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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.15 no.2 Itatiba Aug. 2016

 

 

Propriedades psicométricas da Escala Geral de Comportamento Pró-Social de Quebra de Normas

 

Psychometric properties of the General Pro-Social Rule Breaking Scale

 

Propriedades psicometricas de la Escala General de Comportamiento Prosociales de Quiebre de Reglas

 

 

Maria da Gloria Lima Leonardo; Maria Cristina Ferreira1; Felipe Valentini; Larissa Maria David Gabardo-Martins

Universidade Salgado de Oliveira

 

 


RESUMO

Foi objetivo do estudo reunir evidências de validade da Escala Geral de Comportamento Pró-Social de Quebra de Normas (GPRSBS) em amostras brasileiras. Para tanto, realizaram-se dois estudos. No primeiro, a amostra foi composta por 537 trabalhadores de ambos os sexos, que responderam à GPRSBS e a um questionário sociodemográfico. A análise fatorial exploratória revelou a presença de três fatores: eficiência, ajuda aos colegas de trabalho e bom atendimento aos clientes, que apresentaram índices de consistência interna acima de 0,85. No segundo estudo, a amostra compôs-se de 491 trabalhadores de ambos os sexos e os resultados obtidos na análise fatorial confirmatória replicaram a estrutura do primeiro estudo. A escala GPRSBS apresentou ainda correlação positiva com a retaliação organizacional e negativa com a proteção ao sistema. As propriedades psicométricas da escala recomendam seu uso futuro em investigações brasileiras destinadas a avaliar o comportamento pró-social de quebra de normas.

Palavras-chave: comportamento organizacional; psicometria; validade estatística..


ABSTRACT

The aim of this paper was to gather validity evidence concerning the General Pro-social Rule Breaking Scale (GPSRBS) with samples collected in Brazil. To do so, two studies were carried out. In the first, 537 workers, of both sexes, replied to the GPSRBS and to a socio-demographic questionnaire. An exploratory factor analysis revealed three factors: efficiency, help to co-workers, and good service for clients, which presented internal consistency indices above 0.85. In the second study, the sample was composed of 491 workers, of both sexes. The results generated by a confirmatory factorial analysis replicated the structure of the first one. The GPSRBS also presented positive correlations with organizational retaliatory behavior and negative correlations with system protection. The psychometric properties of the scale recommend its further use in Brazilian investigations aimed at evaluating pro-social rule breaking behaviors.

Keywords: organizational behavior; psychometrics; statistical validity.


RESUMEN

El objetivo del estudio consistió en reunir evidencias sobre la validez de la Escala General de Comportamiento Pro Social de Ruptura de Normas (GPSRBS) en muestras brasileñas. Fueron realizados dos estudios, participando del primero unos 537 trabajadores brasileños de ambos sexos quienes respondieron a GPSRBS y a un cuestionario socio demográfico. El análisis factorial exploratorio reveló la presencia de tres factores: eficiencia; ayuda a los colegas, y una buena atención a los clientes, quienes obtuvieron índices de consistencia interna de 0.85. En el segundo estudio, la muestra fue composta por 491 trabajadores brasileños de ambos sexos. Los resultados de la análisis factorial confirmatório replicaron la estructura del primer estudio. La escala GPSRBS también presentó correlaciones positivas con represalias organizacionales y negativas con la protección del sistema. Las propiedades psicómétricas de la escala indican su uso futuro en investigaciones brasilenãs dedicadas a evaluar el comportamiento pro social de quiebra de normas.

Palabras-clave: comportamiento organizativo; psicometría; validación estadística.


 

 

O desvio de regras nas organizações não é raridade, sendo, ao contrário, bastante comum (Berry, Ones, & Sackett 2007). Nesse sentido, Harper, em publicação do ano de 1990, estimou que entre 33% e 75% dos funcionários das organizações estadunidenses já tinham manifestado comportamentos desviantes negativos. Tais comportamentos têm recebido várias nomenclaturas na área da Psicologia Organizacional, como, por exemplo: desvio no local de trabalho, comportamentos contraproducentes, comportamentos antissociais (Appelbaum & Shapiro, 2006) e falta de civilidade no local de trabalho (Robbins & Judge, 2007).

