha sua especificidade. No caso do Neuroticismo, seus achados mostraram uma associação positiva deste traço com a necessidade de dependência e negativamente com afiliação, o que indica, na interpretação dos autores, uma tendência a isolar-se dos relacionamentos.

Uma vez que, no Brasil, poucos estudos têm averiguado empiricamente pontos de convergência e divergência entre diferentes modelos de avaliação de personalidade (e seus respectivos instrumentos), estabeleceu-se como objetivo desta pesquisa investigar possíveis correlações entre a EFN (que mede a dimensão Neuroticismo do modelo dos CGF, com quatro subdimensões) e o IFP (do modelo de necessidades de Murray). Em acréscimo às análises correlacionais entre os diversos fatores de cada um dos instrumentos, pretendeu-se ainda verificar a possível influência das variáveis idade e sexo nas várias dimensões avaliadas.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 72 pessoas, 50% mulheres, com idades que variaram de 18 a 59 anos (média de 32,6 e desvio-padrão de 13,9). A distribuição observada quanto à escolaridade foi: ensino médio completo (19%), ensino superior incompleto (49%) e ensino superior completo (32%). Quanto à ocupação, os participantes foram classificados como estudantes (44%), profissionais graduados ou administradores (33%) e outros profissionais ou aposentados (23%).

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram a EFN (Hutz & Nunes, 2001) e o IFP (Pasquali, Azevedo, & Guesti, 1997). A EFN avalia quatro fatores que compõem o traço de personalidade Neuroticismo: Vulnerabilidade, Desajustamento Psicossocial, Ansiedade e Depressão. O IFP, por sua vez, mede 15 necessidades ou motivos psicológicos: Assistência, Intracepção, Afago, Deferência, Afiliação, Dominância, Denegação, Desempenho, Exibição, Agressão, Ordem, Persistência, Mudança, Autonomia e Heterossexualidade (esta última escala não foi incluída nas análises em virtude de sua aplicabilidade restrita). Na Tabela 1 constam os alphas de Cronbach para cada escala da EFN e do IFP. Observa-se que os índices de consistência interna observados neste estudo nas diversas subescalas do IFP variaram de 0,55 e 0,85, e nas subescalas da EFN de 0,80 e 0,87, sendo compatíveis com os valores indicados nos manuais dos instrumentos.

Procedimentos

Os instrumentos foram utilizados na forma auto-administrável, em aplicação coletiva ou individual, conforme a conveniência. Em qualquer caso os participantes contaram com a presença de um aluno de graduação em psicologia, devidamente treinado. Antes da aplicação dos instrumentos, todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, os procedimentos de coleta dos dados e o direito à confidencialidade das informações prestadas. Uma vez esclarecidas quaisquer dúvidas, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de participação na pesquisa.

Análise dos dados

Os escores dos fatores das duas escalas (EFN e IFP) foram todos correlacionados entre si, e também com a variável idade (correlações de Pearson). Além disso, diferenças entre os sexos também foram investigadas (através de testes t).

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta as médias e desvios-padrão para cada dimensão da EFN e do IFP, por sexo, o nível de significância observado na comparação das médias (testes t) e os índices de consistência interna das escalas. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) apenas para as dimensões Assistência, Intracepção, Afago e Mudança do IFP, e na dimensão Ansiedade da EFN. Em todos os casos em que se encontraram diferenças significativas as mulheres obtiveram escores mais altos do que os homens.

A Tabela 2 apresenta as correlações (Pearson) entre as dimensões da EFN e do IFP, considerando a amostra total. Observa-se que Vulnerabilidade (EFN) correlacionou-se positivamente com Afago, Denegação, Exibição e Agressão, e negativamente com ordem e Persistência (IFP). Já a dimensão Desajustamento Psicossocial (EFN) mostrou-se positivamente correlacionada com Exibição e Agressão, e negativamente com Deferência, Ordem e Persistência (IFP). Por sua vez, a subescala Ansiedade (EFN) correlacionou-se positivamente com Afago, Denegação, Exibição e Agressão (IFP). Por fim, o fator Depressão (EFN) apresentou correlação positiva com Denegação e correlações negativas com Assistência, Afiliação, Desempenho e Mudança (IFP).

