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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.8 no.1 Ribeirão Preto June 2007

 

ARTIGOS

 

Grupo de expressão: uma prática em saúde mental 1

 

Expression group: a mental health practice

 

Grupo de expresíón: una practica en salud mental

 

 

Sandra Fogaça Rosa Ribeiro 2

Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências - UNESP - Bauru, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo refere-se a uma prática substitutiva em reabilitação psicossocial com usuários de uma unidade de saúde mental da rede pública. Consiste em um grupo de expressão, viabilizado por atividades ligadas à música e ao teatro, trabalhando a ampliação da comunicação com o mundo interno e externo. Destina-se tanto a transtornos neuróticos como psicóticos. As idéias são desenvolvidas por meio de contribuições teóricas sobre a arte como possibilidade terapêutica.

Palavras-chave: Saúde mental; Terapia pela arte; Psicoterapia de grupo.


ABSTRACT

The article concerns to an alternative practice of psychosocial rehabilitation with users from a mental health public unit. It consists of an expression group, which is achieved through a set of activities related to music and theater, aiming at the increase of communication with the internal and external world. It is both addressed to psychotic and neurotic disturbances. These ideas have been developed through theoretical contributions about the art as a therapeutic agent.

Keywords: Mental health; Art therapy; Group psychotherapy.


RESUMEN

El articulo es referente a una practica con usuarios de una unidad de salud mental de una red publica,cujo objetivo es la reabilitación psicosocial. Consta de un grupo de expresión atraves de una actividad relacionada con la música y el teatro, trabajando la ampliación de la comunicación con el mundo interno y externo. Se destina tanto a los transtornos neuróticos como psicóticos. Las ideas son desarrolladas através de contribuiciones teóricas de algunos autores que hacen referencia a la arte como posibilidad terapeutica.

Palabras clave: Salud mental; Terapeutica por la arte; Psicoterapia de grupo.


 

 

INTRODUÇÃO

Podemos agora dizer, em retrospecto, que Johnson teria sido muito mais
bem servido se procurasse os conselhos de alguns poetas.

Capra (1982, p. 37)

Essa foi a reflexão feita por Capra (1982), um físico, ao ficar sabendo que o Presidente Johnson teria pedido, como último recurso, a ajuda dos físicos para resolver os problemas da guerra no Vietnã. De forma similar, a arte, enquanto manifestação criativa do ser humano na sua luta interior, tem sido resgatada enquanto prática terapêutica na assistência em saúde mental.

O grupo de expressão oferecido aos pacientes em uma unidade de saúde mental da rede pública ocorreu de outubro de 2001 a outubro de 2004, fundamentado em várias experiências anteriores desenvolvidas na própria unidade, nas quais a arte foi se constituindo como uma forma de elaborar a desorganização interna do ser humano.

Desde a Renascença, a história da loucura se entrelaçou com a história da arte, passando em seguida por um longo período de silêncio e exclusão, pelas exigências do primado da razão do mundo moderno. Nesse sentido, Foucault (1972, p. 45) afirma: “A loucura, cujas vozes a Renascença acaba de libertar, cuja violência porém ela já dominou, vai ser reduzida ao silêncio pela era clássica através de um estranho golpe de força”. Segundo Passos e Beato (2003, p. 9), “as duas versões de desrazão renascentista encontrariam suas formas de expressão, respectivamente, em uma versão trágica e cósmica, nas obras de arte e literatura da época”.

A era clássica traz uma involução da loucura, que perde seu espaço na arte de visão trágica renascentista e passa a ser inscrita no modelo asilar de tratamento do louco. Mais tarde, na modernidade, o médico Philippe Pinel introduziria um marco definitivo da percepção da loucura como desrazão e erro, apoiado no racionalismo historicamente desenvolvido desde a era clássica. Com isso, fecha-se o ciclo de dominação da loucura, transformada em doença mental (PELBART, 1989).

Dessa forma, a sociedade moderna criou espaços de enclausuramento como suposto tratamento para a doença mental. No entanto, o movimento da Reforma Psiquiátrica foi construindo críticas a esse modelo, revelando formas substitutivas de trabalho. Paulatinamente, algumas transformações foram compondo o cenário da luta a favor da saúde mental em espaços abertos, em detrimento das medidas estritamente manicomiais.