A maioria das definições sobre os comportamentos desviantes negativos ou contraproducentes no trabalho dá destaque ao fato de eles se caracterizarem por um desrespeito às regras estabelecidas e aos valores implementados pelas organizações (Martinko, Gundlach, & Douglas, 2002). Em consequência, eles podem levá-las a sofrer prejuízos financeiros, bem como provocar impactos emocionais em seus membros (Greenberg & Baron, 2007).

Nem todos os comportamentos que se afastam das normas são porém negativos, muito embora esses comportamentos tenham recebido maior atenção dos pesquisadores durante longo tempo (Spreitzer & Sonenshein, 2004). Assim é que os estudos tradicionais sobre os comportamentos desviantes costumavam deter-se, em geral, em atos negativos como a fraude e o uso de drogas, por exemplo (Bayram, Gursakal, & Bilgel 2009; Spector et al., 2006). Mais recentemente, porém, os comportamentos desviantes positivos têm também atraído a atenção dos estudiosos.

Tais comportamentos dizem respeito a ações bem- -intencionadas que independem de seus resultados (Spreitzer & Sonenshein, 2004). Para que uma ação seja, portanto, considerada como um comportamento desviante positivo, ela deve ser honrável, voluntária e quebrar as normas. Exemplos de tais comportamentos incluem a violação de normas para a resolução de um problema do cliente, a implementação de uma ideia inovadora ou a emissão de críticas a um superior incompetente, em prol da organização.

Na tentativa de aprofundar a compreensão dos comportamentos desviantes positivos, Spreitzer e Sonenshein (2004) procuraram estabelecer as diferenças entre esses comportamentos e outros comportamentos a eles correlatos, quais sejam: o comportamento de cidadania organizacional, a responsabilidade social corporativa e a criatividade ou inovação. Os comportamentos de cidadania organizacional consistem em comportamentos discricionários que vão além das responsabilidades do papel para o qual o funcionário foi designado e podem ser também rotulados como honrosos. Tais comportamentos não são, porém, formalmente prescritos pela organização, enquanto os desvios positivos caracterizam-se por ações que implicam a quebra de normas associadas a papéis formalmente prescritos.

No que tange à responsabilidade social corporativa, a diferença está no fato de que ela ocorre apenas ao nível da organização, enquanto o comportamento desviante positivo pode existir a nível individual ou organizacional (Spreitzer & Sonenshein, 2004). A criatividade ou inovação, por sua vez, difere do comportamento desviante positivo devido ao fato de que em muitas organizações, em especial as de entretenimento e publicidade, a norma é ser criativo e inovador. Por outro lado, nem sempre as ações criativas e inovadoras são honrosas, como é o caso, por exemplo, dos hackers. Em síntese, o comportamento desviante positivo nas organizações não é, a princípio, esperado. Além disso, para que ele seja considerado como tal, torna-se necessário que o empregado decida conscientemente afastar-se de modo significativo das normas, a ponto de ser notado (Spreitzer & Sonenshein, 2004).

Em modelo desenvolvido a partir de meta-análise realizada em cerca de 150 estudos, Vadera, Pratt e Mishra (2013) propõem que a liderança transformacional consiste em um dos antecedentes dos comportamentos desviantes positivos, em função de despertarem a motivação intrínseca dos subordinados, o que os torna mais propensos a emitirem tais comportamentos. Ainda de acordo com os autores, as atitudes também se constituem em antecedentes dos desvios positivos, em razão de eliciarem sentimentos de obrigação por parte dos empregados, que os levam a adotar mais frequentemente esses comportamentos. Características individuais dos empregados, como a autoestima, a autoeficácia, a extroversão e a personalidade proativa, por sua vez, empoderam positivas sobre o trabalho, o apego ao grupo, o suporte dos colegas, dos supervisores e da organização, as percepções de justiça organizacional e a cultura da organização psicologicamente o empregado, o que também aumenta a probabilidade de eles se engajarem em comportamentos desviantes positivos. No que tange aos consequentes desses comportamentos, Spreitzer e Sonenshein (2004) sugerem que eles contribuem para o bem-estar subjetivo, para o estabelecimento de relações interpessoais de alta qualidade e para a maior eficácia da organização a longo prazo.

