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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba Dec. 2015

 

 

Um olhar crítico sobre os testes de compreensão de leitura

 

A critical view of reading comprehension tests

 

Una visión crítica sobre pruebas de comprensión de lectura

 

 

Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota1

Universidade Salgado de Oliveira

 

 


RESUMO

A compreensão de leitura é um construto multidimensional, que envolve processos cognitivos complexos. Embora, os trabalhos científicos tenham apontado a complexidade desse processo, do ponto de vista prático, quando se verifica como a literatura aborda a avaliação da compreensão leitora, há uma tendência a se tratar esse construto como unidimensional, e os testes como equivalentes. O presente artigo pretende discutir criticamente a forma como a área tem abordado a avaliação da compreensão leitora. Apresenta resultados de estudos empíricos que avaliaram a pertinência de três tipos de testes de compreensão de texto para leitura: Cloze, múltipla escolha e recordação. As implicações para pesquisa científica e para prática clínica são discutidas.

Palavras-chave: habilidades para leitura; leitura, teste de Cloze.


ABSTRACT

Reading comprehension is a multidimensional construct that involves complex cognitive processes. Although scientific studies have pointed out the complexity of this process, from a practical point of view, when one reviews how the literature addresses the assessment of comprehension, there is a tendency to treat this construct as one dimensional and tests as equivalents. This paper intends to critically discuss how the field has approached the assessment of comprehension. It presents results of empirical studies that evaluated the relevance of three types of reading comprehension tests: Cloze, multiple choice, and recall. The implications for scientific research and clinical practice are discussed.

Keywords: reading skills; reading; Cloze testing.


RESUMEN

La comprensión de lalectura es un constructo multidimensional, que involucra procesos cognitivos complejos. Aunquelosestudios científicos hanseñaladolacomplejidad de este proceso , desde unpunto de vista práctico , cuando vemos cómolas ofertas de la literatura conlaevaluación de lacomprensiónlectora , hay una tendencia a tratar esto como un constructo unidimensional y pruebas equivalentes. Este artículo tiene como objetivo discutir críticamentecómoel área se ha ocupado de laevaluación de lacomprensiónlectora . Presenta los resultados de estudios empíricos que evalúan la relevancia de los tres tipos de pruebas de comprensión de texto para la lectura: Cloze pregunta y respuesta y recuperación.Se discutenlasimplicaciones para lainvestigación científica y lapráctica clínica.

Palabras-clave: habilidades para la lectura; lectura; Cloze test.


 

 

A compreensão de leitura é, possivelmente, a habilidade mais importante adquirida na escola. Dificuldades ao adquirir essa habilidade comprometem a vida do estudante em praticamente todas as matérias escolares. Oliveira, Boruchovitch, e Santos (2008) demonstraram que a compreensão leitora de adolescentes correlaciona- -se positivamente com o desempenho escolar, mesmo em uma matéria como matemática. As dificuldades de leitura dos estudantes podem persistir também até o ensino superior. Em outro estudo, Oliveira e Santos (2008) verificaram que os escores de estudantes universitários em um teste de compreensão de leitura foram baixos e que nenhum deles conseguiu atingir a pontuação máxima no teste utilizado. Esses estudos demonstram a importância desse construto para vida escolar dos indivíduos.

A compreensão de leitura é um processo complexo que envolve múltiplas habilidades. Ler envolve o reconhecimento de palavras, a compreensão da linguagem (Kim & Wagner, 2015), além de processar os aspectos gráficos do texto, integrá-los com aspectos sintáticos, semânticos e o conhecimento de mundo. Pensar num modelo teórico que explique a compreensão de leitura é um desafio para pesquisadores (Florit & Cain, 2011). Durante muito tempo as pesquisas internacionais trataram a compreensão de leitura como um constructo unitário. Dessa forma, assumia-se que os testes que avaliavam A compreensão de leitura é um processo complexo que envolve múltiplas habilidades. Ler envolve o reconhecimento de palavras, a compreensão da linguagem (Kim & Wagner, 2015), além de processar os aspectos gráficos do texto, integrá-los com aspectos sintáticos, semânticos e o conhecimento de mundo. Pensar num modelo teórico que explique a compreensão de leitura é um desafio para pesquisadores (Florit & Cain, 2011). Durante muito tempo as pesquisas internacionais trataram a compreensão de leitura como um constructo unitário. Dessa forma, assumia-se que os testes que avaliavam

Embora, também, no Brasil, pesquisadores concordem que a compreensão de leitura é um construto multidimensional, supreendentemente, na literatura nacional, sua avaliação tem sido, em geral, tratada de forma extremamente simplificada. Algumas exceções são os estudos de Brandão e Spinillo (1998) e de Corso, Sperb, e Salles (2012).

