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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba Dec. 2015

 

 

Estrutura fatorial de uma Escala de Motivação de Adolescentes para Leitura

 

Factor structure of Adolescents’ Motivation for Reading Questionnaire

 

Estructura factorial de un Cuestionario de Motivación de Adolescentes para la Lectura

 

 

José Aloyseo Bzuneck1, I; Maria Fernanda Cunha Oliveira II; Sueli Édi RufiniI; Katya Luciane de OliveiraI

IUniversidade Estadual de Londrina
IIAssociação Educacional Renata F. Carvalho

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou investigar a estrutura fatorial de um instrumento elaborado para avaliar a motivação para leitura de estudantes adolescentes. A amostra foi composta por 566 adolescentes do 9° ano do ensino fundamental II e 2° ano do ensino médio de quatro escolas paranaenses, sendo duas públicas e duas privadas. Foi descrito o procedimento de construção da escala tipo Likert, tendo por referência a teoria da Autodeterminação. A análise fatorial pela extração dos componentes principais revelou uma estrutura de três fatores que correspondem à motivação intrínseca, motivação identificada e motivação extrínseca, com índices aceitáveis de consistência interna. As correlações entre os fatores alinham-se com os postulados da teoria. Os resultados foram discutidos à luz da Teoria da Autodeterminação e dadas sugestões para novos estudos sobre a avaliação do construto.

Palavras-chave: motivação; leitura; análise fatorial; adolescência.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate factor structure of a questionnaire elaborated to assess adolescent students’ motivation for reading. The sample was composed of 566 students in either 9th grade or the 2nd year of high school, from public and private schools in Paraná state. Construction procedures for the Likert-type scale were described, having Self-Determination theory as its framework. Factor analysis through principal components extraction was conducted and achieved a three-factor structure related to intrinsic motivation, identified motivation, and extrinsic motivation, with a satisfactory internal consistency among items. The correlations between the factors align with the postulates of the theory. The results were discussed based on the Theory of Self-Determination and suggestions for new studies on the construct assessment are proposed.

Keywords: motivation; reading; factor analysis; adolescence.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo investigar la estructura factorial de un cuestionario de evaluación de motivación para la lectura en estudiantes adolescentes. Los participantes fueran 566 estudiantes del nono año y del ciclo medio de escuelas públicas y particulares del estado de Paraná. Fueran descritos los procedimientos de construcción de la escala, que tuvo como referencia la teoría de la autodeterminación. La análisis factorial por extracción de los componentes principales aplicada al cuestionario tipo Likert identificó una estructura con tres factores que representan la motivación intrínseca, identificada y extrínseca, con elevada consistencia interna entre los ítems. Las correlaciones entre los factores siguen los presupuestos de la teoría. Los resultados fueran descurtidos con referencia a la teoría de autodeterminación y fueran dadas sugestiones para nuevos estudios que confirmen o produzcan avanzos en métodos de evaluación de motivación para la lectura.

Palabras-clave: motivación; lectura; análisis factorial; adolescencia.


 

 

Entre as inúmeras ações e tarefas normalmente cobradas de todo aluno nos anos escolares tem destaque a leitura de textos. Há razões sólidas para essa exigência específica. Na literatura (por exemplo, Law, 2011; Wigfield & Guthrie, 1997; Witter, 2010), têm sido demonstrados os efeitos benéficos da prática de leitura, que incluem, entre outros, a melhora do próprio repertório linguístico, ampliação de conhecimentos sobre o ser humano e o mundo e contribuição para a redação de textos com qualidade. Textos mais desafiadores favorecem o desenvolvimento do pensamento crítico, da criatividade e da própria inteligência. Por último, como especial vantagem, o hábito de leitura promove a compreensão de textos, habilidade altamente valorizada na escola e na vida.

Se a leitura está associada a resultados tão valorizados, surge a questão do porquê alguns alunos escolhem ler com frequência, enquanto outros não leem nada, ou somente quando são obrigados? O ato de ler, como qualquer outra atividade humana, supõe motivação, pela qual essa atividade é escolhida de preferência a outras, iniciada e sustentada, sempre com um objetivo (Schunk, Meece, & Pintrich, 2014). Entretanto, quando se trata de motivação para ler, dois aspectos devem ser considerados: o da especificidade dessa atividade e o próprio caráter multidimensional da motivação.

