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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.1 Porto Alegre Apr. 2010

 

 

Figuras complexas de Rey para idosos

 

Rey complex figures for the elderly

 

 

Maria Paula Foss1; Mariana de Siqueira Bastos-Formigheri; José Geraldo Speciali

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Objetivou-se criar dados normativos para a população idosa no teste das figuras complexas de Rey (FCR), avaliar a relação entre as estratégias de cópia e a reprodução de memória, e verificar a inclusão da evocação após 30 minutos da figura. O FCR foi aplicado em 70 idosos que realizaram a cópia e as evocações após três minutos e após 30 minutos da Figura Complexa de Rey dentro do sistema avaliativo de Osterrieth. Na cópia da figura Percentil 50 (P50)= 30,5 pontos, Memória após 3 minutos P50= 12 pontos e após 30 minutos P50= 12,5. Predominaram as estratégias do tipo IV (“justaposição de detalhes”) na cópia da figura. Os resultados atuais mostraram-se inferiores aos obtidos na adaptação brasileira. O predomínio do tipo IV revela estratégias de cópia pouco desenvolvidas que possivelmente influenciaram a reprodução de memória. Não foram observadas diferenças entre as memórias de curto (após 3 minutos) e longo prazo (após 30 minutos) para esses participantes.

Palavras-chave: Figuras Complexas de Rey; Cognição; Memória; Idoso.


ABSTRACT

The objective of the present study was to create normative data for the elderly population in the Rey complex figure test, to assess the relationship between the copying strategies and memory reproduction, and to determine the inclusion of figure retrieval after 30 minutes. The FCR was applied to 70 elderly subjects who copied the Rey complex figure and performed evocation after three and 30 minutes within the Osterrieth evaluation system. In the copy of the figure, the 50th percentile (P50) was = 30.5 points, in the Memory after 3 minutes, P50 = 12 points and in the memory after 30 minutes, P50 = 12.5. Type IV (additive details approach) strategies predominated in the copy of the figure. The present results were lower than those obtained by the Brazilian version. The predominance of type IV revealed poorly developed copying strategies that possibly influenced the reproduction of memory. Differences between short-term (3 minutes) and long-term (30 minutes) memory for these individuals were not found.

Keywords: Rey complex figures; Cognition; Memory; Elderly subjects.


 

 

INTRODUÇÃO

No século XX ocorreu o envelhecimento progressivo da população, aumentando a expectativa de vida do nascer até perto dos 70 anos. De 1980 para 2025 haverá um aumento de 412% da população acima dos 60 anos na América Latina. O aumento da população idosa, no Brasil, deverá ser de 15 vezes entre 1950 e 2025, passando a ser a sexta população de idosos do mundo em termos absolutos (VERAS, 2000).

O envelhecimento, de modo geral, caracteriza-se como processo que transforma adultos saudáveis em indivíduos mais frágeis, diminuindo reservas na maioria dos sistemas fisiológicos e aumentando, exponencialmente, a vulnerabilidade à maioria das doenças e à morte (Miller, 2003). Esse processo leva a mudanças em vários sistemas e órgãos do corpo humano, incluindo o cérebro, que sofre um processo de atrofia, caracterizado pelo alargamento dos sulcos, estreitamento nos giros e redução na massa cortical (Lezak, 1995).

Possivelmente, em conseqüência dessa mudança no cérebro algumas habilidades cognitivas, inevitavelmente, declinam. Essas relações entre cérebro e cognição, atualmente, não se mostram tão diretas e são mais complexas do que se imaginava, como descrito por Snowdon (2003), cujos resultados demonstraram que a passagem do envelhecimento saudável para as demências não dependia somente da intensidade das alterações neuropatológicas cerebrais, mas também da resistência à expressão clínica das mesmas, visto que algumas dessas pessoas, mesmo com intensas alterações neuropatológicas, não apresentavam sintomas clínicos. Essa maior complexidade não chega a propor um novo paradigma para a neuropsicologia, mas salienta que é preciso estar atento a maior diversidade de variáveis inerentes a essa relações.