O presente artigo pretende discutir criticamente a forma como a área tem abordado a avaliação da compreensão leitora. É importante ressaltar que as questões levantadas a respeito dos diferentes testes não os invalidam como testes de compreensão de texto normalmente utilizados na área. O objetivo do presente artigo é apenas de oferecer a pesquisadores, clínicos e educadores subsídios teóricos que permitam a escolha adequada dos testes na hora de avaliar os estudantes (Silverman, Speece, Harring, & Rictchey, 2013).

O Simple View of Reading e a avaliação de leitura

Se a leitura é um construto multidimensional, sua avaliação deveria envolver suas diferentes dimensões. No entanto, não há uma definição única do que se constitui uma compreensão de leitura que seja de fato proficiente. Precisa-se, então, entender quais as demandas cognitivas e linguísticas subjacentes à compreensão de textos (Kendeou, Papadopoulos, & Spanoudis, 2012).

Os estudos sobre as demandas cognitivas envolvidas nos testes de compreensão leitora têm se baseado no modelo teórico chamado, na literatura, de Simple View of Reading ou modelo Simples de Leitura. De acordo com esse modelo, a compreensão de leitura é o produto da decodificação versus compreensão da linguagem oral (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990). Dessa forma, as avaliações sobre os testes de compreensão de leitura acabam focando em que extensão esses testes dependem das habilidades de decodificação ou de compreensão verbal ou oral (Kendeou et al., 2012). Antes de criticar essa visão, cabe fazer uma pequena revisão do que propõem o modelo de Gough e seus colaboradores.

De acordo com o modelo Simples, a compreensão de leitura (CL) deve ser compreendida como o produto de dois componentes: a decodificação (D) e a compreensão oral (CO) e pode ser representada pela equação CL=DxCO. Gough e seus colaboradores apresentam, dessa forma, um modelo matemático que sugere que tanto a decodificação como a compreensão oral podem variar entre 0 e 1. Assim, se a decodificação for 0 e a compreensão oral for 1, a compreensão de texto ficaria totalmente prejudicada. O mesmo aconteceria se a decodificação fosse 1 e a compreensão oral, 0. Variações entre 0 e 1, nesses escores, levariam a desempenhos diferentes na compreensão de leitura e explicariam as diferenças individuais no desempenho dos alunos (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Tunmer, 1990).

Kirby e Savage (2008) chamam atenção para o fato de que muitos avanços foram feitos desde as primeiras publicações do modelo de Gough e Tunmer (1986). Kintsch (1998), por exemplo, propôs um modelo de construção-integração, em que sugere que a representação mental coerente do texto é um aspecto fundamental da compreensão. Essa representação será necessária para que o leitor realize várias tarefas de compreensão, como preencher lacunas de um texto, responder perguntas abertas e de múltipla escolha e também recordar um texto lido (Kendeou et al., 2012). Ainda dentro da definição de compreensão verbal, habilidades, como memória auditiva, vocabulário, consciência morfológica, são associadas à boa compreensão de texto. Assim, é preciso que se defina claramente o que chamamos de compreensão verbal. Uma vez que as habilidades que a compõem são múltiplas e não há consenso sobre quais devem ser avaliadas, diferentes testes de compreensão de texto podem exigir demandas cognitivas diferentes.

Também, deve-se definir claramente o que se chama de decodificação. A decodificação normalmente está associada à leitura pela aplicação do princípio alfabético ou pela rota fonológica. Nesse caso, refere-se à leitura em que a criança tem que aplicar as regras de correspondência entre letras e sons das palavras. Porém, a decodificação, no caso desse modelo, pode envolver um reconhecimento de palavras mais amplo, por uma rota lexical (leitura visual das palavras) ou pela aplicação de estratégias ortográficas (Kirby & Savage, 2008). Assim, o reconhecimento de palavras pode ser medido pela precisão ou acurácia na leitura de palavras ou pseudopalavras. Acurácia é medida pelo número de palavras reconhecidas corretamente numa lista previamente estabelecida. É o princípio dos testes padronizados de leitura muito usados no Brasil, como o Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994). Recentemente incluiu-se a fluência de leitura como parte das medidas de reconhecimento de palavras (Silverman et al., 2013). A fluência de leitura envolve medir o tempo gasto para ler um texto ou palavras numa lista corretamente.

