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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.10 no.3 Itatiba Dec. 2011

 

 

Formação básica e profissional do psicólogo: análise do desempenho dos estudantes no ENADE-2006

 

Psychologist´s basic and professional education: analysis of students´ performance in the 2006

 

 

Marilene Proença Rebello de SouzaI;Antônio Virgílio BastosII; Deborah Rosária BarbosaIII

IInstituto de Psicologia/Universidade de São Paulo e Comissão de Especialistas do INEP
IIInstituto de Psicologia/UFBA e Comissão de Especialistas do INEP
IIIInstituto de Psicologia/Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

São analisados resultados obtidos pelos estudantes ingressantes e concluintes que realizaram o ENADE-2006–Psicologia quanto a dados Socioeconômicos, de História Escolar e Componentes Específicos do conhecimento psicológico. Identificou-se que os estudantes são, em sua maioria, provenientes do ensino privado e apresentam diferenças de desempenho quando comparados aos provenientes do público. Os dados socioeconômicos também são analisados em comparação com escores obtidos no Exame e são tecidas considerações sobre os resultados em termos de conhecimentos gerais e específicos. São observadas as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, em comparação com os escores obtidos em aspectos específicos da prova. Observa-se que a maioria dos alunos é do sexo feminino, os desempenhos são melhores no ensino público, diurno. Uma das constatações é a necessidade de maior investimento na formação quanto aos conteúdos referentes a Investigações e Medidas, bem como em Fundamentos Históricos e Epistemológicos.

Palavras-chave:Formação profissional; Formação do psicólogo; Avaliação de aprendizagem; Ensino superior.


ABSTRACT

We analyze the results obtained by first year and graduating students who took the 2006 ENADE Exam in Psychology. We study the outcome relating to Socio-Economic data, School history and Specific Components of psychological knowledge. It is possible to conclude that the students who took the test come mostly from the private education and show differences in performance when compared to those who attended in public. The socio-economic data are analyzed in comparison with the scores obtained in the examination in terms of specific and general knowledge. The orientation of the National Curriculum Guidelines for undergraduate courses in Psychology was compared with the scores obtained in specific aspects of the exam. Most students are female, the performances are better in public education, during the day. We point out for the need for greater investment in training relating to the contents for Investigations and Measures, historical and epistemological basics in Psychology.

Keywords:Professional education; Psychologist education; Learning assessment; Higher education.


 

 

Este artigo tem por objetivo apresentar a análise produzida a partir da avaliação do conjunto de respostas obtidas pelos estudantes que prestaram a Prova de Psicologia do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), em novembro de 2006, como parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).

O recorte desta análise se refere ao conjunto de informações a respeito dos estudantes — ingressantes e concluintes —, provenientes de 239 instituições de ensino superior de Psicologia de todo o país, correspondendo a 23. 613 provas, obtido a partir da análise das respostas em geral, respostas quanto ao Questionário Socioeconômico e aquelas referentes aos componentes específicos, no que tange às questões de múltipla escolha. Consideramos que a análise dos dados deste artigo, focada no desempenho dos estudantes, bem como nas informações sobre as dimensões socioeconômicas, de escolarização e sócio demográficas, obtidas pelo ENADE-2006 na área de Psicologia, se complementam, necessariamente, com as informações apresentadas no artigo intitulado "A formação básica e profissional do psicólogo: uma análise do desempenho das Instituição de Ensino Superior (IES) no ENADE- 2006" (Bastos, Gondim & Souza, 2011). Isso se deve ao fato de consideramos que as interpretações produzidas no interior deste artigo só fazem sentido quando articuladas às condições institucionais oferecidas aos estudantes no período em que cursaram a formação em nível superior na área de Psicologia. Portanto, a divisão em dois artigos é apenas didática.

Assim sendo, neste artigo, apresentaremos os dados mencionados seguindo o roteiro abaixo apresentado:

1. Introdução: as diretrizes, a formação esperada em Psicologia no Brasil.

2. A estrutura da prova.

3. Características das IES participantes do ENADE-2006-Psicologia.

4. Características dos estudantes participantes do ENADE-2006- Psicologia.

5. Indicadores de desempenho: nota geral, componente geral e componente específico.

6. Indicadores de desempenho por eixos estruturantes.

7. Indicadores de desempenho em relação às características dos estudantes: aspectos demográficos, socioeconômicos e história escolar.

8. Conclusões: panorama geral dos dados e implicações para a formação.

1. Introdução: as Diretrizes Curriculares em Psicologia e a formação de psicólogos esperada no Brasil

Desde 1997, o Conselho Nacional de Educação1, juntamente com a Câmara de Educação Superior, vêm editando uma série de Pareceres com vistas à Orientação para as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação. As Diretrizes Curriculares Nacionais se inserem no conjunto de ações realizadas pelo Ministério da Educação brasileiro visando estabelecer normas reguladoras da estrutura e do funcionamento dos cursos superiores no Brasil, a partir de critérios para a avaliação. No que tange à Psicologia, as Diretrizes Curriculares foram aprovadas em fevereiro de 2004, pelo Parecer do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Superior, sob o Nº 0062/2004, e foram homologadas pelo Ministro da Educação em 12 de abril de 2004, passando a ser nacionalmente instituídas pela Resolução Nº 08, de maio de 2004 - Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP, 2008). Isso significa que todos os cursos de Graduação em Psicologia deverão se reportar às Diretrizes Nacionais para a realização de seus Projetos de Curso, atentando para os aspectos mencionados no que se refere ao perfil profissional do psicólogo, descrito a partir do conjunto de competências e habilidades que definem o núcleo comum da formação em Psicologia. As Diretrizes conferem identidade e base homogênea para a formação no país e uma capacitação básica para lidar com os conteúdos da Psicologia enquanto campo de conhecimento e atuação profissional2.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a área de Psicologia, o que se espera de uma formação profissional em Psicologia pelas Instituições de Ensino Superior do Brasil é que esteja voltada para a atuação profissional, pesquisa e ensino de Psicologia, assegurando determinados princípios e compromissos, a saber:

1. Construção e desenvolvimento do conhecimento científico em Psicologia.

2. Compreensão dos múltiplos referenciais que buscam apreender a amplitude do fenômeno psicológico em suas interfaces com os fenômenos biológicos e sociais.

3. Reconhecimento da diversidade de perspectivas necessárias para compreensão do ser humano e incentivo à interlocução com campos de conhecimento que permitam a apreensão da complexidade e multideterminação do fenômeno psicológico.

4. Compreensão crítica dos fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da profissão.

5. Atuação em diferentes contextos considerando as necessidades sociais, os direitos humanos, tendo em vista a promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades.

6. Respeito à ética nas relações com clientes e usuários, com colegas, com o público e na produção e divulgação de pesquisas, trabalhos e informações na área da Psicologia.