Wigfield (1997), Guay et al. (2010), entre outros, observaram que não se deve supor que a motivação do aluno atinja por igual todos os comportamentos relacionados com as aprendizagens, o que inclui a leitura, ao lado das diversas disciplinas e atividades. Nesse sentido, Anderman (2004) argumentou que a motivação na escola pode variar por disciplina em função das diferentes exigências e dificuldades de cada uma, além de fatores pessoais, como interesse e curiosidade. A leitura aparece como uma atividade específica e, ao mesmo tempo, complexa, pois varia em função do tipo de texto (narrativa, técnico, ficção científica, romance, entre outros), do autor, do estilo e da finalidade com a qual se lê. Assim, o que compõe a motivação para leitura será provavelmente diferente do que influencia, por exemplo, a produção de textos ou o estudo de ciências sociais ou matemática.

Além de ser um processo específico em função de seu objeto, motivação para leitura não é um construto unitário, mas multidimensional e complexo, de modo que não basta que se considerem alunos simplesmente como motivados ou desmotivados, mesmo em graus diversos. É necessário identificar as motivações em termos de sua qualidade, componentes e origens. Em relação a qualquer atividade escolar, Pintrich (2003) identificou e descreveu cinco grupos de constructos motivacionais sociocognitivos utilizados em pesquisas recentes: autoeficácia adaptadora e percepções de competência; atribuições adaptadoras e crenças de controle; altos níveis de interesse e de motivação intrínseca; altos níveis de valorização e, por fim, metas, que incluem metas de realização, objetivos de vida e metas sociais.

Assim, deve-se distinguir motivação por recompensas externas ou por interesse pessoal, por valorização interiorizada, ou ainda, porque o aluno tem expectativas positivas de êxito ou porque se sente capaz de exercer essa atividade, e assim por diante (Schunk et al., 2014). O que motiva um aluno para ler em determinada ocasião não será o mesmo em outro contexto e, da mesma forma, não é necessariamente motivador para outro. Em função do caráter multidimensional desse construto, pode-se prever uma apreciável diferença qualitativa entre os estudantes em relação ao comportamento de ler (Guthrie et al., 2007; Wigfiled, 1997; Wigfiled & Guthrie, 1997).

Além disso, a condição de a motivação para leitura ser multidimensional traz consequências para a avaliação desse construto. Assim, não será suficiente um método pelo qual se busque descobrir se os alunos estão ou não motivados para ler, mas tarefa muito mais importante será a de identificar a qualidade e os componentes desse processo, bem como as condições intrapessoais ou contextuais que o favorecem ou obstaculizam. Uma vez atendida essa exigência, os resultados servirão para orientar professores e educadores tanto para otimizarem esses processos como para estabelecer linhas de ação remediadora, quando necessário.

Dessa forma, motivação para leitura será avaliada em função dos construtos motivacionais e à luz das teorias que tiverem sido selecionadas como referencial. Ainda segundo Pintrich (2003), sobre cada um desses construtos existem modelos teóricos de estudo da motivação dos alunos que, ao longo dos anos, têm contribuído para a compreensão desse processo e orientado pesquisas. Teorias são formas de olhar ou lentes que permitem pesquisar um determinado construto, selecionando e focando aspectos específicos.

Em relação à motivação para leitura e à frequência dos comportamentos de ler, a literatura revela que os autores têm optado por avaliar seletivamente uma ou mais entre suas dimensões. Assim, crenças de autoeficácia para leitura foram aferidas nas pesquisas de Wigfield e Guthrie (1997), Wigfield, Guthrie, Tonks, e Perencevich (2004) e Guthrie et al. (2007). Como constructos afins, avaliaram-se autoconceito (Retelsdorf, Köller, & Möller, 2011; Villiger, Niggli, Wandeler, & Kutzelmann, 2012) e autopercepção de competência (Mata, Monteiro, & Peixoto, 2009). A percepção de valor ou importância da leitura foi variável considerada nos estudos de Mata, Monteiro, e Peixoto (2009) e Wigfield e Guthrie (1997). Em sua extensa investigação de abrangência transcultural com alunos do ensino fundamental, Chiu e Chow (2015) examinaram a relação entre atitudes e desempenho em leitura. Schraw e Lehman (2001), por sua vez, procederam a uma análise de estudos sobre interesse por textos didáticos, concluindo que as características de sedução, vivacidade e organização desses textos têm o potencial de estimular o interesse dos alunos por sua leitura.