Conforme descrito anteriormente, os testes de compreensão de texto, quando analisados sob o ponto de vista do modelo Simples de Leitura, demonstram que dependem mais de um ou de outro componente (reconhecimento de palavras/compreensão oral). Essas diferenças podem levar a divergências na identificação dos problemas de leitura.

Modelo Simples em diferentes ortografias

A dependência desses componentes também depende do tipo de ortografia que está sendo aprendida (Müller & Brady, 2001). Em um estudo que usou a técnica de metanálise, Florit e Cain (2011) demonstraram que, em línguas com ortografias transparentes, a compreensão oral se relaciona mais fortemente à compreensão de texto do que com a leitura de palavras. Isso porque o processo de leitura de palavras fica automatizado mais cedo nessas ortografias. Por ortografias transparentes, entende-se aquelas ortografias cujas regras de correspondência entre letra e som apresentam pouca ou nenhuma irregularidade. Há uma correspondência direta, ou quase, entre a letra e o som das palavras.

O português está no meio do espectro no que diz respeito à transparência ortográfica (Seymour, Aro, & Erskine, 2003). Assim, no português, a contribuição da compreensão oral pode ser tanto maior ou menor do que a decodificação. Essa é uma questão empírica que precisa ser estudada, sobretudo no campo da avaliação da compreensão leitora.

Um estudo realizado por Corso e Salles (2009) pode lançar alguma luz nessa questão. As autoras mostraram uma correlação entre a leitura de palavras e a compreensão de textos no português do Brasil. Nesse trabalho, usaram um teste de recordação para uma amostra de crianças do segundo ano do ensino fundamental. Os resultados mostraram uma associação entre a leitura de palavras e a compreensão de texto no português do Brasil.

Partindo do princípio de que a leitura de palavras é uma condição necessária, mas não suficiente para se compreender um texto, Corso e Salles (2009) investigaram a hipótese de uma dissociação entre esses dois processos. As autoras verificaram que algumas crianças com dificuldades na compreensão de leitura apresentaram bom desempenho em leitura de palavras. Os dados não apontaram uma dissociação no sentido inverso, isto é, crianças com bom desempenho na compreensão leitora com baixos escores em leitura de palavras isoladas. Esses dados sugerem que, no português, a leitura de palavras tem uma contribuição fundamental para compreensão de leitura. Como as autoras não mediram a compreensão oral, a pertinência do modelo Simples para explicar a leitura de palavras, no português, ainda precisa ser investigada.

Oliveira e Mota (2014), em um trabalho não publicado, investigaram o modelo Simples, utilizando um teste e Cloze e um teste de perguntas e respostas numa amostra de crianças brasileiras. O teste de Cloze é um instrumento em que se preenche uma lacuna com uma palavra que está faltando, em pequenos textos ou num texto completo. O Cloze tem sido utilizado no português do Brasil por diversos autores (Oliveira & Santos, 2008; Mota et al., 2009; Santos, 2005).

Os resultados parciais das autoras mostram que, quando um teste de perguntas e respostas é usado no português, a contribuição da compreensão oral e da leitura de palavras é equivalente. Porém, para o teste de Cloze, há uma contribuição maior do reconhecimento de palavras, medida pela acurácia na leitura de palavras. Os resultados corroboram dois estudos já publicados na literatura. O primeiro de Florit e Cain (2011), que mostra diferenças entre ortografias usadas nas estratégias de leitura de textos, e o de Seymour et al. (2003), que propõem que o português está no meio do espectro do desenvolvimento ortográfico. Utilizando a argumentação de Florit e Cain (2011), línguas no meio do espectro ortográfico não deveriam ter vantagens maiores ou menores de nenhum dos componentes do modelo Simples para a compreensão de textos.