7. Aprimoramento e capacitação contínuos (Brasil, 2004).

Esses princípios e compromissos detalham as questões apontadas por Ancona-Lopez em Parecer emitido em 2004, enfatizando que as Diretrizes Curriculares em Psicologia deverão contemplar:

uma formação ampla do psicólogo, respeitando a multiplicidade de suas concepções teóricas e metodológicas, originadas em diferentes paradigmas e modos distintos de compreender a ciência, assim como a diversidade de suas práticas e contextos vários de atuação (ABEP, 2004).

Mas como garantir que haja, em nível nacional, uma formação básica, comum aos cursos de Psicologia, em diferentes regiões e necessidades locais? Como garantir uma formação que responda aos compromissos e princípios estabelecidos pelas Diretrizes? Essa questão é resolvida no interior do Documento por meio da criação de um núcleo comum, definido por:

um conjunto de competências básicas que se reportam a desempenhos e atuações iniciais requeridas do formando em Psicologia e visam garantir ao profissional o domínio de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los em diferentes contextos que demandam a investigação, análise, avaliação, prevenção e intervenção em processos psicológicos (Brasil, 2004; ABEP, 2004).

Portanto, segundo as Diretrizes, a formação em Psicologia exige que a proposta do curso articule os conhecimentos, habilidades e competências em torno dos seguintes eixos estruturantes:

1. Fundamentos epistemológicos e históricos que permitam ao formando o conhecimento das bases epistemológicas presentes na construção do saber psicológico, desenvolvendo a capacidade para avaliar criticamente as linhas de pensamento em Psicologia.

2. Fundamentos teórico-metodológicos que garantam a apropriação crítica do conhecimento disponível, assegurando uma visão abrangente dos diferentes métodos e estratégias de produção do conhecimento científico em Psicologia.

3. Procedimentos para a investigação científica e a prática profissional, de forma a garantir tanto o domínio de instrumentos e estratégias de avaliação e de intervenção, quanto a competência para selecioná-los, avaliá-los e adequá-los a problemas e contextos específicos de investigação e ação profissional.

4. Fenômenos e processos psicológicos, que constituem classicamente objeto de investigação e atuação no domínio da Psicologia, de forma a propiciar amplo conhecimento de suas características, questões conceituais e modelos explicativos construídos no campo, assim como seu desenvolvimento recente.

5. Interfaces com campos afins do conhecimento para demarcar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico e percebê-lo em sua interação com fenômenos biológicos, humanos e sociais, assegurando uma compreensão integral e contextualizada dos fenômenos e processos psicológicos.

6. Práticas profissionais voltadas para assegurar um núcleo básico de competências que permitam a atuação profissional e inserção do graduado em diferentes contextos institucionais e sociais, de forma articulada com profissionais de áreas afins. (Brasil, 2004).

Além disso, a proposta das Diretrizes insere no campo da formação em Psicologia o conceito de ênfases, procurando garantir, em consonância com um núcleo comum, algumas das especificidades presentes no campo da Psicologia e possibilitando um conjunto de competências profissionais e de habilidades acadêmicas, descritas da seguinte forma nos documentos oficiais:

1) quanto às competências profissionais, ser capaz de:

1. analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos;

2. analisar o contexto em que atua profissionalmente em suas dimensões institucional e organizacional, explicitando a dinâmica das interações entre os seus agentes sociais;

3. identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar, elaborar projetos, planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características da população-alvo;

4. identificar, definir e formular questões de investigação científica no campo da Psicologia, vinculando-as a decisões metodológicas quanto à escolha, coleta, e análise de dados em projetos de pesquisa;

5. escolher e utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados em Psicologia, tendo em vista a sua pertinência;

6. avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em diferentes contextos;

7. realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de grupos e de organizações;

8. coordenar e manejar processos grupais, considerando as diferenças individuais e socioculturais dos seus membros;

9. atuar inter e multiprofissionalmente, sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos assim o recomendar;

10. atuar profissionalmente, em diferentes níveis de ação, de caráter preventivo ou terapêutico, considerando as características das situações e dos problemas específicos com os quais se depara;

11. realizar orientação, aconselhamento psicológico e psicoterapia;

12. elaborar relatos científicos, pareceres técnicos, laudos e outras comunicações profissionais, inclusive materiais de divulgação (Brasil, 2004).

2) quanto às habilidades acadêmicas, o futuro psicólogo deverá:

1. levantar informação bibliográfica em indexadores, periódicos, livros, manuais técnicos e outras fontes especializadas através de meios convencionais e eletrônicos;

2. ler e interpretar comunicações científicas e relatórios na área da Psicologia;

3. dominar e utilizar os fundamentos lógicos dos diferentes métodos de investigação científica;

4. planejar e realizar várias formas de entrevistas com diferentes finalidades e em diferentes contextos;

5. analisar, descrever e interpretar relações entre contextos e processos psicológicos e comportamentais;

6. descrever, analisar e interpretar manifestações verbais e não verbais como fontes primárias de acesso a estados subjetivos;

7. utilizar os recursos da matemática, da estatística e da informática para a análise e apresentação de dados e para a preparação das atividades profissionais em Psicologia. (Brasil, 2004).

O desafio, portanto, de uma modalidade de avaliação, tal como idealizada pelo ENADE, é o de aferir o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. Para isso, é fundamental que o instrumento de avaliação tenha uma estrutura que permita responder a dois grandes eixos da formação de psicólogos: um eixo denominado FORMAÇÃO GERAL e um segundo eixo denominado de FORMAÇÃO ESPECÍFICA.

2. A estrutura da prova

A prova do ENADE foi aplicada em estudantes ingressantes e estudantes concluintes para efeitos de comparação, buscando compreender em que medida as instituições de ensino contribuíram para aquisição de conhecimentos nos dois eixos já apontados: quanto à FORMAÇÃO GERAL (FG) e quanto à FORMAÇÃO ESPECÍFICA (FE). Por FORMAÇÃO GERAL entendem-se as habilidades dos estudantes de sintetizar, criticar, deduzir, construir hipóteses, estabelecer relações e fazer comparações, dentre outras. Por FORMAÇÃO ESPECÍFICA são avaliados conteúdos relacionados às habilidades e competências necessárias aos psicólogos que são descritas nos eixos estruturantes das Diretrizes Curriculares Nacionais (anteriormente descritos). Contudo, para a prova do ENADE foram estabelecidos os seguintes Eixos a serem avaliados no conteúdo ESPECÍFICO:

1. Eixo I – fundamentos epistemológicos, teórico-metodológicos e históricos das principais vertentes da Psicologia.

2. Eixo II – fundamentos, métodos e técnicas de coleta e análise de informações para investigações científicas e avaliação de fenômenos psicológicos.