Alguns autores utilizaram escalas que contemplavam motivação intrínseca para leitura, entendida e operacionalizada como por interesse pessoal, por prazer e curiosidade e, em oposição, motivação extrínseca, que incluía influência de notas, reconhecimento social, entre outros incentivos (Baker & Wigfield, 1999; Guthrie et al., 2007; Law, 2011; Retelsdorf et al., 2011; Villiger et al., 2012; Wigfield & Guthrie, 1997, Wigfield et al., Perencevich, 2004). Não se pode negar que tais medidas de motivação intrínseca ou extrínseca para leitura tenham apreciável valor heurístico, trazendo importantes contribuições para a área.

Entretanto, entre os estudos sobre motivação para leitura encontrara-se apenas dois (Gomes & Boruchovitch, 2015; Guay et al., 2010), cujas avaliações foram operacionalizados os construtos derivados da teoria da Autodeterminação (Deci & Ryan, 1985; Ryan & Deci, 2004). Nese modelo, desenvolvido entre os anos 1970 e 1980, foi superada a simples dicotomia de motivação intrínseca-extrínseca e foram introduzidos novos elementos, potencialmente relevantes para o levantamento da qualidade motivacional, igualmente aplicáveis quando se trata de comportamentos de ler. Por esse motivo, essa teoria foi selecionada como referencial na construção do presente instrumento brasileiro de motivação para leitura e, por esse motivo, dela serão agora descritos pontos essenciais extraídos de exposições mais completas de seus autores.

Na teoria da Autodeterminação (TAD), elaborada por Deci e Ryan, entre os anos 1970 e 1980, a motivação é considerada em termos das razões para agir (Deci & Ryan, 1985; 2008; Ryan & Deci, 2004). Além disso, é um conceito multidimensional que varia em termos de qualidade, em função de processos de regulação, ou seja, existem comportamentos mais ou menos regulados, com significados motivacionais bem distintos. Entretanto, por primeiro, destacou-se a ocorrência de alunos desmotivados, que se caracterizam por total ausência de regulação, isto é, são simplesmente passivos e sem intenção de agir. Esse estado foi incluído como novidade nas avaliações da motivação segundo esse modelo, considerando-se a possibilidade de uma pessoa não agir, exatamente por falta de qualquer regulação, interna ou externa. Outra novidade proposta na teoria foi o desmembramento da motivação extrínseca em quatro níveis de regulação.

Assim, de acordo com Deci e Ryan (2004), o primeiro nível é por regulação externa, isto é, os comportamentos são emitidos para ganhar recompensas ou simplesmente para evitar punições, o que coincide com a tradicional motivação extrínseca. Mas, nessa teoria, considera- se um segundo nível de motivação extrínseca, por regulação introjetada, pela qual as demandas externas já começam a ser internalizadas, ou seja, a pessoa é controlada por instâncias internas, que incluem intenção de evitar culpa ou vergonha. A motivação extrínseca, porém, pode revelar-se num terceiro nível, que é por regulação identificada, pela qual a pessoa terá assumido o valor da ação, identificando-se com ela. Assim, já é uma forma autodeterminada de motivação extrínseca, ao menos parcialmente relacionado com um lócus de causalidade interno e, portanto, a regulação externa já se transformou em autorregulação. Por último, como quarto nível de motivação extrínseca, a regulação integrada, pela qual as identificações com os valores e instâncias externas são incorporadas aos valores, metas e necessidades da própria personalidade.

Até agora, distinguiram-se os casos de desmotivação e os quatro níveis de motivação extrínseca. A motivação intrínseca vem na sequência, completando aquilo que os autores denominaram o continuum da autorregulação. A motivação intrínseca representa a forma mais autodeterminada de regulação, caracterizando-se pelo interesse e prazer no exercício de uma atividade. Entretanto, é importante ter presente que, como Deci e Ryan (2008) defenderam, o que é mais crítico na teoria é a distinção entre motivação autônoma e controlada.