Essas mudanças passaram a requerer o desenvolvimento de novas práticas. É nesse contexto que se inserem as práticas substitutivas, enquanto possibilidades de reabilitação psicossocial. A reabilitação psicossocial é compreendida como uma estratégia de atenção ao paciente no desenvolvimento de sua autonomia, no gerenciamento de sua própria vida, em num “processo de reconstrução, um exercício pleno de cidadania...” (SARACENO, 2001a, p. 16). Para atuar dessa forma o profissional tem que fazer uma constante reflexão, para que as novas práticas não se reduzam a rótulos novos a batizarem velhas condutas, mas que conduzam ao que Saraceno (2001b, p. 150) define como “uma prática à espera de uma teoria”.

É com esse desejo de reflexão que este artigo foi elaborado, em uma articulação da prática com a teoria, em um convite a uma construção conjunta de um saber que vai ao encontro da prática de cada profissional envolvido com a saúde mental.

 

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

Para contextualizar a experiência do grupo de expressão será feita uma breve retomada histórica da construção da atenção em saúde mental no Brasil.

Retrospectivamente, a atenção à doença mental foi se desenvolvendo num contexto restrito a medidas asilares ou de enclausuramento, tendo como marco inicial na realidade brasileira o Hospital Psiquiátrico D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852. Apesar de algumas tentativas de inclusão de outras opções de tratamento, na época pela Assistência Médico Legal dos Alienados e mais tarde pela Liga Brasileira de Higiene Mental, cem anos depois, quase todos os estados só contavam com hospícios em precárias e lamentáveis condições de assistência (DALMOLIN, 2000).

Em meados do século XX, a intensa “psiquiatrização” dos serviços foi reforçada com o aparecimento dos primeiros neurolépticos, caracterizada pelo seu uso abusivo e indiscriminado. As repercussões disso foram observadas como mecanismo de repressão e alienação social no período da ditadura política. Nessa mesma época o Estado passou a comprar serviços da rede privada, promovendo o que foi denominado “indústria da loucura” (AMARANTE, 1995).

Vasconcelos (1985) ressaltou os altos custos das internações e a falta de resolutividade, tornando a doença mental crônica e incapacitante, com o agravante da sobrecarga do sistema previdenciário, devido à crescente demanda de auxílio-doença e aposentadorias permanentes. Tais fatos só colaboraram para a perda da autonomia e da cidadania da pessoa com sofrimento psíquico, na maioria das vezes, tutelada por alguém da família, que passava a responder por ela.

Na década de 1970, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), ator e sujeito da Reforma Psiquiátrica Brasileira, reuniu várias categorias de profissionais que denunciaram a falta de recursos, precariedade dos serviços e a necessidade de reestruturação, bem como, da garantia da cidadania dos doentes mentais. Fortalecidos e inspirados teoricamente pelas experiências da Psiquiatria Democrática Italiana, ocorreram intervenções no sentido de extinguir progressivamente os serviços hospitalares, caracterizando o início da luta antimanicomial, sob o lema “por uma sociedade sem manicômios” (AMARANTE, 1995).

Resultante desses movimentos, o Projeto de Lei Paulo Delgado foi encaminhado ao Congresso Nacional, objetivando garantir legalmente a desospitalização e desenvolvimento de recursos assistenciais substitutos. A morosidade na tramitação legal foi de mais de uma década, sendo submetida a várias reformulações até a aprovação pelo senado, constituindo-se na Lei 10.216/2001 (BRASIL, 2001).

Com o decorrer do tempo, apareceram serviços abertos, como os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAP), que mais tarde se transformaram em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O CAPS é uma designação utilizada na Nicarágua, emprestada para definir as tarefas desempenhadas por uma equipe na reabilitação, prevenção e tratamento psicossocial. A ênfase é na atenção à singularidade do usuário e no desenvolvimento de sua autonomia, no que se refere ao gerenciamento de sua própria vida (GOLDBERG, 2001).

Segundo Bezerra (2001, p. 138) o conhecimento e a crítica desse modelo hospitalocêntrico coloca “todos no mesmo barco”. No entanto, a mudança desse quadro requer o desenvolvimento de novas práticas. E é nesse contexto que se ajustam as práticas estabelecidas na rede substitutiva de reabilitação psicossocial. Esta última, compreendida como uma estratégia de atenção ao usuário, no desenvolvimento da autonomia, no gerenciamento de sua própria vida, num “processo de reconstrução, um exercício pleno de cidadania” (SARACENO, 2001a, p. 16).

Essas práticas estão em conformidade com as oficinas terapêuticas, uma das formas de tratamento no contexto da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2004). Podem ser operacionalizadas de diversas formas, inclusive através da música e do teatro como é o caso deste trabalho.

