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Psicologia em Revista
Print version ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.18 no.3 Belo Horizonte Dec. 2012
SEÇÃO ABERTA
Saúde mental na atenção básica: política, trabalho e subjetividade
Mental health in primary care: politicy, labor and subjectivity
Salud mental en la atención primaria: la política, el trabajo y la subjetividad
Patricia Pinto de Paula;*
Entre 2003 e 2006, o Ministério da Saúde promoveu, pelos respectivos fóruns das comissões de saúde das três esferas de governo (municipal, estadual, federal), políticas e programas a fim de consolidar e expandir o SUS. Uma confluência das diretrizes se deu no Pacto pela Saúde, assinado em 2006. Nesse mesmo ano, assinou-se a Política Nacional de Atenção Básica, apresentando a estratégia da saúde da família como norteadora da organização dos serviços voltados para atenção às necessidades da população que vive no território adstrito à unidade básica de saúde (UBS)/centro de saúde.
A gestão municipal do SUS-Belo Horizonte, campo de nossa pesquisa, em consonância com as diretrizes nacionais, afirma que 75% das demandas de saúde deverão ser acolhidas na rede de atenção primária à saúde, hoje composta por 145 centros de saúde. Os trabalhadores alocados nos centros de saúde do SUS-BH que compõem as equipes de saúde da família são médicos clínicos, enfermeiros, auxiliares, agentes comunitários de saúde, profissionais generalistas da saúde da família, que deverão responsabilizar-se pelo acolhimento e tratamento da população moradora no território circunvizinho à unidade.
Pacientes e familiares, os moradores do território onde se localiza o respectivo centro de saúde, deverão ter as equipes de saúde da família como referência para suas demandas de saúde. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte organiza a rede de atenção primária à saúde, na qual o centro de saúde "É a porta de entrada para atender a qualquer demanda da população adstrita na mesma região da unidade" (Belo Horizonte, 2003). Os profissionais dos centros de saúde deverão acolher e cuidar de um contingente significativo de usuários do SUS, incluindo as pessoas com sofrimento mental.
Segundo dados da OMS, citado em documento do Ministério da Saúde (Brasil, 2003), 3% da população mundial apresenta "transtornos mentais severos", o que, no Brasil, significa em torno de 5,7 milhões de pessoas. Os "transtornos mentais leves" se apresentam em 9%, representando aproximadamente 17,1 milhões de brasileiros com "queixas psicossomáticas, dependência de benzodiazepínicos, transtornos de ansiedade menos graves, etc., que procuram pela Unidade Básica de Saúde (UBS) de sua área de referência" (Brasil, 2003).
A busca pela consolidação e expansão da estratégia política e de assistência do SUS por meio da saúde da família vem passando, além de êxitos, por inúmeras dificuldades, principalmente no que se refere aos recursos humanos e à gestão do trabalho. O que se soma à complexidade do atual contexto político da assistência SUS, que busca integrar atenção à saúde mental à rede de assistência de atenção primária. Essa atual diretriz política se formaliza pelo trabalho compartilhado entre especialistas, a exemplo dos profissionais da saúde mental, com os generalistas da saúde da família. Em 2008, o Ministério da Saúde formalizou, em âmbito nacional, o apoio técnico-assistencial a ser desenvolvido junto aos profissionais da saúde da família, por especialistas que compõem a equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
No Município de Belo Horizonte, o trabalho compartilhado de apoio para atenção à saúde mental nas UBS é realizado por meio de reuniões sistemáticas de matriciamento, nos encontros com a equipe de especialistas do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e também por reuniões entre equipes de saúde mental. A rede de atenção primária do SUS-BH, hoje, conta com equipes de saúde mental composta por psiquiatras e psicólogos em 67 centros de saúde. Cabe a esses especialistas atender as pessoas com demandas de saúde mental e também realizar reuniões para o apoio técnico-assistencial, o matriciamento, aos profissionais da saúde da família, em até três outras UBS.