Considerando um dos lados dessa equação, a do comportamento, demonstrou-se que idosos apresentavam desempenhos mais rebaixados numa variedade de testes cognitivos do que grupos mais jovens (Salthouse & Czaja, 2000). De acordo com Luszcz e Brian (1999, citados por Salthouse & Czaja, 2000) há pelo menos três tipos de mecanismos para explicar os decréscimos no desempenho cognitivo relacionado à idade (Allen & cols., 2001).

a) explicações sobre as reservas de processamento cognitivo, enfatizando a velocidade de processamento da informação ou a capacidade de memória operacional;

b) teorias sobre o funcionamento executivo que enfatizam a habilidade para combinar atividades cognitivas em ordem para coordenar atividades conscientes e direcionadas a metas; e

c) argumentos sobre o senso comum que focalizam a quebra do funcionamento sensorial (medidas de acuidade visual, sensibilidade auditiva, força de preensão e nos membros inferiores) como indicador de declínio cognitivo generalizado.

West (1996) acrescenta que as explicações sobre o envelhecimento estariam incompletas sem a inclusão das funções associadas com o funcionamento do lobo temporal medial. Ainda mais porque a perda de memória é uma das queixas mais freqüentes de dificuldades entre os idosos e o seu declínio representa um sinal precoce de Alzheimer (Gron & cols., 2003). Ostrosky-Solis, Jaime e Ardila (1998) analisando a memória durante o envelhecimento normal encontraram que defeitos e comprometimentos na memória não-verbal podem ser considerados como as disfunções centrais associadas com o envelhecimento. Portanto, o estudo da cognição em idosos deve incluir estimativas das funções cognitivas relacionadas com o lobo frontal (alguns processos atencionais e o funcionamento executivo) e a memória episódica, principalmente, para conteúdos visuoespaciais. Surge, então, a necessidade de instrumentos que possibilitem a avaliação dessas disfunções, como, as Figuras Complexas de Rey.

Rey (1942, citado por Rey, 1959) desenvolveu esse teste que foi posteriormente organizado por Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959) com o objetivo de avaliar o planejamento, estratégias de resolução de problemas, habilidades perceptivas e visuoconstrutivas, motoras e de memória de indivíduos idosos. O material consiste de folhas em branco contendo a figura complexa de Rey. O procedimento básico envolve a cópia da figura e posteriormente, sem aviso prévio, a reprodução de memória.

Uma das vantagens desse instrumento é a de avaliar o planejamento e a estratégia da cópia da figura e, também, a interferência desse aspecto na evocação da memória. Portanto, pode-se estimar a interferência das funções executivas sobre a memória. Além disso, esse procedimento é de baixo custo e de fácil aceitação por parte dos indivíduos, o que faz com que seja amplamente utilizado em estudos científicos que visem avaliar prejuízos das funções cognitivas em diversas patologias (Ashton, Donders, & Hoffman, 2005; Cherrier, Mendez, Dave & Perryman, 1999; Emilien, Penasse & Waltregny, 1998; Gasparini & cols., 2008; Grossi & cols., 2002; Kasai & cols., 2006; Kixmiller, Verfaellie, Mather & Cermak, 2000; Lange, Waked, Kirshblum & Deluca, 2000; Siri, Benaglio, Frigero, Binetti & Cappa, 2001). Contudo, poucos estudos apresentam dados relativos à população idosa.

Lezak (1995) alerta sobre o caráter provisório dos dados normativos para faixas etárias entre 50-59 a 70 anos devido às casuísticas pequenas. Em razão disso, Machulda e Ivnik (2007) elaboraram dados normativos para pessoas com 70 a 89 anos como parte do Mayo´s Older Americans Normative Studies. Caffarra, Vezzadini, Dieci, Zonato e Venneri (2002) também coletaram dados normativos para uma população de 280 italianos de 20 a 89 anos, na cópia e evocação após 10 minutos da figura complexa. A necessidade de dados normativos se agrava ainda mais em países como o Brasil, em que faltam instrumentos neuropsicológicos válidos já para adultos e cujo envelhecimento populacional é um fenômeno recente.