Vários trabalhos com esse direcionamento foram encontrados na literatura. A arte foi identificada como possibilidade de comunicação para pessoas com transtornos psicóticos, com base na psicanálise e nos trabalhos de Nise da Silveira (KARNIOL, 2003). A psicologia clínica foi enriquecida pelo tratamento psicodramático, com uma compreensão da doença a partir de um coletivo e não só do individual (AGUIAR, 1997). Terapeutas ocupacionais também têm explorado a arte, especialmente em grupos (COSTA & cols., 2000). Parcerias entre serviços ambulatoriais de psiquiatria e atelier de artes plásticas foram implementadas, com vistas ao resgate da cidadania e qualidade de vida dos usuários (GALVÃO, 2001). Agentes Comunitárias de Saúde aprendem que com o teatro é possível ajudar crianças na expressão do afeto e da espontaneidade no Programa Saúde da Família (ARAÚJO, 2005). O teatro foi utilizado em hospital-dia, problematizando aspectos como identidade e desrazão que permeiam o mundo contemporâneo e a loucura (PELBART, 1998). Sordi (2003) relata a realização de vários estudos sobre arte, criatividade e terapia, ressaltando questões e dúvidas que fazem parte desse campo do saber, ainda em construção.

 

CARACTERIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO GRUPO

A escolha da abordagem grupal foi feita baseada na característica potenciliadora do tratamento em grupo. Neste sentido Maximino (2001, p. 15) remete-se a capacidade “provocadora” da atividade grupal que produz um campo intermediário, onde a produção desse grupo pode se materializar, numa conexão do pessoal e do ambiental. Assim “a voz, os sons e os estímulos visuais” constituem-se nessa materialidade.

No grupo de expressão, assim denominado na unidade, o campo intermediário é materializado principalmente pelo teatro e/ou pela música. A formação das duas psicólogas envolvidas no projeto era pertinente a essas modalidades, sendo uma em psicodrama e outra em música. Também compunha a equipe uma auxiliar de enfermagem, com afinidade em atividades artísticas em geral.

O objetivo do grupo era trabalhar a ampliação da comunicação com o mundo interno e externo, promovendo a reabilitação psicossocial.

O referencial teórico psicanalítico, utilizado de forma ajustada ao contexto e a população destes grupos, considera segundo Contel (1997, p. 277) “que a compreensão psicanalítica dos momentos de integração e coesão, que se alternam com momentos caóticos e de fragmentação do grupo, é bem vinda e útil para o terapeuta orientar-se na intervenção a tomar. (...) A interpretação (...) no entanto, costuma ser um desastre que mais ‘bota lenha na fogueira’ da confusão psicótica do que contribui para orientar o paciente”.

A população era heterogênea, no que se refere à psicopatologia, aberto tanto aos pacientes com transtornos neuróticos quanto aos com transtornos psicóticos. No entanto havia uma prevalência de pacientes com transtornos psicóticos, com o cuidado de trabalhar a dinâmica de cada um através do manejo das técnicas grupais, considerando, segundo Bleger (1998), as peculiaridades de cada estrutura vivenciadas nos diversos momentos do grupo, conforme se processava a formação dos vínculos nas relações interpessoais.

A periodicidade do grupo era semanal, sendo a duração das sessões de uma hora e quinze minutos, do tipo aberto, desde que o número de participantes não excedesse a 15 pessoas, o que dificultaria o manejo das técnicas no grupo.

O tempo de permanência no tratamento era variável, dependendo de cada caso, havendo um planejamento de acompanhamento, após a saída do grupo. Algumas possibilidades de acompanhamento de alta do grupo foram: atendimentos individuais de freqüência mensal, encaminhamento para outro grupo da unidade de caráter psicoterápico e processos de desligamento, enquanto se trabalhava a possibilidade de monitoria em grupos da comunidade.

A demanda foi sendo reconhecida, em várias situações: triagem, acolhimento em geral, acolhimento de egressos, contato com o paciente na entrega da medicação pela enfermagem, indicação da equipe da unidade. Algumas características dos pacientes contribuíram para reconhecê-los com indicação para o grupo: interesse por teatro ou música, embotamento, dificuldade de relação, necessidade de um tratamento que envolvesse o aspecto não verbal, critérios de indicação para grupo em geral. A avaliação diagnóstica, que na maioria dos casos ainda estava se processando, vinha complementar a indicação e ao mesmo tempo contribuir com ela, enquanto um processo em constante revisão (SARACENO; ASIOLI; TOGNONI, 1994).