3. Eixo III – compreensão de fenômenos, processos, construtos psicológicos, como os processos básicos: cognição, emoção, motivação e aprendizagem, processos de desenvolvimento, interações sociais, saúde psicológica, psicopatologia, personalidade e inteligência.

4. Eixo IV – conhecimento das interfaces da Psicologia com outros campos do saber (neurociências, sociologia, antropologia, filosofia etc.).

5. Eixo V – compreensão das práticas profissionais e domínios de atuação do psicólogo, intervenções nos processos educativos, de gestão, promoção de saúde, clínicos e de avaliação.

Cada um dos Eixos apresenta conteúdos que são necessários para a formação e devem ser abordados na avaliação, de modo que a prova possa ter um equilíbrio, buscando mapear os conhecimentos GERAIS e ESPECÍFICOS. Exemplificando: a Tabela 1 mostra os conteúdos do Eixo I e recomendações gerais para elaboração das questões para a prova.

 

 

A prova foi organizada em 10 questões referentes à FORMAÇÃO GERAL, sendo oito de múltipla escolha e duas discursivas. Além disso, foram elaboradas 40 questões referentes à FORMAÇÃO ESPECÍFICA, sendo 36 de múltipla escolha e quatro questões discursivas.

Para organizar nossa análise desse instrumento avaliativo, primeiro serão analisados os INDICADORES GERAIS, em seguida os RESULTADOS em termos dos EIXOS ESTRUTURANTES e, finalmente, nossa atenção estará na análise dos aspectos demográficos, socioeconômicos e história escolar dos participantes da amostra.

3. Características dos estudantes participantes do ENADE-2006-Psicologia

Participaram do ENADE-Psicologia-2006 um total de 23.613 estudantes, sendo 15,9% do sexo masculino, 84,1% do sexo feminino, o que indica ainda a permanência maciça da presença feminina na profissão de psicólogos. Ferretti (citado por Castro e Yamamoto, 1998) propõe a existência de profissões que podem ser chamadas de masculinas, outras de femininas e algumas são consideradas neutras, Castro e Yamamoto dizem que:

no estudo de Ferretti (1976), a Psicologia é a quarta carreira considerada a presença feminina (87,1%); no de Lewin (1980), não somente faz parte do contingente das profissões femininas, como da subdivisão "extremamente feminizadas" (FF), ou seja, com predomínio de 80% de mulheres (no caso da Psicologia, com 86%, em 1977) (p. 1).

Em 1975, pouco tempo após a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, Mello realizou um estudo pioneiro no Estado de São Paulo sobre a profissão de psicólogos, identificando a predominância de mulheres como profissionais. Dos 170 psicólogos, 82,9% eram do sexo feminino. Na última pesquisa nacional sobre o perfil do psicólogo no Brasil, coordenada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 1988), o total de psicólogas atingia 86,6% dos profissionais. Em 2004, o Conselho Federal de Psicologia em parceria com o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE) realizou 2000 entrevistas telefônicas com os psicólogos traçando um perfil destes profissionais no país, reafirmando a presença feminina em 91% dos entrevistados, sendo 9% do sexo masculino. Em estudo recente, realizado por Bastos, Guedes e cols. (2010), essa tendência se mantém, estando a média nacional em torno de 83,3% de mulheres psicólogas.

Uma possível explicação para este fenômeno pode ser o fato de que a ciência psicológica brasileira nasceu a partir do ensino de Psicologia, nos antigos cursos das Escolas Normais, que formavam as professoras do ensino primário, em sua maioria também mulheres. A partir de 1930, aumentou consideravelmente a entrada da mulher no mercado de trabalho, que foi inicialmente ocupando principalmente as profissões ligadas às áreas de educação e saúde. O ENADE-Psicologia parece ratificar o fato de que essa tendência se manterá, nos anos subsequentes, pois 84,1% dos que fizeram a prova eram do sexo feminino.

Dos 23.613 estudantes, 54,8% eram ingressantes e 45,2% eram concluintes, sendo que o número menor de concluintes pode ter como explicação os estudantes que se negaram a realizar o exame por uma série de críticas ao mesmo, o que pode ser verificado também pelo número de provas zeradas (1.118 estudantes entregaram provas em branco e foram zeradas). Acresce-se a isso o fato da grande expansão e interiorização dos cursos de Psicologia em vários estados brasileiros, ampliando a proporção de estudantes ingressantes (Bastos, Guedes e cols., 2010).

Verificou-se que a crítica ao sistema avaliativo do ENADE teve maior repercussão nas Instituições de Ensino Superior Estaduais, pois 40,1% das provas zeradas pertenciam a estudantes desta modalidade de instituição, sendo que nas federais verificou-se o valor de 19,6% de provas zeradas, e apenas 1,5% das avaliações com nota zero pertenciam a instituições particulares. Algumas instituições públicas tiveram como deliberação determinada pelos estudantes que todos comparecessem ao exame e entregassem a prova em branco3.

O ENADE, no interior do programa SINAES, teve vários diferenciais em relação ao sistema de avaliação anteriormente proposto, dentre eles, por avaliar os ingressantes, os concluintes, as instituições e os cursos. O ENADE possibilita traçar um perfil estudantil, dos futuros profissionais e, pelos dados socioeconômicos e história escolar, permite ainda ser uma medida interessante para verificar o conjunto da escolaridade e sua contribuição na formação profissional. Agora passaremos aos resultados do exame em termos de desempenho.

4. Indicadores de desempenho: nota geral, componente geral e componente específico

Neste item são analisados os resultados da avaliação dos Componentes Geral e Específico da formação do psicólogo comparando estudantes ingressantes e concluintes. Essa análise é feita em um intervalo de 0 a 10 pontos. Para tanto, usaramse os escores médios e não as faixas de desempenho; os resultados podem ser vistos na Figura 1.

A Figura 1 mostra que os estudantes concluintes dos cursos de psicologia apresentam escore médio mais elevado que os ingressantes, tanto no componente de formação geral (FG) quanto no específico (FE), o que pode sinalizar que a passagem pelo curso melhora o desempenho do estudante. Essa sinalização é mais clara para a formação específica, visto que o aumento foi de aproximadamente um ponto de diferença (algo esperado), que para a formação geral, cujo aumento foi de apenas 0,39. Nenhuma conclusão definitiva, no entanto, pode ser daí extraída em virtude, principalmente, de as provas serem de natureza distinta. Enquanto a prova de formação geral é composta por 30 itens, a específica possui apenas 10.