No inglês, uma língua mais opaca que o português, a compreensão de leitura parece não depender tanto do reconhecimento de palavras. Em um estudo longitudinal, Tong, Deacon, Kirby, Cain, e Parrila (2011), com uma amostra de crianças norte americanas mais velhas (5º ano) do que a de Corso e Salles (2009), mostraram dificuldades inesperadas de leitura em maus compreendedores de texto. Essas seriam crianças que tinham apresentado escores regulares nos testes de leitura de palavras no 3º ano do ensino fundamental e tinham desempenho ruim na compreensão de leitura quando avaliadas no 5º ano. Como a leitura de palavras dessas crianças era no nível esperado pela idade delas, as dificuldades delas na compreensão de texto foram consideradas inesperadas.

Esses estudos levantam questões importantes para avaliação da compreensão leitora. É possível que testes de compreensão, que sejam influenciados pela decodificação, possam deixar de identificar maus compreendedores de texto que tenham boa performance no reconhecimento de palavras. Adlof, Catts, e Little (2006) revisaram estudos que mostram que os componentes do modelo Simples de Leitura explicam grande parte da variação na compreensão de textos (entre 45% e 85%). É preciso estabelecer para cada ortografia o quanto da compreensão oral e do reconhecimento de palavras contribui para a compreensão leitora.

Os testes de compreensão de leitura e seus componentes cognitivos

Dentre os testes de compreensão de texto, o mais investigado pela literatura foi o teste de Cloze. Esse teste é de grande importância, uma vez que é muito utilizado na literatura nacional, como apontado no início desse artigo (Mota et al., 2009; Santos, 2005). O teste de Cloze é uma medida de fácil aplicação e correção. Ele requer da criança ou adolescente que preencha uma palavra que está faltando num pequeno texto. A correção Verbatim exige que se pontue apenas as palavras que estão corretamente escritas e não aceita sinônimos.

O teste de Cloze tem sido criticado por ser dependente de habilidades fonológicas e da habilidade de escrita (Mehta, Foorman, Branum-Martin, & Taylor, 2005). Ele também é criticado por ser dependente da decodificação (Francis et al., 2006 citado por (Kendeou et al, 2012).

Em um estudo realizado por Keenan et al. (2008), os autores mediram a contribuição independente da decodificação e da compreensão oral para o teste de Cloze em crianças e adolescentes. Os resultados mostraram que a decodificação contribuía de forma única com cerca de 30% da variância nos escores do teste Cloze, enquanto a contribuição específica à compreensão verbal foi de 7%. Outro dado levantado é que, para as crianças mais jovens ou com menos habilidade de leitura, a decodificação teve uma influência maior do que para as crianças mais velhas.

Em um segundo estudo que também investigou as habilidades cognitivas envolvidas no Cloze, realizado com crianças gregas, Kendeou et al (2012) expandiram a investigação sobre as habilidades cognitivas subjacentes aos testes de compreensão leitora para além da investigação decodificação versus compreensão verbal. Os autores levantaram as seguintes hipóteses: 1. O teste de Cloze seria influenciado pelo conhecimento ortográfico das crianças? O conhecimento ortográfico envolve o reconhecimento de palavras como um todo. O teste de Cloze se baseia na utilização de pistas contextuais. Essas pistas podem permitir que as crianças reconheçam as palavras como um todo no texto. 2. Os conhecimentos fonológicos também seriam importantes para a leitura avaliada pelo teste de Cloze, porque ajudam na decodificação de palavras. Nesse caso, o reconhecimento das palavras não seria como um todo, mas pela rota alfabética.

Os resultados mostraram que, para essa amostra de crianças gregas, as contribuições do conhecimento ortográfico foram mais importantes do que o do processamento fonológico. Os autores concluíram que, pelo fato da ortografia grega ser regular em termos das correspondências letra e som, as demandas fonológicas do texto foram baixas e o conhecimento ortográfico mais importante. Os dois estudos mostraram que o teste de Cloze sofre uma grande influência do reconhecimento de palavras.

Testes de múltipla escolha e de recordação também são usados na avaliação da compreensão de texto. Os testes de múltipla escolha envolvem o reconhecimento do que foi lido e são diferentes de testes que envolvem a recordação. Na recordação, o leitor tem que recuperar na memória o que foi lido, enquanto, nos testes de múltipla escolha, todas as informações estão presentes nas opções de resposta e o examinando só tem que escolher a melhor opção (Corso et al., 2012).