A idade apresentou ainda algumas correlações significativas (p<0,05) com as demais variáveis estudadas. No caso do IFP, foram observadas correlações significativas com os fatores Deferência (r=0,24), Exibicionismo (r=-0,43) e Persistência (r=0,33). Já no caso da EFN apenas o fator Desajustamento Psicossocial exibiu correlação significativa com idade (r=-0,29). Em virtude disso, as análises correlacionais foram realizadas novamente controlando o efeito da variável idade. Os resultados foram muito semelhantes aos reportados anteriormente.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi identificar padrões de correlação entre os fatores da EFN e do IFP, além de explorar possíveis diferenças entre homens e mulheres e o efeito da idade nas dimensões de personalidade. No total, 11 dos 14 fatores do IFP considerados neste estudo apresentaram correlações significativas com pelo menos um dos fatores da EFN. O fator Heterossexualidade não foi incluído nas análises por ser considerado pouco pertinente para a compreensão das dimensões da personalidade (Silva, Schlottfeldt, Rozenberg, Santos & Lelé, 2007) e em virtude de sua restrita aplicabilidade. O resultado obtido indica que existem pontos de convergência entre o modelo de necessidades de Murray (medido pelo IFP) e o modelo de traços dos CGF, pelo menos no que diz respeito à dimensão Neuroticismo medida pela EFN. Deve-se levar em consideração, contudo, que as correlações significativas variaram entre 0,25 e 0,61 (positivas ou negativas) o que sugere que, ainda que exista uma relação entre as variáveis, elas não se sobrepõem substancialmente. Cabe lembrar, no entanto, que neste estudo apenas o fator Neuroticismo dos CGF foi avaliado. Futuras pesquisas poderiam incluir todos os cinco fatores a fim de identificar o quanto da variabilidade das dimensões do IFP pode ser explicada pelos CGF. Tais resultados permitiriam verificar se as necessidades oferecem, ou não, uma descrição de aspectos da personalidade que complementam as indicações dos CGF, como sugerem Costa e McCrae (1988) e Craig et al. (1998).

 

 

O fator Vulnerabilidade da EFN indica a intensidade em que as pessoas experimentam sentimentos de sofrimento decorrentes da aceitação (ou não aceitação) dos outros em relação a si (Hutz & Nunes, 2001). As relações desta variável com o IFP sugerem que pessoas vulneráveis tendem a buscar apoio e proteção nos outros, apresentando medo de abandono (Afago), e tendem a ser passivos e submeterem-se aos outros, com sentimentos de inferioridade e desejos de autodestruição (Denegação). A relação da Vulnerabilidade com Exibição (vaidade e desejo de ser visto ou ouvido) e Agressão (desejo de superar oposições com raiva e irritação) é menos nítida, mas compreensível: sujeitos vulneráveis possivelmente sentem grande necessidade de serem reconhecidos pelos outros, o que pode se manifestar através de desejos ou fantasias de fazerem coisas que chamem a atenção das pessoas para ganharem aceitação. A necessidade de agressão, por sua vez, pode ser entendida como uma maneira de reagir ao sentimento de rejeição social que eventualmente é experimentado pelo indivíduo vulnerável; inundado por sentimentos negativos decorrentes da não aceitação, a pessoa pode passar a hostilizar os demais, evitando uma auto-análise crítica da situação que poderia intensificar sentimentos de menos-valia. Por fim, as correlações negativas com Ordem e Persistência também fazem sentido: a dependência dos outros, característica da vulnerabilidade (Hutz & Nunes, 2001), pode fazer com que as pessoas tenham dificuldades em assumir responsabilidades e levá-las a cabo por conta própria; assim, é possível que mostrem-se menos capazes ou interessadas em organizar suas tarefas e executá-las de modo eficaz.