O presente trabalho tem como foco um tipo específico de comportamento desviante positivo, qual seja o comportamento pró-social de quebra de normas. Tal comportamento refere-se à violação intencional das políticas organizacionais explícitas, regulamentações ou proibições definidas pelas organizações, com o objetivo primordial de ajudar os colegas de trabalho ou os clientes e facilitar o alcance dos objetivos da organização, contribuindo, assim, para o bem-estar individual e organizacional (Morrison, 2006).

O comportamento referido faz parte de um processo volitivo e consciente do empregado que, pela força do hábito, pode até se tornar automático com o decorrer do tempo. Nesse sentido, a violação de normas desconhecidas pelos membros da organização, de normas descumpridas acidentalmente ou de normas das quais não há certeza acerca da obrigatoriedade de seu cumprimento não deve ser considerada um comportamento pró-social de quebra de normas (Morrison, 2006).

A principal motivação para o comportamento pró-social de quebra de normas é, portanto, o interesse em executar uma determinada tarefa na forma em que o empregado acredita ser a maneira mais apropriada de ajudar a organização, de forma honrosa, sendo esta a razão pela qual tais comportamentos caracterizam-se como desvios positivos (Morrison, 2006). Eles podem manifestar-se em três diferentes situações ou categorias associadas à quebra de normas e políticas estabelecidas pela organização, a saber: quando o empregado busca trabalhar com mais eficiência no desempenho de sua função, quando o empregado ajuda o colega de trabalho e quando o empregado proporciona um melhor serviço ao cliente (Morrison, 2006).

O comportamento pró-social de quebra de normas consiste, portanto, em ações construtivas e até desejáveis socialmente, que são benéficas aos colegas de trabalho e/ou às organizações e que, por outro lado, trazem pouco ou nenhum benefício ao próprio indivíduo. Eles surgem de demandas advindas dos clientes, dos colegas de trabalho ou das próprias tarefas desempenhadas pelos empregados (Dahling, Chau, Mayer, & Gregory, 2012). No entanto, ao emitirem tais ações, os empregados quebram certas normas impostas pelas organizações (Dahling et al., 2012).

Com o intuito de mensurar o comportamento pró-social de quebra de normas, Dahling et al. (2012) desenvolveram a Escala Geral de Comportamento Pró-social de Quebra de Normas (GPSRBS – General Pro-social Rule Braking Scale), que procurou refletir as três dimensões do comportamento pró-social de quebra de normas identificadas por Morrison (2006). Em um primeiro estudo com a escala, conduzido em 179 funcionários de uma universidade nos EUA, os resultados das análises paralelas e das análises fatoriais exploratórias resultaram em uma solução de três fatores e 13 itens, com o primeiro fator (quebra de normas para maior eficiência no desempenho) contendo cinco itens; o segundo (quebra de normas com o intuito de ajudar os colegas de trabalho), quatro itens; e o terceiro fator (quebra de normas para a prestação de um melhor serviço aos clientes), quatro itens. Os índices de precisão desses fatores, calculados pelo coeficiente alfa de Cronbach, foram, respectivamente, iguais a 0,87, 0,91 e 0,86.

Em outro estudo, com uma amostra de 211 alunos trabalhadores de uma universidade estadunidense, Dahling et al. (2012), adotando procedimentos de análise fatorial confirmatória, constataram que a estrutura trifatorial originada no primeiro estudo foi integralmente reproduzida, além de ter sido verificada a presença de um construto de ordem superior formado pelos três fatores. No que diz respeito às evidências de validade convergente, os autores hipotetizaram que a escala apresentaria uma correlação negativa com a conscienciosidade, em função de esse traço de personalidade envolver um forte senso de disciplina e responsabilidade, o que predisporia os indivíduos a não se desviarem das expectativas formais da organização; bem como uma correlação positiva com os comportamentos de trabalho contraprodutivos, em razão de que muito embora os dois tipos de comportamentos tenham finalidades distintas, eles têm em comum o fato de se desviarem das regras estabelecidas pela organização. Tais hipóteses foram totalmente confirmadas, visto que os escores obtidos no fator geral da escala de comportamento pró-social de quebra de normas apresentaram uma correlação negativa com a conscienciosidade (r=-0,30; p<0,01) e uma correlação positiva com os comportamentos de trabalho contraprodutivos (r=0,54; p<0,01).