Em resumo, a comparação de estudantes ingressantes e concluintes revela que as IES contribuem mais fortemente para a formação específica do psicólogo. Isso significa que habilidades gerais imprescindíveis ao exercício profissional, tais como analisar, sintetizar, criticar, deduzir, construir hipóteses, estabelecer relações, fazer comparações, detectar contradições, decidir, organizar, trabalhar em equipe e administrar conflitos não são potencializadas ao longo da formação. Grande parte dessas habilidades os estudantes já possuem antes mesmo de iniciarem o curso superior e os dados sugerem que muito pouco é acrescentado a esse valor durante a graduação. Em outras palavras, as habilidades gerais que o estudante traz do ensino médio são pouco desenvolvidas no nível de ensino superior. No significativo para a formação específica do psicólogo, ao direcionar a aprendizagem para os cinco eixos estruturantes da formação. Não se pode negar, todavia, que apesar do aumento no escore médio de concluintes em comparação aos ingressantes, a média obtida por ambos os grupos de estudantes ainda é baixa, não atingindo o valor 5,0, metade do valor máximo.

 

 

Resultados Gerais

O ENADE permitiu ainda verificar os escores das notas em todos os estados da federação destacando-se as maiores notas de ingressantes (escore total) nos estados da Paraíba (4,65), Piauí (4,39) e Ceará (4,30), sendo os escores piores dos estados de Tocantins (3,34), Amapá (3,29) e Alagoas (3,20). Com relação ao componente ESPECÍFICO destacam-se, nos concluintes, os estados do Piauí com melhor nota (5,95), seguido de Rondônia (5,84) e Rio Grande do Norte (5,66). Os menores escores foram: Acre (3,93), Sergipe (4,32) e Amazonas (4,44). É interessante notar que os estados de SP, RJ e MG aparecem na média de notas nas duas análises anteriores.

Especificamente quanto às regiões, realizamos uma análise das médias de pontuação dos estudantes nos dois componentes: geral e específico. Verificou-se que, em termos de ingressantes, as melhores pontuações são no Nordeste (4,11), seguidas do Centro-Oeste (3,97), Sudeste (3,97), Sul (3,96) e Norte (3,64), como pode ser visto na Figura 2.

A mesma configuração se mostra na análise das notas do componente ESPECÍFICO: Nordeste (5,0), Centro-Oeste (4,89), Sudeste (4,84), Norte (4,60) e Sul (3,96). Nota-se que, apesar de ter o maior número de instituições e ter em seu território as maiores universidades do país, a região Sudeste aparece sempre em terceiro lugar quando comparada às demais regiões brasileiras. Conjeturase, portanto, que a não participação de estudantes das universidades públicas poderia ser um fator a ser considerado no rebaixamento dessa média.

 

 

Foram muitas as diferenças em cada região quando se observam as notas do componente GERAL versus o componente ESPECÍFICO. Em algumas regiões, o componente geral obteve maior avaliação (por exemplo, no Nordeste) e em outra o componente específico teve maior pontuação (na região Sul). Quanto a essas diferenças, mais especificamente na região Norte, a média das notas do componente GERAL (4,65) se assemelha às do componente ESPECÍFICO (4,58). No Nordeste, o componente GERAL teve maior cômputo (5,12) que o ESPECÍFICO (4,94). No Sudeste e no Sul, as diferenças entre um e outro são menores: 4,83 (componente GERAL Sudeste) e 4,84 do componente ESPECÍFICO. No Sul, o componente GERAL obteve nota média de 4,93 e 4,97 para o componente ESPECÍFICO. A maior distância entre os dois itens foi no Centro-Oeste, cujo componente GERAL (5,15) se sobressai em relação ao ESPECÍFICO (4,82). Essas constatações mostram como as instituições das diferentes regiões têm maior ênfase em um ou outro aspecto da formação.

Outra avaliação que julgamos importante assinalar é a comparação entre os estudantes da capital com os do interior. Verificou-se que as notas dos estudantes (dos dois locais) não apresentam muitas diferenças. No caso dos ingressantes, notas do componente GERAL, tanto os estudantes do interior como os da capital, tiveram pontuação idêntica: 4,53. No componente ESPECÍFICO, os estudantes do interior apresentam vantagem pequena (3,86) em relação aos da capital (3,82), uma diferença quase insignificante. No caso dos concluintes, verifica-se que os estudantes da capital apresentam escores inferiores (4,87) aos dos estudantes do interior (4,91) no que se refere aos conhecimentos GERAIS. Nos conhecimentos ESPECÍFICOS, a diferença é mínima, mas os do interior apresentam melhores notas (4,89) que os da capital (4,84). Esses dados refutam o preconceito com as IES de cidades do interior em relação às instituições dos grandes centros.

5. Indicadores de desempenho por eixos estruturantes

Os eixos estruturantes dizem respeito aos principais conhecimentos relacionados à formação ESPECÍFICA dos psicólogos e pelas notas obtidas no ENADE-Psicologia é possível traçar um perfil de quais dos eixos têm sido mais bem assimilados pelos estudantes nos cursos de graduação e aqueles que têm apresentado menor apropriação pelo alunado. A análise do desempenho dos estudantes por eixos é um importante instrumento para que os cursos de graduação verifiquem em que precisam melhorar, quais conteúdos precisam ser abordados e, principalmente, possibilita visualizar como está se formando o psicólogo que atuará profissionalmente.

Sabe-se que a formação do psicólogo tem privilegiado há muito tempo um conjunto de teorias e práticas que se identificam com o modelo médico, o que marcou uma configuração profissional principalmente voltada para o exercício clínico nos moldes tradicionais de consultório. Porém, dentro de várias áreas da Psicologia (Escolar, Organizacional, Social, Comunitária e Saúde) este modelo tem sido criticado por não apresentar mais soluções suficientes à atuação do psicólogo na contemporaneidade. Para trazer apenas um exemplo, que nos é familiar, na área de Psicologia Escolar, o modelo de atendimento às crianças ditas com "problemas de aprendizagem", baseado em avaliações psicológicas, testes e psicoterapia para as crianças e seus pais, muito comum nas décadas de 1970 e 80, passou a ser criticado e nas décadas de 90 e anos atuais têm sido construídas novas formas de atuação baseadas em modelos institucionais e centradas nos processos de escolarização (Machado & Souza, 1997; Patto, 1981; Silva, 2007; Souza & Morais, 2001; Souza, 2007;). Uma das críticas apontadas pelos autores é o uso do modelo médicoclínico no que se refere ao atendimento de problemáticas do campo educativo, por parte dos psicólogos, que pouco ou nada contribuem para compreender as raízes das problemáticas das questões escolares, embora ainda seja prática corrente entre os profissionais, que provavelmente tem como origem uma formação com este tipo de orientação. Verificando os resultados do ENADE em termos dos eixos estruturantes, temos a Figura 3.