O fator Desajustamento Psicossocial da EFN avalia a tendência que os indivíduos possuem a serem agressivos e hostis com os demais e a manipularem situações de forma a obterem vantagens. Os comportamentos de sujeitos com escores elevados nesse fator podem incluir comportamentos de risco ou atípicos; além disso, são pessoas pouco sensíveis ao sofrimento alheio e pouco preocupadas com as regras sociais (Hutz & Nunes, 2001). As correlações verificadas com as dimensões Exibição e Agressão do IFP são, dessa forma, coerentes, embora neste caso a exibição pareça refletir mais uma necessidade de influenciar os outros do que de ser reconhecido. Já a agressão é um componente compatível com a própria definição de Desajustamento Psicossocial da EFN, na medida em que esta definição inclui o gosto por situações perigosas e padrões de comportamento típicos de transtorno antissocial e borderline. Por sua vez, as correlações negativas com Ordem, Persistência e Deferência (respeito, admiração e reverência por outros) estão de acordo com a idéia de que pessoas com escores altos em desajustamento são menos propensas a convenções sociais e à responsabilidade, bem como ao respeito e consideração aos demais.

 

 

O fator Ansiedade da EFN está relacionado à instabilidade emocional, variação de humor e disposição, muitas vezes sem um motivo específico. Irritabilidade, medo de perda de controle, pensamentos desconexos e sintomas somáticos típicos de ansiedade também caracterizam esse aspecto do Neuroticismo (Hutz & Nunes, 2001). Esta dimensão mostrou-se relacionada com os fatores Afago, Denegação, Exibição e Agressão do IFP, fatores estes que também estiveram relacionados com Vulnerabilidade. Assim, é razoável supor que a ansiedade é um componente presente na vulnerabilidade. Contudo, a ansiedade, por si só, talvez não seja suficiente para caracterizar uma situação de vulnerabilidade psicológica. A correlação entre tais fatores já foi documentada no manual do instrumento. Entretanto, embora esta seja moderada, os componentes avaliados não são os mesmos. A Vulnerabilidade apresentou correlações negativas com Ordem e Persistência mais intensas do que a Ansiedade (ainda que a diferença em magnitude tenha sido pequena). Tal resultado sugere, como hipótese, que a vulnerabilidade envolve uma dependência em relação às outras pessoas que traz mais prejuízo à autonomia do indivíduo do que a ansiedade. Tal interpretação é coerente com outras correlações observadas nos resultados, ainda que não significativas. Por exemplo, Ansiedade apresentou correlações positivas da ordem de 0,20 com as necessidades de Mudança e Autonomia, enquanto Vulnerabilidade teve correlações próximas de zero.

Por fim, o fator Depressão da EFN indica uma tendência dos indivíduos a interpretarem seus eventos de vida de um modo negativo, com baixas expectativas em relação ao futuro, percepção de uma vida monótona, falta de objetivos claros na vida e solidão (Hutz & Nunes, 2001). Esta dimensão da personalidade mostrou-se, neste estudo, associada a tendências auto-depreciativas (Denegação), baixo interesse em ajudar os outros (Assistência), baixo interesse em dar e receber afeto de amigos (Afiliação), baixo empenho e ambição em suas atividades (Desempenho) e baixa necessidade de mudança e novidades (Mudança). Este padrão de correlações é coerente, reforçando a idéia de que indivíduos com escores altos em Depressão (EFN) experimentam sentimentos de isolamento social e afetivo, bem como apatia.