A motivação autônoma compreende a motivação intrínseca e as duas formas autorreguladas da motivação extrínseca, a identificada e a integrada. Já as motivações por regulação extrínseca e introjetada formam a motivação controlada. Deci e Ryan (2008) relataram dados de diversas pesquisas que demonstraram que a motivação autônoma está mais associada a engajamento de melhor qualidade e persistência. Em suma, essas duas modalidades têm em comum a característica de serem motivacionais e, assim, contradistintas da desmotivação e, como consequência, igualmente preferíveis a ela. Porém, motivações autônomas e controladas são qualitativamente distintas entre si, pelo fato de responderem por efeitos diferenciados sobre os comportamentos.

A teoria buscou também desvendar as raízes dessas duas formas motivacionais, identificando a interação entre a natureza inerentemente ativa de todas as pessoas e condições ambientais que apoiam ou comprometem essa natureza. Isto é, todos gozam de uma tendência inata e natural para a autorregulação presente na motivação autônoma. Porém, fatores ambientais podem tanto favorecer como obstaculizar os processos de autorregulação. Aqui, os autores introduziram o papel da satisfação de três necessidades psicológicas básicas – de relacionamento, competência e autonomia (Deci & Ryan, 2008; Ryan & Deci, 2004). Assim, no caso de alunos, será alimentada a motivação autônoma na medida em que pessoas significativas contribuírem para que eles se sintam socialmente vinculados, com senso de competência para lidar com as exigências do meio e, sobretudo, com mais senso de autonomia. Sentir-se com autonomia não significa ter independência, mas a percepção de lócus interno de causalidade de suas ações.

Em síntese, os componentes da teoria da autodeterminação aparecem como potencialmente relevantes para se avaliar a motivação de estudantes para leitura, pois, além de se considerarem possíveis casos de desmotivação, são discriminados graus de motivação extrínseca. Rufini, Bzuneck, e Oliveira (2011) haviam sugerido que seu questionário, que focalizava motivação para a escolaridade geral, fosse adaptado para considerar, por exemplo, aprendizagens específicas e leitura, do que surgiriam resultados educacionalmente relevantes. De modo especial, complementando a proposta desses autores e considerando os avanços descritos por Deci e Ryan (2008), o contraste entre motivação autônoma e controlada aparece como um referencial mais apto quando se pretende mensurar as razões para praticar leituras que são obrigatórias nos cursos. A escala de motivação para leitura desenvolvida por Gomes e Boruchovitch (2015) atendeu a esse critério. Assim, como a teoria põe em destaque os comportamentos pelos quais pais e professores podem promover a motivação de melhor qualidade, surgem indicações bem fundadas sobre como levar os alunos a serem preferencialmente autodeterminados, ou seja, com motivação autônoma, em relação à leitura na escola.

Para se avaliar a motivação de alunos adolescentes para leitura com referência aos pressupostos da teoria da autodeterminação, é necessário um instrumento específico. O objetivo do presente estudo foi criar tal instrumento e submetê-lo à análise de sua estrutura fatorial.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada com uma amostra de conveniência composta por 566 adolescentes de escolas públicas (n=392) e privadas (n=174). Esse total distribuía-se por dez turmas de 9° ano do ensino fundamental II e 14 turmas do 2°ano do ensino médio. Os meninos formavam 45,4% (n=257) da amostra total e as meninas, 54,4% (n=308), além de uma omissão dessa marcação. A média de idade dos alunos é de 15,11 anos (DP=1,50), com variação desde 12 anos até 20 anos.

Construção do instrumento

Dois critérios foram preliminarmente definidos para a redação dos itens que comporiam a escala de motivação para leitura. Em primeiro lugar, que a escala tivesse como referencial uma teoria motivacional que considerasse os casos de desmotivação e tipos qualitativamente diferentes de motivação, para o que foi selecionada a teoria da Autodeterminação (Deci & Ryan, 1985; Ryan & Deci, 2004). Esse modelo teórico foi selecionado porque não só permite uma construção mais refinada de itens representativos das muitas razões para ler, como prestará contribuições relevantes para a interpretação dos resultados e sugestões práticas para professores (Guay et al., 2008).