 

 

Resultados por eixos

É esperado encontrar em todos os eixos uma baixa pontuação no que tange aos ingressantes, por se considerar que os mesmos venham a ter os conhecimentos ESPECÍFICOS da Psicologia durante o curso de graduação, neste sentido analisemos exclusivamente os resultados nos concluintes. A maior pontuação encontra-se no Eixo III – Processos psicológicos, que diz respeito aos fenômenos, processos e construtos da psicologia: cognição, emoção, motivação, aprendizagem, dentre outros. Esse é um conjunto de conhecimentos que na graduação tem um amplo leque de inserção em várias disciplinas e é interessante que seja o item com maior pontuação, pois realmente são conhecimentos estritamente necessários ao bom desempenho profissional do psicólogo, digamos que em termos de importância, os eixos II, III e o V são exclusivos da prática do psicólogo e trazem conhecimentos que distinguem este profissional dos outros da área das ciências humanas.

O Eixo V (Práticas Profissionais) aparece em segundo lugar na pontuação, o que denota por um lado, o quanto os estudantes parecem melhor preparados para atuação prática, pois este eixo diz respeito aos conhecimentos que subsidiam a prática. Por outro lado, o fato de o Eixo II (Investigação e medidas) ter tido a menor pontuação é ao mesmo tempo preocupante e um sinal de mudança na psicologia. É uma preocupação na medida em que esse eixo, como dito anteriormente, distingue essencialmente o trabalho do psicólogo de outros profissionais, e é por assim dizer, um eixo que aborda a capacidade do estudante de realizar investigação (envolvimento em pesquisas, elaboração de instrumentos de investigação, dentre outros) e, portanto, deveria ter tido melhor destaque no computo geral. Em contrapartida, a menor pontuação nesse item revela o quanto tem mudado o perfil dos formandos, tendo em vista que o modelo tradicional era basicamente baseado em testes e classificação dos indivíduos em capazes ou não capazes para determinada atividade.

O fato de os estudantes apresentarem maior conhecimento em processos básicos, e pouco em investigação e medidas, mostra que a formação tem priorizado o conhecimento dos principais construtos psicológicos e que as medidas e o processo investigativo têm perdido espaço. Isso ilustra ao mesmo tempo um avanço e um retrocesso. Avanço, pois o psicólogo está mais bem formado em termos gerais, saindo como apregoam as novas diretrizes um "profissional generalista"; retrocesso, pois é importante que os estudantes conheçam os instrumentos avaliativos e que realizem atividades no campo das pesquisas que permitam propor novas formas de investigar e avaliar. Do ponto de vista do processo investigativo, o menor escore neste aspecto talvez se explique pelo fato da pouca presença da pesquisa em IES em que não há uma obrigatoriedade de serem realizadas, como nos Centros Universitários, por exemplo. A pouca presença de pesquisa no campo da formação de psicólogos expressa a tendência de cursos que não possuem uma estrutura para sua realização, tampouco uma contratação docente que contemple horas dedicadas à investigação e à pesquisa.

Outro aspecto constatado nos resultados do ENADE-Psicologia, expostos nessa figura, é o baixo rendimento em Fundamentos Históricos e Epistemológicos, mostrando o quão está desprivilegiada esta área de conhecimento nas graduações. De maneira geral, esses conhecimentos são ministrados em disciplinas iniciais do curso e desvinculados das teorias psicológicas, que passam a ser estudadas em períodos subsequentes. De maneira geral, os estudantes aprendem superficialmente sobre a História da Psicologia e seus fundamentos, ficando, na maioria dos cursos, com bibliografias que ilustram a História da ciência psicológica norte-americana, abordando pouco a História da ciência brasileira e a constituição dos fundamentos que instituíram a Psicologia em nosso país.

O item referente à interface da Psicologia com outros campos do saber, conforme aponta a Figura 4, teve como resultados, entre os concluintes, escores de 4,27 de interface com as ciências biológicas e 4,30 de interface com as ciências humanas, diferentemente dos dados dos ingressantes. No caso dos ingressantes, a interface de maior pontuação é a das ciências humanas 5,01 e 4,27 das ciências biológicas. Considera-se que os concluintes reiteram a discussão presente na Psicologia quanto à pertinência dos conhecimentos psicológicos enquanto relacionados às áreas biológicas ou humanas. Em algumas IES, os cursos de Psicologia pertencem a departamentos ligados às ciências biológicas, enquanto outros, às ciências humanas, o que pode explicar tais diferenças.

 

 

Interfaces com outros campos do saber

Com relação aos tipos de práticas profissionais identificadas por meio do exame, os escores foram: para Práticas profissionais coletivas, 3,63 (ingressantes) e 4,98 (concluintes). Para Práticas profissionais individuais, os escores foram de 3,47 (ingressantes) e 4,71 (concluintes). Avaliando os resultados dos concluintes, nota-se que o perfil preconizado pelas Novas Diretrizes Curriculares de um profissional que atue em equipes multiprofissionais e possa trabalhar em práticas coletivas está contemplado. Entretanto, uma avaliação mais acurada dos cursos de graduação nos permite dizer que ainda são poucas as disciplinas que oferecem formação para esse tipo de atuação, pois os conteúdos desse campo de saber (práticas coletivas) ocupam uma parcela pequena de carga horária teórica e prática nos cursos.

Verificando as notas em termos do desempenho por turnos, verifica-se que o noturno apresenta escores menores em todos os itens, porém acompanha o curso diurno quanto às melhores pontuações no eixo III (referente aos Processos Psicológicos) e eixo V (Práticas Profissionais). Esses dados indicam a necessidade de uma reflexão a respeito das estratégias a serem oferecidas aos alunos de cursos noturnos, visando ampliar o acesso à formação integral.

6. Indicadores de desempenho em relação às características dos estudantes: aspectos demográficos, socioeconômicos e história escolar

6.1 Aspectos demográficos – escore total e notas do componente ESPECÍFICO

 

 

De um modo geral, os participantes do sexo masculino tiveram melhor pontuação quando ingressantes, e as mulheres se sobressaem em nota quando concluintes. No caso dos ingressantes, os participantes do sexo masculino têm pontuação maior no escore total (4,11), contra 3,95 das mulheres e no componente específico os homens tiveram pontuação 3,96 enquanto que os do sexo feminino tiveram nota de 3,81. Já nos concluintes, essa relação se inverte, pois os do gênero feminino tiraram notas 5,05 (escore total) e 5,04 (componente específico) enquanto que os do sexo masculino tiveram 4,84 (escore total) e 4,84 (componente específico).