Oliveira, Rigoni, Andretta e Moraes (2004) verificaram as qualidades psicométricas desse instrumento para a população brasileira, encontrando consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,86 para a cópia e 0,81 para a memória. A fidedignidade foi também avaliada pelo método do teste-reteste, com um intervalo de 30 dias, obtendo-se um coeficiente de Pearson (r) de 0,76 (p<0,001) para a cópia, 0,58 (p<0,001) para a reprodução de memória. Ainda, houve concordância em todos os itens na avaliação entre juízes. A validação convergente correlacionou a variável cópia com o subteste de Aritmética da Wisc III (r= 0,37 e p<0,001) e com o Dígitos (r= 0,38 e p<0,01) para um grupo de 92 pessoas com até 15 anos. A variável memória após 3 minutos apresentou r= 0,33 (p<0,001) para o subteste de Aritmética e 0,24 (p<0,02) para o Dígitos. Há indícios, portanto, que a atenção e concentração relacionam-se com a percepção visual e a reprodução de memória. Deste modo, as Figuras complexas de Rey podem ser utilizadas para a população brasileira, uma vez que se mostrou um instrumento fidedigno e válido.

Oliveira (1999) também desenvolveu normas brasileiras para a Figura Complexa de Rey, mas limitou a sua casuística a pessoas com idade entre 18 e 52 anos, ou seja, não abrangendo os idosos. Bastos–Formighieri, Formigheri e Foss (2007) compararam os resultados de Oliveira (1999) com o desempenho de 25 idosos, por meio do teste t-student do programa estatístico SPSS, encontrando diferença significativa (p<0,05), com melhores índices obtidos pela população de adultos. Ressalta-se, então, a necessidade da elaboração de normas específicas para essa faixa etária.

Esse trabalho tem o objetivo de criar dados normativos preliminares para a população idosa no teste de cópia e reprodução de memória das Figuras Complexas de Rey (FCR). Paralelamente, avaliar a influência das estratégias de cópia sobre a reprodução de memória e verificar a inclusão da evocação após 30 minutos da figura.

 

MÉTODO

Participantes

Setenta idosos (idade: M = 68 anos; DP = 6,2; escolaridade: M= 7,2; DP = 4,3) da clínica neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP ou que pertenciam ao Núcleo de Terceira Idade da prefeitura de Ribeirão Preto. Esses indivíduos foram selecionados de acordo com os critérios:

1. Critérios de Inclusão:

• Faixa etária: mais de 60 anos.

• Escolaridade: acima da 2a.. série do ensino fundamental.

• Fluentes na língua portuguesa.

• Indivíduos saudáveis, ou seja, sem os critérios de exclusão abaixo.

Entre os participantes, 33 eram aposentados, 18 donas de casa, 1 pensionista e 18 trabalhadores ativos, 19 homens e 51 mulheres. O instrumental de classificação socioeconômica (Graciano, Lehfeld, Neves Filho, 1999) dividiu o grupo em: 5 de classe sócio-econômica média, 19 médio inferior, 34 baixo superior e 12 baixo inferior.

Critérios de Exclusão

Foram excluídos aqueles com prejuízos no funcionamento cognitivo global estimado pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM), também aqueles com depressão, segundo os critérios do DSM-IV ou outras doenças psiquiátricas e neurológicas referidas ou aparentes. Também, excluiu-se perda visual, auditiva que não eram corrigidas e déficit motor que comprometesse o uso de lápis e papel e impossibilitassem a realização do teste da Figura Complexa de Rey. Portanto, todos foram diagnosticados como saudáveis, excluindo portadores de doença neurológica e psiquiátrica. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê de ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo (HCFMRP- USP).

Instrumentos

O teste das Figuras Complexas de Rey (FCR) foi construído baseado na pressuposição de que a forma como os estímulos são recebidos, organizados e analisados influenciava diretamente a reprodução de memória (Rey, 1959). Esse teste é indicado a partir dos 4 anos é de fácil aplicação, requer no máximo 25 minutos e apenas lápis, papel e cronômetro.

A aplicação da FCR foi realizada individualmente e constou de três condições: a cópia, a evocação após 3 minutos e a evocação após 30 minutos.