O comportamento pró-social de quebra de normas desempenha, portanto, importante papel nas organizações, em função de ser emitido com a intenção de beneficiar tanto a própria organização como os clientes e os funcionários, razão pela qual o desenvolvimento e a adaptação de instrumentos destinados à sua mensuração revestem-se de particular relevância. Fundamentandose em tais considerações, e no fato de que a Escala de Comportamento Pró-social de Quebra de Normas ainda não foi adaptada para amostras brasileiras, foi objetivo do presente trabalho traduzir, adaptar e buscar evidências de validade da referida escala no contexto brasileiro. Para tanto, foram realizados dois estudos, a serem detalhados a seguir.

 

Estudo 1

Esse estudo teve como objetivo identificar a estrutura interna da Escala de Comportamento Pró-social de Quebra de Normas (GPSRBS) em amostras brasileiras. Para tanto, foram adotados procedimentos de análise fatorial exploratória.

Método

Participantes

A amostra foi composta por 537 trabalhadores brasileiros, de ambos os sexos (52,3% do sexo masculino), provenientes de organizações públicas (22,5%) e privadas (77,5%), que concordaram voluntariamente em participar da pesquisa. Suas idades variaram de 18 a 67 anos (M=39,43; DP=10,44). No que diz respeito à escolaridade, 84,0% apresentaram nível superior completo. Quanto ao estado civil, 62,0% eram casados, com o restante distribuindo-se em solteiros (27,6%) e divorciados (10,4%). O tempo total de trabalho dos participantes variou de 1 a 45 anos (M=18,76; DP=10,97), enquanto o tempo de trabalho na empresa atual variou de 1 a 38 anos (M=6,04; DP=6,90). No que tange à função desempenhada, 41,8% exerciam funções de supervisão ou gerenciais, enquanto 28,7% pertenciam ao nível administrativo ou operacional, com os demais exercendo outras funções.

Instrumentos

Para a tradução da Escala de Comportamento Prósocial de Quebra de Normas (GPSRBS) foi adotado o procedimento de tradução e retradução (back-translation), que consiste na tradução dos itens para o português, seguida da tradução dessa versão novamente para o inglês (idioma original) e da comparação dessas duas versões, com o intuito de se verificar a equivalência conceitual entre as duas versões em inglês (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). A versão original da escala consta de 13 itens, a serem respondidos em escalas tipo Likert de cinco pontos, variando de “nunca” (1) a “muito frequentemente” (5). Exemplo de item: “Eu quebro as normas organizacionais ou políticas para tornar meu trabalho mais eficiente”. O instrumento de coleta de dados contou ainda com um questionário de informações sociodemográficas.

Procedimentos de Coleta e Análise de Dados

Inicialmente, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores. Após a aprovação, a coleta de dados foi realizada mediante formulário confeccionado no aplicativo Google Docs. Os indivíduos foram convidados a participar por meio de mensagens enviadas a suas caixas de mensagens e postadas em sites de relacionamento (Linkedin e Facebook), o que lhes garantiu o anonimato, e manifestaram sua concordância em participar da pesquisa mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes de responderem às perguntas do questionário.

Os dados foram analisados por meio da análise fatorial exploratória. Considerando que os itens são respondidos em escala ordinal (i.e., tipo Likert), optou-se pela estimação dos parâmetros por meio de Unweighted Least Squares (ULS), com base em correlações policóricas (declarando as variáveis como categóricas). Tendo em vista o modelo teórico da escala, composto por três dimensões de primeira ordem e uma dimensão geral de segunda ordem, as cargas fatoriais do fator de segunda ordem foram estimadas por meio da solução Schmid- Leiman. Ademais, a solução fatorial de primeira ordem foi rotacionada por meio do método Varimax. Essas análises foram conduzidas com o auxílio do software Factor (versão 10.3).