A idade dos participantes (amostra total – ingressantes + concluintes), relacionada às notas do componente específico, aponta que os participantes que tinham entre 20 e 25 anos tiveram melhor desempenho (4,57), enquanto que o menor cômputo ficou com aqueles menores de 20 anos (3,90 – componente específico). A relação estado civil x notas apresenta poucas variações em termos gerais: tanto solteiros (4,41 – escore total), quanto casados (4,34) e outros (4,34 – escore total) tiveram desempenhos semelhantes sendo as notas aproximando-se da pontuação 4,5.

A variável "com quem mora" mostra um decréscimo apenas naqueles que moram com colegas em alojamentos universitários, que apresentaram menor desempenho (4,19 - escore total), enquanto que os que moram com amigos apresentam melhores notas (4,63 - escore total). Avaliando o componente ESPECÍFICO, a melhor pontuação também é para aqueles que dividem moradia com amigos (4,54) e o menor cômputo para os moradores de alojamentos universitários. Esse é um dado importante para verificação de como a oferta de alojamentos tem permitido condições adequadas de estudo ou não para os futuros profissionais. Muitos dos que requisitam moradias desse tipo, têm dificuldades financeiras outras para se manterem nas IES, para compra de material acadêmico ou mesmo condições melhores de estadia para conclusão de seus estudos.

6.2 Aspectos socioeconômicos - escore total e notas do componente ESPECÍFICO

Como se observa na Figura 6, quanto aos dados socioeconômicos, aqueles estudantes que são os principais responsáveis pela renda familiar apresentaram escores 4,47 (escore total) e 4,37 (componente ESPECÍFICO), superando aqueles que não trabalham, que apresentaram os seguintes resultados: 4,44 (total) e 4,36 (ESPECÍFICO). As diferenças são pequenas em relação aos dois grupos. A diferença aumenta ao avaliarmos os resultados dos estudantes concluintes: os estudantes que não trabalham apresentam escores melhores (4,94-total e 4,94 no componente ESPECÍFICO) que aqueles que são os principais responsáveis pela renda familiar (4,86- total e 4,81-ESPECÍFICO). De um modo geral, os alunos que precisam se dedicar à graduação e a um trabalho para sustento familiar têm que se dividir em tarefas múltiplas, o que pode justificar seu menor desempenho como concluintes, considerando que neste período são exigidas as participações em estágios e supervisões que, muitas vezes, os alunos que trabalham não podem realizar de modo integral. Contudo, observando a amostra total (ingressantes + concluintes), verifica-se que os que trabalham tiraram melhores notas no ENADE-2006- Psicologia, do que aqueles que não trabalham, o que nos leva a refletir sobre a possibilidade de o fato de trabalhar, por parte dos alunos, ser também uma forma de aprendizado. O trabalho em paralelo aos estudos pode significar um ganho tanto dos conhecimentos GERAIS, quanto ESPECÍFICOS por habilitá-los a tomar decisões, compreender as estruturas institucionais e organizacionais, vivenciar resolução de conflitos e interação em relações interpessoais e também possibilitar atuação em equipes multiprofissionais, ampliando seu conhecimento dos aspectos concernentes a trabalhos coletivos.

 

 

Um aspecto observado nos resultados do ENADE é a confirmação do que afirmam vários estudos no Brasil e no exterior: de que quanto maior a escolaridade dos pais, melhor o desempenho escolar dos filhos e por consequência a escolaridade dos filhos. Um estudo de Barros e cols. (2001), realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aponta que os indicadores educacionais no Brasil estão muito abaixo dos padrões internacionais e um dos motivos é o fato de que há um subinvestimento em capital humano nas famílias pobres. Os autores descrevem que pessoas menos escolarizadas têm maior probabilidade de pobreza no futuro, o que denota uma transmissão intergeracional de pobreza, que poderia ser revertida com a escolaridade. Para analisar esses fenômenos, investigaram quais são os determinantes de fraco desempenho educacional no Brasil, analisando indivíduos entre 11 e 25 anos de idade nas regiões Nordeste e Sudeste do país. Eles abordaram a disponibilidade e qualidade dos serviços educacionais, atratividade do mercado de trabalho local, recursos familiares (financeiros e não financeiros) e recursos da comunidade. Os resultados apontaram que as características familiares são as de maior importância, sendo principalmente a questão da escolaridade dos pais como é descrito:

Em todas as regressões realizadas incluímos três indicadores dos recursos familiares: a) a renda familiar per capita; b) a escolaridade do pai; e c) a escolaridade da mãe. Em todos os casos obtivemos que a escolaridade dos pais é o fator de maior importância na determinação do desempenho educacional. Como demonstram as Tabelas 5 a 7, na PNAD4, um ano a mais de escolaridade dos pais eleva a escolaridade dos filhos em algo entre 0,25 e 0,27 ano de estudo. Já na PPV5, este impacto fica entre 0,30 e 0,33 ano de estudo. Em ambos os casos, o impacto da educação da mãe foi sempre maior (pemenos 30%) que o da educação do pai [...] O impacto da renda domiciliar per capita é também positivo e estatisticamente significante. A magnitude deste impacto é, entretanto, relativamente menor que a do impacto da escolaridade dos pais (Barros e cols., 2001, p. 19).

Como pode ser visto, a questão da escolaridade dos pais é fundamental para a escolaridade dos filhos e também para a diminuição de condições econômico-financeiras desfavoráveis. No ENADE, os dados corroboram essa posição, pois os estudantes com melhor desempenho são aqueles cujos pais têm escolaridade de nível superior 4,67 (escore total) e 4,60 (componente ESPECÍFICO), enquanto que os estudantes que os pais não têm escolaridade apresentaram notas entre 3,91 (total) e 3,85 (ESPECÍFICO). Isso se repete quando se analisa a escolaridade das mães, escolaridade superior nota 4,65 (escore total), 4.57 (componente ESPECÍFICO) e nenhuma escolaridade com menores notas: 3,94 (total) e 3,87 (ESPECÍFICO). As diferenças de influência da escolaridade do pai ou da mãe são pequenas, parecendo demonstrar que o que é significativo é na verdade o nível de escolaridade do casal.

Os dados apresentam resultados semelhantes quando analisamos apenas ingressantes ou apenas concluintes. Nos dois casos, a escolaridade superior garante notas no ENADE superiores a 4 pontos, sendo do pai ou da mãe. Nesse sentido, reafirma-se a importância do ensino superior para todos, que pode ser um indicativo de futuro das novas gerações.

Se, por um lado, o nível de escolaridade dos pais é um dado que apresenta diferenças significativas nas pontuações do ENADE, por outro, a renda familiar não apresenta grandes variações. Como pode ser visto na Tabela 2, as pontuações beiram a nota de 4,0 ou a ultrapassam sem grandes diferenças relacionadas à renda familiar.