O segundo critério que orientou a construção da escala consistiu em se limitar o objeto da motivação apenas à leitura de livros paradidáticos, sugeridos ou prescritos no contexto de uma disciplina curricular. Tal especificação, constante da apresentação dos itens aos participantes, facilitaria as respostas pela redução do foco, uma vez que existe uma ampla variedade de textos à disposição dos alunos, inclusive em meio eletrônico. Ademais, a suposição é de que são mais importantes e de valor de utilidade os textos indicados ou exigidos pelos professores.

Atendidos esses critérios, a construção do instrumento deu-se por vários passos em sequência. O primeiro consistiu numa entrevista individual com cinco professores de Língua Portuguesa do 9º ano do ensino fundamental e 2º ano do ensino médio, oriundos de escolas particulares e públicas. O objetivo era obter informações sobre que tipo de leitura era cobrado dos adolescentes ou se esperava que fizessem, além dos textos didáticos propriamente ditos.

Identificou-se com as verbalizações que, no 9º ano do Ensino Fundamental, cobram-se dos alunos leituras de jornais, revistas e livros paradidáticos escolhidos como representativos de escolas literárias que seriam trabalhadas durante o ano letivo e, por fim, outros textos selecionados com vistas ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Já no 2º ano do Ensino Médio, as leituras estão voltadas para os vestibulares da região. Como prática habitual, a leitura desses textos paradidáticos é cobrada em provas e, eventualmente, constituíam temas de discussão e de outros trabalhos acadêmicos. Nesses casos, privilegiavam- se obras de conteúdos ligados aos problemas e interesses de estudantes daquela faixa etária. Em síntese, tratava-se sempre de leituras obrigatórias e, eventualmente, de conteúdo interessante, quando ligados às suas experiências de vida.

Ainda segundo as informações prestadas pelos professores, os alunos dessas séries escolares são cobrados regularmente quanto a leituras, porém, com notável diferença entre as escolas. Enquanto nas particulares é cobrada, em média, a leitura de oito livros paradidáticos durante o ano letivo, nas escolas públicas, apenas de um a três. O que, porém, apareceu como sistemático em todas as escolas foi a prática de os respectivos professores indicarem as obras a serem lidas e cobrarem o cumprimento dessa tarefa, além de apontarem o valor de utilidade para os vestibulares.

Para a formulação dos itens de avaliação, os autores valeram-se, em primeiro lugar, de sugestões advindas dos questionários de Law (2011), Wigfield (1997), Wigfield e Guthrie (1997), focalizados em motivação para leitura. Foi dada atenção especial a escalas em que foram operacionalizados os conceitos do continuum da autorregulação para atividades acadêmicas diversas: Bzuneck, Megliato, e Rufini (2013), Guay et al. (2010), Ratelle, Guay, e Vallerand (2007) e Rufini et al. (2011), embora entre esses autores apenas Guay et al. (2010) tenham focalizado motivação e comportamentos de ler, entre outras disciplinas.

Um instrumento inicial, denominado Inventário de Motivação para Leitura, foi submetido a um estudo piloto com alunos do Ensino Médio, que não participariam do estudo final. Em função dessa aplicação preliminar, cumpriram-se pequenos ajustes de redação, porém, mantendo-se a estrutura de 35 afirmativas a serem respondidas em escala Likert de 1 (discordo inteiramente) a 5 pontos (concordo totalmente). Do total de 35 itens, 12 focalizavam a motivação intrínseca, da qual uma afirmativa tinha como redação: “Para mim, ler é sempre prazeroso”. Outros cinco itens formavam a motivação extrínseca por regulação identificada, como neste exemplo: “Para me sair bem na escola, é importante que eu leia”. A motivação extrínseca por regulação introjetada contava com seis itens, sendo um deles: “Leio para depois não me sentir culpado se tirar nota baixa”. A motivação extrínseca por regulação externa, com sete itens, tendo como amostra: “Leio só quando vale nota”. Por último, uma quinta categoria, com cinco afirmativas, buscou identificar a desmotivação, assim exemplificada: “Para mim, ler é chato, não me motiva”.