 

Resultados

Inicialmente foi examinada a possibilidade de realização da análise fatorial exploratória. A medida de Kaiser- Meyer-Olkin (KMO) foi de 0,94, indicando a adequação da amostra à análise fatorial.

Considerando-se que o modelo teórico da escala é composto de três fatores, foi realizada uma análise fatorial exploratória na qual foram retidos três fatores de primeira ordem e um fator geral de segunda ordem. Tal modelo explicou 82,8% da variância dos itens. A Tabela 1 apresenta as cargas fatoriais dos itens e fatores.

 

 

O Fator 1 compôs-se de cinco itens associados à quebra de normas para maior eficiência no desempenho das tarefas e foi denominado de “eficiência”. No Fator 2, concentraram-se quatro itens associados à quebra de normas com o intuito de ajudar aos colegas de trabalho e foi rotulado de “ajuda aos colegas de trabalho’. O Fator 3 foi denominado de “bom atendimento aos clientes”, por estar relacionado à quebra de normas para a prestação de um melhor serviço aos clientes. Os percentuais de variância explicados por esses fatores foram iguais a 60,4%; 7,6% e 5,2%, respectivamente.

A consistência interna dos escores fatoriais, estimada pelo alfa de Cronbach, apresentou valores iguais 0,89, 0,94 e 0,93 para os fatores um, dois e três, respectivamente. Tais resultados indicam a adequada precisão na estimação dos escores latentes. Esses achados corroboraram, portanto, os de Dahling et al. (2012), no que diz respeito à estrutura tridimensional da escala e à sua consistência interna.

Estudo 2

Foi objetivo desse estudo averiguar se a estrutura interna tridimensional da escala observada no Estudo 1 replicava-se em outra amostra, bem como averiguar evidências iniciais acerca de sua validade convergente. Para tanto, foram adotados os construtos de retaliação organizacional e proteção ao sistema.

A retaliação organizacional refere-se ao rompimento dos laços de lealdade entre o trabalhador e o empregador, ou seja, a um comportamento emitido contra a organização ou contra as pessoas que dela fazem parte, como forma de responder às injustiças no local de trabalho (Mendonça, Flauzino, Tamayo, & Paz, 2004). Seria assim de se esperar uma correlação positiva moderada entre o comportamento pró-social de quebra de normas e a retaliação organizacional (H1), na medida em que ambos os comportamentos trazem em seu bojo a quebra de normas. Os comportamentos de proteção ao sistema, por sua vez, relacionam-se a ações protetoras que o indivíduo adota em prol da organização, com o intuito de zelar pelo seu patrimônio (Porto & Tamayo, 2003). Como tais comportamentos mostram-se coerentes com as regras da organização, hipotetizou-se que haveria uma correlação negativa moderada entre o comportamento pró-social de quebra de normas e a proteção ao sistema (H2).

Método

Participantes

Participaram do estudo 491 trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro, com idades variando entre 18 e 67 anos (M=36,60; DP=12,60). A maioria dos participantes era de mulheres (59,7%) e apresentou nível de escolaridade superior completo (82,4%). Quanto ao estado civil, 48,1% dos participantes eram casados. O tempo de trabalho desses indivíduos variou de 1 a 50 anos (M=15,01; DP=11,67) e eles se distribuíram entre funções desempenhadas na iniciativa privada (58,2%) e em setores da administração pública (41,8%).

Instrumentos

Para avaliar o comportamento pró-social de quebra de normas foi utilizada a versão brasileira da Escala de Comportamento Pró-social de Quebra de Normas – (GPSRBS) validada no Estudo 1. A retaliação organizacional foi mensurada por meio da Escala de Comportamentos Retaliatórios (Mendonça et al., 2004), que se compõe de 15 itens, a serem respondidos em escalas de cinco pontos, variando de 1 (discordo fortemente) a 5 (concordo fortemente). Exemplo de item: “Deixar de colaborar com os colegas de trabalho”. A escala é unifatorial e apresentou no estudo original sobre sua construção um alfa de Cronbach igual a 0,92. No presente estudo, o alfa de Cronbach foi igual a 0,90.