 

 

 

6.3 História escolar – escore total e notas do componente ESPECÍFICO

Os dados referentes ao histórico e vida escolar dos estudantes que realizaram o ENADE nos permitem tirar algumas conclusões sobre o perfil do alunado de ensino superior. Inicialmente, nossa exposição se concentrará nas notas que compõem o escore geral no exame (sem discriminação entre ingressantes e concluintes). As melhores pontuações foram para aqueles estudantes cuja história escolar foi todo em escola particular (4,65 – escore total), fizeram ensino médio comum (4,47), têm conhecimentos de língua inglesa (ler, escrever e falar bem) com pontuação de 4,92, que se dedicam mais de oito horas semanais para estudar (escore total 4,82) e têm envolvimento em pesquisa junto a projetos de professores (4,69).

Analisando mais pormenorizadamente os concluintes (formandos ou futuros psicólogos), o perfil é semelhante. Os estudantes com maior pontuação fizeram seus estudos em escolas particulares (5,06), porém os que estudaram em escolas públicas têm índice de 4,73. A pontuação de melhor índice ocorre nos estudantes que fizeram curso de ensino médio comum (4,99), seguidos dos que fizeram profissional/técnico (4,75), profissional/magistrado (4,63), supletivo (4,42) e outro curso (4,35). Os estudantes com conhecimento de língua estrangeira se destacam com pontuações 5,38 (lê, escreve, fala bem) e 5,08 (lê, escreve, fala razoável).

Os que afirmaram não ter hábitos de estudos sistemáticos (nenhuma hora semanal de dedicação, só estudam nas aulas) tiveram escores de 4,45 total e 4,45 no componente ESPECÍFICO. Os que estudam mais de oito horas se saem melhor (5,17- total) e 5,18 (componente ESPECÍFICO).

A investigação científica aparece como fator determinante nos bons desempenhos com destaque para o item - envolvimento em pesquisas em projetos de professores (5,14 - total) e 5,15 (componente específico), seguido do envolvimento em pesquisas supervisionadas por professores (4,94 - total) e 4,94 (ESPECÍFICO) e pesquisa independente 4,83 (total) e 4,80 (ESPECÍFICO). Esses dados nos permitem salientar a importância de as IES instituírem em seus currículos o envolvimento com a pesquisa e o ensino de línguas estrangeiras, além do incentivo à Iniciação científica, envolvimento em atividades de extensão e/ou práticas reflexivas que levem os Estudantes a desenvolverem habilidades de investigação. Comparando com dois itens anteriormente aqui analisados, vê-se melhora nas notas dos estudantes quando as IES possuem cursos de pós-graduação em seu âmbito, levando a crer que isto incentiva mais atividades de estudo e pesquisa.

Entretanto, outro dado contrasta com esse, pois o Eixo II, referente ao componente ESPECÍFICO, que diz respeito à Investigação e Medidas em Psicologia, que engloba conhecimentos referentes ao processo de pesquisa, avaliação e criação de instrumentos investigativos foi o que teve escores menores dentre todos os outros. Se a pesquisa contribui de um modo geral para o desempenho total dos estudantes, assim como a dedicação em horas de estudo para além do tempo de sala de aula, é preciso que os cursos de graduação invistam mais em atividades como estas para o bom desenvolvimento dos futuros profissionais. No caso específico da Psicologia, isto é mais que necessário, pois como foi dito, o modelo tradicional de intervenção e atuação, pautado no paradigma médico, não atende mais às necessidades do psicólogo contemporâneo que deve atuar em contextos coletivos, públicos, com equipes multiprofissionais e utilizando vários instrumentais psicológicos. É necessário construir referências básicas para essa nova configuração profissional e as graduações devem priorizar o desenvolvimento de estudos e pesquisas para criação de novos construtos psicológicos que fundamentem as práticas desse novo profissional que está surgindo.

8. Conclusões: panorama geral dos dados e implicações para a formação

Uma das grandes preocupações de um sistema de avaliação que tem um amplo alcance como o proposto pelo SINAES, e mais especificamente, aquele se propõe a avaliar o desempenho do estudante, reside em procurar compreender o produto deste desempenho no interior de um contexto de formação em nível superior. Esse contexto é, de maneira geral, dado tanto pela Instituição de Ensino Superior em que o curso se insere, quanto pelo curso de Psicologia avaliado. Assim, o ENADE, enquanto ferramenta de avaliação, não poderia ser considerado sem a vinculação com essas duas instâncias formadoras.

Embora essa avaliação seja clara aos membros da Comissão Assessora, sabemos que muito mais profundamente poderíamos analisar os dados aqui presentes trazendo muito outros elementos do contexto de sua produção e realizando novos cruzamentos e aproximações com dimensões das informações que a nós chegaram. De qualquer maneira, os artigos que pudemos produzir, buscaram alguns dos indícios ou expressões de certo funcionamento do processo de formação em nível superior em Psicologia no Brasil. As articulações entre eles também, de certa forma, caberão aos leitores e formadores que, certamente, terão um material rico para explorar e analisar à luz da realidade de seu estado e instituição de ensino superior.

Outro desafio importante que esta Comissão teve é a de criar os critérios para a elaboração das questões da prova do ENADE, de maneira a contemplar os princípios propostos nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia. Como dar aos colegas que iriam confeccionar as questões os parâmetros fundamentais para sua realização? Que temas deveriam se fazer presentes nas questões propostas? O que não poderia deixar de comparecer e que seria fundamental ser abordado do ponto de vista da formação.

A constituição dos eixos norteadores, a implicação de cada um deles do ponto de vista de um conteúdo mínimo, mas imprescindível para a constituição de uma formação de qualidade para o psicólogo brasileiro foi fundamental, constituindo indícios importantes de análise. Assim, a partir dos dados apresentados neste artigo, podemos sintetizar alguns dos principais aspectos abordados:

1. A região sudeste apresenta o maior número de cursos, porém não é a região com melhor desempenho geral.

2. A região nordeste se destaca por melhores notas no escore total.

3. O processo de avaliação é articulado com as diretrizes curriculares – fortalece a possibilidade de mudança no processo de formação em psicologia no Brasil.

4. Os estudantes que estão no interior têm melhores resultados gerais que os que estudam nas capitais.

5. Os resultados mostram, no geral, as deficiências da formação, com destaque para os Fundamentos Históricos, Epistemológicos e Metodológicos e Investigação e Medidas.

6. O sistema de ensino é bastante diversificado, com clara supremacia das IES federais e estaduais, no tocante ao desempenho, em quase todos os indicadores.

7. As IES privadas apresentam melhor desempenho comparando os escores de seus estudantes ingressantes e concluintes.

8. Os estudantes com melhor desempenho são os que estudaram em escolas particulares, tem pais com alto nível de escolaridade, estudam mais de 8 horas semanais, se envolvem em pesquisas junto a professores na graduação e têm conhecimento da língua inglesa.