Por conseguinte, as categorias motivacionais da presente escala são as mesmas adotadas em estudos como de Ratelle et al. (2007) e Rufini et al. (2011), que também haviam formulado itens representativos de motivação intrínseca, desmotivação e de mais três tipos de motivação extrínseca. Enquanto avaliação específica de motivação para leitura, porém, esse inventário difere do de Guay et al. (2010), no qual se contemplaram itens apenas de motivação intrínseca, identificada e controlada.

Procedimentos

A investigação atendeu ao disposto na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e seus complementares, respeitando os procedimentos éticos. Dessa forma, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina e aprovado com o parecer n° 155/2014. De posse da anuência dos pais ou responsáveis dos participantes e das devidas autorizações dos diretores das escolas e após contatos com os respectivos professores de Língua Portuguesa, os questionários foram aplicados em cada turma, em sala de aula, pessoalmente, pela segunda autora.

Os alunos foram, na ocasião, informados pela aplicadora sobre os objetivos da pesquisa, tendo sido, igualmente, esclarecido que a participação deles no estudo não interferiria em nenhum aspecto suas avaliações de rendimento acadêmico. Ressaltou-se o caráter de participação anônima e voluntária. A pesquisadora leu, juntamente com os alunos, a questão número 1, como exemplo, e explicitou que estaria disponível para dirimir eventuais dúvidas. A aplicação teve duração de 15 a 25 minutos. Não houve nenhuma recusa, ainda que tenham surgido reclamações sobre a extensão do questionário.

Análise de Dados

Os dados dos questionários foram lançados na planilha do Excel e, em seguida, foram submetidos a uma análise prévia à análise fatorial. A adequação da amostra foi aferida pelo teste de Kayser-Meyer-Olkin (KMO), tendo surgido o valor de 0,942 para a matriz. Pelo teste de esfericidade de Bartlett, obteve-se χ2[861; N=572] = 11872,962; p=0,001. Esses valores autorizaram a execução de uma análise fatorial. Em seguida, os dados originados do Inventário de Motivação para Leitura foram lançados no programa Statistica para se proceder à extração dos componentes principais com rotação varimax, aplicada várias vezes. Como critério mínimo para a retentação do fator, estabeleceu-se um valor próprio de ≥1,0.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta a listagem completa dos 36 itens criados originalmente para comporem o inventário, com a indicação da categoria motivacional que cada um representava, com base na teoria e em outros questionários preexistentes. A mesma tabela mostra a resolução por quatro fatores/componentes, juntamente com os valores de saturação dos itens em cada fator. Entretanto, os itens 24 e 30, concebidos como representativos de motivação introjetada, carregaram num quarto fator que não pôde ser identificado nem como desmotivação nem como de motivação introjetada e, por isso, foram descartados. Portanto, firmou-se uma resolução da escala em três fatores, entre os quais o fator 1 atingiu o valor próprio de 12,5, fator 2, com valor de 2,5 e o fator 3, com valor 2,0.

 

 

Além disso, do conjunto de itens que carregaram no fator 2 (Motivação extrínseca por regulação externa), cinco foram excluídos por não se afinarem conceitualmente com esse constructo, ou seja, itens 10, 14, 17, 19 e 28 que, pela redação, pertencem à categoria desmotivação. Tais itens não poderiam compor com os de motivação extrínseca, que é uma categoria motivacional. Em nenhuma das várias rotações aplicadas, surgiu um fator específico e unívoco que pudesse ser rotulado como indicador exclusivo de desmotivação.

Em síntese, pela análise dos componentes principais sobre o conjunto original de itens relativos à motivação para leitura, confirmou-se a presença de apenas três fatores ou componentes, cujos itens carregavam exclusivamente e com valor de 0,40 ou mais. Assim, como se pode ver na Tabela 1, ao fator 1, que corresponde à Motivação intrínseca, convergiram 12 itens. No fator 2, denominado Motivação controlada, carregaram nove itens, que incluem os oito itens originais de motivação extrínseca por regulação externa e um de regulação introjetada. Por último, ao fator 3, Motivação identificada, convergiram sete itens. Em relação ao fator 2, tenha-se presente que, segundo a proposta teórica (Deci & Ryan, 2008), regulação externa e regulação introjetada são duas modalidades motivacionais que formam a motivação controlada. Os 29 itens mantidos na escala final explicam 49,06 da variância e, entre eles, a carga mais alta foi de 0,82 e a mais baixa, de 0,41. Ressalte-se, de modo especial, a consistência interna dos itens de cada fator aferida pelos altos valores do alfa de Cronbach obtidos (0,93, 0,84 e 0,76, respectivamente).