As diferenças entre homens e mulheres observadas nos escores das subescalas estão, de um modo geral, de acordo com os estereótipos de gênero. No IFP, as mulheres mostraram escores mais altos em Assistência (desejo de ajudar, dar suporte emocional), Intracepção (tendência a guiar-se por intuições e sentimentos), Afago (busca de apoio e proteção) e Mudança (gosto por novidade, aventura), um resultado compatível com as relações entre sexo e os fatores do IFP que constam no manual do instrumento (Pasquali et al., 1997). Cabe ressaltar, no entanto, que Costa e McCrae (1988) não observaram efeitos do sexo sobre a dimensão mudança, o que pode ser atribuído a diferenças culturais entre Estados Unidos e Brasil (embora esta hipótese mereça uma investigação mais aprofundada, já que os instrumentos usados para avaliar as necessidades em cada pesquisa foram diferentes). Já a diferença entre os sexos observada no fator Ansiedade está em conformidade com os estudos de normatização da EFN (Hutz & Nunes, 2001), e com outras pesquisas que indicam uma maior proporção de distúrbios de ansiedade em mulheres quando comparadas aos homens (Ebert, Loosen & Nurcombe, 2002).

Em relação à idade, os fatores Deferência e Persistência do IFP apresentaram uma tendência a serem mais elevados com o aumento da idade, enquanto Exibição (IFP) e Desajustamento Psicossocial (EFN) mostraram um padrão inverso. Ou seja, a idade parece associada com o desenvolvimento de maior admiração e respeito por outros, maior persistência em seus objetivos, menor necessidade de impressionar os outros e com menos comportamentos atípicos, hostis ou que demonstrem falta de preocupação com as regras sociais. Estes resultados, contudo, precisam ser confirmados por outros estudos, pois as correlações entre as escalas do IFP e idade relatadas no manual são de magnitudes muito baixas (a maior é de -0,22 com Exibição). Quanto ao Desajustamento Psicossocial, o manual não informa dados associados à idade (Hutz & Nunes, 2001).

Enfim, este estudo buscou relacionar os instrumentos EFN e IFP, explorando pontos de convergência e divergência entre os mesmos. As correlações observadas indicam que, embora tratem-se de instrumentos com referenciais diferentes no campo da personalidade, há relações consistentes entre os mesmos. Os únicos fatores do IFP que não estiveram correlacionados com nenhum dos fatores da EFN foram Intracepção, Dominância e Autonomia. É possível que estes fatores tenham relação com outras dimensões dos CGF não abordadas neste estudo (que focalizou apenas o Neuroticismo), conforme sugerem resultados de outras pesquisas (Craig, Loheidi, Rudolph Leifer & Rubin, 1998; Finch, Panter & Caskie, 1999; Costa & McCrae, 1988). De qualquer forma, as correlações mais salientes observadas neste estudo são logicamente plausíveis e teoricamente consistentes, o que é uma evidência de validade convergente dos instrumentos utilizados e que encoraja a realização de novas investigações. Dado que este estudo limitou-se a análises bivariadas e contou com uma amostra de tamanho reduzido, sugere-se para pesquisas futuras o emprego de análises fatoriais, com amostras maiores, como uma estratégia para analisar de forma mais precisa a variância partilhada entre estes instrumentos.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: clarissatrentini@terra.com.br

Recebido em Outubro de 2008
Reformulado em Abril de 2009
Aceito em junho de 2009

 

 

Sobre os autores:

* Clarissa Marceli Trentini: Psicóloga. Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS). Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialista em Psicologia Clínica: Avaliação Psicológica (UFRGS). Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia (UFRGS).
** Claudio Simon Hutz: Doutor em Psicologia (University of Iowa). Desenvolve pesquisas nas áreas da Psicologia Positiva, Desenvolvimento Social e da Personalidade, Avaliação Psicológica e Psicometria (com ênfase na construção e validação de instrumentos para a avaliação da personalidade). Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
*** Denise Ruschel Bandeira: Doutora em Psicologia (UFRGS). Mestre em Psicologia (UFRGS). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Construção e Validade de Testes, Escalas e Outras Medidas Psicológicas. Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Brasil.
**** Marco Antônio P. Teixeira: Doutor em Psicologia (UFRGS) e Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia (UFRGS).
***** Marcia Toralles Avila Gonçalves: Psicóloga. Mestre em Psicologia (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica: Avaliação Psicológica (UFRGS).
****** Andresa Ribeiro Thomazoni: Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional (UFRGS) e Bolsista CAPES.

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