Na avaliação dos comportamentos de proteção ao sistema foi adotada uma versão reduzida da subescala de proteção ao sistema, que integra a Escala de Civismo nas Organizações (Porto & Tamayo, 2003) e se compõe de cinco itens, a serem respondidos em escalas de cinco pontos, variando 1 (nunca) a 5 (sempre). Exemplo de item: “Zelo pela limpeza do ambiente de trabalho”. No estudo original de construção da escala, a dimensão em tela apresentou um alfa de Cronbach igual a 0,80, sendo que, no estudo atual, o alfa foi igual a 0,86. O instrumento de coleta de dados contou ainda com um questionário de informações sociodemográficas.

Procedimentos de Coleta e Análise de Dados

Inicialmente, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores. Após sua aprovação, os questionários foram aplicados on-line e presencialmente.

Na aplicação presencial, foi solicitada primeiramente a autorização dos responsáveis pelos respectivos setores de trabalho dos participantes, em organizações e em universidades. Em seguida, o questionário foi distribuído, preenchido e recolhido no próprio local. Na versão on-line, criou-se um formulário no aplicativo Google Docs e os indivíduos foram convidados a participar por meio de mensagens enviadas a suas caixas de mensagens e postadas em sites de relacionamentos (Facebook e Linkendin). Em ambos os casos, os respondentes manifestaram sua concordância em participar da pesquisa, mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para a análise de dados, a matriz de correlações policóricas provenientes dos dados obtidos foi submetida à modelagem de equações estruturais por meio do método de estimação Weighted Least Squares Mean and Variance Adjusted (WLSMV), em função do modelo de segunda ordem apresentado por Dahling et al. (2012). Para tanto, utilizou-se o software MPlus e foram avaliados os seguintes indicadores de ajuste: χ2, Comparative fit index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA).

A consistência interna da escala foi avaliada por meio do alfa de Cronbach e dos índices de confiabilidade composta. Para a verificação da validade convergente, foram calculadas as correlações (r de Pearson) entre a escala e os escores globais das duas outras medidas adotadas no estudo. Na análise dos coeficientes de correlação foram utilizados os critérios de Miles e Shevlin (2001), que classificam a magnitude das correlações de acordo com os seguintes intervalos: 0,10 – 0,29 (baixa); 0,30 – 0,49 (moderada) e maior que 0,50 (elevada). Tais procedimentos foram realizados no software SPSS versão 21.0.

 

Resultados

Os resultados obtidos na modelagem por equações estruturais indicaram que o modelo com três fatores de primeira ordem, com um fator de segunda ordem, ajustou-se bem aos dados χ2(gl)=209,5(61); TLI=0,99; CFI=0,99; RMSEA(IC 90%)=0,07(0,06 – 0,08). No que diz respeito às cargas fatoriais (coeficiente Pattern) não padronizadas, todas as estimativas foram estatisticamente significativas (razão crítica superior a 1,96). Portanto, nos intervalos de confiança não estão contidos o valor 0 e os parâmetros estimados podem ser considerados úteis ao modelo. Ademais, as cargas fatoriais foram, todas, positivas, o que indica uma direção única de resposta (i.e., não há itens invertidos).

A Figura 2 apresenta os parâmetros (pattern) padronizados do modelo (cargas fatoriais). Nela, é possível observar que todas as cargas foram superiores a 0,70, numa indicação de que as dimensões latentes explicaram pelo menos a metade da variância dos itens. Ademais, as cargas fatoriais entre os fatores de primeira ordem e o fator geral foram altas (≥0,84), o que evidencia a plausibilidade de uma dimensão geral no modelo, associada ao construto comportamento pró-social de quebra de normas.

 

 