Além disso, a média de motivação intrínseca apareceu positivamente relacionada com a de motivação identificada (r=0,49) e negativamente com motivação controlada (r=-0,59). Motivação controlada, por sua vez, correlacionou-se negativamente, em nível discreto, com motivação identificada (r=-0,19). Todas essas relações foram estatisticamente significativas (p=0,01).

 

Discussão

Damásio (2012) argumentou que uma análise fatorial dos itens que compõem uma determinada matriz é indicada quando não houver evidências empíricas suficientes que demonstrem como os itens devem ser agrupados e avaliados. Esse é precisamente o caso do presente inventário, cujos itens foram criados atendendo a uma determinada faixa etária do contexto brasileiro e focalizando restritivamente a motivação para leitura. Era necessário identificar a estrutura fatorial desse conjunto, o que incluía a definição de quais itens carregariam em cada fator e se alguns deveriam ser excluídos ou não da escala.

As análises pelos componentes principais concluíram por uma estrutura em que se distinguiram fatorialmente três tipos importantes de qualidade motivacional para leitura, ou seja, a motivação intrínseca, a regulação identificada e a motivação controlada. As análises de fiabilidade pelo alfa de Cronbach concluíram por valores aceitáveis de consistência interna dos itens de cada subsescala, alta na de motivação intrínseca. Assim, a estrutura encontrada acompanhou a resolução conseguida por Guay et al. (2010), com duas diferenças. Primeiro, esses autores já haviam estabelecido previamente avaliar apenas três modalidades motivacionais, enquanto que no presente estudo se propôs descobrir também as duas formas de motivação extrínseca controlada e a desmotivação que, porém, não foram identificadas pelas análises.

Em segundo lugar, a presente amostra era de adolescentes, enquanto que no estudo de Guay et al. (2010) se tratava de crianças, alunos das séries iniciais, uma amostra similar à do estudo de Gomes e Boruchovitch (2015). Avaliar adolescentes, em comparação com crianças, quanto à motivação intrínseca tem suas vantagens. Deci e Ryan (1985) haviam argumentado que crianças têm interesses pouco diferenciados, o que afetaria seus autorrelatos de motivação intrínseca. Já em função das experiências acumuladas ao longo dos anos, os interesses se tornam mais diferenciados, tornando mais acurados os autorrelatos dessa categoria motivacional. Ou seja, pode-se supor que os adolescentes da presente amostra chegaram a distinguir perfeitamente a motivação intrínseca por leitura enquanto domínio específico de atividade escolar.

No caso da presente amostra não surgiu um fator que agregasse itens de desmotivação nem de motivação por regulação introjetada, no que se diferenciou de outros estudos similares que também usaram escalas com base no continnum da autodeterminação que, porém, não assumiram como objeto de pesquisa a motivação por uma disciplina ou atividade escolar específica (por ex., Gomes & Boruchovitch, 2015; Ratelle et al., 2007; Rufini et al., 2011). Entretanto, observou-se que os itens que teoricamente convergiram para cada um dos três fatores/ componentes apareceram com saturações acima de 0,40, o que ainda corrobora uma estrutura fatorial inspirada na teoria da autodeterminação.