1. Cópia: apresentou-se a Forma A do FCR em posição horizontal, sendo solicitado atenção às proporções e à todos os detalhes da figura. O cronômetro foi acionado assim que as instruções foram finalizadas, não foi exigida rapidez na execução da tarefa. Nessa condição oferecia-se um lápis para o indivíduo que foi sendo trocado por outros de cores diferentes conforme cada porção significativa da figura ia sendo desenhada, respeitando as unidades da figura propostas por Osterrieth, (1945 citado por Rey, 1959), mas evitando muitas interrupções durante a tarefa. Dessa forma, buscamos conhecer as estratégias adotadas por cada participante.

2. Memória após 3 minutos: após tarefa distratora que foi o teste de fluência verbal letras e animais, solicitou-se a evocação (após três minutos) da FCR, sem aviso prévio.

3. Memória após 30 minutos: transcorrido 30 minutos, preenchidos com questionário sobre dados demográficos, o instrumental de classificação socioeconômica (Graciano, Lehfeld e Neves Filho, 1999), o Mini Exame do Estado Mental e outro teste de atenção, foi solicitada novamente a reprodução da figura de memória dessa vez com aviso prévio.

Correção: as três condições referidas acima foram avaliadas pelo sistema proposto por Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959) que requer a análise de 18 unidades do desenho de acordo com a posição correta e a precisão da forma. Os pontos variam entre 2, 1 ou 0 para cada unidade e a pontuação máxima foi de 36 pontos.

A cópia classificou-se, ainda, dentro dos critérios propostos por Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959): tipo I:“desenho começando pelo retângulo central que serve de armação para toda a reprodução”; tipo II: “detalhes incluídos na armação”; tipo III: “contorno geral no qual são, em seguida, colocados todos os detalhes”; tipo IV: “justaposição de detalhes”; tipo V: “fundo mais ou menos confuso de linhas, em que se destacam alguns detalhes claramente reconhecíveis”; tipo VI: “redução da figura a um esquema familiar”.

Procedimento

Foram convidados aleatoriamente os participantes que acompanhavam pacientes da clínica neurológica do HCFMRP-USP ou que pertenciam ao Núcleo de Terceira Idade da prefeitura de Ribeirão Preto. Primeiro todos assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido, depois se solicitava a cópia da FCR, a memória após 3 minutos e após 30 minutos.

 

RESULTADOS

Participaram desse estudo 70 idosos, com idade média de 68 anos e desvio-padrão de 6,2; média de escolaridade de 7,2 anos e desvio-padrão de 4,3. Esses idosos obtiveram Percentil 50 (P50) = 30,5 pontos e média de 28,87± 5,7 na cópia da figura complexa, enquanto que na memória após 3 minutos o P50 correspondeu a 12 pontos, a média de 13± 4,9 e memória após 30 minutos, P50= 12,5 e média 12,6 ± 4,9 (Tabela 1).

 

 

A fim de analisar a influência da idade, gênero e escolaridade sobre o teste neuropsicológico relacionaram-se essas variáveis com os resultados da cópia, da memória após 3 minutos e da memória após 30 minutos da figura (Tabela 2). Os resultados obtidos pela correlação de Spearman do pacote estatístico SPSS 13.0 for Windows mostraram correlações positivas entre a escolaridade e a cópia da Figura Complexa de Rey (FCR) (Rho= 0,41), memória após 3 minutos da FCR (Rho= 0,36) e memória após 30 minutos da FCR (Rho= 0,60) com significância de p< 0,05. Assim, quanto maior a pontuação na FCR cópia, FCR memória 3 minutos e FCR memória após 30 minutos maior é a escolaridade dos participantes.

 

 

Não houve correlações significativas (p< 0,05) entre a idade e os índices da FCR. Em relação ao gênero utilizou-se o teste de Mann-Whitney do SPSS 13.0 for Windows não encontrando diferenças significativas para a FCR cópia, FCR memória 3 minutos e FCR memória 30 minutos.

A correlação dos dados ainda revelou que o FCR cópia associou-se positivamente com o FCR memória após 3 minutos e com FCR memória após 30 minutos. Os coeficientes (Rho) foram 0,41 e 0,36 e o nível de significância foi p< 0,0001 e p< 0,003 respectivamente. Dessa forma, quanto melhor a cópia da figura, melhor a reprodução de memória tanto após 3 minutos quanto 30 minutos. Na cópia da FCR houve um predomínio das estratégias do tipo IV seguido pelo tipo I e II (Figura 1).