No que se refere à consistência interna, foram observados os seguintes valores de confiabilidade composta (CC), a partir do modelo da Figura 1: eficiência = 0,89; colegas = 0,93; clientes = 0,92; dimensão geral = 0,90. Os indicadores alfa de Cronbach (α), por sua vez, apresentaram os seguintes resultados: eficiência = 0,85; colegas = 0,89; clientes = 0,89; dimensão geral = 0,84. Para avaliar as evidências de validade convergente da escala, os escores obtidos em cada um dos instrumentos foram computados. Posteriormente, foram calculadas as médias, desvios padrão e correlações entre as escalas (Tabela 2). Os resultados evidenciaram a existência de correlações positivas, porém fracas, entre as três dimensões da escala GPSRBS e a retaliação organizacional (quebra de normas para maior eficiência no desempenho: r=0,27; p<0,01; quebra de normas com o intuito de ajudar os colegas de trabalho: r=0,20; p<0,01; quebra de normas para a prestação de um melhor serviço aos clientes: r=0,20; p<0,01). Correlações negativas, porém, fracas, foram ainda observadas entre tais dimensões e a proteção ao sistema (quebra de normas para maior eficiência no desempenho: r=-0,16; p<0,01; quebra de normas com o intuito de ajudar os colegas de trabalho: r=-0,14; p<0,01; quebra de normas para prestação de melhor serviço aos clientes: r=-0,11; p<0,05), o que confirmou parcialmente as hipóteses 1 e 2 do estudo.

 

 

 

Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo traduzir, adaptar e reunir evidências iniciais de validade da Escala de Comportamento Pró-Social de Quebra de Normas (GPSRBS), mediante a análise de sua estrutura interna, precisão e validade convergente. No que diz respeito à estrutura interna da escala, os dados obtidos nas análises fatoriais exploratória e confirmatória evidenciaram que o modelo de três fatores da escala original (Dahling et al., 2012) apresentou bons índices de ajuste, permitindo a replicação integral do modelo original. Considerando-se, porém, a recenticidade da escala, não foram encontrados outros estudos destinados a avaliar a estrutura interna da GPSRBS, cujos resultados pudessem ser comparados aos resultados ora verificados, excetuando-se o dos próprios autores da escala.

No entanto, o modelo de três fatores mostra-se congruente com a teoria de Morrison (2006), segundo a qual o comportamento pró-social de quebras de normas é de natureza tridimensional, na medida em que ocorre em três situações associadas às políticas estabelecidas pela organização, quais sejam: quando o empregado busca trabalhar de forma mais eficiente no desempenho de suas tarefas, quando ele ajuda o colega de trabalho e quando ele proporciona um melhor serviço ao cliente.

Os índices de consistência interna dos três fatores, calculados pelo alfa de Cronbach e pela confiabilidade composta, mostraram-se excelentes, tanto no Estudo 1 quanto no Estudo 2. Consequentemente, eles também se mostraram consistentes com os achados de Dahling et al. (2012) que, nos três fatores, obteve, respectivamente, os seguintes resultados: 0,87, 0,91 e 0,86. Em relação ao fator geral, o alfa de Cronbach encontrado na presente investigação (α=0,84) também foi semelhante ao encontrado por Dahling et al. (2012) (α=0,86).

No que diz respeito à validade convergente da GPSRBS, verificou-se que os três fatores da escala em tela apresentaram correlações positivas fracas com a retaliação organizacional. Tais resultados confirmam parcialmente a hipótese 1 e mostram-se até certo ponto consistentes com os resultados anteriores obtidos por Dahling et al. (2012), que também observou uma correlação positiva entre o comportamento pró-social de quebra de normas organizacionais e o comportamento contraprodutivo no trabalho. No entanto, o autor obteve uma correlação moderada (0,54) entre tais construtos, enquanto no presente estudo a correlação foi fraca. Uma possível explicação para tal resultado diz respeito ao fato de que o comportamento de quebra de normas, embora tenha a intenção de favorecer a organização, implica a quebra de laços de lealdade às normas instituídas, o que ocorre também no caso da retaliação organizacional, apesar de esta última não visar o benefício da organização (Dahling et al., 2012). Em outras palavras, tanto o comportamento pró-social de quebra de normas quanto os comportamentos contraprodutivos compartilham entre si a vontade de se desviar das regras estabelecidas pela organização, muito embora as motivações subjacentes a ambos sejam distintas.