9. A articulação entre escolaridade do pai e mãe e desempenho na amostra é visível. Filhos de pais com escolaridade de nível superior têm melhor desempenho.

10. As regiões do Brasil se diferem consideravelmente em toda a avaliação, tendo características regionais, porém no item relacionado ao componente ESPECÍFICO mostra deficiências em todas as regiões nos eixos de Fundamentos Históricos e Epistemológicos e Investigação e Medidas.

11. O item com maior pontuação do componente específico, em todas as regiões, foi o Eixo III – Processos psicológicos, seguido do Eixo V – Práticas profissionais.

12. Os resultados apontam a necessidade de qualificar professores para todos os eixos da formação na graduação assim como para a necessidade de se pensarem novas estratégias de ensino que recuperem a noção de competências e habilidades.

13. Os docentes devem incentivar os estudantes a participarem de estudos e pesquisas e articular as atividades da graduação e pós-graduação.

14. O ensino noturno apresenta menores escores em todos os itens comparando com o ensino diurno.

15. O fato de os alunos trabalharem ou morarem com amigos não atrapalha seu desempenho no Exame. Porém aqueles que moram em alojamentos estudantis apresentaram escores menores no Exame.

Consideramos que os dados apontam para o fato de que, de maneira geral, os cursos de formação de psicólogos têm investido mais fortemente nos estudos dos Processos Psicológicos e nas Práticas Profissionais. O formato dos cursos de Psicologia tem propiciado, por meio dos estágios supervisionados, principalmente garantir, minimamente, a constituição de ações formativas no eixo da Prática Profissional. Um curso com 500 horas de estágio supervisionado precisa de profissionais que acompanhem este trabalho e insere o estudante na realidade social de seu país, seu estado e sua cidade. Colabora, ainda, para compreender o campo das instituições, das políticas sociais, dos sistemas de assistência, saúde, educação, trabalho, dentre outros.

No que tange aos processos psicológicos, também é clássico na Psicologia o estudo dos temas que a constituíram enquanto ciência, de maneira a expressar a consolidação de pesquisas, estudos e ações nesta área. Ocorre que baixos escores nos Processos Investigativos e Medidas, bem como nas Dimensões Históricas e Epistemológicas, demonstram que a formação ainda se encontra centrada em um fazer psicológico que prescinde da pesquisa, da investigação e que pouco investe no conhecimento de suas raízes teóricas, históricas e epistemológicas.

Os dados indicam que os concluintes têm maior conhecimento no "saber-fazer" e também conhecem os Processos Psicológicos, porém precisam melhorar no reconhecimento das finalidades deste fazer profissional, assim como ter uma melhor compreensão sobre como propor novas formas de fazer, o que seria possibilitado por um maior conhecimento em termos investigativos, epistêmicos e históricos. Portanto, os dados nos instigam a refletir sobre o fortalecimento dessas áreas do conhecimento, possibilitando de fato uma formação integral, arraigada nas raízes que produziram os diversos campos do conhecimento psicológico e nas possibilidades de avanços por meio da investigação consistente e coerente do objeto de estudo da psicologia.

E não seria essa uma das fragilidades do campo da Psicologia? Inserimos essa questão, pois, de maneira geral, a tendência a uma interpretação tecnicista da formação profissional tem se feito presente em várias áreas do saber humano, inspirada em modelos de ciência e de cientificismo que prescindem das perguntas: por que estudamos esse tema, para que, aonde queremos chegar com a nossa atuação profissional? Se a Psicologia também se insere em seu tempo, certamente tem se constituído no plano das ideias positivistas de ciência e de sociedade.

Quando nos deparamos, no interior desse processo de avaliação com o "boom" da expansão de cursos de formação de psicólogos no país, marcado pelo grande número de estudantes ingressantes no sistema superior de ensino, não tínhamos ainda a devida clareza sobre a situação desta expansão. Estudos que se deram posteriormente à elaboração e ao planejamento da prova de 2006 têm colaborado para compreender algumas das dificuldades que se avolumam se não houver, por exemplo, programas de incentivo à pesquisa, à investigação para além dos centros públicos e poucas instituições privadas, que têm instalado ações de pesquisa e de pós-graduação. Acresce-se a esse fato, a necessidade de um processo de escolarização que antecede o Nível Superior, peça fundamental na apropriação do conhecimento, que seja de qualidade e que possibilite os instrumentos básicos para a constituição do pensamento científico e artístico.

Se, por um lado, o texto das Diretrizes Curriculares caminha na direção de inserir questões que são de caráter reflexivo, crítico e implicadas com a realidade social, por outro lado, o modelo de interpretação epistemológica presente nos textos oficiais está bastante marcado por uma visão neoliberal de sociedade e de ciência. No interior dessas contradições, nos formamos profissionais e exercemos a nossa profissão de psicólogos. Como superar tais contradições?

São muitos os desafios que temos que enfrentar em nosso dia a dia profissional e institucional. Se tivermos clareza dessa realidade, precisamos encontrar os caminhos para enfrentá-la.

 

Referências

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1O Conselho Nacional de Educação é um órgão colegiado integrante da estrutura de administração direta do MEC e foi criado nos termos da Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. As normas de funcionamento do Conselho Nacional de Educação constam de seu Regimento Interno aprovado pelo Senhor Ministro da Educação, nos termos da Portaria MEC nº 1.306, de 2 de setembro de 1999, que teve por base o Parecer CNE/CP 99/99.2Embora no mês de março de 2011 tenhamos uma atualização do texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, este acréscimo estabelece normas para o projeto pedagógico complementar para a Formação de Professores de Psicologia. O texto recentemente aprovado não revoga o anterior e mantém o seu espírito, ampliando-o para o plano das Licenciaturas.
3Como aponta notícia da época: O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), substituto do antigo Provão, foi realizado neste domingo, 12 de novembro, por mais de 460 mil estudantes de nível superior em todo país. (...) os estudantes entregaram uma carta, feita pelo Fórum de Executivas e Federações de Cursos explicando por que e como boicotar o ENADE (VATZCO, 2006, p. 1). A notícia aponta que em 2006, o ENADE foi marcado por boicotes cujas críticas referiam-se ao fato de o exame ser somente no final do curso e não durante todo o percurso do aluno, não avaliar a prática dos alunos e principalmente não ter implicações na melhoria das instituições por não apontar as falhas da formação.4Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE (1996).
5Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) também realizada pelo IBGE (1996/97).
6O salário mínimo brasileiro nacional no ano de 2006 correspondia a R$ 350, mas é importante destacar que os estados da federação apresentam diferenças quanto ao salário mínimo por terem a liberdade de estabelecer salários mínimos estaduais maiores que o estabelecido nacionalmente.