 

 

Para esclarecer um dos objetivos do trabalho de avaliar a relação entre as estratégias de cópia na reprodução de memória utilizou-se a correlação de Spearman do pacote estatístico SPSS 13.0 for Windows, primeiro investigando a associação entre as estratégias adotadas e a cópia da figura. O coeficiente (Rho) foi -0,55 e o nível de significância foi p< 0, 0001. Dessa forma, quanto pior a cópia da figura maior a classificação da estratégia empregada. Esses achados encontram-se em consonância com a classificação de Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959), a qual coloca que os tipos mais evoluídos e mais freqüentes em adultos são os de número I e II, enquanto os III, IV, V e VI predominam em crianças e pré-púberes.

Essa correlação inversa manteve-se na reprodução após 3 minutos e após 30 minutos da FCR, alcançando coeficientes (Rho) de -0,51 e -0,37 e significância de p<0,0001 e p<0,003, respectivamente. Assim, observa-se que quanto pior a reprodução de memória maior a classificação adotada, ou seja, pior a estratégia empregada em termos evolutivos.

De modo a verificar a inclusão da evocação após 30 minutos da FCR como variável a ser investigada pelo instrumento, compararam-se os resultados desta com a evocação após 3 minutos pelo teste t para amostras independentes do SPSS 13.0 for Windows. Os resultados apontaram que não houve diferenças entre a memória após 3 minutos (M= 13,08 e DP= 4,98) e após 30 minutos para esse grupo de idosos (M= 12,6 e DP= 4,98) (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Os resultados descreveram dados normativos preliminares para a população idosa no teste de cópia e reprodução de memória das FCR e se mostraram discrepantes dos de Oliveira (1999), com escores abaixo dos valores daquele grupo de adultos (para o percentil 50 a cópia totalizava 35 pontos e a memória após 3 minutos deveria ser igual a 18 pontos). Dessa forma, salienta-se a necessidade de dados normativos específicos para idosos (Bastos–Formighieri, Formigheri & Foss, 2007).

 

 

O presente trabalho buscou suprir essa falha, embora reconheça a necessidade de ampliar o número de participantes para criar normas estratificadas por idade, escolaridade e gênero. Isto porque a maioria dos participantes estudados foram mulheres, aposentadas, e de classificação sócio-econômica abaixo da média, o que limita a aplicação desses resultados para padrões demográficos divergentes.

A análise dos dados verificou que o desempenho no FCR cópia, FCR memória 3 minutos e FCR memória 30 minutos se relaciona com a escolaridade, mas não com a idade dos participantes. Deve-se salientar que o grupo foi composto por idosos (mais de 60 anos) e a pouca variabilidade da idade, talvez, possa explicar a falta de influência sobre os resultados do FCR. Gallagher e Burke, (2007) em contraposição, reportaram influência significativa da idade, gênero e coeficiente de inteligência sobre o desempenho da FCR cópia, FCR evocação após 30 segundos e FCR evocação tardia. Os idosos realizavam cópias menos acuradas e recordavam menos a FCR do que os mais jovens. Os participantes foram estratificados nas seguintes faixas etárias 16–19, 20–29, 30–39, 40–49, 50–59 e 60–69 anos, o que difere deste trabalho, que incluiu apenas o idoso. Na literatura ainda não se tem um consenso sobre a influência da escolaridade no desempenho na FCR (Spreen & Strauss, 1998).

Também não houve diferenças significativas quanto ao gênero comparado com o desempenho no FCR, mesmo considerando o predomínio de mulheres dentre os participantes (73%). Gallagher e Burke, (2007), por outro lado, demonstraram que homens apresentaram pontuações maiores na cópia e reprodução de memória do que as mulheres.

Machulda e Ivnik (2007) descreveram dados normativos da FCR para 516 idosos de 70 a 89 anos, mas não administraram a reprodução de memória, seja imediata ou tardia. Na cópia da figura complexa de Rey utilizaram os critérios de Taylor o que difere desse estudo, que seguiu o sistema avaliativo de Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959), não permitindo a comparação entre os dados. Caffarra e colaboradores (2002), por sua vez, coletaram dados normativos para 280 italianos de 20 a 89 anos na cópia e reprodução de memória após 10 minutos da FCR e a correção e aplicação seguiram os critérios de Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959). Entretanto, aqueles autores ajustaram e corrigiram os seus resultados pela idade e escolaridade, o que não foi possível nesse estudo devido ao número da amostra.