Correlações negativas fracas foram também observadas entre as três dimensões do comportamento pró-social de quebra de normas e o comportamento de proteção ao sistema, o que se mostra parcialmente congruente com a hipótese 2. Tais achados assemelham-se aos resultados anteriores de Dahling et al. (2012), que observou uma correlação negativa fraca (-0,30) entre a conscienciosidade e o comportamento pró-social de quebra de normas. Parece, assim, que a quebra de normas pode contribuir para a eficiência da organização, mas não se mostra capaz de protegê-la. É possível que esse resultado se deva ao fato de que as pessoas que dão maior valor às ações de proteção à organização podem se mostrar reticentes quanto ao engajamento em comportamentos que envolvam a quebra de normas, ainda que eles possam ser em prol da organização, por considerarem que esses comportamentos envolvem riscos e podem, assim, acabar se mostrando disfuncionais para a organização, em que pese a motivação pró-social a eles associada (Dahling et al., 2012).

Cumpre ressaltar que embora os resultados ora observados tenham-se mostrado condizentes com a pesquisa anteriormente realizada por Dahling et al. (2012), eles, ainda assim, suscintam reflexões sobre o fato de o comportamento pró-social de quebra de normas constituir-se realmente em um desvio positivo. Assim é que, teoricamente, ele é definido como positivo, por estar relacionado a motivações pró-sociais destinadas a beneficiar os clientes, os colegas e a organização (Morrison, 2006). No entanto, as normas organizacionais prescrevem os comportamentos aceitáveis a seus membros, como forma de garantirem a uniformidade dos padrões de conduta no ambiente laboral e, em consequência, o adequado funcionamento da organização (Lux, Ferris, Brouer, Laird, & Summers, 2008). Logo, a quebra de normas, ainda que com motivações pró-sociais, não poderia, em tese, mostrar-se benéfica à organização e ser assim considerada positiva.

Acrescente-se a isso o fato de que os itens da Escala de Comportamento Pró-Social de Quebra de Normas referem-se a situações genéricas de quebra de normas que podem ser encontradas em diferentes tipos de organizações. Contudo, mesmo assim, os itens parecem ter levado os respondentes a eliciarem esquemas cognitivos associados ao aspecto negativo do construto, relacionado à quebra de normas, e não a seu aspecto positivo, relacionado à sua natureza prossocial. Nesse sentido, tanto no presente estudo, como no de Dahling et al. (2012), o comportamento pró-social de quebra de normas foi provavelmente percebido como negativo, a julgar pelas correlações negativas do construto com a conscienciosidade e com os comportamentos de proteção ao sistema, e por suas correlações positivas com os comportametos retaliatórios e os comportamentos contraprodutivos.

Tais contradições indicam, portanto, a necessidade de estudos futuros capazes de aprofundar a real concepção do comportamento pró-social de quebra de normas, no que diz repeito a sua conotação positiva ou negativa, segundo as percepções dos membros organizacionais. Outros estudos poderiam aprofundar a rede nomológica do construto, mediante a identificação de suas relações com variáveis antecedentes do contexto organizacional, como, por exemplo, o suporte do supervisor e o de colegas, bem como com atitudes e comportamentos organizacionais a ele consequentes, como, por exemplo, o desempenho.

Quanto às limitações da atual investigação, o fato de todas as medidas utilizadas terem sido de autorrelato pode ter introduzido efeitos de desejabilidade social nos dados. Outro ponto que deve ser enfatizado refere-se à generalização dos resultados, na medida em que a amostra adotada foi de conveniência, o que restringe as possibilidades de generalização dos achados. Tornam-se, portanto, necessárias mais pesquisas, com diferentes tipos de trabalhadores, pertencentes a diferentes setores e organizações, que permitam maior generalização dos dados ora verificados. Ainda assim, as evidências iniciais de validade presentemente obtidas recomendam o uso futuro da escala em investigações brasileiras destinadas a avaliar o comportamento pró-social de quebra de normas no contexto organizacional.

 

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recebido em dezembro de 2015
reformulado em abril de 2016
aprovado em abril de 2016

 

 

Sobre os autores

Maria da Gloria Lima Leonardo: é mestre em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ, secretária executiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Maria Cristina Ferreira: é doutora em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas, professora titular e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ.
Felipe Valentini: é doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ.
Larissa Maria David Gabardo-Martins: é psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ.


1Endereço para correspondência: Rua Marquês de Valença, 80, apto 602, 20550-030, Tijuca-RJ. Tel.: (21) 2569-1176, 98898-9207. E-mail: mcris@centroin.com.br


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