Esses testes são bastante usados por pesquisadores, educadores e clínicos, pois são de fácil aplicação e correção. Keenan e Betjemann (2006), no entanto, chamam atenção para o fato de que um problema possível com os testes de múltipla escolha é que podem ser respondidos sem que as crianças tenham de fato lido os textos. As crianças podem simplesmente escolher uma resposta aleatoriamente.

O teste de recordação é apontado como mais adequado de compreensão de texto. Nesse tipo de teste, os participantes têm que recordar o texto ou partes do texto lido. Porém, a recordação é considerada problemática, por causa das potenciais dificuldades de correção objetiva das ideias recordadas. Keenan et al. (2008), no estudo já citado, investigaram o teste Qualitative Reading Inventory (QRI; Leslie & Caldwell, 2001 citado por Kendeou et al., 2012). Esse teste avalia a compreensão por meio de dois tipos de medidas: (a) número de ideias recordadas corretamente, quando comparadas a uma lista previamente estabelecida; (b) perguntas com respostas breves. O fato de já haver uma lista de ideias previamente estabelecidas facilita a correção dessa primeira etapa do teste, tornando- a mais objetiva.

Para a amostra estudada, os dados mostraram uma contribuição independente da decodificação e da compreensão oral para compreensão leitora. A variância atribuída à decodificação foi de 5% para recordação de ideias, 7% para as perguntas e compreensão oral foi de 14% e 17%, respectivamente. Esses resultados mostram que esse tipo de teste depende menos da decodificação. Além disso, houve poucas variações na proporção da variância de cada um desses componentes com a idade e a habilidade de leitura dos alunos.

Testes de recordação e múltipla escolha foram utilizados em amostras nacionais (Corso & Salles, 2009; Corso et al., 2012). Cabe ressaltar, porém, que estudos que investiguem aspectos cognitivos subjacentes a esses testes ainda são necessários para se pensar na sua eficácia como instrumentos de avaliação de crianças.

A compreensão de leitura é um constructo multidimensional que envolve processos cognitivos complexos. Embora, os trabalhos científicos tenham apontado a complexidade desse processo, do ponto de vista prático, quando se verifica como a literatura aborda a avaliação da compreensão leitora, há uma tendência a se tratar esse construto como unidimensional, e os testes como equivalentes.

Kendeou et al. (2012) chamam atenção para o fato dos pesquisadores raramente darem justificativas sobre por que escolheram determinados testes para a avaliação da compreensão de leitura, e as informações oferecidas são em geral sobre as características psicométricas dos testes. Isso parece sugerir que a escolha dos testes pelos profissionais não segue o critério de escolha dos processos cognitivos que avaliam.

Conhecer quais habilidades cognitivas são medidas em um determinado teste é importante tanto do ponto de vista da avaliação da compreensão de texto no contexto da clínica como também da pesquisa científica. A escolha de uma medida apenas pode não ser suficiente para avaliar a compreensão de texto. O desempenho pobre ou regular num teste de compreensão pode não se repetir em outro e pode indicar o comprometimento de diferentes habilidades. Viu-se que um teste de Cloze pode ser muito influenciado pelo reconhecimento de palavras, embora de fácil aplicação. Um teste de perguntas e respostas, ou mesmo de recordação, pode avaliar diferentes níveis de compreensão de uma estrutura do texto (Kintsch, 1998). As intervenções pedagógicas devem ser delineadas com base nas dificuldades encontradas pelas crianças, portanto, é importante conhecer o que os testes estão medindo, para saber quais habilidades devem sofrer intervenção. Do ponto de vista das pesquisas científicas, as consequências podem ser observadas, por exemplo, os resultados conflitantes de pesquisas podem ser explicados, em parte, pelo uso de instrumentos com diferentes demandas cognitivas.

Em suma, além das características psicométricas e de caráter prático, como o tempo e a facilidade na aplicação, a escolha dos testes para avaliação da compreensão de leitura requer um entendimento dos processos cognitivos subjacentes ao teste. Para isso, mais estudos empíricos, avaliando esses diferentes aspectos, devem ser realizados.

 

Referências

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recebido em janeiro de 2015
reformulado em setembro de 2015
aprovado em setembro de 2015

 

 

Sobre a autora

Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota: é docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Salgado de Oliveira e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ.


1Endereço para correspondência: Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira, R. Marechal Deodoro, 217, 2º andar, Centro, 24030-060, Niterói-RJ. Tel.: (21) 2138-4926. E-mail: mmotapsi@gmail.com


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