As Figuras Complexas de Rey permitem avaliar a relação entre a cópia e a reprodução de memória (Rey 1959). Nesse sentido, observou-se uma correlação positiva entre o FCR cópia e o FCR memória após 3 minutos ou 30 minutos, ou seja, quanto maior a pontuação na cópia maior o desempenho na reprodução de memória, o que confirma a suposição de Rey (1959) de que a atividade perceptiva influência a memória.

A FCR também é indicada para avaliar a influência das funções executivas, principalmente do planejamento sobre a memória. O modo como se estima o planejamento é por meio das estratégias empregadas na cópia dessa figura. Nesse estudo monitorou-se a estratégia de cópia pela troca de lápis coloridos, encontrando um predomínio da estratégia do tipo IV (por justaposição de detalhes). Esse tipo de estratégia, segundo Osterrieth (1945, citado por Rey, 1959) é dominante na idade dos 5 aos 10 anos, mas pouco freqüente em adultos. Por outro lado, o tipo I e II somados, também foram largamente adotados nesse grupo de estudo, e caracterizam uma resposta dominante nos adultos. Assim predominou as estratégias de cópia pouco desenvolvidas, somando-se o tipo IV com o III, o que possivelmente influenciou a reprodução de memória.

Demonstrou-se, ainda, correlação negativa entre as estratégias adotadas na cópia da figura, ou seja, quanto melhor a cópia mais evoluída a estratégia empregada. Lange e colaboradores (2000) estudando pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) também encontraram relação significativa entre a estratégia empregada e a acurácia na cópia da figura.

Na memória, além da reprodução da figura após 3 minutos, incluiu-se uma após 30 minutos. Lezak (1995) salienta que dentro do intervalo de 1 hora ou mais as perdas na evocação não são significativas em indivíduos normais. Por outro lado, Spreen e Strauss (1998) e Gallagher e Burke (2007) sugerem que a inclusão da evocação após 30 minutos pode detalhar o funcionamento da memória delimitando áreas deficitárias e preservadas. Isso porque o declínio entre a evocação imediata e a tardia denota perdas na memória que não são encontradas em indivíduos normais.

A comparação estatística dos resultados da FCR memória após 3 minutos e após 30 minutos não apontou diferenças significativas entre as evocações, o que significa que a inclusão da evocação após 30 minutos não contribuiu para acrescentar dados ou diferenciar o perfil da memória de idosos na FCR. Dessa forma, pode-se sugerir apenas a aplicação da evocação após 3 minutos, em situações que impossibilitam a de 30 minutos. Estudos com um maior número de participantes devem, no futuro, respaldar tais achados.

 

CONCLUSÃO

O aumento da expectativa de vida no Brasil fomenta o desenvolvimento de estudos destinados a população idosa. Isto se faz necessário devido às peculiaridades dessa faixa etária, evitando erros na classificação e avaliação dessas pessoas.

Foi demonstrada a relação entre as estratégias de cópia e a reprodução de memória e verificado que a inclusão da evocação após 30 minutos da figura não trouxe diferenças significativas em relação ao original de 3 minutos. Por fim, deve-se ressaltar que os resultados deste estudo devem ser ampliados no futuro, com a inclusão de maior número de participantes.

 

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Recebido em abril de 2009
1ª revisão em Setembro de 2009
2ª revisão em novembro de 2009
Aprovado em dezembro de 2009

 

 

SOBRE OS AUTORES:

Maria Paula Foss: Psicóloga HCFMRP-USP – Doutora em Ciências Médias ( Neurociências) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
Mariana de Siqueira Bastos-Formigheri: Psicóloga HCFMRP-USP – Mestre em Ciências (Psicologia)- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – USP.
José Geraldo Speciali:Professor associado do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento – FMRP- USP.

1Contato:
Email: paulafoss@rnp.fmrp.usp.br

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