Além do trabalho do grupo propriamente, o trabalho era complementado, dentro das possibilidades e limitações impostas pela diversidade e excesso de demanda na unidade, através de um acompanhamento individualizado aos pacientes e se necessário aos familiares. Isso ocorria na medida em que iam aparecendo as mais variadas questões concernentes ao que Saraceno (2001a, p. 16) explicita como contratualidades, referentes à três grandes cenários: “habitat, rede social e trabalho”. Os casos eram acompanhados pelas próprias terapeutas do grupo e/ou encaminhados para outros profissionais da própria unidade ou fora dela, mantendo-se uma comunicação à respeito da evolução do trabalho.

Dentre as diversas atividades desenvolvidas no grupo, algumas delas foram: exploração dos sons da sala, expressão sonoro-musical (com instrumentos musicais ou com a voz), audição de seleção de sons do cotidiano, roda de canto e dança, encenação de histórias criadas pelo grupo, exercícios de soltura, exercícios de prática coral ou de técnica vocal.

Todas essas atividades e outras favoreceram o objetivo, facilitando a expressão e ampliando os canais de comunicação com o mundo interno e externo.

Para reflexão e reestruturação permanente do trabalho, as terapeutas se reuniam semanalmente, avaliando a contribuição do grupo no projeto terapêutico de cada participante, planejando modificações ou mantendo o que estava sendo feito.

 

REFLEXÕES

Alguns componentes básicos das relações interpessoais, que se atualizavam no processo grupal através das atividades de expressão musical e teatral, serão mencionados, refletindo-as segundo as contribuições teóricas de alguns autores.

Segundo Costa (1989), a comunicação é facilitada através do “fazer musical”, na medida em que proporciona uma possibilidade de tradução de uma realidade simbólica, do seu mundo interno para o externo, em consonância com a atualização dos primórdios da relação mãe-filho. Para explicar como isso acontece Costa (1989, p. 80) reconhece a importância primordial da voz materna para a entrada da pessoa no campo semântico e na cultura, sendo que as falhas nesse processo podem ser reparadas ao revivê-las no “fazer musical”, através do “escutar e ser escutado, tendo início uma forma rudimentar de percepção do "outro". Tal percepção pode ser ampliada, na medida em que essa pessoa é gradativamente envolvida numa produção sonora do grupo, dando entrada num discurso socializado.

Considerando as perdas sofridas pelo usuário nas longas internações, uma das dificuldades era reinseri-lo na rotina de uma sociedade permeada por diversas regras. Essa questão foi desafiadora para as terapeutas, considerando a necessidade de tomar diversos cuidados para que o acompanhamento no grupo não se transformasse num controle rígido e normatizador, com repercussões igualmente desastrosas na reabilitação psicossocial. Segundo Fromm (1958) a disciplina enquanto algo internalizado e não imposto por toda a vida por terceiros também é algo a ser vivido através do fazer artístico.

A forma como isso aconteceu no grupo foi através de um jogo musical, o cânone. Foi possível vivenciar situações de ter que ouvir o outro cantar para saber qual era hora de entrar no jogo ou na música. Caso isso não ocorresse, o jogo estaria interrompido, sendo isso facilmente perceptível, não pelas vias verbais, mas pelo som que não combinava, tornando-se engraçado. Isso possibilitou trabalhar com humor a dificuldade com as regras sociais. Mas o mais importante, é que foi possível perceber que qualquer participante poderia entrar no jogo quantas vezes quisesse, desde que fosse com regularidade, num dado momento, que o cantar junto claramente indicava. Não seria essa uma forma terapêutica de ajudar a pessoa com transtorno mental a tomar contato com as regras e conseguir lidar melhor com o seu menor ou maior grau de desorganização psicótica na conexão com o mundo externo, facilitando a socialização?

A concentração da atenção no outro ou perceber o outro é difícil para quem está num quadro de alteração da percepção e do pensamento, capturado pelos delírios e alucinações. Através do exercício de atividades artísticas é possível estimular a concentração equilibrada em si mesmo e no outro de forma lúdica e prazerosa. Fromm (1958, p. 149) coloca que, para concentrar-se no outro, é necessário antes de tudo conseguir ouvir primeiro a si mesmo e depois o outro, sendo uma ilusão pensar que ficaria mais fatigado no exercício da concentração, considerando que “qualquer atividade feita com concentração torna-nos mais despertos e o contrário, sonolentos e mais difícil dormir ao fim do dia”.