A pesquisa teve como principal objetivo compreender relações entre as diretrizes políticas de saúde, o trabalho realizado em saúde mental na UBS e a subjetividade dos profissionais das equipes de saúde da família e saúde mental alocados nos centros de saúde. Desenvolvemos a pesquisa por meio de análise documental das políticas de saúde e entrevistas coletivas fundamentadas na psicodinâmica do trabalho. A pesquisadora participou de reuniões de matriciamento, momento em que os especialistas realizam apoio técnico-assistencial, compartilhando informações e estratégias clínicas para capacitar e ampliar um melhor atendimento a demandas específicas da população. Em nossa pesquisa, focalizamos o trabalho compartilhado por meio do matriciamento entre os profissionais especialistas da saúde mental e os trabalhadores generalistas da saúde da família.
A pesquisadora acompanhou também as reuniões de equipes de saúde da família, realizadas semanalmente em três centros de saúde do Distrito Sanitário Nordeste de Belo Horizonte, ao longo do ano de 2010. Retornamos, no ano de 2011, às três UBS para discutirmos a análise realizada, quando pudemos compartilhar com os profissionais da saúde da família e da saúde mental as estratégias de enfrentamento elaboradas com base nos constrangimentos advindos do trabalho com saúde mental na UBS. Momento significativo para a produção da tese quando aprimorarmos as análises da pesquisa e também para os grupos envolvidos no trabalho com saúde mental na atenção primária.
Das análises realizadas, destacamos as contradições das políticas de saúde: uma sobrecarga de trabalho com "o sofrimento social", as "pessoas infelizes", os "poliqueixosos", os "neuróticos leves" que procuram a UBS, pois esta, segundo os programas, é a "porta aberta de entrada" no SUS. Entretanto, a rede de assistência especializada e a rede de serviços substitutivos em saúde mental devem priorizar os "casos graves e crises psiquiátricas", gerando sobrecarga de agendamentos para os profissionais da atenção básica. Na avaliação dos profissionais da UBS, há escassez de "unidades, equipes e formação". Limites que dificultam a participação dos generalistas da saúde da família nas reuniões de matriciamento com os especialistas da saúde mental, para se capacitarem quanto ao acolhimento das demandas "específicas, complexas e crescentes" da saúde mental. Outro destaque dado foi relativo à lógica de gestão produtivista que adentra a administração da rede de atenção primária do SUS, implicando exigências quantitativas quanto a "visitas domiciliares, consultas e prescrições", em contraposição à diretriz posta para o acolhimento a ser realizado na UBS.
As ressonâncias desse trabalho na subjetividade dos profissionais são diversas, entre as quais ressaltamos: o "sentimento de impotência" diante do "sofrimento social" que se apresenta no Centro de Saúde em número crescente, com demandas que se tornam cada vez mais complexas; "insegurança e ansiedade" em relação às exigências da gestão quanto ao "acolhimento humanizado", em contraposição à avaliação quantitativa de tarefas realizadas. Os trabalhadores estão implicados em promover a saúde mental na atenção básica mesmo com recursos escassos. O que faz valer as políticas de saúde para nós, cidadãos brasileiros, na direção dos princípios universais do SUS: uma atenção integrada, universal e equânime. Paradoxalmente, a conjuntura política e de gestão do trabalho, analisados, potencializam riscos à saúde de trabalhadores, que se encontram entre angústia, ansiedade e inseguranças ante a crescente e complexa demanda de saúde mental na "porta de entrada do SUS": o centro de saúde.
Referências
Belo Horizonte. Prefeitura Municipal. (2003). Saúde mental na assistência básica.Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde. [ Links ]
Brasil. Ministério da Saúde. (2003). Saúde mental e atenção básica: o vínculo e o diálogo necessários. Recuperado em 4 de agosto, 2012, de http://portal.saude. gov.br/portal/arquivos/pdf/diretrizes.pdf. [ Links ]
Paula, Patrícia Pinto de. (2011). Saúde mental na atenção básica: política, trabalho e subjetividade.Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
* Doutora em Psicologia Social, área de concentração em Psicologia Social e do Trabalho no Programa de Pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo. Orientadora: Dr.ª Ianni Regia Scarcelli. Defesa da tese para obtenção do título realizada em 26 de janeiro de 2012.E-mail:patriciapintodepaula@gmail.com.