As análises de correlação entre as medidas revelaram relações esperadas com base na teoria. Isto é, correlações mais fortes serão encontradas entre as modalidades motivacionais mais próximas do que entre as mais distantes no continuum. No presente caso, a motivação intrínseca e a motivação extrínseca por regulação identificada apareceram como positivamente relacionadas. Segundo os teóricos (Deci & Ryan, 2004, 2008), essas duas modalidades motivacionais, que são mais próximas entre si no continuum da autorregulação, formam a motivação autônoma, de melhor qualidade quando comparada com a motivação controlada, constituída pelas outras formas de motivação extrínseca, ou seja, por regulação externa e pela introjetada. Portanto, o presente resultado proporciona um argumento pela validade convergente das medidas de motivação intrínseca e motivação identificada. Por outro lado, as correlações negativas entre motivação intrínseca e motivação controlada, bem como, embora em grau discreto, entre motivação identificada e essa modalidade de motivação extrínseca mostram tratar-se de variáveis em parte independentes e até antagônicas.

Guay et al. (2010) também haviam encontrado, na sua amostra total de crianças em relação à leitura, correlações positivas mais fortes entre motivação intrínseca e regulação identificada do que entre motivação intrínseca e motivação controlada. Entretanto, na subamostra de alunos da 3ª série, mais experientes, a correlação entre motivação intrínseca e controlada foi negativa, um valor próximo ao encontrado no presente estudo. Na amostra de Gomes e Boruchovitch (2015), essa correlação negativa ficou próxima de zero. A relação negativa encontrada no presente estudo e no de Guay et al. (2010) sugere que alunos com mais idade são mais capazes de se autoavaliar em que grau têm motivação intrínseca por terem percepção mais diferenciada de seus interesses, dado que interesses pessoais são conceitualmente distintivos dessa modalidade motivacional (Deci & Ryan, 1985; 2004).

Finalizando, importa esclarecer que a presente investigação buscou evidências de validade baseadas na estrutura interna de um instrumento brasileiro, criado para avaliar a motivação de estudantes adolescentes para a leitura. Embora nem todos os pontos do continuum da autodeterminação tenham sido identificados, os resultados apontaram para uma estrutura fatorial consistente com que fora proposto pela Teoria da Autodeterminação. Por essa razão, o questionário pode ser utilizado em pesquisas que tenham por objetivo examinar em adolescentes sua orientação motivacional, em sentido qualitativo, para essa atividade específica. Nessas pesquisas, porém, com novas amostras, é indicado e até imperioso que se proceda a novas análises fatoriais.

Entretanto, além de se efetuar uma análise fatorial confirmatória da presente escala, descortinam-se outras possibilidades de procedimentos destinados à consolidação, ou revisão e aperfeiçoamento, do presente Inventário de Motivação para Leitura. Em particular, resta ainda descobrir por que das análises da presente escala não resultou uma estrutura que contasse com um fator específico para desmotivação e outro para motivação introjetada, ou seja, por que não foram discriminados todos os pontos do continuum da autorregulação, segundo a teoria. Amparados por outros métodos, que incluiriam entrevistas individuais, autores poderiam tentar a redação de novos itens ou reformular os presentes, atendendo às características das amostras e a possíveis influências do momento da aplicação. Uma versão abreviada, com um conjunto mais reduzido e em número equiparado de itens por subescala, poderia também ser aventada.

R. Sternberg, em entrevista a Keane e Shaughnessy (2002) havia argumentado que os testes, assim como as capacidades, devem passar por um processo contínuo de desenvolvimento e, assim, os seus autores não devem assumir que o produto a que chegaram já seja definitivo. Para o avanço numa determinada área de conhecimento, como é o caso da motivação escolar, os métodos de avaliação sempre podem ser aprimorados, o que se consegue com aplicações em novas amostras, com reformulação ou criação de itens e até com adoção de outros paradigmas.

 

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recebido em abril de 2015
reformulado em setembro de 2015
aprovado em setembro de 2015

 

 

Sobre os autores

José Aloyseo Bzuneck: tem doutorado em Psicologia do Escolar pela USP, atualmente Professor Sênior no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina.
Maria Fernanda Cunha Oliveira: tem Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Londrina e atualmente é Diretora e Coordenadora Pedagógica de Instituição de Ensino.
Sueli Édi Rufini: tem doutorado em Educação pela UNICAMP, e atua como Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina.
Katya Luciane de Oliveira: tem doutorado em Educação pela UNICAMP, atuando como Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina.


1Endereço para correspondência: R. Rui Barbosa, 187, 86070-610, Londrina-PR. E-mail: bzuneck@sercomtel.com.br


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