O narcisismo, segundo Fromm (1958) é ver todas as coisas externas como se elas fossem criação suas, produto de seus temores e desejos, mais ou menos como se faz no sonho. Assim, o

narcisismo seria caracterizado pela total ausência de relações com o meio, por uma indiferenciação entre o ego e o id, e teria o seu protótipo na vida intra-uterina, da qual o sono representaria uma reprodução mais ou menos perfeita (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p. 288).

Assim o sujeito toma a si mesmo como objeto de amor. Lacan denominou essa fase como fase do espelho, na qual não há uma ausência total do outro, mas uma interiorização da relação com o outro, o sujeito se vê no outro. De qualquer forma, o narcisismo - presente nas pessoas em certa medida, como primeira subjetivação humana do “eu” em grau elevado, compromete o equilíbrio da saúde mental, podendo chegar a quadros psicóticos, como ensimesmamento e auto-referência. “A alienação na imagem do outro pode significar, em condições patológicas, uma captura avassaladora para o sujeito, tal como no trágico destino de Narciso” (BARROSO, 2006, p. 94).

Em meio às atividades artísticas o paciente pode encontrar alternativas para um posicionamento mais saudável, na medida em que a atividade possibilita separar a imagem formada pelos próprios desejos e temores daquilo que realmente é. Em vários jogos de representação teatral, o “faz de conta” abre espaço para isso. Segundo Moreno (1984, p. 105-106) no teatro terapêutico “a realidade é testada através da ilusão, (...) através de um processo de bem humorada auto-reflexão”. Torna-se possível ver-se a si mesmo e aos outros e colocar os conteúdos e delírios inseridos em um contexto, não mais soltos, misturados e despedaçados. Diener (1984, p. 136) afirma que os devaneios e alucinações que só aparecem em sonhos nas estruturas neuróticas, podem ser personificados em figuras de fantasias dentro de um contexto psicodramático, evitando que o paciente “isolado da realidade, afunde ainda mais na escuridão de seu mundo”.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos momentos de avaliação da equipe sobre o trabalho foram observados resultados favoráveis no desenvolvimento da autonomia, refletida nos diversos aspectos da vida do paciente, como: trabalho, retorno aos estudos, relacionamento com a família, ampliação do círculo de amizades.

Durante o processo foi possível acompanhar casos que puderam evoluir no grupo, na elaboração de seus conflitos internos que impediam a comunicação com o mundo externo. A inserção na comunidade foi possibilitada. Familiares e usuários puderam desfrutar de momentos de encontro, mediados pelo trabalho do grupo, resolvendo questões extremamente relevantes. Uma delas foi a alteração na rotina diária junto à família, frente aos desejos de realizar tarefas domésticas e cuidados pessoais, outorgadas a outros. Isso representou um avanço na relação com a família. O ganho das aposentadorias, antes gerenciadas por um tutor, passou a ter a participação do usuário, propiciando-lhe autonomia. Outros puderam descobrir que ao melhorarem, podiam desenvolver atividades de monitoramento em grupos de socialização para outros usuários, passando a elaborar planos para isso.

Finalizando, nas atividades artísticas mais variadas propostas ora pelas terapeutas, ora pelos participantes do grupo, tornou-se possível o exercício da espontaneidade, surgindo conteúdos e emoções variadas tais como: medo, raiva, alegria, ciúmes, delírios ligados à sexualidade, idéias de morte, solidão, medo da vida, a crise, o sentido da crise, as internações, os sonhos, política, família. Tudo isso faz parte da vida. Só que na vida se é surpreendido por essas coisas que acontecem à revelia de cada um. Na brincadeira é possível espreitá-las, dominá-las, acomodá-las e gritar no momento exato do absurdo, do delírio e do desconforto!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Sandra Fogaça Rosa Ribeiro
E-mail: sandrafogacarr@gmail.com

Recebido em 03/02/07.
1ª Revisão em 17/03/07.
Aceite Final em 08/05/07.

 

 

1 Agradecimento à psicóloga Niuza Sene Maciel, pela parceria no trabalho.
2 Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva pela UNESP - Botucatu. Professora/Tutora do Programa Integração Universidade Serviços Comunidade-IUSC, Faculdade de Medicina UNESP - Botucatu, Professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências, UNESP - Bauru, SP.